Thursday 23 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - III

 

Exemplos de Nestório, Fotino e Apolinário

11. Chegando a este ponto, alguém poderá me pedir que contraste as palavras de Moisés com exemplos tomados da História da Igreja. O pedido é justo e respondo a seguir. Partindo, em primeiro lugar, de fatos recentes e bem conhecidos, poderia alguém de nós imaginar a prova pela qual atravessou a Igreja, quando o infeliz Nestório se converteu repentinamente de ovelha em lobo, começou a desgarrar o rebanho de Cristo, ao mesmo tempo que aqueles a quem ele mordia, o tendo por ovelha, estavam assim mais expostos a seus mordiscos? Na verdade dificilmente podia passar pela cabeça de alguém que pudesse estar em erro quem tinha sido eleito pela alta judicatura da corte imperial e tinha grande estima pelos outros bispos. Rodeado de profunda afeição das pessoas piedosas e de uma grande popularidade, todos os dias explicava publicamente a Sagrada Escritura, e refutava os erros perniciosos dos judeus e pagãos. Quem não estava convencido que de que um homem desta classe não ensinava a fé ortodoxa, que pregava e professava a mais pura e sã doutrina? Mas sem dúvida para abrir caminho a uma só heresia, a sua, tinha que perseguir todas as demais mentiras e heresias. A isto precisamente se referia Moisés, quando dizia:

 

    “…porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova para ver se o amais de todo o vosso coração.”

 

Deixemos então de lado Nestório, nele que sempre teve mais brilho de palavras que verdadeira substância, mais resplendor que efetiva valentia, e ao qual o favor dos homens, e não a graça de Deus, o fazia aparecer grande diante da estima do povo. Recordemos melhor a quem, dotados de habilidade e do atrativo dos grandes êxitos, se converteram para os católicos em ocasião de tentações não sem tanta importância. Assim, por exemplo, sucedeu-se em Panônia nos tempos de nossos Padres, quando Fotino tentou enganar a Igreja de Sirmio. Havia sido eleito bispo com grande estima por parte de todos, e durante certo tempo cumpriu com seu ofício como um verdadeiro católico. Mas chegou um momento em que, como profeta ou visionário malvado sobre quem falava Moisés, começou a persuadir ao povo de Deus que lhe havia sido confiado de que devia seguir a outros deuses, ou seja, a novidades errôneas nunca antes conhecidas. Até aqui nada de extraordinário. Mas o que era particularmente perigoso era o fato de que, para esta empresa tão malvada, se servia de meios nada comuns. Com efeito, possuía um agudo ingênio, riqueza de doutrina e ótima eloquência; disputava e escrevia abundantemente e com profundidade tanto em grego quanto em latim, como mostram as obras que compôs em uma e outra língua. Por sorte, as ovelhas de Cristo que lhe foram confiadas eram muito prudentes e estavam vigilantes no que se refere à Fé Católica; imediatamente se recordaram das advertências de Moisés, e ainda que admirassem a eloquência de seu profeta e pastor, não se deixaram seduzir pela tentação. Desde esse momento começaram a fugir, como se fosse um lobo, daquele a quem até pouco tempo seguiram como guia do rebanho.

Além de Fotino, temos o exemplo de Apolinário, que nos põe em guarda contra o perigo de uma tentação que pode surgir no seio mesmo da Igreja, e que nos adverte de que temos de vigiar muito diligentemente sobre a integridade de nossa fé. Apolinário introduziu em seus ouvintes a mais dolorosa incerteza e angústia, pois por uma parte se sentiam atraídos pela autoridade da Igreja, e por outra eram retidos pelo mestre ao qual estavam habituados. Vacilando assim entre um e outro, não sabiam o lhes era conveniente fazer. Era, então, aquele um homem de pouco o nenhum destaque? Pelo contrário, reunia tais qualidades que se sentiam levados a crer nele, inclusive muito rapidamente em um grande número de coisas. Quem poderia fazer frente a sua agudeza de ingênio, a sua capacidade de reflexão e a sua doutrina teológica? Para se ter uma ideia do grande número de heresias esmagadas, dos erros nocivos à fé desbaratados por ele, basta recordar a obra insigne e importantíssima, de não menos de trinta livros, com a que refutou, com grande número de provas, as loucas calúnias de Porfírio. Nos alargaríamos demasiado se recordássemos aqui todas as suas obras; à mercê delas poderia ser igual aos mais grandes artífices da Igreja, se não houvesse sido empurrado pela insana paixão da curiosidade a inventar não sei que nova doutrina, a qual como uma lepra, contagiou e manchou todos seus trabalhos, até o ponto de que sua doutrina se converteu em ocasião de tentação para a Igreja, mais que de edificação. Doutrina destes hereges À primeira vista parece que distingue despretensiosamente duas substâncias em Cristo, mas de repente introduz duas pessoas, cometendo um crime inaudito, afirma que há dois filhos de Deus, dois Cristos, um é Deus e o outro e homem, um é engendrado pelo Pai, o outro é nascido da mãe. Por isso conclui que Maria Santíssima não pode ser chamada Theotókos, Mãe de Deus, mas somente Christotokos, Mãe de Cristo, pois quem dela nasceu não foi o Cristo que é Deus, mas o Cristo que é homem. Somente alguém que não raciocina pode crer que Nestório, em seus escritos, admite um só Cristo e prega uma só pessoa de Cristo. Na realidade, se expressou de maneira enganosa, para poder mais facilmente insinuar o mal através do bem, segundo nos diz o Apóstolo:

 

    “acarretou para mim a morte por meio do que é bom”. (Rm 7,13)

 

Se em alguma parte de seus escritos proclama que crê em um só Cristo e em uma só pessoa de Cristo, o diz somente para enganar. Na realidade afirma que depois de haver nascido da Virgem, as duas pessoas se reuniram em um só Cristo, mantendo assim que no tempo da concepção ou do parto virginal – e inclusive durante um certo tempo após – haviam dois Cristos. Segundo isto, Cristo havia nascido primeiro como um simples homem comum, sem estar contudo associado na unidade de pessoa ao Verbo de Deus; só depois desceria n’Ela a pessoa do Verbo que o assumiria. E se agora Cristo segue assumido na glória de Deus, houve, não obstante, um tempo no qual não havia diferença alguma entre Ele e os demais homens.

 

A verdadeira Fé Trinitária e Cristológica

12. Antes de seguir adiante, talvez se espere que me detenha a expor as doutrinas heréticas daqueles a quem acabei de mencionar: Nestório, Apolinário e Fotino. Na verdade isto sairia de meu intento, porque não propus a refutar os erros um a um. Se fiz uso de alguns exemplos, o fiz para demonstrar com clareza e evidência que o que disse Moisés é verdade, ou seja, para demonstrar que, se um doutor da Igreja – um profeta, poderíamos dizer – que interpreta os mistérios proféticos, procura introduzir alguma novidade na Igreja de Deus, é a Providência Divina quem o permite para nos provar. Não obstante, não será inútil expor, de passagem, as doutrinas dos hereges acima citados.

