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Saturday 6 April 2024

Dogmatic Constitution "Pastor Aeternus" by Pope Pius IX (in Portuguese)

 

CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA "PASTOR AETERNUS" DO SUPREMO PONTÍFICE PIO IX

 

O eterno Pastor e Bispo das nossas almas, querendo perpetuar a salutífera obra da redenção, resolveu fundar a Santa Igreja, na qual, como na Casa do Deus vivo, todos os fiéis se conservassem unidos, pelo vínculo da mesma fé e do mesmo amor. Por isso, antes de ser glorificado, rogou ao Pai não só pelos Apóstolos, mas também por aqueles que haviam de crer n'Ele através das palavras deles, para que todos fossem um, assim como o Filho e o Pai são um[1]. Por isso, assim como enviou os Apóstolos que tinha escolhido do mundo, conforme tinha sido ele mesmo enviado pelo Pai [2], da mesma forma quis que até a consumação dos séculos, houvesse na sua Igreja pastores e doutores[3].

Porque, para que o próprio episcopado fosse uno e indiviso, e assim toda a multidão dos crentes se conservasse na unidade da mesma fé e comunhão, através dos sacerdotes, antepondo S. Pedro aos demais Apóstolos, pôs nele o princípio perpétuo e o fundamento visível desta dupla unidade, sobre cuja solidez se construísse o Templo eterno e se levantasse sobre a firmeza desta fé a sublimidade da Igreja, que deve elevar-se até ao Céu (S. Leo M. serm. IV (al. III) cap. 2 in diem Natalis sui). E como as portas do Inferno se insurgem de todas as partes de dia para dia e com crescente ódio contra a Igreja divinamente estabelecida, a fim de fazê-la ruir, se pudessem, julgamos Nós necessário para a guarda, para a incolumidade e para o aumento da grei católica, após a aprovação do Concílio, propor à crença dos fiéis a doutrina sobre a instituição, a perpetuidade e a natureza do santo Primado Apostólico, no qual reside a força e a solidez de toda a Igreja, segundo a fé antiga e constante da Igreja universal, proscrevendo e condenando os erros contrários, tão perniciosos à grei do Senhor.

 

Capítulo I

A instituição do Primado Apostólico em S. Pedro

Ensinamos, pois, e declaramos, segundo o testemunho do Evangelho, que Jesus Cristo prometeu e conferiu imediata e diretamente o Primado de jurisdição sobre toda a Igreja ao Apóstolo S. Pedro. Com efeito, só a Simão Pedro, a quem antes dissera: "Chamar-te-ás Pedra" [Tu vocaberis Cephas][4], depois de ter ele feito a sua profissão com as palavras: "Tu és o Cristo, o Filho de Deus vivo", foi que o Senhor se lhe dirigiu com estas solenes palavras: "Bem-aventurado és, Simão, filho de Jonas, porque nem a carne nem o sangue t'o revelaram, mas sim meu Pai que está nos Céus. E eu te digo: Tu és Pedro, e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja, e as portas do Inferno não prevalecerão contra ela. E dar-te-ei as chaves do Reino dos Céus. E tudo o que ligares sobre a Terra será ligado também nos Céus; e tudo o que desligares sobre a Terra será desligado também nos Céus[5]. E somente a Simão Pedro conferiu Jesus, após a sua Ressurreição, a jurisdição de pastor e chefe supremo de todo o seu rebanho, dizendo: "Apascenta os meus cordeiros, apascenta as minhas ovelhas"[6]. A esta doutrina tão clara das Sagradas Escrituras, tal como sempre foi entendida pela Igreja Católica, opõe-se abertamente as sentenças perversas daqueles que, desnaturando a forma de governo estabelecida na Igreja por Cristo Nosso Senhor, negam que só Pedro foi agraciado com o verdadeiro e próprio Primado de jurisdição, com exclusão dos demais Apóstolos, quer tomados singularmente, quer em conjunto. Igualmente se opõem a esta doutrina os que afirmam que o mesmo Primado não foi, imediata e diretamente, confiado a S. Pedro mesmo, mas à Igreja, e por meio desta a ele como ministro dela.

    [Cânon] Se, pois, alguém disser que o Apóstolo S. Pedro não foi constituído por Jesus Cristo príncipe de todos os Apóstolos e chefe visível de toda a Igreja militante; ou disser que ele não recebeu direta e imediatamente do mesmo Senhor Nosso Jesus Cristo o Primado de verdadeira e própria jurisdição, mas apenas o Primado de honra, seja excomungado [anathema sit].

