Thursday 16 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - II

 

Introdução

1. Dado que a Escritura nos aconselha: “Interroga teu pai e ele te contará; os teus avós, e eles te dirão“. (Dt 32,7); “Ouve as palavras dos sábios” (Pr22,17); e também: “Meu filho, não te esqueças da minha lei, e guarda no teu coração os meus preceitos” (Pr 3,1), a mim, Peregrino, último entre todos os servos de Deus, me parece que é coisa de não pouca utilidade escrever os ensinamentos que recebi fielmente dos Santos Padres. Para mim isto é absolutamente imprescindível, a causa de minha debilidade, para ter assim ao alcance das mãos um auxílio que, com uma leitura assídua, supra as deficiências de minha memória. Induzem-me a empreender este trabalho, ademais, não só a utilidade desta obra, mas também a consideração do tempo e a oportunidade do lugar. Em relação ao tempo, já que ele nos tira tudo o que há de humano, também nós devemos, em compensação, roubar-lhe algo que nos seja gozoso para a vida eterna, tanto mais quanto que ver aproximar-se o terrível juízo divino nos convida a pôr maior empenho no estudo de nossa Fé; por outro lado, a astúcia dos novos hereges reclama de nós uma vigilância e uma atenção cada vez maiores. Em relação ao lugar, porque afastados da multidão e da agitação da cidade, habitamos num lugar bem separado no qual, na cela tranquila de um mosteiro, se pode pôr em prática, sem medo de distrair-se, o que canta o salmista: “Desisti – disse ele – e reconhecei que sou Deus“(Sl 45,11). Aqui tudo se harmoniza para que eu alcance minhas aspirações. Durante muito tempo fui perturbado pelas diferentes e tristes peripécias da vida secular. Graças à inspiração de Jesus Cristo, consegui por fim refugiar-me no porto da Religião, sempre muito seguro para todos. Deixados para trás os ventos da vaidade e do orgulho, agora me esforço em aplacar a Deus mediante o sacrifício da humildade cristã, para poder assim evitar não só os naufrágios da vida presente, mas também as chamas da vida futura. Posta minha confiança no Senhor, desejo, pois, iniciar a obra que me insta, cuja finalidade é colocar por escrito tudo que nos têm sido transmitido por nossos pais e que temos recebido em depósito. Meu intento é expor cada coisa com a fidelidade de um relator, e não com a presunção de querer fazer uma obra original. Não obstante, me aterei a esta lei ao escrever: não dizer tudo, mas resumir o essencial com estilo fácil e acessível, prescindindo da elegância e do maneirsimo, de maneira que a maior parte das ideias pareçam melhor enunciadas que explicadas. Que escrevam brilhantemente e com finura aqueles que se sentem levados a isto pela profissão ou pela confiança em seu próprio talento. No que a mim se refere, já tenho muito em preparar estas anotações para ajudar a minha memória, ou melhor, a minha falta de memória. Não obstante, não deixarei de me empenhar, com a ajuda de Deus, em corrigi-las e completá-las cada dia, meditando no que tenho aprendido. Assim, pois, caso estas notas se percam ou acabem caindo em mãos de pessoas santas, rogo a estas que não se apressem em jogar-me na cara que algo do que nestas notas haja espera todavia ser retificado e corrigido, segundo minha promessa.

 

Regra para distinguir a Verdade Católica do erro

2. Havendo interrogado com frequência e com maior cuidado e atenção a inúmeras pessoas, sobressalentes em santidade e doutrina, sobre como distinguir por meio de uma regra segura, geral e normativa, a verdade da Fé Católica da falsidade perversa da heresia, quase todas me têm dado a mesma resposta:

 

    “Todo cristão que queira desmascarar as intrigas dos hereges que brotam ao nosso redor, evitar suas armadilhas e se manter íntegro e incólume numa fé incontaminada, deve, com a ajuda de Deus, apetrechar sua fé de duas maneiras: com a autoridade da lei divina ante tudo, e com a tradição da Igreja Católica”.

 

Sem embargo, alguém poderia objetar: Posto que o Cânon das Escrituras é em si mais que suficientemente perfeito para tudo, que necessidade há de se acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? Precisamente porque a Escritura, por causa de sua mesma sublimidade, não é entendida por todos de modo idêntico e universal. De fato, as mesmas palavras são interpretadas de maneira diferente por uns e por outros. Se pode dizer que tantas são as interpretações quantos são os leitores. Vemos, por exemplo, que Novaciano explica a Escritura de um modo, Sabélio de outro, Donato, Eunomio, Macedônio, de outro; e de maneira diversa a interpretam Fotino, Apolinar, Prisciliano, Joviano, Pelágio, Celestino, e em nossos dias, Nestório. É pois, sumamente necessário, ante as múltiplas e arrevesadas tortuosidades do erro, que a interpretação dos Profetas e dos Apóstolos se faça seguindo a pauta do sentir católico. Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é a verdadeira e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguimos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessamos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separamos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por último, se, nesta mesma antiguidade, abraçamos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres.

 

Exemplo de como aplicar a regra

3. Qual deverá ser a conduta de um cristão católico, se alguma pequena parte da Igreja se separa da comunhão na Fé universal?

– Não cabe dúvida de que deverá antepor a saúde do corpo inteiro a um membro podre e contagioso.

 

Mas, e se for uma novidade herética que não está limitada a um pequeno grupo, mas que ameaça contagiar à Igreja toda?

– Em tal caso, o cristão deverá fazer todo o possível para agarrar-se à antiguidade, a qual não pode evidentemente ser alterada por nenhuma nova mentira.

 

E se na antiguidade se descobre que um erro tem sido compartilhado por muitas pessoas, ou inclusive toda uma cidade, ou por uma região inteira?

– Neste caso porá o máximo cuidado em preferir os decretos – se os tiver – de um antigo Concílio Universal, à temeridade e à ignorância de todos aqueles.

 

E se surge uma nova opinião acerca da qual nada tenha sido ainda definido?

– Então indagará e confrontará as opiniões de nossos maiores, mas somente daqueles que sempre permaneceram na comunhão e na fé da única Igreja Católica e vieram a ser mestres provados da mesma. Tudo o que ache que, não por um ou dois somente, mas por todos juntos de pleno acordo, tenha sido mantido, escrito e ensinado abertamente, frequente e constantemente, sabe que ele também pode crer sem vacilação alguma.