Quanto a Fotino, diz que existe um Deus único e somente, que deve ser entendido segundo a mentalidade judaica. Nega, portanto, a plenitude da Trindade e mantém que nem o Verbo de Deus nem o Espírito Santo são pessoas reais. Afirma, ademais, que Cristo foi somente um homem que teve sua origem em Maria. Reafirma, de todas as maneiras possíveis, que devemos honrar somente a pessoa de Deus Pai, e a Cristo como puramente homem.

Apolinário declara que está de acordo conosco sobre a unidade da Trindade, ainda que logo, sobre este mesmo ponto, sua fé não é de todo íntegra. Acerca da Encarnação do Senhor blasfema abertamente. Diz que na carne de Nosso Senhor não havia realmente uma alma humana, ou se havia, não tinha inteligência nem razão humana. A carne do Senhor não foi tomada da carne da Santíssima Virgem Maria – afirma – mas que desceu do céu ao seio da Virgem. Sempre inconcreto e vacilante, às vezes afirmava que esta carne é coeterna ao Verbo de Deus, outras vezes que é criada pela divindade do Verbo. Não admitia que em Cristo haja duas substâncias, uma divina e uma humana, uma proveniente do Pai e outra da Mãe. Pensava realmente que a mesma natureza do Verbo estava dividida, como se uma parte d’Ele permanecesse eternamente em Deus, enquanto que outra parte tivesse se encarnado. Assim, enquanto a verdade afirma que há um só Cristo, formado por duas substâncias, ele sustentava, pelo contrário, que duas substâncias se formaram de uma só divindade de Cristo.

 

Nestório está infectado por um humor totalmente oposto ao de Apolinário

13. Estas são as coisas que Nestório, Apolinário e Fotino, como cães raivosos, ladram contra a Igreja Católica: Fotino não admite a Trindade, Apolinário afirma a convertibilidade da natureza humana do Verbo e nega a existência de duas substâncias em Cristo, ao mesmo tempo que não admite em Cristo uma alma inteira, ou pelo menos não admite nela a inteligência e a razão, pretendendo que o lugar da inteligência foi ocupado pelo Verbo de Deus; por último, Nestório diz que houve sempre, ou ao menos durante um certo tempo, dois Cristos. Em troca, a Igreja Católica, que pensa retamente acerca de Deus e acerca de nosso Salvador, não profere blasfêmias nem contra o mistério da Trindade nem contra a Encarnação de Cristo. A Igreja adora uma só divindade na plenitude da Trindade e a igualdade da Trindade em uma única e mesma majestade; professa um só Cristo Jesus, não dois; o qual é igualmente Deus e homem. Crê que n’Ele há uma só pessoa, mas duas substâncias; duas substâncias, mas uma só pessoa, porque, admitindo dois Filhos, poderia parecer que a Igreja adora uma quaternidade e não uma Trindade. Mas talvez seja necessário tratar com mais tempo e precisão este ponto. Em Deus há uma só substância e três pessoas; em Cristo, duas substâncias, mas uma só pessoa. Na Trindade há diversas pessoas, mas a substância é uma; no Salvador há mais substâncias, mas a pessoa é única. De que maneira há na Trindade diferentes pessoas e não há diferentes substâncias? Porque uma é a pessoa do Pai, outra a do Filho, outra a do Espírito Santo; e, sem embargo, o Pai, o Filho e o Espírito Santo não têm diferentes naturezas, mas uma única e a mesma natureza.

E como é que no Salvador há duas substâncias, mas não duas pessoas? Porque, evidentemente, uma coisa é a substância divina e outra a substância humana; sem embargo, a divindade e a humanidade não são dois Cristos, mas um único e o mesmo Filho de Deus, uma só e mesma pessoa, a de um único e mesmo Cristo e Filho de Deus. Da mesma forma que no homem uma coisa é a carne e outra é a alma, e alma e corpo não formam senão um único e mesmo homem. Em Pedro e Paulo uma coisa é a alma e outra é o corpo; mas o corpo e a alma de Pedro não formam dois Pedros, nem existe um Paulo-alma e um Paulo-carne, subsistentes cada um por uma dupla e diferente natureza, a da alma e a do corpo. Assim, em um único e mesmo Cristo há duas substâncias, mas uma é divina e a outra humana, uma procede de Deus Pai, a outra da Virgem Mãe; a primeira é coeterna e igual ao Pai, a segunda é temporal e inferior ao Pai; uma é consubstancial ao Pai, a outra consubstancial à Mãe, sem embargo, é um único e mesmo Cristo em ambas as substâncias. Não temos, pois, um Cristo-Deus e um Cristo-homem; o primeiro incriado e o segundo criado; um impassível e outro capaz de sofrer; um igual ao Pai e outro inferior a Ele; um engendrado pelo Pai e o outro pela Mãe. Existe um único e mesmo Cristo que é Deus e homem, incriado e criado, imutável, impassível, mas que ao mesmo tempo está sujeito a mudanças e sofrimentos; um único e mesmo Cristo, o qual é juntamente igual e inferior ao Pai, gerado pelo Pai antes de todos os séculos e nascido da Mãe no tempo, perfeito Deus e perfeito homem. Enquanto Deus, possui a plenitude da divindade; enquanto homem, uma humanidade perfeita. Perfeita, repito, que compreende alma e carne: uma carne verdadeira como a nossa, tomada da Mãe; uma alma inteligente, dotada de pensamento e de razão. Em Cristo está, pois, o Verbo, a alma e o corpo, mas tudo isso é um só Cristo, um único Filho de Deus, um único Salvador e Redentor nosso. Um só Cristo, não por uma mistura corruptível da divindade com a humanidade – por demais incompreensível – mas por uma total e singular unidade de pessoa. Esta união não modificou nem transformou nem uma substância nem a outra (que é o erro próprio dos arianos), senão juntou em uma só coisa as duas naturezas, de modo que em Cristo permanecem eternamente tanto a unicidade de uma só e mesma pessoa como também as propriedades específicas de cada natureza. Daqui se segue que Deus não começou nunca a ser corpo, nem o corpo cessará em nenhum momento de ser tal. O exemplo da natureza humana pode nos dar alguma luz a respeito. Cada homem é composto de alma e corpo, e assim será sempre, e nunca acontecerá que o corpo se transforme em alma ou alma em corpo. Posto que cada homem viverá para sempre daqui por diante, em cada um permanecerá necessariamente sempre a diferença entre as duas substâncias. Assim também em Cristo, a propriedade característica de cada substância persistirá por toda a eternidade, ficando sempre a salvo a unidade de pessoa.

