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Thursday 16 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - II

 

Introdução

1. Dado que a Escritura nos aconselha: “Interroga teu pai e ele te contará; os teus avós, e eles te dirão“. (Dt 32,7); “Ouve as palavras dos sábios” (Pr22,17); e também: “Meu filho, não te esqueças da minha lei, e guarda no teu coração os meus preceitos” (Pr 3,1), a mim, Peregrino, último entre todos os servos de Deus, me parece que é coisa de não pouca utilidade escrever os ensinamentos que recebi fielmente dos Santos Padres. Para mim isto é absolutamente imprescindível, a causa de minha debilidade, para ter assim ao alcance das mãos um auxílio que, com uma leitura assídua, supra as deficiências de minha memória. Induzem-me a empreender este trabalho, ademais, não só a utilidade desta obra, mas também a consideração do tempo e a oportunidade do lugar. Em relação ao tempo, já que ele nos tira tudo o que há de humano, também nós devemos, em compensação, roubar-lhe algo que nos seja gozoso para a vida eterna, tanto mais quanto que ver aproximar-se o terrível juízo divino nos convida a pôr maior empenho no estudo de nossa Fé; por outro lado, a astúcia dos novos hereges reclama de nós uma vigilância e uma atenção cada vez maiores. Em relação ao lugar, porque afastados da multidão e da agitação da cidade, habitamos num lugar bem separado no qual, na cela tranquila de um mosteiro, se pode pôr em prática, sem medo de distrair-se, o que canta o salmista: “Desisti – disse ele – e reconhecei que sou Deus“(Sl 45,11). Aqui tudo se harmoniza para que eu alcance minhas aspirações. Durante muito tempo fui perturbado pelas diferentes e tristes peripécias da vida secular. Graças à inspiração de Jesus Cristo, consegui por fim refugiar-me no porto da Religião, sempre muito seguro para todos. Deixados para trás os ventos da vaidade e do orgulho, agora me esforço em aplacar a Deus mediante o sacrifício da humildade cristã, para poder assim evitar não só os naufrágios da vida presente, mas também as chamas da vida futura. Posta minha confiança no Senhor, desejo, pois, iniciar a obra que me insta, cuja finalidade é colocar por escrito tudo que nos têm sido transmitido por nossos pais e que temos recebido em depósito. Meu intento é expor cada coisa com a fidelidade de um relator, e não com a presunção de querer fazer uma obra original. Não obstante, me aterei a esta lei ao escrever: não dizer tudo, mas resumir o essencial com estilo fácil e acessível, prescindindo da elegância e do maneirsimo, de maneira que a maior parte das ideias pareçam melhor enunciadas que explicadas. Que escrevam brilhantemente e com finura aqueles que se sentem levados a isto pela profissão ou pela confiança em seu próprio talento. No que a mim se refere, já tenho muito em preparar estas anotações para ajudar a minha memória, ou melhor, a minha falta de memória. Não obstante, não deixarei de me empenhar, com a ajuda de Deus, em corrigi-las e completá-las cada dia, meditando no que tenho aprendido. Assim, pois, caso estas notas se percam ou acabem caindo em mãos de pessoas santas, rogo a estas que não se apressem em jogar-me na cara que algo do que nestas notas haja espera todavia ser retificado e corrigido, segundo minha promessa.

 

Regra para distinguir a Verdade Católica do erro

2. Havendo interrogado com frequência e com maior cuidado e atenção a inúmeras pessoas, sobressalentes em santidade e doutrina, sobre como distinguir por meio de uma regra segura, geral e normativa, a verdade da Fé Católica da falsidade perversa da heresia, quase todas me têm dado a mesma resposta:

 

    “Todo cristão que queira desmascarar as intrigas dos hereges que brotam ao nosso redor, evitar suas armadilhas e se manter íntegro e incólume numa fé incontaminada, deve, com a ajuda de Deus, apetrechar sua fé de duas maneiras: com a autoridade da lei divina ante tudo, e com a tradição da Igreja Católica”.

 

Sem embargo, alguém poderia objetar: Posto que o Cânon das Escrituras é em si mais que suficientemente perfeito para tudo, que necessidade há de se acrescentar a autoridade da interpretação da Igreja? Precisamente porque a Escritura, por causa de sua mesma sublimidade, não é entendida por todos de modo idêntico e universal. De fato, as mesmas palavras são interpretadas de maneira diferente por uns e por outros. Se pode dizer que tantas são as interpretações quantos são os leitores. Vemos, por exemplo, que Novaciano explica a Escritura de um modo, Sabélio de outro, Donato, Eunomio, Macedônio, de outro; e de maneira diversa a interpretam Fotino, Apolinar, Prisciliano, Joviano, Pelágio, Celestino, e em nossos dias, Nestório. É pois, sumamente necessário, ante as múltiplas e arrevesadas tortuosidades do erro, que a interpretação dos Profetas e dos Apóstolos se faça seguindo a pauta do sentir católico. Na Igreja Católica deve-se ter maior cuidado para manter aquilo em que se crê em todas as partes, sempre e por todos. Isto é a verdadeira e propriamente católico, segundo a ideia de universalidade que se encerra na mesma etimologia da palavra. Mas isto se conseguirá se nós seguimos a universalidade, a antiguidade e o consenso geral. Seguiremos a universalidade se confessamos como verdadeira e única fé a que a Igreja inteira professa em todo o mundo; a antiguidade, se não nos separamos de nenhuma forma dos sentimentos que notoriamente proclamaram nossos santos predecessores e pais; o consenso geral, por último, se, nesta mesma antiguidade, abraçamos as definições e as doutrinas de todos, ou de quase todos, os Bispos e Mestres.

 

Exemplo de como aplicar a regra

3. Qual deverá ser a conduta de um cristão católico, se alguma pequena parte da Igreja se separa da comunhão na Fé universal?

– Não cabe dúvida de que deverá antepor a saúde do corpo inteiro a um membro podre e contagioso.

 

Mas, e se for uma novidade herética que não está limitada a um pequeno grupo, mas que ameaça contagiar à Igreja toda?

– Em tal caso, o cristão deverá fazer todo o possível para agarrar-se à antiguidade, a qual não pode evidentemente ser alterada por nenhuma nova mentira.

 

E se na antiguidade se descobre que um erro tem sido compartilhado por muitas pessoas, ou inclusive toda uma cidade, ou por uma região inteira?

– Neste caso porá o máximo cuidado em preferir os decretos – se os tiver – de um antigo Concílio Universal, à temeridade e à ignorância de todos aqueles.

 

E se surge uma nova opinião acerca da qual nada tenha sido ainda definido?

– Então indagará e confrontará as opiniões de nossos maiores, mas somente daqueles que sempre permaneceram na comunhão e na fé da única Igreja Católica e vieram a ser mestres provados da mesma. Tudo o que ache que, não por um ou dois somente, mas por todos juntos de pleno acordo, tenha sido mantido, escrito e ensinado abertamente, frequente e constantemente, sabe que ele também pode crer sem vacilação alguma.