 

Exemplos históricos de recurso à Universalidade e Antiguidade contra o erro

4. Para realçar melhor aquilo que digo, documentarei com exemplos minhas asserções, me detendo um pouco mais, para que não aconteça que o desejo de ser breve a todo custo me faça deixar passar coisas importantes. No tempo de Donato, de quem tomaram o nome os donatistas, uma parte considerável da África seguiu as delirantes aberrações deste homem. Esquecendo-se de seu nome, sua religião e sua profissão de fé, antepuseram à Igreja a sacrílega temeridade de um só indivíduo. Os que se opuseram então ao ímpio cisma permaneceram unidos às Igrejas do mundo inteiro e só eles entre todos os africanos puderam permanecer a salvo no santuário da Fé católica. Agindo assim, deixaram àqueles que viriam o exemplo egrégio de como se deve preferir sempre o equilíbrio de todos os demais à loucura de uns poucos. Um caso semelhante aconteceu quando o veneno da heresia ariana contaminou não apenas uma pequena região, mas o mundo inteiro, até o ponto de que quase todos os bispos latinos cederam ante a heresia, alguns obrigados com violência, outros sacerdotes diminuídos e enganados. Uma espécie de névoa ofuscou então suas mentes, e já não podiam distinguir, no meio de tanta confusão de ideias, qual era o caminho seguro que deviam seguir. Somente o verdadeiro e fiel discípulo de Cristo que preferiu a antiga Fé à nova perfídia não foi contaminado por aquela peste contagiosa. O que se sucedeu então mostra suficientemente os graves males a que podem dar lugar um dogma inventado. Tudo se revolucionou: não só relações, parentescos, amizades, famílias, mas também cidades, povos, regiões. Até mesmo o Império Romano foi sacudido até seus fundamentos e transtornado, de cima a baixo, quando a sacrílega inovação ariana, como nova Bellona ou Fúria, seduziu inclusive o Imperador, o primeiro de todos os homens. Depois de ter submetido as suas novas leis inclusive aos mais insignes dignatários da corte, a heresia começou a perturbar, transtornar, ultrajar todas as coisas, privada e pública, profana e religiosa. Sem fazer distinção entre o bom e o mau, entre o verdadeiro e o falso, atacava a mão livre todos que estivessem à sua frente. As esposas foram desonradas, as viúvas ultrajadas, as virgens profanadas. Se demoliram mosteiros, se dispersaram os clérigos; os diáconos foram açoitados com varas e os sacerdotes foram mandados ao exílio. Cárceres e minas se encheram de santos. Muitos, expulsos das cidades, andavam errantes sem pousada até que nos desertos, nas covas, entre as rochas abruptas pereceram miseravelmente, vítimas das feras selvagens e da desnudez, fome e sede. E qual foi a causa de tudo isto? Uma só: a introdução de crenças humanas em lugar do dogma vindo do céu. Isto ocorre quando, pela introdução de uma inovação vazia, a antiguidade fundamentada nos mais seguros embasamentos é demolida, velhas doutrinas são pisoteadas, os decretos dos Padres são desgarrados, as definições de nossos maiores são anuladas; e isto, sem que a desenfreada concupiscência de novidades profanas consiga manter-se nos nítidos limites de uma tradição sagrada e incontaminada.

 

Testemunho de São Ambrósio - 5. É possível que alguém pense que eu invento ou exagero por amor à Antiguidade e ódio às novidades? Quem quer que assim pense, preste pelo menos atenção a São Ambrósio, que, em seu segundo livro dedicado ao Imperador Graciano, deplorando a perversidade dos tempos, exclamava:

 

    “Deus todo poderoso, nossos sofrimentos e nosso sangue já têm resgatado suficientemente as matanças dos confessores, o exílio de bispos e tantas outras coisas ímpias e nefandas. Está mais que claro que quem tem violado a fé não podem estar seguros”.

 

E no terceiro livro da mesma obra diz:

 

    “Observamos fielmente os preceitos de nossos Pais, e não rompemos com insolente temeridade o selo da herança. Porque nem os senhores, nem as Potestades, nem os Anjos, nem os Arcanjos ousaram abrir aquele profético livro selado: somente a Cristo compete o direito de rompê-lo”.

 

    “Quem de nós se atreveria a romper o selo do livro sacerdotal, selado pelos confessores e consagrado por tantos mártires? Inclusive aqueles mesmos que, constrangidos pela violência o violaram, imediatamente rechaçaram o engano em que haviam caído e retornaram à Fé antiga. Aqueles que não ousaram violar-lo, setor naram confessores e mártires. Como poderíamos renegar sua fé, se celebramos precisamente sua vitória?”

 

A todos eles vai, ó venerável Ambrósio, nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração! Quem seria tão estulto que, não podendo igualá-los, não deseje ao menos imitar estes homens, a quem nenhuma violência conseguiu desviá-los da fé dos Padres? Ameaças, lisonjas, esperança de vida, temor à morte, guardas, corte, imperador, autoridades, não serviram de nada: homens e demônios foram impotentes ante eles. Seu tenaz apegamento à Fé antiga os fez dignos, aos olhos do Senhor, de uma grande recompensa. Por meio deles, Ele quis levantar as Igrejas prostradas, voltar a infundir nova vida às comunidades cristãs esgotadas, restituir aos sacerdotes as coroas caídas. Com as lágrimas dos bispos que permaneceram fiéis, Deus tem limpado, como com uma fonte celestial, não as fórmulas materiais, mas a mancha moral da impiedade nova. Por meio deles, enfim, tem reconduzido ao mundo inteiro– todavia sacudido pela violenta e repentina tempestade da heresia – da nova perfídia à Fé antiga, da recente insana à primitiva saúde, da cegueira nova à luz de antes. Mas o que devemos destacar principalmente neste valor quase divino dos confessores é que defenderam a fé antiga da Igreja e não a crença de parte alguma dela. Nunca teria sido possível que tão grandes homens se desdobrassem em um esforço sobre-humano para sustentar as conjecturas errôneas e contraditórias de um ou dois indivíduos, ou que se dedicassem a fundo em favor da irreflexiva opinião de uma pequena província. Nos decretos e nas definições de todos os bispos da Santa Igreja, herdeiros da Verdade, é no que têm crido, preferindo se expor à morte a trair a antiga fé universal. Assim mereceram alcançar uma glória tão grande, que foram considerados não só confessores, mas, com todo direito, príncipes dos confessores.