 

Capítulo II

A perpetuidade do Primado de S. Pedro nos Romanos Pontífices

Porém o que Nosso Senhor Jesus Cristo, que é o Príncipe dos pastores e o grande Pastor das ovelhas, instituiu no Apóstolo S. Pedro para a salvação eterna e o bem perene da Igreja, deve constantemente subsistir pela autoridade do mesmo Cristo na Igreja, que, fundada sobre a rocha [fundata super petram], permanecerá inabalável até ao fim dos séculos. Ninguém certamente duvida, pois é um fato notório em todos os séculos, que S. Pedro, príncipe e chefe dos Apóstolos, recebeu de Nosso Senhor Jesus Cristo, Salvador e Redentor do gênero humano, as chaves do Reino; Ele até hoje e sempre, vive, preside e julga seus sucessores [de Pedro], os bispos da Santa Sé Romana, por Ele fundada e consagrada com seu Sangue [Cf. Ephesini Concilii Act. III]. Daqui resulta que quem sucede a Pedro nesta Cátedra, em virtude da instituição do próprio Cristo, obtém o Primado de Pedro sobre toda a Igreja. Portanto, o que a Verdade ordenou não desaparece, e o bem-aventurado Pedro, perseverando na força que recebeu, como uma pedra irrefutável, nunca tirou a mão do comando da Igreja [S. Leo M., Serm. III al. II, cap. 3]. Esta é, portanto, a razão pela qual as outras Igrejas, isto é, todos os fiéis de todas as partes do mundo, tiveram que se referir à Igreja de Roma, devido à sua posição de preeminência de autoridade, para que nesta Sé, da qual todos os direitos da Comunhão divina estavam articulados, como membros ligados à Cabeça, num único Corpo [S. Iren., Adv. haer., I, III, c. 3 e Conc. Aquilei. para. 381 inter epp. S. Ambros., ep. XI].

    [Cânon] Se, portanto, alguém negar ser de Direito divino e por instituição do próprio Cristo que S. Pedro tem perpétuos sucessores no Primado da Igreja universal; ou que o Romano Pontífice é o Sucessor de S. Pedro no mesmo Primado, seja excomungado.

 

Capítulo III

A natureza e o caráter do primado do Pontífice Romano

Por isso, apoiados no testemunho manifesto da Sagrada Escritura, e concordes com os decretos formais e evidentes, tanto dos Romanos Pontífices nossos predecessores, como dos Concílios gerais, renovamos a definição do Concílio Ecumênico de Florença, que obriga todos os fiéis cristãos a crerem que a Santa Sé Apostólica e o Pontífice Romano têm o primado sobre todo o mundo, e que o mesmo Pontífice Romano é o sucessor de S. Pedro, o príncipe dos Apóstolos, é o verdadeiro vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja e o pai e doutor de todos os cristãos; e que a ele entregou Nosso Senhor Jesus Cristo todo o poder de apascentar, reger e governar a Igreja universal, conforme também se lê nas atas dos Concílios Ecumênicos e nos sagrados cânones.

Ensinamos, pois, e declaramos que a Igreja Romana, por disposição divina, tem o Primado do poder ordinário sobre as outras Igrejas, e que este poder de jurisdição do Romano Pontífice, poder verdadeiramente episcopal, é imediato. E a ela devem-se sujeitar, por dever de subordinação hierárquica e verdadeira obediência, os pastores e os fiéis de qualquer rito e dignidade, tanto cada um em particular, como todos em conjunto, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao regime da Igreja, espalhada por todo o mundo, de tal forma que, guardada a unidade de comunhão e de fé com o Romano Pontífice, a Igreja de Cristo seja um só redil com um só pastor. Esta é a doutrina católica, da qual ninguém pode se desviar, sob pena de perder a fé e a salvação.

Este poder do Sumo Pontífice em nada diminui aquele poder ordinário e imediato de jurisdição episcopal, em virtude do qual os bispos, constituídos pelo Espírito Santo[7] e sucessores dos Apóstolos, apascentam e regem, como verdadeiros pastores, os seus respectivos rebanhos; pelo contrário, este poder é firmado, corroborado e reivindicado pelo pastor supremo e universal, segundo o dizer de S. Gregório Magno: ¨A minha honra é o vigor dos meus irmãos. Sinto-me verdadeiramente honrado quando a cada qual se tributa a honra que lhe é devida¨.

Do supremo poder do Romano Pontífice de governar toda a Igreja resulta o direito de, no exercício deste seu ministério, comunicar-se livremente com os pastores e fiéis de toda a Igreja, para que estes possam ser por ele instruídos e dirigidos no caminho da salvação. Pelo que condenamos e reprovamos as máximas daqueles que dizem poder-se impedir licitamente esta comunicação do chefe supremo com os pastores e os fiéis, ou a subordinam ao poder secular, a ponto de afirmarem que o que é determinado pela Sé Apostólica em virtude da sua autoridade para o governo da Igreja, não tem força nem valor, a não ser depois de confirmado pelo benplácito do poder secular.