 

Exemplos históricos de recurso à Universalidade e Antiguidade contra o erro

4. Para realçar melhor aquilo que digo, documentarei com exemplos minhas asserções, me detendo um pouco mais, para que não aconteça que o desejo de ser breve a todo custo me faça deixar passar coisas importantes. No tempo de Donato, de quem tomaram o nome os donatistas, uma parte considerável da África seguiu as delirantes aberrações deste homem. Esquecendo-se de seu nome, sua religião e sua profissão de fé, antepuseram à Igreja a sacrílega temeridade de um só indivíduo. Os que se opuseram então ao ímpio cisma permaneceram unidos às Igrejas do mundo inteiro e só eles entre todos os africanos puderam permanecer a salvo no santuário da Fé católica. Agindo assim, deixaram àqueles que viriam o exemplo egrégio de como se deve preferir sempre o equilíbrio de todos os demais à loucura de uns poucos. Um caso semelhante aconteceu quando o veneno da heresia ariana contaminou não apenas uma pequena região, mas o mundo inteiro, até o ponto de que quase todos os bispos latinos cederam ante a heresia, alguns obrigados com violência, outros sacerdotes diminuídos e enganados. Uma espécie de névoa ofuscou então suas mentes, e já não podiam distinguir, no meio de tanta confusão de ideias, qual era o caminho seguro que deviam seguir. Somente o verdadeiro e fiel discípulo de Cristo que preferiu a antiga Fé à nova perfídia não foi contaminado por aquela peste contagiosa. O que se sucedeu então mostra suficientemente os graves males a que podem dar lugar um dogma inventado. Tudo se revolucionou: não só relações, parentescos, amizades, famílias, mas também cidades, povos, regiões. Até mesmo o Império Romano foi sacudido até seus fundamentos e transtornado, de cima a baixo, quando a sacrílega inovação ariana, como nova Bellona ou Fúria, seduziu inclusive o Imperador, o primeiro de todos os homens. Depois de ter submetido as suas novas leis inclusive aos mais insignes dignatários da corte, a heresia começou a perturbar, transtornar, ultrajar todas as coisas, privada e pública, profana e religiosa. Sem fazer distinção entre o bom e o mau, entre o verdadeiro e o falso, atacava a mão livre todos que estivessem à sua frente. As esposas foram desonradas, as viúvas ultrajadas, as virgens profanadas. Se demoliram mosteiros, se dispersaram os clérigos; os diáconos foram açoitados com varas e os sacerdotes foram mandados ao exílio. Cárceres e minas se encheram de santos. Muitos, expulsos das cidades, andavam errantes sem pousada até que nos desertos, nas covas, entre as rochas abruptas pereceram miseravelmente, vítimas das feras selvagens e da desnudez, fome e sede. E qual foi a causa de tudo isto? Uma só: a introdução de crenças humanas em lugar do dogma vindo do céu. Isto ocorre quando, pela introdução de uma inovação vazia, a antiguidade fundamentada nos mais seguros embasamentos é demolida, velhas doutrinas são pisoteadas, os decretos dos Padres são desgarrados, as definições de nossos maiores são anuladas; e isto, sem que a desenfreada concupiscência de novidades profanas consiga manter-se nos nítidos limites de uma tradição sagrada e incontaminada.

 

Testemunho de São Ambrósio - 5. É possível que alguém pense que eu invento ou exagero por amor à Antiguidade e ódio às novidades? Quem quer que assim pense, preste pelo menos atenção a São Ambrósio, que, em seu segundo livro dedicado ao Imperador Graciano, deplorando a perversidade dos tempos, exclamava:

 

    “Deus todo poderoso, nossos sofrimentos e nosso sangue já têm resgatado suficientemente as matanças dos confessores, o exílio de bispos e tantas outras coisas ímpias e nefandas. Está mais que claro que quem tem violado a fé não podem estar seguros”.

 

E no terceiro livro da mesma obra diz:

 

    “Observamos fielmente os preceitos de nossos Pais, e não rompemos com insolente temeridade o selo da herança. Porque nem os senhores, nem as Potestades, nem os Anjos, nem os Arcanjos ousaram abrir aquele profético livro selado: somente a Cristo compete o direito de rompê-lo”.

 

    “Quem de nós se atreveria a romper o selo do livro sacerdotal, selado pelos confessores e consagrado por tantos mártires? Inclusive aqueles mesmos que, constrangidos pela violência o violaram, imediatamente rechaçaram o engano em que haviam caído e retornaram à Fé antiga. Aqueles que não ousaram violar-lo, setor naram confessores e mártires. Como poderíamos renegar sua fé, se celebramos precisamente sua vitória?”

 

A todos eles vai, ó venerável Ambrósio, nosso louvor, nosso elogio, nossa admiração! Quem seria tão estulto que, não podendo igualá-los, não deseje ao menos imitar estes homens, a quem nenhuma violência conseguiu desviá-los da fé dos Padres? Ameaças, lisonjas, esperança de vida, temor à morte, guardas, corte, imperador, autoridades, não serviram de nada: homens e demônios foram impotentes ante eles. Seu tenaz apegamento à Fé antiga os fez dignos, aos olhos do Senhor, de uma grande recompensa. Por meio deles, Ele quis levantar as Igrejas prostradas, voltar a infundir nova vida às comunidades cristãs esgotadas, restituir aos sacerdotes as coroas caídas. Com as lágrimas dos bispos que permaneceram fiéis, Deus tem limpado, como com uma fonte celestial, não as fórmulas materiais, mas a mancha moral da impiedade nova. Por meio deles, enfim, tem reconduzido ao mundo inteiro– todavia sacudido pela violenta e repentina tempestade da heresia – da nova perfídia à Fé antiga, da recente insana à primitiva saúde, da cegueira nova à luz de antes. Mas o que devemos destacar principalmente neste valor quase divino dos confessores é que defenderam a fé antiga da Igreja e não a crença de parte alguma dela. Nunca teria sido possível que tão grandes homens se desdobrassem em um esforço sobre-humano para sustentar as conjecturas errôneas e contraditórias de um ou dois indivíduos, ou que se dedicassem a fundo em favor da irreflexiva opinião de uma pequena província. Nos decretos e nas definições de todos os bispos da Santa Igreja, herdeiros da Verdade, é no que têm crido, preferindo se expor à morte a trair a antiga fé universal. Assim mereceram alcançar uma glória tão grande, que foram considerados não só confessores, mas, com todo direito, príncipes dos confessores.