 

Testemunho do Papa Estevão - 6. O exemplo verdadeiramente grande e divino destes Bem-aventurados deveria ser objeto constante de meditação para todo o verdadeiro católico. Eles, irradiando como a um candelabro de sete braços a luz septiforme do Espírito Santo, tem mostrado, de maneira claríssima aos que vieram depois, como que prevendo o futuro, diante de qualquer verborreia jactanciosa do erro, que se pode aniquilar a audácia de inovações ímpias com a autoridade da antiguidade consagrada. Quanto aos demais, esta maneira de atuar não é novidade na Igreja; efetivamente, nela sempre se observou que quanto mais se cresce o fervor da piedade, com maior presteza se põe barreira às novas invenções. Tem-se uma grande quantidade de exemplos, mas para não alongar-me muito, citarei apenas um, adequadíssimo para nossa finalidade, tomando-o da história da Sé Apostólica. Todos poderão ver, com mais claridade que a própria luz, com quanta fortaleza, diligência e zelo os veneráveis sucessores dos santos Apóstolos têm defendido sempre a integridade da doutrina recebida uma vez para sempre. Sucedeu que o bispo de Cartago, Agripino, de piedosa memória, teve a ideia de fazer que os hereges fossem rebatizados; e isto contra a Escritura, a norma da Igreja universal, a opinião de seus colegas, os costumes e os usos dos Padres. Isto deu origem a grandes males, porque não só oferecia a todos os hereges um exemplo de sacrilégio, mas também foi ocasião de erro para não poucos católicos. Dado que em todas as partes se protestava contra esta novidade, e em cada sítio os bispos tomavam diferentes posturas com respeito a ela, segundo lhes ditava seu próprio zelo, o Papa Estevão, de santa memória, bispo da Sé Apostólica, se somou com maior força que nada à oposição de seus colegas, pois entendia –acertadamente, a meu ver – que devia superar a todos na devoção à fé tanto quantos superava pela autoridade de sua Sé. Escreveu então uma carta à África e decretou nestes termos: “Nenhuma novidade, mas só o que tem sido transmitido”. Sabia aquele homem santo e prudente que a mesma natureza da religião exige que tudo seja transmitido aos filhos com a mesma fidelidade com a qual tenha sido recebido dos pais, e que, ademais, não nos é lícito levar e trazer a religião por onde nos pareça, mas que melhor somos nós os que temos que segui-la por onde quer que ela nos conduza. E é próprio da humanidade e da responsabilidade cristã não transmitira quem nos sucedam nossas próprias opiniões, mas conservar o que foi recebido de nossos superiores. Como acabou, pois, a situação? Como haveria de acabar senão da maneira comum e normal? Se agarraram à antiguidade e rechaçou-se a novidade. Então não houve defensores da inovação? Ao contrário, houve um tal desdobramento de ingênuos, uma tal profusão de eloquência, um número tão grande de partidários, tanta verossimiltude nas teses, tal acúmulo de citações da Sagrada Escritura, ainda que interpretada em um sentido totalmente novo e errado, que de nenhuma maneira, creio eu, se poderia superar toda aquela concentração de forças, se a inovação tão fortemente abraçada, defendida, louvada, não tivesse vindo abaixo por si mesma, precisamente por causa de sua novidade. O que ocorreu com os decretos daquele concílio africano e quais foram suas consequências? Graças a Deus não serviram para nada. Tudo se dissipou como um sonho e uma fábula e foi abolido como coisa inútil, desprezado, não levado em conta. Mas foi aqui que se produziu uma situação paradóxica. Os autores daquela opinião são considerados católicos, e em troca seus seguidores são hereges; os mestres foram perdoados e os discípulos condenados .Quem escreveu os livros errôneos serão chamados filhos do reino, enquanto que o inferno acolherá a quem se fazem seus defensores. Quem pode ser tão louco até o ponto de pôr em dúvida que o beato Cipriano, luz esplendorosa entre todos os santos bispos e mártires, reina junto com seus colegas eternamente com Cristo? E, ao contrário, quem poderia ser tão sacrílego que negasse que os donatistas e as outras pestes, que presunçosamente querem rebatizar apoiando-se na autoridade daquele concílio, arderão eternamente com o diabo?

 

Astúcia tática dos hereges

7. A meu modo de ver, um juízo tão severo foi pronunciado pelo Céu, por causa da malícia destes mistificadores, que não duvidavam em encobrir com outro nome as heresias que fabricavam. Com frequência se apropriavam de passagens complicadas e pouco claras de algum autor antigo, os quais, por sua mesma falta de caridade parecia que concordavam com suas teorias; assim simulavam que não eram os primeiros nem os únicos que pensavam dessa maneira. Esta falta de honradez eu a qualifico de duplamente odiosa, porque não têm escrúpulo algum em fazer que outros bebam o veneno da heresia, e porque mancham a memória de pessoas santas, como se espalhassem ao vento, com mão sacrílega, suas cinzas dormidas. Fazendo reviver determinadas opiniões, que melhore era deixar enterradas no silêncio, levam a cabo uma difamação. Nisto seguem a perfeição os passos de seu primeiro modelo Cam, que não só não se preocupou de cobrir a nudez de Noé, mas que a fez notar aos demais para zombar dele. Por causa de uma ofensa tão grave à piedade filial, até seus descendentes estiveram incluídos na maldição que mereceu seu pecado. Seu comportamento foi totalmente contrário ao de seus irmãos, os quais se negaram a profanar com seu olhar a venerável nudez de seu pai e a expô-la aos olhares de outros, mas que, como está escrito, o cobriu acercando-se de braços. Não aprovaram nem censuraram o erro daquele homem santo, e por isso mereceram uma esplêndida bênção, que se estendeu a seus filhos de geração em geração. Mas voltemos a nosso tema. Devemos ter horror, como se tratasse de um delito, de alterar a fé e corromper o dogma; não só a disciplina da constituição da Igreja nos impede fazer uma coisa assim, mas também a censura da autoridade apostólica. Todos conhecemos com quanta firmeza, severidade e veemência São Paulo se lança contra alguns que, com incrível frivolidade, se afastaram em pouquíssimo tempo daquele que que os havia chamado à graça de Cristo, para passar-se a outro Evangelho, ainda que a verdade é que não existe outro Evangelho; ademais, se haviam rodeado de uma turba de mestres que secundavam seus próprios caprichos, e apartavam os ouvidos da verdade para os dar às fábulas, incorrendo assim na condenação de ter violado a fé primeira. Se deixaram enganar por aqueles de quem escreve o mesmo Apóstolo em sua carta aos irmãos de Roma:

 

    “Rogo-vos, irmãos, que desconfieis daqueles que causam divisões e escândalos, apartando-se da doutrina que recebestes. Evitai-os! Esses tais não servem a Cristo nosso Senhor, mas ao próprio ventre. E com palavras adocicadas e linguagem lisonjeira enganam os corações simples”. (Rm16,17-18)

 

Se introduzem nas casas e fazem escravas às mulheres carregadas de pecados e movidas por toda classe de desejos, as quais, ainda que sempre dispostas a instruir-se, não conseguem chegar nunca ao conhecimento da verdade. Charlatães e sedutores, revolucionam famílias inteiras, ensinando o que não convêm, com o fim de adquirir uma vil ganância. Homens de mente corrompida e desqualificados em matéria de fé, presunçosos e ignorantes, que se envolvem em discussões e em debates estéreis; privados da verdade, pensam que a piedade é algo lucrativo. Como não tem nada em que se ocupar, se dedicam ao perambulismo, e não só estão ociosos, mas que são falastrões e indiscretos, falando do que não devem. Têm depreciado uma boa consciência e naufragam na fé. Seus palavreados fúteis e profanos fazem que cada vez vão mais adiante na impiedade, e essas palavras sujas corroem como gangrena. Com razão se escreveu deles:

 

    “Mas não irão longe, porque será manifesta a todos a sua insensatez, como o foi a daqueles dois (Jannes e Mambres)”. (2Tm 3,9)

 

Advertência de São Paulo aos Gálatas - 8. Indivíduos desta ralé, que percorriam as províncias e as cidades mercadejando com seus erros, chegaram até os Gálatas. Estes, ao escutá-los, experimentaram como uma certa repugnância pela verdade, rechaçaram o maná celestial da doutrina católica e apostólica e se deleitaram com a sórdida novidade da heresia.A autoridade do Apóstolo se manifestou então com maior severidade:

 

    “Mas, ainda que alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema”. (Gl 1,8)

 

E por que disse São Paulo ainda que alguém – nós e não ainda que eu mesmo? Porque quis dizer que se inclusive Pedro, André, João, ou o colégio inteiro dos apóstolos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Tremendo rigor, com ele que, para afirmar a fidelidade à fé primitiva, não se exclui nem a si mesmo nem aos outros apóstolos. Mas isto não é tudo: ainda que um anjo baixado do céu vos anunciasse um Evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Para salvaguardar a fé entregue uma vez para sempre, não lhe bastou recordar a natureza humana, mas que quis também incluir a excelência angélica: ainda que nós – diz – ou um anjo do céu. Não é que os santos ou os anjos do céu possam pecar, mas que é para dizer: inclusive se acontecesse isso que não pode acontecer, qualquer que fosse o que tentasse modificar a fé recebida, este tal seja anátema. Mas talvez o Apóstolo escreveu estas palavras às pressas, movido mais por um ímpeto passional humano que por inspiração divina! Continua, sem embargo, e repete com insistência e com força a mesma ideia, para fazer que seja assimilada:

 

    “Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gl 1,9)

 

Não disse: se um lhe anuncie um Evangelho diferente do nosso, seja bendito, louvado, acolhido; mas disse: seja excomungado, ou seja, separado, cortado, excluído, com o fim de que o contágio funesto de uma ovelha infectada não se estenda, com sua presença mortífera, a todo o rebanho inocente de Cristo.

 

Valor universal da advertência Paulina - 9. Poderia se pensar que estas coisas foram ditas apenas para os Gálatas. Neste caso, também as demais recomendações que se fazem no resto da carta seriam válidas somente para os Gálatas. Por exemplo:

 

    “Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito. Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós”. (Gl 5,25-26)

 

Pois se isto nos parece absurdo, ele quer dizer que essas recomendações se dirigem a todos os homens e não apenas aos Gálatas; tanto os preceitos que se referem ao dogma, como as obrigações morais, valem para todos indistintamente. Assim, pois, como a ninguém é lícito provocar ou invejar o outro, tampouco a ninguém é lícito aceitar um Evangelho diferente do que a Igreja Católica ensina em todas as partes. Então o anátema de Paulo contra quem anuncia um Evangelho diferente do que havia sido anunciado valia apenas para aqueles tempos e não para hoje? Neste caso, também o que se prescreve no resto da carta: “Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne” (Gl 5,16), já não nos obrigaria hoje. Se pensar uma coisa assim é ímpio e pernicioso, necessariamente há de se concluir que, posto que os preceitos de ordem moral têm de ser observados em todos os tempos, também os que têm por objeto a imutabilidade da fé obrigam igualmente em todo tempo. Por conseguinte, anunciar aos cristãos alguma coisa diferente da doutrina tradicional não era, não é e não será lícito; e sempre foi obrigatório e necessário, como é todavia agora e será sempre e no futuro, reprovar a quem faz bandeira de uma doutrina diferente da recebida. Diante disso, haverá alguém tão ousado que anuncie uma doutrina diferente da que é anunciada pela Igreja, ou será tão frívolo que abrace outra fé diferente da que recebeu da Igreja? Para todos, sempre, e em todas as partes, por meio de suas cartas, se levanta com força e com insistência o grito daquele instrumento eleito, daquele Doutor das Gentes, daquele sino apostólico, daquele estandarte do universo, daquele expert dos céus: “se alguém anuncia um novo dogma, seja excomungado”. Mas vemos como se eleva o coachar de algumas rãs, o zumbido desses mosquitos e essas moscas morimbundas que são os pelagianos. Estes dizem aos católicos:

 

    “Toma-nos por mestres vossos, por vossos chefes, por vossos exegetas; condenai o que até agora tendes crido e credes no que até agora tendes condenado. Rechaçai a antiga fé, os decretos dos Padres, o depósito de vossos superiores, e recebei…”

 

Recebei, o que? Me causa horror dizê-lo, pois suas palavras estão tão cheias de soberba que me parece cometer um crime não só ele dizê-las, mas também refutá-las.