E como o Pontífice Romano governa a Igreja Universal em virtude do direito divino do primado apostólico, também ensinamos e declaramos que ele é o juiz supremo de todos os fiéis [Pii VI, Breve Super solidata, d. 28 de novembro de 1786], podendo-se, em todas as coisas pertencentes ao foro eclesiástico, recorrer ao seu juízo [Conc. Oecum. Lugdun. II], e também que a ninguém é lícito emitir juízo acerca do julgamento desta Santa Sé, nem tocar neste julgamento, visto que não há autoridade acima da mesma Santa Sé. Por isso, estão fora do reto caminho da verdade os que afirmam ser lícito apelar da sentença do Pontífices Romanos para o Concílio Ecumênico, como sendo uma autoridade acima do Romano Pontífice.

    [Cânon] Se, pois alguém disser que ao Romano Pontífice cabe apenas o ofício de inspeção ou direção, mas não o pleno e supremo poder de jurisdição sobre toda a Igreja, não só nas coisas referentes à fé e aos costumes, mas também nas que se referem à disciplina e ao governo da Igreja, espalhada por todo o mundo; ou disser que ele só goza da parte principal deste supremo poder, e não de toda a sua plenitude; ou disser que este seu poder não é ordinário e imediato, quer sobre todas e cada uma das igrejas quer sobre todos e cada um dos pastores e fiéis, seja excomungado.

 

Capítulo IV

O Magistério infalível do Romano Pontífice

Esta Santa Sé sempre creu que o poder supremo do magistério está contido também no mesmo Primado Apostólico, possuído pelo Romano Pontífice como sucessor do Beato Pedro, Príncipe dos Apóstolos. O mesmo é confirmado pelo uso constante da Igreja e pelos Concílios Ecumênicos, principalmente aqueles em que os Orientais se reuniam com os Ocidentais na união da fé e da caridade.

Assim, os Padres do IV Concílio de Constantinopla, seguindo o exemplo dos antepassados, fizeram esta solene profissão da fé: ¨A salvação consiste antes de tudo em guardar a regra da fé verdadeira. […]. E como a palavra de Nosso Senhor Jesus Cristo – que disse: "Tu és Pedro e sobre esta Pedra edificarei a minha Igreja"[8] –, não pode ser vã, os fatos a têm confirmado, pois na Sé Apostólica sempre se conservou imaculada a Religião católica e a santa a doutrina. Por isso, não desejando absolutamente separar-nos desta fé e desta doutrina, alimentamos a esperança de podermos manter-nos na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, porque nela se encontra toda a verdadeira solidez da Religião cristã " [Ex formula S. Hormisdae Papae, prout ab Hadriano II Patribus Concilii Oecumenici VIII, Constantinopolitani IV, proposita et ab iisdem subscripta est]. No momento em que foi aprovado o segundo Concílio de Lyon, os gregos declararam: "É atribuído à Santa Igreja Romana o pleno e supremo Primado e Principado sobre toda a Igreja Católica e, com toda a sinceridade e humildade, reconhece-se que ela o tem e o recebeu, com toda a força, pelo mesmo Senhor, na pessoa do bem-aventurado Pedro, Príncipe e chefe dos Apóstolos, de quem o Romano Pontífice é sucessor, e portanto a ele cabe, antes de qualquer outro, a tarefa de defender a verdade da fé, se surgirem dúvidas sobre questões de fé, cabe-lhe defini-las com a sua própria decisão". Por fim, o Concílio Florentino emitiu esta definição: "O Romano Pontífice, verdadeiro Vigário de Cristo, é o chefe de toda a Igreja, o pai e o mestre de todos os cristãos: a ele, na pessoa do Beato Pedro, foi confiado, desde o nosso Senhor Jesus Cristo, o poder supremo para governar e governar toda a Igreja; esperamos merecer perseverar na única comunhão pregada pela Sé Apostólica, na qual está sólida, íntegra e verdadeira a Religião cristã".

E os gregos, com a aprovação do II Concílio de Lião, professaram que "a Santa Igreja Romana goza do supremo e pleno Primado e Principado sobre toda a Igreja Católica, Primado que com verdade ela reconhece humildemente ter recebido, com a plenitude do poder, do próprio Jesus Cristo, na pessoa de S. Pedro, Príncipe dos Apóstolos, de quem o Romano Pontífice é sucessor; e assim a Igreja Romana, mais do que as outras, deve defender a verdadeira fé assim também, quando surgirem questões acerca da fé, cabe a ela o defini-las".