 

Realidade da natureza humana de Cristo

14. Posto que estamos usando com muita frequência o termo “pessoa”, e dizemos que Deus se fez homem in persona, é preciso prestar atenção para que não pareça estarmos afirmando que o Verbo de Deus assumira só externamente o que é próprio da natureza humana, limitando-se a imitar nossas ações; e que não tenha tomado parte na atividade humana como verdadeiro homem, mas só aparentemente, como se faz no teatro, onde um só ator pode interpretar vários personagens sem sêlos realmente. Cada vez que os atores imitam a conduta de outros, ainda que reproduzam à perfeição seu modo de atuar e comportar-se, eles não são os personagens representados. Na verdade, servindo-me de termos profanos, quando um ator faz o papel de um sacerdote ou de um rei, ele não é nem sacerdote e tampouco rei; encerrada a peça, deixa de existir também o personagem representado. Longe de nós este ímpio e ignominoso insulto a Cristo, próprio da demência maniqueísta. Estes pregadores de bobagens fantásticas afirmam que o Filho de Deus, Deus mesmo, não assumiu realmente a natureza humana, mas apenas uma aparência de homem em seus atos e em todo seu comportamento. A fé católica, ao contrário, afirma que o Verbo de Deus se fez homem até o ponto de assumir tudo que pertence à nossa natureza, e não por via de ficção ou de aparência, mas de uma maneira real e substancial. Os atos humanos que levava a cabo eram atos próprios seus, e não imitação de atos de outrem; seu atuar era expressão de seu ser. Como quando falamos, conhecemos, vivemos, existimos, não imitamos aos homens, mas somos realmente nós mesmos. Pedro e João, por exemplo, eram homens porque tal era seu ser, não por imitação; Paulo não fingia ser Apóstolo ou Paulo; ele era Apóstolo, ele era Paulo. Assim, o Verbo de Deus, assumindo e possuindo a carne, pregando, atuando, sofrendo na carne – sem nenhum menosprezo da própria natureza divina – se dignou mostrar que Ele não imitava ou fingia ser um homem perfeito, mas que realmente era o que parecia: homem perfeito e não aparência humana. Assim como a alma, unindo-se à carne, sem transformar-se em carne, não imita o homem, mas o constitui realmente, assim também o Verbo de Deus, unindo-se à natureza humana, sem modificar-se ou confundir-se com ela, se fez realmente homem, não uma imitação ou uma aparência de homem. É preciso, pois, evitar absolutamente dar ao termo “pessoa” um significado que suponha uma imitação, uma diferença entre o que finge e o personagem objeto da ficção, na qual quem atua não é nunca aquele a quem representa. Por isso, não ocorra nunca que creiamos que o Verbo de Deus assumiu de maneira fictícia a natureza humana. Pelo contrário, devemos crer que, permanecendo imutável sua substância divina, assumiu uma natureza humana completa em si, que fez ser carne, homem, realidade humana não simulada, mas verdadeira; não imaginária, mas entitiva; não destinada a cessar de existir como ao término de uma apresentação teatral, mas a persistir para sempre de maneira substancial.

 

Maria, “Mãe de Deus”

15. Esta unicidade de pessoa em Cristo se atuou e foi perfeita não depois do parto virginal , mas no próprio seio da Virgem. Portanto, devemos atender com todo cuidado a professar não somente que Cristo é um, mas que sempre foi um. Seria uma blasfêmia intolerável sustentar que agora Cristo é um, mas que durante um determinado período de tempo existiram dois: um Cristo depois do batismo; dois, entretanto, no momento do nascimento. Podemos evitar assim tão grande sacrilégio apenas se cremos que o homem se uniu a Cristo na unidade de pessoa já e desde o seio materno, no mesmo instante da concepção virginal, e não no momento da ascensão ou da ressurreição, ou no momento do batismo. Em virtude desta unidade de pessoa se atribui indiferentemente e de maneira indistinta ao homem o que é próprio de Deus, e a Deus o que é próprio da carne. Por inspiração divina foi escrito que o Filho do homem baixou do céu e que o Senhor da majestade foi crucificado na terra. Assim nós dizemos que o Verbo de Deus foi feito, que a Sabedoria mesma de Deus foi aperfeiçoada, que sua ciência foi criada, quando é a carne do Senhor que foi feita, criada, como foi predito que suas mãos e seus pés seriam traspassados. Por causa desta unidade de pessoa e em razão deste mesmo mistério, é perfeitamente católico crer que quando nasceu a carne do Verbo de uma Mãe incontaminada, foi o mesmo Deus Verbo quem nasceu de uma Virgem. Negá-lo seria uma grande impiedade. Ninguém, pois, pretenda jamais privar Maria Santíssima do privilégio desta graça divina e de uma glória tão especial. Pelo querer determinado do Senhor, Deus nosso e Filho seu, devemos proclamá-la com toda verdade e acerto Theotokos, Mãe de Deus. Não, certamente, o entendendo no sentido de uma heresia ímpia, a qual sustenta que Maria pode ser dita Mãe de Deus só de nome, enquanto que engendrou um homem que depois se converteu em Deus; ao modo como usamos comumente a expressão: mãe de um sacerdote ou mãe de um bispo, não porque estas mulheres tenham engendrado a um presbítero ou bispo, mas porque puseram no mundo homens que depois se fizeram sacerdotes ou bispos. Não neste sentido, repito, Maria Santíssima é Mãe de Deus, mas, como se disse antes, porque em seu sagrado seio se realizou o mistério sacrossanto pelo qual, em razão de uma particular e única unidade de pessoa, o Verbo é carne na carne, e o homem é Deus em Deus.

 

Condenações e Bênçãos

16. Já é tempo de fazer uma breve síntese, para recordá-lo com maior facilidade, de tudo o que temos dito acerca das heresias e da fé católica. Quando se repetem as coisas, se compreendem melhor e se afixam mais profundamente na memória. Condenação, pois, de Fotino, que rechaça a plenitude da Trindade e ensina que Cristo foi pura e simplesmente um homem. Condenação de Apolinário, que sustenta que a divindade de Cristo se transformou e se corrompeu, negando assim a propriedade de uma humanidade perfeita. Condenação de Nestório, que afirma que Deus não nasceu de uma Virgem, admite dois Cristos e, rechaçando a fé na Trindade, nos propõe uma quaternidade. Bendita, entretanto, a Igreja Católica, que adora a um só Deus na plenitude da Trindade e a igualdade das Três Pessoas Divinas em uma única Divindade, de maneira que nem a unidade de substância dilui a propriedade das Pessoas, nem sua distinção rompe a unidade da Divindade. Bendita a Igreja, que crê que em Cristo há duas substâncias reais e perfeitas, mas que é única a pessoa de Cristo; a distinção entre as duas naturezas não divide a unicidade da pessoa, nem a unicidade de pessoa confunde as duas diferentes naturezas. Bendita a Igreja, que para proclamar que Cristo é e tem sido sempre um, professa que o homem se uniu a Deus no seio materno da Mãe, e não depois do parto. Bendita seja esta Igreja, que compreende que Deus se fez homem, não por uma modificação de sua natureza, mas em virtude da pessoa, não de uma pessoa fictícia ou provisória, mas real e permanente. Bendita a Igreja, que ensina que esta unicidade de pessoa é tão profunda que atribui ao homem, por um mistério admirável e inefável, o que é de Deus e a Deus o que é do homem. Em virtude desta unicidade, a Igreja não teme afirmar que o homem, enquanto Deus, desceu do céu, e crer que Deus, enquanto homem, nasceu na terra, padeceu e foi crucificado. Consequência desta unicidade, a Igreja confessa que o homem é Filho de Deus e que Deus é Filho de uma Virgem. Bendita, pois, e veneranda, bendita e sacrossanta é esta profissão de fé, totalmente comparável ao louvor angélico que dá glória ao único Senhor Deus com uma trina exaltação de sua divindade. A Igreja prega a unicidade de Cristo principalmente por isto: para respeitar o mistério da Trindade. Tudo o que disse nessa digressão, se a Deus apraz, tratarei de maneira mais ampla e completa em outra ocasião. Agora voltemos a nosso tema.

