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Tuesday 13 May 2014

"Como Nuvens que Passam" (Final) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto XII

Um ano depois de nossa declaração de amor, eu e Berto compramos um pedacito de terra em Treviso. Continha uma bela casa que ficaria melhor depois de alguns reparos; então Berto foi reparar o telhado, caiu e quebou o pescoço.

Ao contrário de mim, não sentiu dor.

Desabafei minha mágoa com Eduardo por carta e agarrei-me àquela terra com fúria! Passaram-se anos como se fossem horas e nelas não tive tempo de pensar em nada. Trabalhava como bebe o ébrio para fugir à sua dor.

Uma carta de Eduardo avisa-me de sua chegada para uma longa estadia.

Alguns meses depois de sua chegada, começaram os tremores em minhas mãos, muito levemente.

Hoje, enquanto escrevo, minhas mãos tremem ainda mais. Devia ser reumatismo, mas foi um engano do médico e o resultado de um longo tratamento errado foi que a infecção tomou conta de meu corpo.

Sei que estou morrendo, mas não tenho medo. Espero-a como se fora minha noiva. Eduardo se tem desdobrado em cuidados de mim.

...estou mesmo muito cansado.

Sem ciúmes, Berto entra em nosso quarto e choro quando ele me beija.

Thursday 8 May 2014

"Como Nuvens que Passam" (Canto XI) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto XI

   Passara o temporal, mas ainda soprava um vento forte quando houve um apagão; por isso Mamma Rosa acendeu uma vela em meu quarto.
   Estava a despir a camisa quando ouvi um leve sussurrar na janela. Sorri a me lembrar dO Corvo e fui ver quem era.
   - Sou eu! Abra!
   Reconheci a voz de Berto. Abri a janela e ele entrou por ela com um pulo.
   - Se me pegam aqui, me matam!
   Voltei a vestir a camisa.
   Passou a mão por seus cabelos e e disse: Quem  sou eu? Um bruto cheirando a terra e estrume de cavalo, o sr. sabe. Trabalho nessas terras desde que nasci e esse é o mundo que conheço. Não sou instruido nem pra explicar qualquer coisa. Olhe pra mim! sou desajeitado e digo blasfêmias e o sr. é tão educado e...
    Eu me sentei na cama e o puxei pra junto de mim. Berto não tirava os olhos de seus sapatos sujos.
    - Só queria dizer que... desde que o vi eu... não sei o que houve comigo, com meu coração que estremeceu e caiu no chão e... eu podia, talvez devesse ficar quieto, mas...
    - As flores que amanhecem na minha janela...
    - ...são minhas, sim, com meus suspiros.
    Ele estava rubro. Levantou-se e disse:
    - Eu tinha que dizer-lhe, desculpe. Agora preciso ir...
    E tornou para a janela, mas antes que a alcançasse, puxei-o para mim e um vento entrando pela ventana apagou o lume.

Sunday 4 May 2014

"Como Nuvens que Passam" (Cantos VIII, IX e X) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto VIII

    Na noite em que embarquei para New York, chovia copiosamente e ouvi meu nome vir do fundo da noite, aflito.
    Abaixei mais a cabeça e me não virei.
    A chuva me golpeava com força e eu tremia.
    Tremia e chorava.
    Entrei num taxi e impedi Luciano de me alcançar.


Canto XIX

     Havia ainda alguma luz no mundo, um vermelho terroso sumindo no horizonte.
     As galinhas já se empoleiravam nos ramos do limoeiro que ficava mais ou menos no centro do pátio lajeado.
     Depois do jantar eu saira para o beber um pouco de crepúsculo. Quase dois anos em Rimini.
     Fui até o portão que dava para a estrada.
     Somente o percebi quando ele pisou um ramo, lá para o lado das sombras. Senti medo mas não corri.
     Nun italiano atrapalhado ele perguntou "essa é a casa da família Guglielmini?"
     Para além da surpresa correram para mim a raiva, a tristeza e uma vontade louca de beijar, mas escondi-me como pude, mudei a voz e respondi: sim.
     - Procuro um homem, um estrangeiro.
     - Hum. Acho que não mora mais aqui.
     Silêncio. Ele soluçou?
     - Sabe para onde ele foi?
     - Disse que ia para Roma, mas isso já tem um ou dois meses.
     Então eu decidi matá-lo.


Canto X
   
     Mas ele foi mais rápido:
     - Se tu o vires de novo, diga-lhe, por favor, que o Luciano o ama. Diga-lhe que ele foi cruel comigo e eu o odeio, mas que eu o amo e... Diga-lhe que não sou mais casado e espero por ele...
     - Morre tua mulher e corres pra um homem?
     - Minha mulher não morreu, apenas não me quiz mais. E o culpado disso foi ele.
     Mas eu ainda queria matá-lo; dei-lhe boa noite e voltei para dentro de casa.

Tuesday 29 April 2014

"Como Nuvens que Passam" (Cantos VI and VII) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto VI

     - Que vais fazer?

     - Vou para Itália, Eduardo.

     - Quando? Onde na Itália?

     - Um lugarejo perto de Rimini. Já está tudo acertado, casa, trabalho...

     - Um lugarejo perto de Rimini?

     - Isso.