E finalmente o Concílio de Florença definiu ¨que o Romano Pontífice é o verdadeiro Vigário de Cristo, o chefe de toda a Igreja, o pai e o doutor de todos os cristãos; e que a ele conferiu Nosso Senhor Jesus Cristo, na pessoa de S. Pedro, o pleno poder de apascentar, reger e governar a Igreja".

Com o fim de satisfazer a este múnus pastoral, os nossos predecessores empregaram sempre todos os esforços para propagar a salutar doutrina de Cristo entre todos os povos da Terra, vigiando com igual solicitude que, onde fosse recebida, se guardasse pura e sem alteração. Pelo que os bispos de todo o mundo, quer em particular, quer reunidos em sínodos, seguindo o antigo costume e a antiga regra da Igreja, têm referido a esta Sé Apostólica os perigos que surgiam, principalmente em assuntos de fé, a fim de que os danos da fé se ressarcissem aí, onde a fé não pode sofrer quebra. E os Pontífices Romanos, conforme lhes aconselhavam a condição dos tempos e as circunstâncias, ora convocando concílios ecumênicos, ora auscultando a opinião de toda a Igreja dispersa pelo mundo, ora por sínodos particulares ou empregando outros meios, que a Divina Providência lhes proporcionava, têm definido como verdade de fé aquilo que, com o auxílio de Deus, reconheceram ser conforme com a Sagrada Escritura e as tradições apostólicas. Pois o Espírito Santo não foi prometido aos sucessores de S. Pedro para que estes, sob a revelação do mesmo, pregassem uma nova doutrina, mas para que, com a sua assistência, conservassem santamente e expusessem fielmente o Depósito da Fé, ou seja, a Revelação herdada dos Apóstolos. E esta doutrina dos Apóstolos abraçaram-na todos os veneráveis Santos Padres, veneraram-na e seguiram-na todos os santos doutores ortodoxos, firmemente convencidos de que esta Cátedra de S. Pedro sempre permaneceu imune de todo o erro, segundo a promessa de Nosso Senhor Jesus Cristo feita ao príncipe dos Apóstolos: “Eu roguei por ti, para que a tua fé não desfaleça; e tu, uma vez convertido, confirma os teus irmãos”[9].

Foi, portanto, este Dom da verdade e da fé, que nunca falece, concedido divinamente a Pedro e aos seus sucessores nesta Cátedra, a fim de que cumprissem seu sublime encargo para a salvação de todos, para que assim todo o rebanho de Cristo, afastado por eles do venenoso engodo do erro, fosse nutrido com o pábulo da doutrina celeste, para que assim, removida toda ocasião de cisma, e apoiada no seu fundamento, se conservasse unida a Igreja Universal, firme e inexpugnável contra as portas do Inferno.

Mas, como nestes nossos tempos, em que mais do que nunca se precisa da salutífera eficácia do Ministério apostólico, muitos há que combatem esta autoridade, julgamos absolutamente necessário afirmar solenemente esta prerrogativa que o Filho Unigênito de Deus dignou-se ajuntar ao supremo ofício pastoral.

Por isso Nós, apegando-nos à Tradição recebida desde o início da fé cristã, para a glória de Deus, nosso Salvador, para a exaltação da Religião católica, e para a salvação dos povos cristãos, com a aprovação do Sagrado Concílio, ensinamos e definimos como dogma divinamente revelado que o Romano Pontífice, quando fala ex cathedra, isto é, quando, no desempenho do ministério de pastor e doutor de todos os cristãos, define com sua suprema autoridade apostólica alguma doutrina referente à fé e à moral para toda a Igreja, em virtude da assistência divina prometida a ele na pessoa de São Pedro, goza daquela infalibilidade com a qual Cristo quis munir a sua Igreja quando define alguma doutrina sobre a fé e a moral; e que, portanto, tais declarações do Romano Pontífice são por si mesmas, e não apenas em virtude do consenso da Igreja, irreformáveis.

    [Cânon] Se, porém, alguém ousar contrariar esta nossa definição, o que Deus não permita, seja excomungado.

 

 

    Dado em Roma, na sessão pública celebrada solenemente na Basílica Vaticana, no ano de 1870 da Encarnação do Senhor, 18 de julho, vigésimo quinto ano do Nosso Pontificado.

 

[1] Jo 17,20s.

[2] Jo 20,21.

[3] Mt 28,20.

[4] Jo 1,42.

[5] Mt 16,16ss.

[6] Jo 21,15ss.

[7] cf. At 20,28.

[8] Mt 16,18.

[9] Lc 22, 32.