 

A queda de Orígenes

17. Dizíamos que na Igreja de Deus o erro de um mestre é uma tentação para os fiéis; tentação tanto maior quanto mais douto é o que erra. Tenho provado isto desde já com a autoridade da Escritura, depois com exemplos da história eclesiástica, recordando aqueles homens que foram tidos durante certo tempo por plenamente ortodoxos e que acabaram em uma seita acatólica ou inclusive fundaram uma heresia. Este é um aspecto muito importante, que pelo mesmo é necessário conhecer e ter sempre presente, inclusive ilustrado com grande número de exemplos para que penetrem bem na mente, com o fim de que os verdadeiros católicos saibam que devem receber aos Doutores com a Igreja, e não abandonar a Igreja pelos Doutores. Poderia citar numerosos exemplos de tal classe de tentação, mas penso que nenhum é comparável ao caso de Orígenes. Possuía qualidades tão excepcionais e maravilhosas que qualquer um prestaria fé, desde o primeiro momento, a todas as suas afirmações. Pois se a vida edifica a autoridade da pessoa, ele foi um homem de grande laborosidade, castidade, paciência e constância incomuns. E se consideramos seu berço e sua ciência, quem foi mais nobre que ele? Nasceu de uma família ilustrada pelo martírio, e depois de ter sido privado de pai e de morada, por causa de Cristo, saiu adiante em meio das estreitezas de uma santa pobreza, sofrendo com frequência, segundo nos contam sempre, por confessar o nome do Senhor. Possuía muitos outros dotes, que depois se mudaram em motivo de tentação. Sua inteligência era tão vasta, penetrante, aguda, nobre, que não tinha rival. Ademais, tinha tal conhecimento da doutrina cristã e uma erudição tão grande que poucas coisas da filosofia divina lhe escapavam, e quase nenhuma da humana havia que ele não conhecesse profundamente. Sua ciência não se limitou às obras gregas, mas também se estendeu às hebraicas. Devo recordar sua eloquência? Era tão agradável, pura, suave, que se podia dizer que era mel, não palavras, o que destilavam seus lábios. Não havia questão difícil de expor que ele não tornasse límpida com a força de seu raciocínio, nem coisas que pareciam áridas que ele não as tornassem facílimas.

 

– Mas não terá, talvez, construído suas obras e fundamentado suas asserções somente sobre argumentos racionais?

– Pelo contrário, nunca houve um mestre que tenha utilizado mais que ele a Sagrada Escritura.

 

– É possível que tenha escrito pouco.

– Em absoluto! Nenhum mortal escreveu mais que ele, tanto que não é possível, penso, não só ler todas suas obras, como nem sequer encontrá-las todas. E para que não lhe faltasse nenhum meio para formar-se e aperfeiçoar-se na ciência, teve o dom da plenitude dos anos.

 

– Talvez tenha tido pouca sorte com seus discípulos…

– Existiu alguém mais afortunado que ele? Inumeráveis são os doutores, os bispos, confessores, os mártires saídos de sua escola. É verdadeiramente impossível medir a admiração, a glória, o favor de que gozou por parte de todos. Quem, por pouco religioso que fosse, não acudia a ele desde os mais remotos rincões da terra? Sabemos pela história que era reverenciado não só pelas pessoas privadas, mas também pelo próprio imperador. Se conta que a mãe do imperador Alexandre o fez chamar a seu lado por causa da sabedoria divina que superabundava nele, e que ela desejava ardentemente conhecê-lo. Encontramos outro testemunho nas cartas que escreveu, com autoridade de mestre, ao imperador Felipe, primeiro príncipe de Roma; que se fez cristão. E se não se quer dar crédito a nosso testemunho cristão sobre sua incrível ciência, escutemos ao menos o que dela dizem os filósofos pagãos. O ímpio Porfírio narra que, sendo ele ainda um menino, foi até Alexandria atraído pela fama de Orígenes, e ali o viu, já muito avançado em idade, mas com tal classe e com tanta grandeza, que parecia que ele havia construído a cidadela de toda a sabedoria. Mas se passaria uma noite inteira antes de que pudesse expor, nem sequer sucintamente, uma pequena parte das virtudes insignes que se encontravam neste homem. Sem embargo, todas estas qualidades não serviram somente para a glória da religião, mas também para fazer a tentação mais perigosa. Ninguém se encontrava disposto a abandonar a um homem de tão grande engenho, de doutrina e dotes tão exímios; qualquer um repetiria a sentença:

 

    “É preferível estar equivocado com Orígenes que ter razão com os demais”.

 

Se poderia acrescentar algo mais? A tentação que esta grande personalidade, este doutor e profeta insigne provocou não foi de pouca monta, mas foi de tal envergadura, como demonstra o resultado final, que desviou a muitos da integridade da fé. Por ter abusado com temeridade da graça de Deus, por ter feito concessões demais à sua inteligência e posto uma confiança desmedida em si mesmo, por ter desconsiderado a antiga simplicidade da religião cristã, presumindo, todavia, saber mais que os outros; por ter depreciado as tradições da Igreja e o magistério dos antigos, interpretando de maneira totalmente nova algumas passagens da Sagrada Escritura; por tudo isso Orígenes – mesmo sendo tão eminente e extraordinário como era – mereceu que também a propósito dele se lhe dissesse à Igreja de Deus:

 

    “Se no meio de ti se levanta um profeta…, não escutes as palavras desse profeta…, porque está te provando Javé, teu Deus, para ver se lhe amas ou não.”

 

E, por certo, não foi esta uma prova indiferente para a Igreja que, confiando nele e arrebatada pela admiração de seu engenho, de sua ciência, de sua eloquência, de seu modo de viver, de sua autoridade, sem suspeitar nada nem temer nada, se veria arrancada da antiga fé e escorregar-se até novidades profanas. Alguém dirá: as obras de Orígenes foram interpoladas e arranjadas. Concedo, e também desejaria que tivessem sido. Há muitos que falam e escrevem sobre estas interpolações, e não só católicos, mas também hereges. O que quero sublinhar e o fato de que, ainda que os livros não tenham sido escritos por Orígenes, mas empregando seu nome, foram igualmente ocasião de grande tentação. Formigam de afirmações ímpias, mas são lidos e apreciados como se fossem de Orígenes e não de outrem. Assim, ainda que não fora sua intenção emitir erros, sem embargo, estes foram difundidos sob a autoridade de seu nome.