 

Por que Deus permite que existam heresias na Igreja

10. Mas alguém poderá dizer: Por que Deus permite que com tanta frequência pessoas insignes da Igreja se ponham a defender doutrinas novas entre os católicos? A pergunta é legítima e merece uma resposta ampla e detalhada. Mas responderei fundamentando-me não em minha capacidade pessoal, mas na autoridade da Lei divina e no ensinamento do Magistério eclesiástico. Ouçamos, pois, a Moisés: que ele nos diga o porquê de vez em quando Deus permite que homens doutos, inclusive chamados profetas pelo Apóstolo por causa de sua ciência, se ponham a ensinar novos dogmas que o Antigo Testamento chama, em seu estilo alegórico, de divindades estrangeiras. (Realmente os hereges veneram suas próprias opiniões tanto como os pagãos veneram seus deuses). Moisés escreve:

 

    “Se se levantar no meio de ti um profeta ou um visionário – ou seja, um mestre confirmado na Igreja, cujo ensinamento seus discípulos e ouvintes creem ser proveniente de alguma revelação – anunciando-te um sinal ou prodígio, e suceder o sinal ou o prodígio que anunciou…” (Dt 13,1-2a)

 

Certamente, com estas palavras se quer assinalar um grande mestre, de tanta ciência que pode fazer crer a seus seguidores, que não somente conhece as coisas humanas, mas que também tem a presença das coisas que superam ao homem. Era mais ou menos isto que os discípulos de Valentim, Donato, Fotino, Apolinário e outros da mesma laia acreditavam. E como continua Moisés?

 

    “…e te disser: vamos, sigamos outros deuses que te são desconhecidos e prestemos-lhes culto,” (Dt 13,2)

 

Quem são estes outros deuses senão as doutrinas erradas e estranhas? Que te são desconhecidos, ou seja, novas e inauditas. E prestemos-lhes culto, ou seja, acreditemos nela e as sigamos. Pois bem, o que diz Moisés neste caso?

 

    “…tu não ouvirás as palavras desse profeta ou desse visionário;” (Dt 13, 3a)

 

Mas eu lhes ponho esta questão: Por que Deus não impede que se ensine o que Ele proíbe que se escute? Então Moisés responde:

 

    “…porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova para ver se o amais de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”. (Dt 13,3b)

 

Assim, pois, está mais claro que a luz do sol o motivo por que de vez em quando a Providência de Deus permite mestres na Igreja que preguem novos dogmas: porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova. E certamente que é uma grande prova ver um homem tido por profeta, por discípulo dos profetas, por doutor e testemunha da verdade, um homem sumamente amado e respeitado, que de repente se põe a introduzir ocultamente erros perniciosos. Tanto mais quanto que não existe possibilidade de descobrir imediatamente esse erro, posto que lhe apanha de surpresa, já que se tem de tal homem um juízo favorável por causa de seu ensinamento anterior, e se resiste ao condenar o antigo mestre ao qual nos sentimos ligados pela afeição.

Wednesday 15 May 2024

Good Reading: “Hunger” by Frank Owen (in English)

 

1

All his life Mel Curran had been hungry. He had never known the pleasure of sitting down to a good meal. Hunger is a rat that gnaws at a man's stomach as if it were an empty, untenanted house whose beams were sagging.

Mel Curran was not a credit to humanity, but then neither was humanity a credit to him. He was undersized, underfed, and his mind was not normal. He believed that the dusk-shadows of evening were haunted by all sorts of weird ghosts and wraiths. He was more credulous than a child. He believed everything he heard, everything that was told to him, no matter how fantastic or preposterous. He believed that night was filled with creeping, crawling things, that sleep was a dreadful state. Each night he fought against it. He subjected himself to physical pain to escape the horror of unconsciousness. He held the lids of his eyes open so that the black horror could not creep in. All night long he kept a candle burning beside his bed so that the whirling, plunging, closing net of darkness would not close down upon him. Sometimes he groaned and shrieked in terror, and the sounds of his anguish echoed weirdly throughout the dank, cobweb-draped cellar in which he dwelt. For hours he would fight off the plague of sleep, but eventually, inevitably, from sheer exhaustion he would succumb to it.

Another of his eccentricities was his total vagueness regarding numbers. To him "one", "six", "seven", or any other numeral was merely a word without meaning, and not infrequently his vision also became jumbled. He would see the same man two or three times at once. He never knew how many men were walking toward him. Sometimes it would be only one man and he would appear like four, or, as not infrequently happened, it would be four men and they would appear to him like one. There were times when he walked smack into a person because his distorted vision had taken the person for a group. The same phenomenon was true of buildings, of trees, of automobiles, of stairways. When he walked down a subway stairs he walked as gingerly as if he were walking on eggs, for it was as if he were trying to descend several flights of stairs at once and he was unaware which he was really treading upon.

His life was filled with horrors and tragedies, with fears and desires and dim hopes that never were realized. But greater than all his desires was the supreme wish for a good meal. He was well past sixty, and very thin, like a wisp of straw. He was very tall, and his clothes were greasy and green with age. His eyes always shone fanatically and they bore a searching, hunted, haunted look. Sometimes he would spy a filthy crust of bread by the curbstone. Immediately he would rush forward and devour it as if all the people of New York had perceived it also and were pursuing it. Not infrequently the bit of crust would seem multiplied to four or five pieces, and he would grovel and whine pitifully when he could find only one. He was a familiar sight on the waterfronts, creeping about like an ugly shadow, sinister, ominous, dangerous, as if bent on some uncanny, dreadful mission, and yet his mission was purely an endless search for food to appease the loathsome gnawing rat that was clawing at his stomach—hunger.

 

2

One night he stood before a window in a small restaurant on South Street. The window was a vault containing the most precious of all jewels—food. He licked his dry lips with his doglike tongue. In the moonlight his teeth glistened like fangs: the gums seemed drawn back from them to permit greater ease in chewing. In the window was a cold boiled ham, a huge cake, a box of strawberries and a few garnishings of vegetables. But in his vision all this was multiplied. There was enough food for an army. His mouth watered so that the froth dripped from his lips at the corners. Everything on earth was blotted out. He had found food. He gazed furtively about to see that no one was approaching. Then deliberately he climbed up the side of the door as if he had been a jungle beast. It was quite easy to climb through the huge transom above the door, which, fortunately, was wide open. The next moment he was in the restaurant and the ham had been snatched from the window. In his frenzy he crouched upon the floor chewing at it as if he were a dog. All caution had fled from him. He fairly gloated over his prize, grunting and growling with satisfaction.