 

Testemunho do Papa Estevão - 6. O exemplo verdadeiramente grande e divino destes Bem-aventurados deveria ser objeto constante de meditação para todo o verdadeiro católico. Eles, irradiando como a um candelabro de sete braços a luz septiforme do Espírito Santo, tem mostrado, de maneira claríssima aos que vieram depois, como que prevendo o futuro, diante de qualquer verborreia jactanciosa do erro, que se pode aniquilar a audácia de inovações ímpias com a autoridade da antiguidade consagrada. Quanto aos demais, esta maneira de atuar não é novidade na Igreja; efetivamente, nela sempre se observou que quanto mais se cresce o fervor da piedade, com maior presteza se põe barreira às novas invenções. Tem-se uma grande quantidade de exemplos, mas para não alongar-me muito, citarei apenas um, adequadíssimo para nossa finalidade, tomando-o da história da Sé Apostólica. Todos poderão ver, com mais claridade que a própria luz, com quanta fortaleza, diligência e zelo os veneráveis sucessores dos santos Apóstolos têm defendido sempre a integridade da doutrina recebida uma vez para sempre. Sucedeu que o bispo de Cartago, Agripino, de piedosa memória, teve a ideia de fazer que os hereges fossem rebatizados; e isto contra a Escritura, a norma da Igreja universal, a opinião de seus colegas, os costumes e os usos dos Padres. Isto deu origem a grandes males, porque não só oferecia a todos os hereges um exemplo de sacrilégio, mas também foi ocasião de erro para não poucos católicos. Dado que em todas as partes se protestava contra esta novidade, e em cada sítio os bispos tomavam diferentes posturas com respeito a ela, segundo lhes ditava seu próprio zelo, o Papa Estevão, de santa memória, bispo da Sé Apostólica, se somou com maior força que nada à oposição de seus colegas, pois entendia –acertadamente, a meu ver – que devia superar a todos na devoção à fé tanto quantos superava pela autoridade de sua Sé. Escreveu então uma carta à África e decretou nestes termos: “Nenhuma novidade, mas só o que tem sido transmitido”. Sabia aquele homem santo e prudente que a mesma natureza da religião exige que tudo seja transmitido aos filhos com a mesma fidelidade com a qual tenha sido recebido dos pais, e que, ademais, não nos é lícito levar e trazer a religião por onde nos pareça, mas que melhor somos nós os que temos que segui-la por onde quer que ela nos conduza. E é próprio da humanidade e da responsabilidade cristã não transmitira quem nos sucedam nossas próprias opiniões, mas conservar o que foi recebido de nossos superiores. Como acabou, pois, a situação? Como haveria de acabar senão da maneira comum e normal? Se agarraram à antiguidade e rechaçou-se a novidade. Então não houve defensores da inovação? Ao contrário, houve um tal desdobramento de ingênuos, uma tal profusão de eloquência, um número tão grande de partidários, tanta verossimiltude nas teses, tal acúmulo de citações da Sagrada Escritura, ainda que interpretada em um sentido totalmente novo e errado, que de nenhuma maneira, creio eu, se poderia superar toda aquela concentração de forças, se a inovação tão fortemente abraçada, defendida, louvada, não tivesse vindo abaixo por si mesma, precisamente por causa de sua novidade. O que ocorreu com os decretos daquele concílio africano e quais foram suas consequências? Graças a Deus não serviram para nada. Tudo se dissipou como um sonho e uma fábula e foi abolido como coisa inútil, desprezado, não levado em conta. Mas foi aqui que se produziu uma situação paradóxica. Os autores daquela opinião são considerados católicos, e em troca seus seguidores são hereges; os mestres foram perdoados e os discípulos condenados .Quem escreveu os livros errôneos serão chamados filhos do reino, enquanto que o inferno acolherá a quem se fazem seus defensores. Quem pode ser tão louco até o ponto de pôr em dúvida que o beato Cipriano, luz esplendorosa entre todos os santos bispos e mártires, reina junto com seus colegas eternamente com Cristo? E, ao contrário, quem poderia ser tão sacrílego que negasse que os donatistas e as outras pestes, que presunçosamente querem rebatizar apoiando-se na autoridade daquele concílio, arderão eternamente com o diabo?

 

Astúcia tática dos hereges

7. A meu modo de ver, um juízo tão severo foi pronunciado pelo Céu, por causa da malícia destes mistificadores, que não duvidavam em encobrir com outro nome as heresias que fabricavam. Com frequência se apropriavam de passagens complicadas e pouco claras de algum autor antigo, os quais, por sua mesma falta de caridade parecia que concordavam com suas teorias; assim simulavam que não eram os primeiros nem os únicos que pensavam dessa maneira. Esta falta de honradez eu a qualifico de duplamente odiosa, porque não têm escrúpulo algum em fazer que outros bebam o veneno da heresia, e porque mancham a memória de pessoas santas, como se espalhassem ao vento, com mão sacrílega, suas cinzas dormidas. Fazendo reviver determinadas opiniões, que melhore era deixar enterradas no silêncio, levam a cabo uma difamação. Nisto seguem a perfeição os passos de seu primeiro modelo Cam, que não só não se preocupou de cobrir a nudez de Noé, mas que a fez notar aos demais para zombar dele. Por causa de uma ofensa tão grave à piedade filial, até seus descendentes estiveram incluídos na maldição que mereceu seu pecado. Seu comportamento foi totalmente contrário ao de seus irmãos, os quais se negaram a profanar com seu olhar a venerável nudez de seu pai e a expô-la aos olhares de outros, mas que, como está escrito, o cobriu acercando-se de braços. Não aprovaram nem censuraram o erro daquele homem santo, e por isso mereceram uma esplêndida bênção, que se estendeu a seus filhos de geração em geração. Mas voltemos a nosso tema. Devemos ter horror, como se tratasse de um delito, de alterar a fé e corromper o dogma; não só a disciplina da constituição da Igreja nos impede fazer uma coisa assim, mas também a censura da autoridade apostólica. Todos conhecemos com quanta firmeza, severidade e veemência São Paulo se lança contra alguns que, com incrível frivolidade, se afastaram em pouquíssimo tempo daquele que que os havia chamado à graça de Cristo, para passar-se a outro Evangelho, ainda que a verdade é que não existe outro Evangelho; ademais, se haviam rodeado de uma turba de mestres que secundavam seus próprios caprichos, e apartavam os ouvidos da verdade para os dar às fábulas, incorrendo assim na condenação de ter violado a fé primeira. Se deixaram enganar por aqueles de quem escreve o mesmo Apóstolo em sua carta aos irmãos de Roma:

 

    “Rogo-vos, irmãos, que desconfieis daqueles que causam divisões e escândalos, apartando-se da doutrina que recebestes. Evitai-os! Esses tais não servem a Cristo nosso Senhor, mas ao próprio ventre. E com palavras adocicadas e linguagem lisonjeira enganam os corações simples”. (Rm16,17-18)

 

Se introduzem nas casas e fazem escravas às mulheres carregadas de pecados e movidas por toda classe de desejos, as quais, ainda que sempre dispostas a instruir-se, não conseguem chegar nunca ao conhecimento da verdade. Charlatães e sedutores, revolucionam famílias inteiras, ensinando o que não convêm, com o fim de adquirir uma vil ganância. Homens de mente corrompida e desqualificados em matéria de fé, presunçosos e ignorantes, que se envolvem em discussões e em debates estéreis; privados da verdade, pensam que a piedade é algo lucrativo. Como não tem nada em que se ocupar, se dedicam ao perambulismo, e não só estão ociosos, mas que são falastrões e indiscretos, falando do que não devem. Têm depreciado uma boa consciência e naufragam na fé. Seus palavreados fúteis e profanos fazem que cada vez vão mais adiante na impiedade, e essas palavras sujas corroem como gangrena. Com razão se escreveu deles:

 

    “Mas não irão longe, porque será manifesta a todos a sua insensatez, como o foi a daqueles dois (Jannes e Mambres)”. (2Tm 3,9)

 