 

O escândalo de Tertuliano

18. O mesmo ocorreu com Tertuliano, que foi o maior entre os nossos latinos, como Orígenes o foi entre os gregos. Quem foi mais douto que ele, quem mais esperto tanto nas coisas divinas quanto nas humanas? Com a maravilhosa capacidade de sua mente se passeava pelo conhecimento de toda a filosofia, das escolas filosóficas, de seus fundadores e seguidores, de todas as suas disciplinas, da história e dos mais variados ramos do saber. Dotado de um engenho forte e profundo, não tinha dificuldade que se propusesse resolver que não a superasse e a conquistasse com sua inteligência aguda e poderosa. Quem seria capaz de louvar como se deve a estrutura e o estilo de suas composições? Tudo está nelas concatenado com tal necessidade lógica, que obriga a assentir com ele a aqueles a quem não consegue convencer. Se pode dizer que nele cada palavra é uma sentença, cada afirmação uma vitória. Sabem muito bem isto os discípulos de Marcion, de Apeles., de Praxeas, de Hermógenes, os judeus, os pagãos, os gnósticos e todos os demais, cujas blasfêmias fulminou, demoliu e destruiu com seus muitos e poderosos livros. Sem embargo, também ele, esse Tertuliano que havia levado a cabo todas estas coisas por ter sido pouco tenaz em apegar-se ao dogma católico, ou seja, a fé antiga e universal, e mais eloquente que profundo, ao final trocou suas ideias –como diz dele o bem-aventurado confessor Hilário – “com esse erro final privou de toda autoridade seus louváveis escritos”. Assim, pois, também ele foi para a Igreja ocasião de grande tentação. Não quero acrescentar mais, apenas recordar que por ter afirmado, sem ter em conta o preceito de Moisés, que as novas fúrias de Montano surgidas na Igreja e as loucas fantasmagóricas de mulheres delirantes de novos dogmas eram verdadeiras profecias, mereceu que dele e de seus escritos se dissesse:

 

    “Se no meio de ti se levanta um profeta…, não escutes as palavras desse profeta…”

 

Por quê?

 

    “Porque está te provando Javé, teu Deus, para ver se lhe amas ou não.”

 

Função providencial destes exemplos

19. O número e a importância destes exemplos eclesiásticos, e de muitos outros do mesmo gênero, não pode deixar de nos fazer prudentes, e nos mostram como uma luz mais clara que a do sol que, segundo o que nos diz o Deuteronômio, se um doutor se desvia da fé, é a Providência de Deus que o permite, para ver se amamos a Deus com todo o coração e com toda nossa alma.

 

O verdadeiro católico e o herege

20. De tudo que temos dito, aparece evidente que o verdadeiro e autêntico católico é o que ama a verdade de Deus e a Igreja, corpo de Cristo; aquele que não antepõe nada à religião divina e à fé católica: nem a autoridade de um homem, nem o amor, nem o gênio, nem a eloquência, nem a filosofia; mas que depreciando todas estas coisas e permanecendo solidamente firme na fé, está disposto a admitir e a crer somente o que a Igreja sempre e universalmente tem crido. Sabe que toda doutrina nova e nunca antes ouvida, insinuada por uma só pessoa, fora ou contra a doutrina comum dos fiéis, não tem nada a ver com a religião, mas que melhor constitui uma tentação, doutrinado nisto especialmente pelas palavras do Apóstolo Paulo:

 

    “É necessário que entre vós haja partidos para que possam manifestar-se os que são realmente virtuosos” (1Cor 11,19)

 

Como se dissesse: Deus não elimina imediatamente aos autores de heresias, para que se manifestem os que são de uma virtude provada, ou seja, para que apareça em que medida cada um é tenaz, fiel, constante e nele mora a fé católica. E verdadeiramente, apenas um vento de novidades começa a soprar, imediatamente se vê como os grãos coalhados de trigo se separam e se distinguem da casca sem peso, e sem grande esforço é arrancado fora de lá o que não é sustentado por peso algum. Alguns voltam imediatamente; outros, no entanto, transtornados e desalentados, temem perecer, mas se envergonham de regressar, espancados como estão e mais mortos que vivos; parece exatamente como tivessem bebido uma dose de veneno que já não podem eliminar e que, ainda que não lhes mate logo, não lhes permite seguir realmente vivendo. Situação desgraçada! Quantas violentas aflições, quantas perturbações lhes assaltam! Já se deixam levar pelo erro como um vento impetuoso; já se recolhem em si mesmos, como ondas na tempestade, e são lançados na praia; outras vezes, com audácia temerária, dão sua conformidade ao que é errado; em outros momentos, sob o impulso de um medo irracional, se espantam até do que é verdade. Não sabem mais aonde ir, aonde voltar, não sabem o que querem, não sabem do que devem fugir, não sabem o que deve ser mantido e o que, ao contrário, deve ser rechaçado. E se ao menos soubessem que estas dúvidas e esta angústia de um coração vacilante são o remédio que a misericórdia divina lhes preparou! Por isto precisamente, afastados do porto seguro da fé católica, sãos acudidos, golpeados, como imersos na tempestade, para que, recolhidas e amainadas as velas da mente, que estavam estendidas ao largo e desdobradas aos ventos infiéis das novidades, voltem a buscar morada no refúgio confiado de sua Mãe boa e tranquila e, rechaçadas as ondas amargas e alvoroçadas do erro, possam alcançar a fonte de águas vivas e saltitantes e beber dela. Que “desaprendam” bem o que não fizeram bem em aprender; e que compreendam, de todos os dogmas da Igreja, o que a inteligência pode compreender; o que não podem compreender, que creiam.

 

“Oh, Timóteo! Guarda o depósito!”