     - Eu não acredito! O que houve com o mundo? Só porque mudei-me pra New York, aquele fascista ganha as eleições no Brasil, Luciano se casa com uma lambisgóia e te vais pra Itália? Mas fazer o que "num lugarejo perto de Rimini"? Então fica comigo aqui, no centro do mundo!

     - Já tenho tudo acertado com a mãe de Giorgio. Vou ficar contigo umas semaninhas, se não te importas e depois tomo o meu rumo.

     Houve uma pausa e depois ele continuou: Acredite, não estou fugindo; nem estou sofrendo. Estava apaixonado e isso passou. Ou se não passou, passará. Mas não vou ficar à mercê de uma pessoa que me quer mas quer conforto familiar mais que a mim. Agora estou indo pra Itália; um mundo novo a desbravar; não sei o que há por lá, mas estou livre para descobrir.


Canto VII

     Eu e Eduardo fomos tomando na vida rumos distintos, em todos os sentidos. Enquanto ele renovava-se tendo romance novo a cada semana, bêbado com a vida novaiorquina, eu era muito, muito mais restrito e os poucos que tive, foram - ao menos de minha parte - sempre intensos, como se fossem minha última opção na vida.

     Poucos conseguiam dar-me o troco devido.

     Giorgio foi um deles.





Tuesday 8 April 2014

"Como Nuvens que Passam" (Canto V) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto V

     - Pára e me ouve! Foi ótimo, foi maravilhoso. És importante pra mim, mas chega! Eu não suporto mais essa dor, a dor de não te alcançar! Teu jeito me fere, teu desleixo, tua obstinação, teu radicalismo! Ferem-me demais! A quanto tempo não conseguimos conversar? Somente nos ferimos com as palavras, com os olhares não trocados! Então te somes por todos esses dias e noites, dizendo que não podes conciliar a mim e tua vida, pra então vir chorando na chuva pedir o meu regaço? como se nada houvesse? Nada está mais ótimo e maravilhoso! Tudo caiu. Eu desmoronei. Fica com a minha toalha de festa.
     
     Fechei-lhe a porta e chorei eu.

   Tudo muito teatral, nós algumas noites antes. Estávamos numa praça escura e um chuvisqueiro miúdo antecipava a noite de hoje. Sentados num banco, silenciosos. Um pouco além, a avenida cheia de luz, ônibus passando, pessoas a correr.

   Eu havia escutado Luciano e suas razões tão certas, precisas, lógicas para terminarmos nossa relação e continuava em silêncio. As idéias, as palavras me passavam pela mente, mas a boca resignava-se á inutilidade de falar.

     Luciano, sempre incomodado com silêncios, perguntou-me em que pensava.

     - Estou lembrado as palavras de meu psicólogo. Ele me disse que quando uma relação vai mal, não a podemos terminar sem ter resolvido os erros nela cometidos, pois do contrário vamos repetir os mesmos erros na próxima.

      - Mas nossa relação não tem problemas; o problema são os outros que não nos aceitam.

      - Certo. O problema são os outros.

Wednesday 26 March 2014

"Como Nuvens que Passam" (Cantos II, III e IV) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto II

     - E tu o amas muito?
     - Numa escala de um a dez?
     - Isso!
     - Trinta e dois!
     (risos)
     - Mas conte-me, como ele é?
     - Meu-deus, Eduardo! Como ele é? Dizer que Luciano é mais alto que eu, loiro, tem olhos verdes, boca pequena e grossa? Falar de seu bícepstóraxconstruçãoóssea? Falar o que, se ele é mais do que vejo  e  o que não vejo vai além das palavras?
     - Ui! pirou mesmo! Cuidado, hein? Vai e vai, ele vira obcessão sem que te livres dele nem depois de ele se ter livrado de ti!
     - Sei disso...
     - Sabe mesmo? Jura?
     - De pé junto...


Canto III

     - Mas porque recusas esse curso?
     - Oh, Luciano, eu... Parece-me que isso exige tanta concentração... Não sei se dou conta...
     - Mas não custa nada tentar! E podemos fazer o curso juntos!


Canto IV

     - Luciano, que é isso?
     - Oi!...
     - Estás todo molhado, homem!
     - Essa chuva...
     - Entra, enquanto busco uma toalha!
     - Não!... Quer dizer... Vai, vai, eu espero...
     (Essa! A mais bela, a de dias de festa!)
     - Toma, te enxuga!
     - Grato. Toalha bonita.
     - Nada. Se compra igual em qualquer esquina. Mas que é que queres? Eu já ia dormir...
     Então ele me abraçou ali na porta, chorando, depois de ter acabado comigo, tres semanas antes.

Friday 14 March 2014

"Como Nuvens que Passam" (Canto I) by José Thiesen (in Portuguese)

Canto I

     Enquanto vagava solitário por aqueles caminhos arenosos ladeados por plátanos frondosos, meditava sobre as emoções revoltas no meu coração.

     Ouvia o Argento correr célere alguns metros à minha direita. Um rapaz de rosto desagradável passou por mim a pedalar bicicleta velha, rangenta.

     Parei por um momento e o rosto de Cláudio dançou à minha frente.

     Corri a mão por meus cabelos. Alguns garotos, filhos de camponeses, corriam para a praia.

     Respirei fundo aquele ar e senti cheiro de saudade, polenta, New York, mamma Rosa e de homem. De Luciano.