Advertência de São Paulo aos Gálatas - 8. Indivíduos desta ralé, que percorriam as províncias e as cidades mercadejando com seus erros, chegaram até os Gálatas. Estes, ao escutá-los, experimentaram como uma certa repugnância pela verdade, rechaçaram o maná celestial da doutrina católica e apostólica e se deleitaram com a sórdida novidade da heresia.A autoridade do Apóstolo se manifestou então com maior severidade:

 

    “Mas, ainda que alguém – nós ou um anjo baixado do céu – vos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema”. (Gl 1,8)

 

E por que disse São Paulo ainda que alguém – nós e não ainda que eu mesmo? Porque quis dizer que se inclusive Pedro, André, João, ou o colégio inteiro dos apóstolos anunciasse um evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Tremendo rigor, com ele que, para afirmar a fidelidade à fé primitiva, não se exclui nem a si mesmo nem aos outros apóstolos. Mas isto não é tudo: ainda que um anjo baixado do céu vos anunciasse um Evangelho diferente do que vos temos anunciado, que ele seja anátema. Para salvaguardar a fé entregue uma vez para sempre, não lhe bastou recordar a natureza humana, mas que quis também incluir a excelência angélica: ainda que nós – diz – ou um anjo do céu. Não é que os santos ou os anjos do céu possam pecar, mas que é para dizer: inclusive se acontecesse isso que não pode acontecer, qualquer que fosse o que tentasse modificar a fé recebida, este tal seja anátema. Mas talvez o Apóstolo escreveu estas palavras às pressas, movido mais por um ímpeto passional humano que por inspiração divina! Continua, sem embargo, e repete com insistência e com força a mesma ideia, para fazer que seja assimilada:

 

    “Repito aqui o que acabamos de dizer: se alguém pregar doutrina diferente da que recebestes, seja ele excomungado!” (Gl 1,9)

 

Não disse: se um lhe anuncie um Evangelho diferente do nosso, seja bendito, louvado, acolhido; mas disse: seja excomungado, ou seja, separado, cortado, excluído, com o fim de que o contágio funesto de uma ovelha infectada não se estenda, com sua presença mortífera, a todo o rebanho inocente de Cristo.

 

Valor universal da advertência Paulina - 9. Poderia se pensar que estas coisas foram ditas apenas para os Gálatas. Neste caso, também as demais recomendações que se fazem no resto da carta seriam válidas somente para os Gálatas. Por exemplo:

 

    “Se vivemos pelo Espírito, andemos também de acordo com o Espírito. Não sejamos ávidos da vanglória. Nada de provocações, nada de invejas entre nós”. (Gl 5,25-26)

 

Pois se isto nos parece absurdo, ele quer dizer que essas recomendações se dirigem a todos os homens e não apenas aos Gálatas; tanto os preceitos que se referem ao dogma, como as obrigações morais, valem para todos indistintamente. Assim, pois, como a ninguém é lícito provocar ou invejar o outro, tampouco a ninguém é lícito aceitar um Evangelho diferente do que a Igreja Católica ensina em todas as partes. Então o anátema de Paulo contra quem anuncia um Evangelho diferente do que havia sido anunciado valia apenas para aqueles tempos e não para hoje? Neste caso, também o que se prescreve no resto da carta: “Digo, pois: deixai-vos conduzir pelo Espírito, e não satisfareis os apetites da carne” (Gl 5,16), já não nos obrigaria hoje. Se pensar uma coisa assim é ímpio e pernicioso, necessariamente há de se concluir que, posto que os preceitos de ordem moral têm de ser observados em todos os tempos, também os que têm por objeto a imutabilidade da fé obrigam igualmente em todo tempo. Por conseguinte, anunciar aos cristãos alguma coisa diferente da doutrina tradicional não era, não é e não será lícito; e sempre foi obrigatório e necessário, como é todavia agora e será sempre e no futuro, reprovar a quem faz bandeira de uma doutrina diferente da recebida. Diante disso, haverá alguém tão ousado que anuncie uma doutrina diferente da que é anunciada pela Igreja, ou será tão frívolo que abrace outra fé diferente da que recebeu da Igreja? Para todos, sempre, e em todas as partes, por meio de suas cartas, se levanta com força e com insistência o grito daquele instrumento eleito, daquele Doutor das Gentes, daquele sino apostólico, daquele estandarte do universo, daquele expert dos céus: “se alguém anuncia um novo dogma, seja excomungado”. Mas vemos como se eleva o coachar de algumas rãs, o zumbido desses mosquitos e essas moscas morimbundas que são os pelagianos. Estes dizem aos católicos:

 

    “Toma-nos por mestres vossos, por vossos chefes, por vossos exegetas; condenai o que até agora tendes crido e credes no que até agora tendes condenado. Rechaçai a antiga fé, os decretos dos Padres, o depósito de vossos superiores, e recebei…”

 

Recebei, o que? Me causa horror dizê-lo, pois suas palavras estão tão cheias de soberba que me parece cometer um crime não só ele dizê-las, mas também refutá-las.

 

Por que Deus permite que existam heresias na Igreja

10. Mas alguém poderá dizer: Por que Deus permite que com tanta frequência pessoas insignes da Igreja se ponham a defender doutrinas novas entre os católicos? A pergunta é legítima e merece uma resposta ampla e detalhada. Mas responderei fundamentando-me não em minha capacidade pessoal, mas na autoridade da Lei divina e no ensinamento do Magistério eclesiástico. Ouçamos, pois, a Moisés: que ele nos diga o porquê de vez em quando Deus permite que homens doutos, inclusive chamados profetas pelo Apóstolo por causa de sua ciência, se ponham a ensinar novos dogmas que o Antigo Testamento chama, em seu estilo alegórico, de divindades estrangeiras. (Realmente os hereges veneram suas próprias opiniões tanto como os pagãos veneram seus deuses). Moisés escreve:

 

    “Se se levantar no meio de ti um profeta ou um visionário – ou seja, um mestre confirmado na Igreja, cujo ensinamento seus discípulos e ouvintes creem ser proveniente de alguma revelação – anunciando-te um sinal ou prodígio, e suceder o sinal ou o prodígio que anunciou…” (Dt 13,1-2a)

 

Certamente, com estas palavras se quer assinalar um grande mestre, de tanta ciência que pode fazer crer a seus seguidores, que não somente conhece as coisas humanas, mas que também tem a presença das coisas que superam ao homem. Era mais ou menos isto que os discípulos de Valentim, Donato, Fotino, Apolinário e outros da mesma laia acreditavam. E como continua Moisés?

 

    “…e te disser: vamos, sigamos outros deuses que te são desconhecidos e prestemos-lhes culto,” (Dt 13,2)

 

Quem são estes outros deuses senão as doutrinas erradas e estranhas? Que te são desconhecidos, ou seja, novas e inauditas. E prestemos-lhes culto, ou seja, acreditemos nela e as sigamos. Pois bem, o que diz Moisés neste caso?