21. Pensando e repensando dentro de mim estas coisas, não deixo de admirar-me ante a imensa loucura de alguns homens, ante a impiedade de sua mente cegada e ante a paixão desenfreada do erro, que não lhes deixa satisfeitos com uma norma de fé tradicional e recebida da antiguidade, mas que cada dia andam buscando coisas novas e ardem continuamente em desejos de trocar, de acrescentar, de tirar algo da religião. Como se esta não fosse um dogma celestial, que já é suficiente que tenha sido revelado uma vez para sempre; como se fosse uma instituição humana, que não pode chegar a ser perfeita a não ser mediante assíduas emendas e correções. E, sem embargo, temos a Palavra Divina que proclama:

 

    “Não passes além dos marcos antigos que puseram teus pais” (Pr 22,28);

 

    “Não julgues (o procedimento) de um juiz” (Eclo 8,17);

 

E também:

 

    “Quem cava uma fossa, pode nela cair, e que derruba um muro pode ser picado por uma serpente” (Ecl 10,8)

 

Ademais está o mandato do Apóstolo, com o qual, como se fosse uma espada espiritual, têm sido decapitadas e o serão sempre todas as malvadas novidades heréticas:

 

    “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! Evita as conversas frívolas e mundanas, assim como as contradições de pretensa ciência. Alguns, por segui-las, se transviaram da fé” (1Tm 6,20-21)

 

Depois destas advertências, haverá no entanto homens tão ousados e teimosos, de uma cabeça mais dura que o aço, que não se dobrem sob o peso de tal eloquência celestial, que não se sintam esmagados por semelhante autoridade, feitos pedaços por marteladas como essas, reduzidos a cinzas por raios desta classe? “Evita – diz o Apóstolo – as conversas frívolas e mundanas”. Não diz a antiguidade, a vetustez. Mostra claramente o contrário, se temos em conta as consequências do que se tem dito: se deve-se evitar a novidade, tem que ater-se à antiguidade; se a novidade é ímpia, a antiguidade é sagrada.“(E) as contradições de pretensa ciência”. Verdadeiramente que somente como falsa ciência pode ser qualificada a doutrina dos hereges, os quais mascaram sua própria ignorância chamando-a de ciência, do tempo revolto dizem que está calmo, às trevas chamam-na luz. “Alguns, por segui-las, se transviaram da fé”. O que lhe anunciaram que lhes fizeram prevaricar, senão uma doutrina nova e ignorada? Podes escutar como dizem alguns: vinde, pobres ignorantes, os que sois comumente chamados católicos, e aprendei a fé verdadeira, que, fora de nós, ninguém entende. Permaneceu oculta durante muitos séculos, mas agora tem sido revelada e manifestada. Mas a aprende em segredo. Lhes dará alegria. Uma vez que tenhais aprendido, ensina a outros, mas ocultamente, para que não lhes odeie o mundo nem o saiba a Igreja, porque somente a uns poucos lhes é dado conhecer o segredo de tão grande mistério. Mas, por acaso não são estas as palavras que lemos nos Provérbios de Salomão, dirigidas pela prostituta aos que passam e vão ao seu caminho?: “Quem for simples venha para cá!” Já aos pobres de mente, lhes exorta dizendo: “As águas furtivas são mais doces e o pão tomado às escondidas é mais delicioso”. Mas, o que também encontramos escrito?

 

    “Ignora ele que ali há sombras e que os convidados[da senhora Loucura] jazem nas profundezas da região dos mortos”. (Pr 9,16-18)

 

Quem são estes? Que diga o Apóstolo: “os que vierem a perder a fé”.

Wednesday 22 May 2024

Good Reading: "Berrying" by Ralph W. Emerson (in English).

'May be true what I had heard,—
Earth's a howling wilderness,
Truculent with fraud and force,'
Said I, strolling through the pastures,
And along the river-side.
Caught among the blackberry vines,
Feeding on the Ethiops sweet,
Pleasant fancies overtook me.
I said, 'What influence me preferred,
Elect, to dreams thus beautiful?'
The vines replied, 'And didst thou deem
No wisdom from our berries went?'

Tuesday 21 May 2024

Tuesday's Serial: “Lavengro” by George Borrow (in English) - XV

 

Chapter 20

the greeting—queer figure—cheer up—the cheerful fire—the trepidation—let him come in

 

'One-and-ninepence, sir, or the things which you have brought with you will be taken away from you!'

Such were the first words which greeted my ears, one damp misty morning in March, as I dismounted from the top of a coach in the yard of a London inn.

I turned round, for I felt that the words were addressed to myself. Plenty of people were in the yard—porters, passengers, coachmen, hostlers, and others, who appeared to be intent on anything but myself, with the exception of one individual, whose business appeared to lie with me, and who now confronted me at the distance of about two yards.

I looked hard at the man—and a queer kind of individual he was to look at—a rakish figure, about thirty, and of the middle size, dressed in a coat smartly cut, but threadbare, very tight pantaloons of blue stuff, tied at the ankles, dirty white stockings and thin shoes, like those of a dancing-master; his features were not ugly, but rather haggard, and he appeared to owe his complexion less to nature than carmine; in fact, in every respect, a very queer figure.

'One-and-ninepence, sir, or your things will be taken away from you!' he said, in a kind of lisping tone, coming yet nearer to me.

I still remained staring fixedly at him, but never a word answered. Our eyes met; whereupon he suddenly lost the easy impudent air which he before wore. He glanced, for a moment, at my fist, which I had by this time clenched, and his features became yet more haggard; he faltered; a fresh 'one-and-ninepence,' which he was about to utter, died on his lips; he shrank back, disappeared behind a coach, and I saw no more of him.

'One-and-ninepence, or my things will be taken away from me!' said I to myself, musingly, as I followed the porter to whom I had delivered my scanty baggage; 'am I to expect many of these greetings in the big world? Well, never mind! I think I know the counter-sign!' And I clenched my fist yet harder than before.

So I followed the porter, through the streets of London, to a lodging which had been prepared for me by an acquaintance. The morning, as I have before said, was gloomy, and the streets through which I passed were dank and filthy; the people, also, looked dank and filthy; and so, probably, did I, for the night had been rainy, and I had come upwards of a hundred miles on the top of a coach; my heart had sank within me, by the time we reached a dark narrow street, in which was the lodging.

'Cheer up, young man,' said the porter, 'we shall have a fine afternoon!'

And presently I found myself in the lodging which had been prepared for me. It consisted of a small room, up two pair of stairs, in which I was to sit, and another still smaller above it, in which I was to sleep. I remember that I sat down, and looked disconsolate about me—everything seemed so cold and dingy. Yet how little is required to make a situation—however cheerless at first sight—cheerful and comfortable. The people of the house, who looked kindly upon me, lighted a fire in the dingy grate; and, then, what a change!—the dingy room seemed dingy no more! Oh the luxury of a cheerful fire after a chill night's journey! I drew near to the blazing grate, rubbed my hands, and felt glad.

And, when I had warmed myself, I turned to the table, on which, by this time, the people of the house had placed my breakfast; and I ate, and I drank; and, as I ate and drank, I mused within myself, and my eyes were frequently directed to a small green box, which constituted part of my luggage, and which, with the rest of my things, stood in one corner of the room, till at last, leaving my breakfast unfinished, I rose, and, going to the box, unlocked it, and took out two or three bundles of papers tied with red tape, and, placing them on the table, I resumed my seat and my breakfast, my eyes intently fixed upon the bundles of papers all the time.

And when I had drained the last cup of tea out of a dingy teapot, and ate the last slice of the dingy loaf, I untied one of the bundles, and proceeded to look over the papers, which were closely written over in a singular hand, and I read for some time, till at last I said to myself, 'It will do.' And then I looked at the other bundle for some time without untying it; and at last I said, 'It will do also.' And then I turned to the fire, and, putting my feet against the sides of the grate, I leaned back on my chair, and, with my eyes upon the fire, fell into deep thought.