The restaurant proprietor dwelt upstairs. He heard the commotion and rose stealthily from his bed. He seized a huge revolver, so large that it appeared like a cannon, and crept downstairs. Mel Curran on his knees was fawning over the ham.

For a moment the restaurant proprietor gazed on him. Every nerve in his body revolted at the sight. He could not help shuddering. Then he pulled himself together.

"Throw up your hands!" he cried angrily.

Mel Curran only whined and chewed at the ham all the more ferociously. Then the revolver went off, whether deliberately or accidentally will never be known. Mel Curran was not touched. But the crash of the shot brought back to him a bit of rationality. He realized that his precious food was about to be taken from him.

With a cry of rage, he sprang to his feet. He seized the first thing his hand fell upon. It was an enormous platter, a platter that must have weighed a dozen pounds. With all his force he brought it down upon the intruder's head. With a groan the restaurant proprietor sank to the floor.

Then Mel Curran returned to his precious food.

He crouched over the huge ham as if it were a child and he were intent on protecting it.

The next moment the doors were burst open and the street mob surged in. It was headed by two burly policemen, who dragged him away from all that was dearest to him on earth.

 

3

Two months later, for the first time in his life, Mel Curran sat down to a feast fit for the gods, a turkey dinner with all the usual Yuletide trimmings. There was cranberry sauce, plum pudding, all sorts of fruits and nuts, and an enormous mince pie. He sat and ate slowly and deliberately. For the moment his vision was normal. First he ate to appease the gnawing of the rat, then he continued eating purely for his own pleasure. At last the appetite of his life was satisfied. When the meal was finished, he drank three cups of coffee and a glass of cider. Then he smoked a huge cigar. He heaved a sigh of satisfaction. He had not lived in vain.

When his meal was finished, he was given a somber black suit. Wonderfully content, he arrayed himself in it. Everybody was trying to outdo everybody else in being nice to him. A chaplain came to see him, a man whose face was truly beautiful—beautiful with a calm and restful peace.

"Have you anything to say, my brother?" the chaplain asked in a voice that was as soft as the wind through the treetops.

"Nothing," replied Mel Curran contentedly. "That was the finest meal I ever ate. I shall never forget it."

The chaplain placed his hand on his shoulder and prayed aloud. It was all very wonderful, Mel thought. It seemed rather fine to have people taking such an interest in him.

Then the gate of his cell was thrown open and he was led to the grim, gray chamber in which stood the electric chair. He gazed upon the scene blankly. He wondered what they were going to do with so many chairs. Without a word they led him to the gruesome chair. He sat down comfortably as if it were good to rest after such an enormous meal. He gazed at the little group of spectators who sat grimly in a huddled bunch on one side of the room. Their faces were chalklike in the shadows. To him the score of people seemed a multitude. And their gaze was centered on him as if he were a personage of prominence or an actor in a splendid play.

Someone stepped forward and placed a black cap over his eyes.

That was good. Now he could sleep.

Then other hands began fastening buckles about his legs and other parts of his body. That was very foolish. He was not going away. He was going to sleep.

Then the guards stepped back. There was a moment of utter silence—a silence so intense that it was almost deafening. The next instant the prison lights flickered dim. Then bright again, then dim.

Mel Curran would never be hungry again.

Tuesday 14 May 2024

Tuesday's Serial: “Lavengro” by George Borrow (in English) - XIV

 

Chapter 27

my father—premature decay—the easy-chair—a few questions—so you told me—a difficult language—they call it haik—misused opportunities—saul—want of candour—don't weep—heaven forgive me—dated from paris—i wish he were here—a father's reminiscences—vanities

 

My father, as I have already informed the reader, had been endowed by nature with great corporeal strength; indeed, I have been assured that, at the period of his prime, his figure had denoted the possession of almost Herculean powers. The strongest forms, however, do not always endure the longest, the very excess of the noble and generous juices which they contain being the cause of their premature decay. But, be that as it may, the health of my father, some few years after his retirement from the service to the quiet of domestic life, underwent a considerable change; his constitution appeared to be breaking up; and he was subject to severe attacks from various disorders, with which, till then, he had been utterly unacquainted. He was, however, wont to rally, more or less, after his illnesses, and might still occasionally be seen taking his walk, with his cane in his hand, and accompanied by his dog, who sympathised entirely with him, pining as he pined, improving as he improved, and never leaving the house save in his company; and in this manner matters went on for a considerable time, no very great apprehension with respect to my father's state being raised either in my mother's breast, or my own. But, about six months after the period at which I have arrived in my last chapter, it came to pass that my father experienced a severer attack than on any previous occasion.

He had the best medical advice; but it was easy to see, from the looks of his doctors, that they entertained but slight hopes of his recovery. His sufferings were great, yet he invariably bore them with unshaken fortitude. There was one thing remarkable connected with his illness; notwithstanding its severity, it never confined him to his bed. He was wont to sit in his little parlour, in his easy-chair, dressed in a faded regimental coat, his dog at his feet, who would occasionally lift his head from the hearth-rug on which he lay, and look his master wistfully in the face. And thus my father spent the greater part of his time, sometimes in prayer, sometimes in meditation, and sometimes in reading the Scriptures. I frequently sat with him, though, as I entertained a great awe for my father, I used to feel rather ill at ease, when, as sometimes happened, I found myself alone with him.

'I wish to ask you a few questions,' said he to me one day, after my mother had left the room.

'I will answer anything you may please to ask me, my dear father.'

'What have you been about lately?'

'I have been occupied as usual, attending at the office at the appointed hours.'

'And what do you there?'

'Whatever I am ordered.'

'And nothing else?'

'Oh yes! sometimes I read a book.'

'Connected with your profession?'

'Not always; I have been lately reading Armenian—'

'What's that?'

'The language of a people whose country is a region on the other side of Asia Minor.'

'Well!'

'A region abounding with mountains.'

'Well!'

'Amongst which is Mount Ararat.'

'Well!'

'Upon which, as the Bible informs us, the ark rested.'

'Well!'

'It is the language of the people of those regions.'