 

    “…tu não ouvirás as palavras desse profeta ou desse visionário;” (Dt 13, 3a)

 

Mas eu lhes ponho esta questão: Por que Deus não impede que se ensine o que Ele proíbe que se escute? Então Moisés responde:

 

    “…porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova para ver se o amais de todo o vosso coração e de toda a vossa alma”. (Dt 13,3b)

 

Assim, pois, está mais claro que a luz do sol o motivo por que de vez em quando a Providência de Deus permite mestres na Igreja que preguem novos dogmas: porque o Senhor, vosso Deus, vos põe à prova. E certamente que é uma grande prova ver um homem tido por profeta, por discípulo dos profetas, por doutor e testemunha da verdade, um homem sumamente amado e respeitado, que de repente se põe a introduzir ocultamente erros perniciosos. Tanto mais quanto que não existe possibilidade de descobrir imediatamente esse erro, posto que lhe apanha de surpresa, já que se tem de tal homem um juízo favorável por causa de seu ensinamento anterior, e se resiste ao condenar o antigo mestre ao qual nos sentimos ligados pela afeição.

Thursday 9 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - I

 

Este pequeno livro, cheio de vigor e ciência, tem atraído a atenção dos estudiosos sobretudo a partir do século XVI, e suas afirmações têm sido levadas em conta nos momentos de confusão doutrinal, desde as polêmicas entre protestantes e católicos do século XVII até a crise modernista, porque nele se encontra um excelente testemunho cristão e resposta ante os riscos do ceticismo e do relativismo teológico. Com efeito, os temas chave do tratado são: fidelidade à Tradição e progresso dogmático.

O Comonitório é um dos livros que mais história tem deixado sobre si. Hoje passam de 150 edições e traduções em diversas línguas. A palavra Comonitório (Commonitorium), bastante frequente com o título de obras naquela época, significa notas ou apontamentos postos por escrito para ajudar à memória, sem pretensões de compor um tratado exaustivo.

Nesta obra, São Vicente de Lerins se propôs facilitar, com exemplos da Tradição e da história da Igreja, os critérios para conservar intacta a verdade católica. Não recorre a um método complicado. As regras que oferece para distinguir a verdade do erro podem ser conhecidas e aplicadas por todos os cristãos de todos os tempos, pois se resumem em uma excelente fidelidade à Tradição viva da Igreja. O Comonitório constitui uma joia da literatura patrística. Seu ensinamento fundamental é que os cristãos devem crer quod semper, quod ubique, quod ad ómnibus: somente e tudo quanto foi crido sempre, por todos e em todas as partes. Vários Papas e Concílios confirmaram com sua autoridade a validade perene desta regra de fé. Segue sendo plenamente atual este pequeno livro escrito em uma ilha da França, há mais de quinze séculos.

 

São Vincente de Lerins - Sabemos pouco sobre a vida de São Vicente de Lerins. Foi um Padre da Igreja do século V. Se possuem escassos dados sobre sua vida; apenas os de uma breve notícia que lhe dedica o marselhês Genádio (De viris illustribus, 64; PL58,1097-98) e os que se desprendem de sua obra mais importante: o Comonitório.

Era de origem francesa, ainda que se ignore seu local de nascimento e onde passou sua vida, somente que, se fez religioso uma vez “afugentados os ventos da vaidade e da soberba, aplacando a Deus com o sacrifício da humildade cristã”. Teve um passado tempestuoso, como parece deduzir-se de certa alusão que faz em um de seus livros? Não é seguro, possivelmente a ênfase que põe em suas palavras deve-se porem conta a severidade com que os santos costumam julgar-se a si mesmos. O que sim é induvidável é que foi um homem muito douto nas Escrituras e nos dogmas e com profundos conhecimentos das letras clássicas.

Sacerdote no mosteiro da ilha de Lerins (chamada hoje de São Honorato), como o pseudônimo de Peregrino compôs um tratado contra os hereges. Genádio narra também que é autor de outra obra de tema análogo, cujo manuscrito foi roubado, e que elaborou um breve resumo, que foi conservado. Morreu no reinado de Teodósio e Valentiniano, pouco antes de 450. O Comonitório foi escrito três anos depois do Concílio de Éfeso, ou seja, em 434. Somente duas obras lhe são atribuídas com certeza: O Commonitorium primum, cujo título mais antigo é De Peregrino em favor da antiguidade e universalidade da fé católica contra as profanas novidades de todos os hereges, e o Commonitorium secundum, recapitulação do livro que foi roubado. Lhe é atribuído também uma outra intitulada Objectiones lerinianae, cujo conteúdo conserva Próspero de Aquitana (Pro Augustino responsiones al capitula objectionum vicentianarum: PL 51,177-186), e um florilégio de frases de Santo Agostinho concernentes ao mistério da Santíssima Trindade e da Encarnação, que conserva o Cód. 151 de Ripoll sob o seguinte título: Excerpta sanctae memoriae Vicentiilirinensis insulae presbyteri ex universo beatae recordations Augustini in unumcollecta.

Thursday 2 May 2024

Thursday's Serial: "Os Exercícios Espirituais" by Saint Ignatius of Loyola (translated into Portuguese) - the end

 

14 REGRAS PARA VÁRIOS DISCERNIMENTOS DAS MOÇÕES DA ALMA

313 Regras para de alguma maneira sentir e conhecer as várias moções que se causam na alma: as boas para as aceitar e as más para as rejeitar, e são mais próprias para a Primeira Semana.

314 1. Nas pessoas que vão de pecado mortal em pecado mortal, costuma ordinariamente o inimigo propor-lhes prazeres aparentes, fazendo-lhes imaginar deleites e prazeres sensuais, para mais as conservar e fazer crescer em seus vícios e pecados. Com estas pessoas o bom espírito usa um modo contrário: punge-lhes e remorde-lhes a consciência pelo instinto da razão.

315 2. Nas pessoas que se vão intensamente purificando de seus pecados, e subindo de bem em melhor no serviço de Deus nosso Senhor, o modo de agir é contrário ao da primeira regra. Porque então é próprio do mau espírito morder, entristecer e pôr impedimentos, inquietando com falsas razões, para que não se vá para frente. E é próprio do bom espírito dar ânimo e forças, consolações, lágrimas, inspirações e quietude, facilitando e tirando todos os impedimentos, para que ande para diante na prática do bem.

316 3. Consolação espiritual. Chamo consolação, quando na alma se produz alguma moção interior, com a qual vem a alma a inflamar-se no amor de seu Criador e Senhor; e quando, conseqüentemente, nenhuma coisa criada sobre a face da terra pode amar em si mesma, a não ser no Criador de todas elas. E também, quando derrama lágrimas que a movem ao amor do seu Senhor, quer seja pela dor se seus pecados ou da Paixão de Cristo nosso Senhor, quer por outras coisas diretamente ordenadas a seu serviço e louvor. Finalmente, chamo consolação todo o aumento de esperança, fé e caridade e toda a alegria interior que chama e atrai às coisas celestiais e à salvação de sua própria alma, aquietando-a e pacificando-a em seu Criador e Senhor.

317 4. Desolação espiritual. Chamo desolação a todo o contrário da terceira regra, como obscuridade da alma, perturbação, inclinação a coisas baixas e terrenas, inquietação proveniente de várias agitações e tentações que levam a falta de fé, de esperança e de amor; achando-se a alma toda preguiçosa, tíbia, triste, e como que separada de seu Criador e Senhor. Porque assim como a consolação é contrária à desolação, da mesma maneira os pensamentos que provêm da consolação são contrários aos pensamentos que provêm da desolação.