And there I continued in thought before the fire, until my eyes closed, and I fell asleep; which was not to be wondered at, after the fatigue and cold which I had lately undergone on the coach-top; and, in my sleep, I imagined myself still there, amidst darkness and rain, hurrying now over wild heaths, and now along roads overhung with thick and umbrageous trees, and sometimes methought I heard the horn of the guard, and sometimes the voice of the coachman, now chiding, now encouraging his horses, as they toiled through the deep and miry ways. At length a tremendous crack of a whip saluted the tympanum of my ear, and I started up broad awake, nearly oversetting the chair on which I reclined—and lo! I was in the dingy room before the fire, which was by this time half extinguished. In my dream I had confounded the noise of the street with those of my night journey; the crack which had aroused me I soon found proceeded from the whip of a carter, who, with many oaths, was flogging his team below the window.

Looking at a clock which stood upon the mantelpiece, I perceived that it was past eleven; whereupon I said to myself, 'I am wasting my time foolishly and unprofitably, forgetting that I am now in the big world, without anything to depend upon save my own exertions'; and then I adjusted my dress, and, locking up the bundle of papers which I had not read, I tied up the other, and, taking it under my arm, I went downstairs; and, after asking a question or two of the people of the house, I sallied forth into the street with a determined look, though at heart I felt somewhat timorous at the idea of venturing out alone into the mazes of the mighty city, of which I had heard much, but of which, of my own knowledge, I knew nothing.

I had, however, no great cause for anxiety in the present instance; I easily found my way to the place which I was in quest of—one of the many new squares on the northern side of the metropolis, and which was scarcely ten minutes' walk from the street in which I had taken up my abode. Arriving before the door of a tolerably large house which bore a certain number, I stood still for a moment in a kind of trepidation, looking anxiously at the door; I then slowly passed on till I came to the end of the square, where I stood still, and pondered for a while. Suddenly, however, like one who has formed a resolution, I clenched my right hand, flinging my hat somewhat on one side, and, turning back with haste to the door before which I had stopped, I sprang up the steps, and gave a loud rap, ringing at the same time the bell of the area. After the lapse of a minute the door was opened by a maid-servant of no very cleanly or prepossessing appearance, of whom I demanded, in a tone of some hauteur, whether the master of the house was at home. Glancing for a moment at the white paper bundle beneath my arm, the handmaid made no reply in words, but, with a kind of toss of her head, flung the door open, standing on one side as if to let me enter. I did enter; and the handmaid, having opened another door on the right hand, went in, and said something which I could not hear: after a considerable pause, however, I heard the voice of a man say, 'Let him come in'; whereupon the handmaid, coming out, motioned me to enter, and, on my obeying, instantly closed the door behind me.~

 

 

Chapter 30

the sinister glance—excellent correspondent—quite original—my system—a losing trade—merit—starting a review—what have you got?—dairyman's daughter—oxford principles—how is this?

 

There were two individuals in the room in which I now found myself; it was a small study, surrounded with bookcases, the window looking out upon the square. Of these individuals he who appeared to be the principal stood with his back to the fireplace. He was a tall stout man, about sixty, dressed in a loose morning gown. The expression of his countenance would have been bluff but for a certain sinister glance, and his complexion might have been called rubicund but for a considerable tinge of bilious yellow. He eyed me askance as I entered. The other, a pale, shrivelled-looking person, sat at a table apparently engaged with an account-book; he took no manner of notice of me, never once lifting his eyes from the page before him.

'Well, sir, what is your pleasure?' said the big man, in a rough tone, as I stood there, looking at him wistfully—as well I might—for upon that man, at the time of which I am speaking, my principal, I may say my only, hopes rested.

'Sir,' said I, 'my name is so-and-so, and I am the bearer of a letter to you from Mr. so-and-so, an old friend and correspondent of yours.'

The countenance of the big man instantly lost the suspicious and lowering expression which it had hitherto exhibited; he strode forward, and, seizing me by the hand, gave me a violent squeeze.

'My dear sir,' said he, 'I am rejoiced to see you in London. I have been long anxious for the pleasure—we are old friends, though we have never before met. Taggart,' said he to the man who sat at the desk, 'this is our excellent correspondent, the friend and pupil of our other excellent correspondent.'

The pale, shrivelled-looking man slowly and deliberately raised his head from the account-book, and surveyed me for a moment or two; not the slightest emotion was observable in his countenance. It appeared to me, however, that I could detect a droll twinkle in his eye: his curiosity, if he had any, was soon gratified; he made me a kind of bow, pulled out a snuff-box, took a pinch of snuff, and again bent his head over the page.

'And now, my dear sir,' said the big man, 'pray sit down, and tell me the cause of your visit. I hope you intend to remain here a day or two.'

'More than that,' said I, 'I am come to take up my abode in London.'

'Glad to hear it; and what have you been about of late? got anything which will suit me? Sir, I admire your style of writing, and your manner of thinking; and I am much obliged to my good friend and correspondent for sending me some of your productions. I inserted them all, and wished there had been more of them—quite original, sir, quite: took with the public, especially the essay about the non-existence of anything. I don't exactly agree with you though; I have my own peculiar ideas about matter—as you know, of course, from the book I have published. Nevertheless, a very pretty piece of speculative philosophy—no such thing as matter—impossible that there should be—ex nihilo—what is the Greek? I have forgot—very pretty indeed; very original.'

'I am afraid, sir, it was very wrong to write such trash, and yet more to allow it to be published.'

'Trash! not at all; a very pretty piece of speculative philosophy; of course you were wrong in saying there is no world. The world must exist, to have the shape of a pear; and that the world is shaped like a pear, and not like an apple, as the fools of Oxford say, I have satisfactorily proved in my book. Now, if there were no world, what would become of my system? But what do you propose to do in London?'

'Here is the letter, sir,' said I, 'of our good friend, which I have not yet given to you; I believe it will explain to you the circumstances under which I come.'

He took the letter, and perused it with attention. 'Hem!' said he, with a somewhat altered manner, 'my friend tells me that you are come up to London with the view of turning your literary talents to account, and desires me to assist you in my capacity of publisher in bringing forth two or three works which you have prepared. My good friend is perhaps not aware that for some time past I have given up publishing—was obliged to do so—had many severe losses—do nothing at present in that line, save sending out the Magazine once a month; and, between ourselves, am thinking of disposing of that—wish to retire—high time at my age—so you see—'

'I am very sorry, sir, to hear that you cannot assist me' (and I remember that I felt very nervous); 'I had hoped—'

'A losing trade, I assure you, sir; literature is a drug. Taggart, what o'clock is it?'

'Well, sir!' said I, rising, 'as you cannot assist me, I will now take my leave; I thank you sincerely for your kind reception, and will trouble you no longer.'