'So you told me.'

'And I have been reading the Bible in their language.'

'Well!'

'Or rather, I should say, in the ancient language of these people; from which I am told the modern Armenian differs considerably.'

'Well!'

'As much as the Italian from the Latin.'

'Well!'

'So I have been reading the Bible in ancient Armenian.'

'You told me so before.'

'I found it a highly difficult language.'

'Yes.'

'Differing widely from the languages in general with which I am acquainted.'

'Yes.'

'Exhibiting, however, some features in common with them.'

'Yes.'

'And sometimes agreeing remarkably in words with a certain strange wild speech with which I became acquainted—'

'Irish?'

'No, father, not Irish—with which I became acquainted by the greatest chance in the world.'

'Yes.'

'But of which I need say nothing farther at present, and which I should not have mentioned but for that fact.'

'Well!'

'Which I consider remarkable.'

'Yes.'

'The Armenian is copious.'

'Is it?'

'With an alphabet of thirty-nine letters, but it is harsh and guttural.'

'Yes.'

'Like the language of most mountainous people—the Armenians call it Haik.'

'Do they?'

'And themselves, Haik, also; they are a remarkable people, and, though their original habitation is the Mountain of Ararat, they are to be found, like the Jews, all over the world.'

'Well!'

'Well, father, that's all I can tell you about the Haiks, or Armenians.'

'And what does it all amount to?'

'Very little, father; indeed, there is very little known about the Armenians; their early history, in particular, is involved in considerable mystery.'

'And, if you knew all that it was possible to know about them, to what would it amount? to what earthly purpose could you turn it? have you acquired any knowledge of your profession?'

'Very little, father.'

'Very little! Have you acquired all in your power?'

'I can't say that I have, father.'

'And yet it was your duty to have done so. But I see how it is, you have shamefully misused your opportunities; you are like one, who, sent into the field to labour, passes his time in flinging stones at the birds of heaven.'

'I would scorn to fling a stone at a bird, father.'

'You know what I mean, and all too well, and this attempt to evade deserved reproof by feigned simplicity is quite in character with your general behaviour. I have ever observed about you a want of frankness, which has distressed me; you never speak of what you are about, your hopes, or your projects, but cover yourself with mystery. I never knew till the present moment that you were acquainted with Armenian.'

'Because you never asked me, father; there's nothing to conceal in the matter—I will tell you in a moment how I came to learn Armenian. A lady whom I met at one of Mrs. ——'s parties took a fancy to me, and has done me the honour to allow me to go and see her sometimes. She is the widow of a rich clergyman, and on her husband's death came to this place to live, bringing her husband's library with her: I soon found my way to it, and examined every book. Her husband must have been a learned man, for amongst much Greek and Hebrew I found several volumes in Armenian, or relating to the language.'

'And why did you not tell me of this before?'

'Because you never questioned me; but, I repeat, there is nothing to conceal in the matter. The lady took a fancy to me, and, being fond of the arts, drew my portrait; she said the expression of my countenance put her in mind of Alfieri's Saul.'

'And do you still visit her?'

'No, she soon grew tired of me, and told people that she found me very stupid; she gave me the Armenian books, however.'

'Saul,' said my father musingly, 'Saul. I am afraid she was only too right there; he disobeyed the commands of his master, and brought down on his head the vengeance of Heaven—he became a maniac, prophesied, and flung weapons about him.'

'He was, indeed, an awful character—I hope I shan't turn out like him.'

'God forbid!' said my father solemnly; 'but in many respects you are headstrong and disobedient like him. I placed you in a profession, and besought you to make yourself master of it by giving it your undivided attention. This, however, you did not do, you know nothing of it, but tell me that you are acquainted with Armenian; but what I dislike most is your want of candour—you are my son, but I know little of your real history, you may know fifty things for what I am aware: you may know how to shoe a horse for what I am aware.'

'Not only to shoe a horse, father, but to make horse-shoes.'

'Perhaps so,' said my father; 'and it only serves to prove what I was just saying, that I know little about you.'

'But you easily may, my dear father; I will tell you anything that you may wish to know—shall I inform you how I learnt to make horse-shoes?'

'No,' said my father; 'as you kept it a secret so long, it may as well continue so still. Had you been a frank, open-hearted boy, like one I could name, you would have told me all about it of your own accord. But I now wish to ask you a serious question—what do you propose to do?'

'To do, father?'

'Yes! the time for which you were articled to your profession will soon be expired, and I shall be no more.'

'Do not talk so, my dear father; I have no doubt that you will soon be better.'

'Do not flatter yourself; I feel that my days are numbered, I am soon going to my rest, and I have need of rest, for I am weary. There, there, don't weep! Tears will help me as little as they will you; you have not yet answered my question. Tell me what you intend to do?'

'I really do not know what I shall do.'

'The military pension which I enjoy will cease with my life. The property which I shall leave behind me will be barely sufficient for the maintenance of your mother respectably. I again ask you what you intend to do. Do you think you can support yourself by your Armenian or your other acquirements?'

'Alas! I think little at all about it; but I suppose I must push into the world, and make a good fight, as becomes the son of him who fought Big Ben; if I can't succeed, and am driven to the worst, it is but dying—'

'What do you mean by dying?'

'Leaving the world; my loss would scarcely be felt. I have never held life in much value, and every one has a right to dispose as he thinks best of that which is his own.'

'Ah! now I understand you; and well I know how and where you imbibed that horrible doctrine, and many similar ones which I have heard from your mouth; but I wish not to reproach you—I view in your conduct a punishment for my own sins, and I bow to the will of God. Few and evil have been my days upon the earth; little have I done to which I can look back with satisfaction. It is true I have served my king fifty years, and I have fought with—Heaven forgive me, what was I about to say!—but you mentioned the man's name, and our minds willingly recall our ancient follies. Few and evil have been my days upon earth, I may say with Jacob of old, though I do not mean to say that my case is so hard as his; he had many undutiful children, whilst I have only—; but I will not reproach you. I have also like him a son to whom I can look with hope, who may yet preserve my name when I am gone, so let me be thankful; perhaps, after all, I have not lived in vain. Boy, when I am gone, look up to your brother, and may God bless you both! There, don't weep; but take the Bible, and read me something about the old man and his children.'