318 5. Em tempo de desolação, nunca fazer mudança, mas estar firme e constante nos propósitos e determinação em que estava, no dia anterior a essa desolação, ou na determinação em que estava na consolação antecedente. Porque, assim como, na consolação, nos guia e aconselha mais o bom espírito, assim, na desolação, nos guia e aconselha o mau, com cujos conselhos não podemos tomar caminho para acertar.

319 6. Uma vez que no tempo de desolação não devemos mudar as resoluções anteriores, aproveita muito reagir intensamente contra a mesma desolação, por exemplo insistindo mais na oração, na meditação, em examinar-se muito e em alargar-nos nalgum modo conveniente de fazer penitência.

320 7. O que está em desolação considere como o Senhor o deixou em prova, nas suas potências naturais, para que resista às várias agitações e tentações do inimigo; pois pode fazê-lo com o auxílio divino, que sempre lhe fica, ainda que o não sinta claramente; porque o Senhor lhe subtraiu o seu muito fervor, o grande amor e a graça intensa, ficando-lhe, contudo, graça suficiente para a salvação eterna.

321 8. O que está em desolação trabalhe por manter-se na paciência que é contrária às vexações que lhe advêm, e pense que será depressa consolado, se puser a diligência contra essa desolação, como se disse na Sexta regra.

322 9. Três são as causas principais por que nos achamos desolados: A primeira é por sermos tíbios, preguiçosos ou negligentes em nossos exercícios espirituais. E assim, por nossas faltas, se afasta de nós a consolação espiritual. A segunda, para nos mostrar de quanto somos capazes e até onde nos alargamos no seu serviço e louvor, sem tanto dispêndio de consolações e grandes graças. A terceira, para nos dar verdadeira informação e conhecimento, com que sintamos internamente que não depende de nós fazer vir ou conservar devoção grande, amor intenso, lágrimas nem nenhuma outra consolação espiritual, mas que tudo é dom e graça de Deus nosso Senhor. E para que não façamos ninho em propriedade alheia, elevando o nosso entendimento a alguma soberba ou vanglória, atribuindo a nós a devoção ou as outras formas de consolação espiritual.

323 10. O que está em consolação pense como se haverá na desolação que depois virá, e tome novas forças para então.

324 11. O que está consolado procure humilhar-se e abater-se quanto puder, pensando para quão pouco é, no tempo da desolação, sem essa graça ou consolação. Pelo contrário, o que está em desolação pense que pode muito com a graça suficiente para resistir a todos os seus inimigos, e tome forças no seu Criador e Senhor.

325 12. O inimigo porta-se como uma mulher: fraco ante a resistência, e forte, ante a condescendência. Porque assim como é próprio da mulher, quando briga com um homem, perder ânimo e pôr-se em fuga, quando o homem lhe mostra rosto firme; e, pelo contrário, se o homem começa a fugir e perde a coragem, a ira, a vingança e a ferocidade da mulher é muito grande e se torna desmedida. Da mesma maneira, é próprio do inimigo enfraquecer e perder ânimo, dando em fuga com suas tentações, quando a pessoa que se exercita nas coisas espirituais enfrenta, sem medo, as tentações do inimigo, fazendo o diametralmente oposto. E, pelo contrário, se a pessoa que se exercita começa a ter temor e a perder ânimo em sofrer as tentações, não há besta tão feroz sobre a face da terra, como o inimigo da natureza humana, no prosseguimento da sua perversa intenção, nem com uma tão grande malícia.

326 13. Porta-se também como um namorado frívolo, querendo ficar no segredo e não ser descoberto. Porque, assim como um homem frívolo, que, falando com má intenção, solicita a filha dum bom pai ou a mulher dum bom marido, quer que as suas palavras e insinuações fiquem secretas; e, muito lhe desagrada, pelo contrário, quando a filha descobre ao pai, ou a mulher ao marido, suas palavras frívolas e sua intenção depravada, porque facilmente deduz que não poderá realizar a empresa começada. Da mesma maneira, quando o inimigo da natureza humana vem com as suas astúcias e sugestões à alma justa, quer e deseja que sejam recebidas e tidas em segredo; mas pesa-lhe muito, quando a alma as descobre ao seu bom confessor ou a outra pessoa espiritual que conheça seus enganos e maldades, porque conclui que não poderá levar a cabo a maldade começada, ao serem descobertos seus evidentes enganos.

327 14. Comporta-se também como um chefe militar para vencer e roubar o que deseja. Porque, assim como um capitão e chefe dum exército, em campanha, depois de assentar arraiais e examinar as forças ou a disposição dum castelo, o combate pela parte mais fraca, da mesma maneira o inimigo da natureza humana, fazendo a sua ronda, examina todas as nossas virtudes teologais, cardeais e morais, e por onde nos acha mais fracos e mais necessitados para a nossa salvação eterna, por aí nos atacam e procuram tomar-nos.

 

8 REGRAS PARA UM MAIOR DISCERNIMENTO DOS ESPÍRITOS

328 Regras para o mesmo efeito com maior discernimento de espíritos, e são mais convenientes para a Segunda Semana.

329 1. É próprio de Deus e dos seus anjos, em suas moções, dar verdadeira alegria e gozo espiritual, tirando toda a tristeza e perturbação que o inimigo suscita. Deste é próprio lutar contra a alegria e consolação espiritual, apresentando razões aparentes, subtilezas e contínuas falácias.

330 2. Só a Deus nosso Senhor pertence dar consolação à alma sem causa precedente. Porque é próprio do Criador entrar, sair, produzir moção na alma, trazendo-a toda ao amor de sua divina majestade. Digo: sem causa, isto é, sem nenhum prévio sentimento ou conhecimento de algum objeto pelo qual venha essa consolação, mediante seus atos de entendimento e vontade.

331 3. Com causa, pode consolar a alma, assim o anjo bom como o mau, para fins contrários: o bom anjo para proveito da alma, afim de que cresça e suba de bem em melhor; e o mau anjo para o contrário, e para ulteriormente trazê-la à sua perversa intenção e maldade.

332 4. É próprio do anjo mau, que se disfarça em anjo de luz, entrar com o que se acomoda à alma devota e sair com o que lhe convém a si, isto é, trazer pensamentos bons e santos, acomodados a essa alma justa, e, depois, pouco a pouco, procurar sair-se, trazendo a alma aos seus enganos encobertos e perversas intenções.

333 5. Devemos estar muito atentos ao decurso dos pensamentos. Se o princípio, meio e fim são inteiramente bons, inclinando a tudo bem, é sinal do bom anjo. Mas se no decurso dos pensamentos que traz, acaba nalguma coisa má, ou menos boa que aquela que a alma antes propusera fazer, ou a enfraquece, ou inquieta, ou perturba, tirando-lhe a sua paz, tranqüilidade e quietude que antes tinha, é claro sinal que procede do mau espírito, inimigo do nosso proveito e salvação eterna.