'Oh, don't go. I wish to have some further conversation with you; and perhaps I may hit upon some plan to benefit you. I honour merit, and always make a point to encourage it when I can; but— Taggart, go to the bank, and tell them to dishonour the bill twelve months after date for thirty pounds which becomes due to-morrow. I am dissatisfied with that fellow who wrote the fairy tales, and intend to give him all the trouble in my power. Make haste.'

Taggart did not appear to be in any particular haste. First of all, he took a pinch of snuff, then, rising from his chair, slowly and deliberately drew his wig, for he wore a wig of a brown colour, rather more over his forehead than it had previously been, buttoned his coat, and, taking his hat, and an umbrella which stood in a corner, made me a low bow, and quitted the room.

'Well, sir, where were we? Oh, I remember, we were talking about merit. Sir, I always wish to encourage merit, especially when it comes so highly recommended as in the present instance. Sir, my good friend and correspondent speaks of you in the highest terms. Sir, I honour my good friend, and have the highest respect for his opinion in all matters connected with literature—rather eccentric though. Sir, my good friend has done my periodical more good and more harm than all the rest of my correspondents. Sir, I shall never forget the sensation caused by the appearance of his article about a certain personage whom he proved—and I think satisfactorily—to have been a legionary soldier—rather startling, was it not? The S—— of the world a common soldier, in a marching regiment—original, but startling; sir, I honour my good friend.'

'So you have renounced publishing, sir,' said I, 'with the exception of the Magazine?'

'Why, yes; except now and then, under the rose; the old coachman, you know, likes to hear the whip. Indeed, at the present moment, I am thinking of starting a Review on an entirely new and original principle; and it just struck me that you might be of high utility in the undertaking—what do you think of the matter?'

'I should be happy, sir, to render you any assistance, but I am afraid the employment you propose requires other qualifications than I possess; however, I can make the essay. My chief intention in coming to London was to lay before the world what I had prepared; and I had hoped by your assistance—'

'Ah! I see, ambition! Ambition is a very pretty thing; but, sir, we must walk before we run, according to the old saying—what is that you have got under your arm?'

'One of the works to which I was alluding; the one, indeed, which I am most anxious to lay before the world, as I hope to derive from it both profit and reputation.'

'Indeed! what do you call it?'

'Ancient songs of Denmark, heroic and romantic, translated by myself; with notes philological, critical, and historical.'

'Then, sir, I assure you that your time and labour have been entirely flung away; nobody would read your ballads, if you were to give them to the world to-morrow.'

'I am sure, sir, that you would say otherwise if you would permit me to read one to you'; and, without waiting for the answer of the big man, nor indeed so much as looking at him, to see whether he was inclined or not to hear me, I undid my manuscript, and, with a voice trembling with eagerness, I read to the following effect:

 

Buckshank bold and Elfinstone,

And more than I can mention here,

They caused to be built so stout a ship,

And unto Iceland they would steer.

                  

They launched the ship upon the main,

Which bellowed like a wrathful bear,

Down to the bottom the vessel sank,

A laidly Trold has dragged it there.

 

Down to the bottom sank young Roland,

And round about he groped awhile;

Until he found the path which led

Unto the bower of Ellenlyle.

 

'Stop!' said the publisher; 'very pretty indeed, and very original; beats Scott hollow, and Percy too: but, sir, the day for these things is gone by; nobody at present cares for Percy, nor for Scott either, save as a novelist; sorry to discourage merit, sir, but what can I do! What else have you got?'

'The songs of Ab Gwilym, the Welsh bard, also translated by myself, with notes critical, philological, and historical.'

'Pass on—what else?'

'Nothing else,' said I, folding up my manuscript with a sigh, 'unless it be a romance in the German style; on which, I confess, I set very little value.'

'Wild?'

'Yes, sir, very wild.'

'Like the Miller of the Black Valley?'

'Yes, sir, very much like the Miller of the Black Valley.'

'Well, that's better,' said the publisher; 'and yet, I don't know, I question whether anyone at present cares for the miller himself. No, sir, the time for those things is also gone by; German, at present, is a drug; and, between ourselves, nobody has contributed to make it so more than my good friend and correspondent;—but, sir, I see you are a young gentleman of infinite merit, and I always wish to encourage merit. Don't you think you could write a series of evangelical tales?'

'Evangelical tales, sir?'

'Yes, sir, evangelical novels.'

'Something in the style of Herder?'

'Herder is a drug, sir; nobody cares for Herder—thanks to my good friend. Sir, I have in yon drawer a hundred pages about Herder, which I dare not insert in my periodical; it would sink it, sir. No, sir, something in the style of the Dairyman's Daughter.'

'I never heard of the work till the present moment.'

'Then, sir, procure it by all means. Sir, I could afford as much as ten pounds for a well-written tale in the style of the Dairyman's Daughter; that is the kind of literature, sir, that sells at the present day! It is not the Miller of the Black Valley—no, sir, nor Herder either, that will suit the present taste; the evangelical body is becoming very strong, sir; the canting scoundrels—'

'But, sir, surely you would not pander to a scoundrelly taste?'

'Then, sir, I must give up business altogether. Sir, I have a great respect for the goddess Reason—an infinite respect, sir; indeed, in my time, I have made a great many sacrifices for her; but, sir, I cannot altogether ruin myself for the goddess Reason. Sir, I am a friend to Liberty, as is well known; but I must also be a friend to my own family. It is with the view of providing for a son of mine that I am about to start the Review of which I was speaking. He has taken into his head to marry, sir, and I must do something for him, for he can do but little for himself. Well, sir, I am a friend to Liberty, as I said before, and likewise a friend to Reason; but I tell you frankly that the Review which I intend to get up under the rose, and present him with when it is established, will be conducted on Oxford principles.'

'Orthodox principles, I suppose you mean, sir?'

'I do, sir; I am no linguist, but I believe the words are synonymous.'

Much more conversation passed between us, and it was agreed that I should become a contributor to the Oxford Review. I stipulated, however, that, as I knew little of politics, and cared less, no other articles should be required from me than such as were connected with belles-lettres and philology; to this the big man readily assented. 'Nothing will be required from you,' said he, 'but what you mention; and now and then, perhaps, a paper on metaphysics. You understand German, and perhaps it would be desirable that you should review Kant; and in a review of Kant, sir, you could introduce to advantage your peculiar notions about ex nihilo.' He then reverted to the subject of the Dairyman's Daughter, which I promised to take into consideration. As I was going away, he invited me to dine with him on the ensuing Sunday.

'That's a strange man!' said I to myself, after I had left the house; 'he is evidently very clever; but I cannot say that I like him much, with his Oxford Reviews and Dairyman's Daughters. But what can I do? I am almost without a friend in the world. I wish I could find some one who would publish my ballads, or my songs of Ab Gwilym. In spite of what the big man says, I am convinced that, once published, they would bring me much fame and profit. But how is this?—what a beautiful sun!—the porter was right in saying that the day would clear up—I will now go to my dingy lodging, lock up my manuscripts, and then take a stroll about the big city.'