My brother had now been absent for the space of three years. At first his letters had been frequent, and from them it appeared that he was following his profession in London with industry; they then became rather rare, and my father did not always communicate their contents. His last letter, however, had filled him and our whole little family with joy; it was dated from Paris, and the writer was evidently in high spirits. After describing in eloquent terms the beauties and gaieties of the French capital, he informed us how he had plenty of money, having copied a celebrated picture of one of the Italian masters for a Hungarian nobleman, for which he had received a large sum. 'He wishes me to go with him to Italy,' added he, 'but I am fond of independence; and, if ever I visit old Rome, I will have no patrons near me to distract my attention.' But six months had now elapsed from the date of this letter, and we had heard no further intelligence of my brother. My father's complaint increased; the gout, his principal enemy, occasionally mounted high up in his system, and we had considerable difficulty in keeping it from the stomach, where it generally proves fatal. I now devoted almost the whole of my time to my father, on whom his faithful partner also lavished every attention and care. I read the Bible to him, which was his chief delight; and also occasionally such other books as I thought might prove entertaining to him. His spirits were generally rather depressed. The absence of my brother appeared to prey upon his mind. 'I wish he were here,' he would frequently exclaim; 'I can't imagine what can have become of him; I trust, however, he will arrive in time.' He still sometimes rallied, and I took advantage of those moments of comparative ease to question him upon the events of his early life. My attentions to him had not passed unnoticed, and he was kind, fatherly, and unreserved. I had never known my father so entertaining as at these moments, when his life was but too evidently drawing to a close. I had no idea that he knew and had seen so much; my respect for him increased, and I looked upon him almost with admiration. His anecdotes were in general highly curious; some of them related to people in the highest stations, and to men whose names were closely connected with some of the brightest glories of our native land. He had frequently conversed—almost on terms of familiarity—with good old George. He had known the conqueror of Tippoo Saib; and was the friend of Townshend, who, when Wolfe fell, led the British grenadiers against the shrinking regiments of Montcalm. 'Pity,' he added, 'that when old—old as I am now—he should have driven his own son mad by robbing him of his plighted bride; but so it was; he married his son's bride. I saw him lead her to the altar; if ever there was an angelic countenance, it was that girl's; she was almost too fair to be one of the daughters of women. Is there anything, boy, that you would wish to ask me? now is the time.'

'Yes, father; there is one about whom I would fain question you.'

'Who is it? shall I tell you about Elliot?'

'No, father, not about Elliot; but pray don't be angry; I should like to know something about Big Ben.'

'You are a strange lad,' said my father; 'and, though of late I have begun to entertain a more favourable opinion than heretofore, there is still much about you that I do not understand. Why do you bring up that name? Don't you know that it is one of my temptations: you wish to know something about him. Well! I will oblige you this once, and then farewell to such vanities—something about him. I will tell you—his—skin when he flung off his clothes—and he had a particular knack in doing so—his skin, when he bared his mighty chest and back for combat; and when he fought he stood, so . . . if I remember right—his skin, I say, was brown and dusky as that of a toad. Oh me! I wish my elder son was here.'

 

 

Chapter 28

my brother's arrival—a dying father—christ

At last my brother arrived; he looked pale and unwell; I met him at the door. 'You have been long absent,' said I.

'Yes,' said he, 'perhaps too long; but how is my father?'

'Very poorly,' said I, 'he has had a fresh attack; but where have you been of late?'

'Far and wide,' said my brother; 'but I can't tell you anything now, I must go to my father. It was only by chance that I heard of his illness.'

'Stay a moment,' said I. 'Is the world such a fine place as you supposed it to be before you went away?'

'Not quite,' said my brother, 'not quite; indeed I wish—but ask me no questions now, I must hasten to my father.'

There was another question on my tongue, but I forebore; for the eyes of the young man were full of tears. I pointed with my finger, and the young man hastened past me to the arms of his father.

I forebore to ask my brother whether he had been to old Rome.

What passed between my father and brother I do not know; the interview, no doubt, was tender enough, for they tenderly loved each other; but my brother's arrival did not produce the beneficial effect upon my father which I at first hoped it would; it did not even appear to have raised his spirits. He was composed enough, however: 'I ought to be grateful,' said he; 'I wished to see my son, and God has granted me my wish; what more have I to do now than to bless my little family and go?'

My father's end was evidently at hand.

And did I shed no tears? did I breathe no sighs? did I never wring my hands at this period? the reader will perhaps be asking. Whatever I did and thought is best known to God and myself; but it will be as well to observe, that it is possible to feel deeply, and yet make no outward sign.

And now for the closing scene.

At the dead hour of night, it might be about two, I was awakened from sleep by a cry which sounded from the room immediately below that in which I slept. I knew the cry, it was the cry of my mother; and I also knew its import, yet I made no effort to rise, for I was for the moment paralysed. Again the cry sounded, yet still I lay motionless—the stupidity of horror was upon me. A third time, and it was then that, by a violent effort, bursting the spell which appeared to bind me, I sprang from the bed and rushed downstairs. My mother was running wildly about the room; she had awoke, and found my father senseless in the bed by her side. I essayed to raise him, and after a few efforts supported him in the bed in a sitting posture. My brother now rushed in, and, snatching up a light that was burning, he held it to my father's face. 'The surgeon, the surgeon!' he cried; then, dropping the light, he ran out of the room followed by my mother; I remained alone, supporting the senseless form of my father; the light had been extinguished by the fall, and an almost total darkness reigned in the room. The form pressed heavily against my bosom—at last methought it moved. Yes, I was right, there was a heaving of the breast, and then a gasping. Were those words which I heard? Yes, they were words, low and indistinct at first, and then audible. The mind of the dying man was reverting to former scenes. I heard him mention names which I had often heard him mention before. It was an awful moment; I felt stupefied, but I still contrived to support my dying father.

There was a pause, again my father spoke: I heard him speak of Minden, and of Meredith, the old Minden sergeant, and then he uttered another name, which at one period of his life was much in his lips, the name of . . . but this is a solemn moment! There was a deep gasp: I shook, and thought all was over; but I was mistaken—my father moved, and revived for a moment; he supported himself in bed without my assistance. I make no doubt that for a moment he was perfectly sensible, and it was then that, clasping his hands, he uttered another name clearly, distinctly—it was the name of Christ. With that name upon his lips, the brave old soldier sank back upon my bosom, and, with his hands still clasped, yielded up his soul.