334 6. Quando o inimigo da natureza humana for sentido e conhecido pela sua cauda serpentina e pelo mau fim a que induz, aproveita à pessoa que por ele foi tentada, verificar logo o decurso dos pensamentos que ele lhe trouxe, e o princípio deles, e como, pouco a pouco, procurou fazê-la descer da suavidade e gozo espiritual em que estava, até trazê-la à sua intenção depravada. Para que, com tal experiência, conhecida e notada, se guarde, daí por diante, de seus habituais enganos.

335 7. Naqueles que progridem de bem em melhor, o bom anjo toca-lhes a alma doce, leve e suavemente, como gota de água que penetra numa esponja; e o mau anjo toca agudamente, com ruído e agitação, como quando a gota de água cai sobre a pedra; e aos que vão de mal em pior, os mesmos espíritos tocam-nos de modo oposto. A causa desta diversidade está na disposição da alma ser contrária ou semelhante à dos ditos anjos. Porque, quando é contrária, entram com ruído e comoção, de maneira perceptível; e quando é semelhante, entram silenciosamente, como em casa própria, de porta aberta.

336 8. Quando a consolação é sem causa, embora nela não haja engano, por provir só de Deus nosso Senhor, como dissemos [330]; contudo a pessoa espiritual, a quem Deus dá essa consolação, deve observar e distinguir, com muita vigilância e atenção, o tempo próprio dessa consolação do tempo que se lhe segue, em que a alma fica quente e favorecida com o favor e os restos da consolação passada. Porque, muitas vezes, neste segundo tempo, por seu próprio raciocínio feito de relações e deduções de conceitos e juízos, ou pelo bom espírito ou pelo mau, forma diversas resoluções e opiniões que não são dadas imediatamente por Deus nosso Senhor. E, portanto, é necessário examiná-las muito bem, antes de se lhes dar pleno crédito e de se porem em prática.

 

7 REGRAS PARA SE DISTRIBUIR ESMOLAS

337 No ministério de distribuir esmolas devem-se guardar as regras seguintes.

338 1. Se eu faço a distribuição a parentes ou amigos ou a pessoas a quem tenho afeição, deverei atender a quatro coisas das quais se falou, em parte, ao tratar da eleição [184-187]. A primeira é que o amor que me move e me faz dar a esmola, desça do alto, do amor de Deus nosso Senhor, de forma que eu sinta primeiro em mim que o amor maior ou menor que tenho a essas pessoas é por Deus, e que na causa por que as amo, transpareça Deus.

339 2. Quero imaginar um homem a quem nunca tenha visto nem conhecido; e, desejando-lhe eu toda a perfeição, no cargo e estado que tem, que procedimento desejaria eu que ele seguisse, na sua maneira de distribuir esmolas, para a maior glória de Deus nosso Senhor e maior perfeição de sua alma, e, procedendo eu assim, nem mais nem menos, guardarei a mesma regra e a medida que desejaria que ele seguisse e que julgo ser a melhor [185].

340 3. Quero considerar, como se estivesse em artigo de morte, a forma e medida que quereria então ter seguido, no cargo da minha administração; e regulando-me por ela, segui-la-ei nos atos da minha distribuição [186].

341 4. Considerando como me acharei no dia de Juízo, pensar bem como então quereria ter usado deste ofício e cargo de distribuir esmolas. A regra que então desejaria ter tido, tê-la agora [187].

342 5. Quando alguém se sente inclinado ou afeiçoado a algumas pessoas às quais quer distribuir esmolas, detenha-se e reflita bem sobre as quatro regras precedentes [184-187], examinando e verificando, à luz delas, a sua afeição. E, não dê a esmola, até que, conforme a essas regras, tenha totalmente tirado e afastado a sua afeição desordenada.

343 6. Ainda que não há culpa em tomar os bens de Deus nosso Senhor, para os distribuir, quando a pessoa é chamada por nosso Deus e Senhor, para este ministério; contudo no cálculo e quantidade do que há de tomar e aplicar a si mesmo do que tem para dar a outros, há lugar para dúvida de culpa e excesso. Por isso pode reformar-se no que se refere à sua vida e estado, pelas regras acima mencionadas.

344 7. Pelas razões já expostas e por muitas outras, é sempre melhor e mais seguro, no que se refere às despesas pessoais e domésticas, restringir e reduzir, o mais possível, e conformar-se quanto puder com o nosso Sumo Pontífice, modelo e regra nossa, que é Cristo nosso Senhor. Conforme a isto, o terceiro Concílio Cartaginês (no qual esteve S. Agostinho) determina e manda que a mobília do bispo seja comum e pobre. A mesma consideração se deve fazer, em todos os estados de vida, guardando as proporções e tendo em conta a condição, nível social e estado das pessoas. Assim, no estado matrimonial, temos o exemplo de S. Joaquim e S. Ana que dividiam os seus bens em três partes, a primeira davam aos pobres, a segunda ao ministério e serviço do templo, e tomavam a terceira para sustento de si mesmos e de sua família.

 

6 NOTAS PARA O DISCERNIMENTO DOS ESCRÚPULOS

345  As Notas seguintes ajudam a discernir e compreender os escrúpulos e as insinuações do nosso inimigo.

346 1. Chama-se vulgarmente escrúpulo o que provém do nosso próprio juízo e liberdade, a saber: quando eu livremente imagino que é pecado aquilo que não é pecado. Assim, por exemplo, acontece que alguém, depois de ter pisado casualmente uma cruz de palha, imagina, por seu próprio juízo, que pecou; isto é propriamente um juízo errôneo e não propriamente um escrúpulo.

347 2. Depois de ter pisado aquela cruz, ou depois de ter pensado ou dito ou feito qualquer outra coisa, vem-me de fora um pensamento de que pequei e, por outro lado, parece-me a mim que não pequei. Contudo sinto nisto perturbação, a saber, enquanto por um lado duvido e por outro não duvido. Isto é que é propriamente um escrúpulo e uma tentação que o inimigo me sugere. [32,351].

348 3. O primeiro escrúpulo, o da primeira nota, deve muito se aborrecer, porque é um verdadeiro erro; mas o segundo, o da segunda nota, durante algum tempo, não é de pouco proveito para a alma que se dá a exercícios espirituais. Pelo contrário, em grande maneira, purifica e limpa essa alma, separando-a muito de toda a aparência de pecado, conforme a palavra de S. Gregório: "É próprio das almas boas ver falta onde não há nenhuma".

349 4. O inimigo observa muito se a alma é grosseira ou delicada. Se é delicada, procura torná-la ainda mais delicada, até ao extremo, para mais a perturbar e arruinar; por exemplo, se vê que uma alma não consente em pecado mortal nem venial nem sequer em aparência de pecado deliberado, então o inimigo, quando vê que não a pode fazer cair em coisa que pareça pecado, procura fazê-la imaginar pecado onde não há pecado, como, por exemplo, numa palavra ou pensamento sem importância. Se a alma é grosseira, o inimigo procura engrossá-la mais, por exemplo: se antes não fazia caso dos pecados veniais, procurará que faça pouco dos mortais, e se algum caso fazia antes, procurará que muito menos ou nenhum faça agora.

350 5. A alma que deseja progredir na vida espiritual, deve sempre proceder de maneira contrária à do inimigo [319, 351], a saber: se o inimigo quer embotá-la, a alma deve procurar tornar-se mais delicada; e também se o inimigo procura afiná-la, para a levar ao excesso, a alma procure consolidar-se no meio termo, para totalmente se tranqüilizar.

351 6. Quando essa boa alma quiser dizer ou fazer alguma coisa, em conformidade com a Igreja, e com as tradições dos nossos maiores, que seja para glória de Deus nosso Senhor, e lhe vem de fora um pensamento ou tentação para não dizer nem fazer essa coisa, trazendo-lhe razões aparentes de vanglória ou de outra coisa, etc., então deve elevar o pensamento para o seu Criador e Senhor; e se vê que essa palavra ou ação é para seu devido serviço, ou ao menos não lhe é contrária, deve agir de maneira diametralmente oposta a essa tentação, e como S. Bernardo responder ao inimigo: "nem o comecei por ti, nem por ti o acabarei".

 

18 REGRAS PARA SE SENTIR COM A IGREJA

352 Para o verdadeiro sentido que devemos ter na igreja militante, guardem-se as regras seguintes:

353 1. Deposto todo o juízo próprio, devemos ter o espírito preparado e pronto para obedecer em tudo à verdadeira Esposa de Cristo, nosso Senhor, que é a nossa santa Mãe a Igreja hierárquica. [170].

354 2. Louvar a confissão ao sacerdote e a recepção do Santíssimo Sacramento, uma vez no ano, e muito mais, em cada mês, e muito melhor, de oito em oito dias, com as condições requeridas e devidas. [18].

355 3. Louvar a assistência freqüente à missa, e igualmente cantos, salmos e longas orações, na igreja e fora dela; e também a determinação de horas destinadas para todo o ofício divino e para toda a oração e todas as horas canônicas.

356 4. Louvar muito a vida religiosa, a virgindade e a continência, e não louvar tanto o matrimônio como nenhuma destas. [14,15].

357 5. Louvar os votos religiosos, de obediência, pobreza e castidade e de outras perfeições. É de notar que, como os votos se fazem sobre coisas que se aproximam mais da perfeição evangélica, não se devem fazer de coisas que nos apartam dessa perfeição, como de ser comerciante ou de casar-se, etc.

358 6. Louvar as relíquias dos Santos, venerando-as a elas e rezando-lhes a eles. Louvar estações, peregrinações, indulgências, jubileus, bulas da cruzada e velas acesas nas igrejas.

359 7. Louvar constituições sobre jejuns e abstinências, como as da quaresma, das quatro têmporas, vigílias, sexta e sábado; e também as penitências, não somente internas, mas também externas. [82].

360 8. Louvar os ornamentos e os edifícios das igrejas e também as imagens e venerá-las pelo que representam.

361 9. Louvar finalmente todos os preceitos da Igreja, tendo prontidão de espírito para buscar razões para os defender, e, de modo nenhum para os criticar.

362 10. Devemos ser mais prontos para aprovar e louvar tanto as diretrizes e recomendações como o comportamento dos nossos Superiores do que para os criticar. Porque, mesmo que a conduta de alguns não fosse tal como deveria ser, falar contra ela, ou em pregações públicas ou em conversas, na presença de simples fiéis, originaria mais críticas e escândalo do que proveito. E assim, o povo viria a irritar-se contra os seus superiores, quer temporais quer espirituais. De maneira que assim como é prejudicial falar mal dos Superiores, na sua ausência, diante do povo humilde, assim pode ser proveitoso falar da sua má conduta às pessoas que lhes podem dar remédio. [41].

363 11. Louvar a doutrina positiva e escolástica, porque assim como é mais próprio dos doutores positivos, tais como S. Jerónimo, S. Agostinho e S. Gregório, etc. mover os afetos, para em tudo amar e servir a Deus, nosso Senhor, assim é mais próprio dos escolásticos, tais como S. Tomás, S. Boaventura e o Mestre das Sentenças, etc., definir ou explicar para os nossos tempos [369], as coisas necessárias à salvação eterna, e refutar e explicar mais todos os erros e todos os sofismas. Porque os doutores escolásticos, como são mais modernos, não só se aproveitam da exata inteligência da Sagrada Escritura e dos Santos Doutores positivos, mas ainda iluminados e esclarecidos pela graça divina, ajudam-se também dos concílios, cânones e constituições da nossa Santa Mãe Igreja.

364 12. Devemos evitar fazer comparações entre os que estamos vivos e os bem aventurados de outrora. Porque não pouco nos enganamos neste ponto, quando dizemos, por exemplo: "Este sabe mais que Santo Agostinho é outro ou mais que São Francisco, é outro São Paulo, em bondade, em santidade, etc". [2].

365 13. Para em tudo acertar, devemos estar sempre dispostos a que o branco, que eu vejo, acreditar que é negro, se a Igreja hierárquica assim o determina. Porque creio que entre Cristo, nosso Senhor, esposo, e a Igreja, sua esposa, não há senão um mesmo Espírito que nos governa e dirige para a salvação das nossas almas. Porque é pelo mesmo Espírito e Senhor nosso, que nos deu os dez mandamentos que é dirigida e governada a nossa Santa Mãe Igreja.

366 14. Embora seja muita verdade que ninguém se pode salvar sem ser predestinado, e sem ter a fé e a graça, contudo deve-se ter muito cuidado no modo de falar e de se expressar sobre todas estas coisas.

367 15. Habitualmente não devemos falar muito de predestinação; mas se, de alguma maneira e algumas vezes, se falar, faça-se de maneira que o povo simples não venha a cair nalgum erro, como acontece, algumas vezes, ao dizer: "se tenho de me salvar ou condenar, já está determinado, e não é por eu fazer bem ou mal que pode acontecer outra coisa. E assim relaxam-se e descuidam as obras que conduzem à salvação e ao proveito espiritual de suas almas".

368 16. Da mesma forma, devemos acautelar-nos de que, ao falar muito da fé, e com muita insistência, sem alguma distinção e explicação, não demos ao povo ocasião de ser desleixado e preguiçoso nas obras, quer antes da fé ser informada pela caridade quer depois.

369 17. Também não devemos falar tão abundantemente nem com tanta insistência, da graça que se gere o veneno de suprimir a liberdade. De maneira que da fé e da graça pode falar-se, quanto seja possível, com ajuda da graça divina, para maior louvor de sua divina majestade, mas não de tal forma e com tais modos, sobretudo nos nossos tempos tão perigosos, que as obras e o livre arbítrio sofram algum prejuízo ou sejam tidos por coisa de nenhuma importância.

370 18. Embora devamos estimar, sobretudo o serviço intenso de Deus, nosso Senhor, por puro amor, devemos, contudo louvar muito o temor de sua divina Majestade [65]. Porque não somente o temor filial é coisa piedosa e santíssima, mas mesmo o temor servil, quando outra coisa melhor e mais útil não se pode conseguir, ajuda muito a sair do pecado mortal. E, uma vez que se sai dele, facilmente se chega ao temor filial que é totalmente aceite e agradável a Deus, nosso Senhor, por ser inseparável do amor divino.

 

 

FIM