Alma de origem ática, pagã,
Nascida sob aquele firmamento
Que azulou as divinas epopeias,
Sou irmão de Epicuro e de Renan,
Tenho o prazer sutil do pensamento
E a serena elegância das ideias...
Há no meu ser crepúsculos e auroras,
Todas as seleções do gênio ariano,
E a minha sombra amável e macia
Passa na fuga universal das horas,
Colhendo as flores do destino humano
Nos jardins atenienses da Ironia...
Meu pensamento livre, que se achega
De ideologias claras e espontâneas,
É uma suavíssima cidade grega,
Cuja memória
É uma visão esplêndida na história
Das civilizações mediterrâneas.
Cidade da Ironia e da Beleza,
Fica na dobra azul de um golfo pensativo,
Entre cintas de praias cristalinas,
Rasgando iluminuras de colinas,
Com a graça ornamental de um cromo vivo:
Banham-na antigas águas delirantes,
Azuis, caleidoscópicas, amenas,
Onde se espelha, em refrações distantes,
O vulto panorâmico de Atenas...
Entre os deuses e Sócrates assoma
E envolve na amplitude do seu gênio
Toda a grandeza grega a que remonto;
Da Hélade dos heróis ao fim de Roma,
Das cidades ilustres do Tirreno
Ao mistério das ilhas do Helesponto...
Cidade de virtudes indulgentes,
Filha da Natureza e da Razão,
– Já eivada da luxúria oriental, –
Ela sorri ao Bem, não crê no Mal,
Confia na verdade da Ilusão
E vive na volúpia e na sabedoria,
Brincando com as ideias e com as formas...
No passado pensara muito e, até,
Tentara penetrar o mundo das essências,
Sofrera muito nessa luta inútil,
Mas, por fim, foi perdendo a íntima fé
No pensamento, e agora pensa ainda,
Numa serenidade indiferente,
Mas se conforta muito mais, talvez,
Na alegria das belas aparências,
Que na contemplação das ideias eternas.
Cidade amável em que a vida passa,
Desmanchando um colar de reticências:
Tem a alma irônica das decadências
E as cristalizações de um fim de raça...
Conserva na memória dos sentidos
A expressão das origens seculares,
E entre os seus habitantes há milhares
Descendentes dos deuses esquecidos;
Que os demais todos têm, inda bem vivo,
Na nobre geometria do seu crânio
O mais puro perfil dólico-louro...
Os deuses da cidade já morreram...
Mas, amando-os ainda, alegremente,
Ela os tem no desejo e na lembrança;
E foi a ela (é grande o seu destino!)
Que Julião, o Apóstata, expirando,
Mandou a sua última esperança.
Pela boca de Amniano Marcelino...
Cidade de harmonias deliciosas
Em que, sorrindo à ronda dos destinos,
Os homens são humanos e divinos
E as mulheres são frescas como as rosas...
Jardins de perspectivas encantadas
– Hermas de faunos nas encruzilhadas –
Abrem ao ouro do sol leques de esguias
Alamedas: efebos, poetas, sábios
Cruzam-nas, dialogando, suavemente,
Sobre a mais meiga das filosofias,
Fímbrias de taças lésbias entre os lábios
E emoções dionisíacas nos olhos...
Como são luminosos seus jardins
De alegres coloridos musicais!
No florido beiral dos tanques, debruados
De rosas e aloés e anêmonas e mirtos,
Bebem pombas branquíssimas e castas,
E finamente límpidas e trêmulas
Irisadas, joviais e transparentes,
As águas aromáticas, sorrindo,
Tombam da boca austera dos tritões,
Garganteando furtivos ritornelos...
Dentro a moldura em fogo das auroras,
Pelas praias de opala e de ouro, antigas,
Na maciez das areias, em coréias,
Bailam rondas sadias e sonoras
De adolescentes e de raparigas,
Copiando o friso das Panatenéias...
Na orla do mar, seguindo a curva ondeante
Do velho cais esguio e deslumbrante,
Quando o horizonte e o céu, em lusco-fusco
Somem na porcelana dos ocasos,
Silhuetas fugitivas
De lindas cortesãs de Agrigento e de Chipre,
Como a sonhar, olham, perdidamente,
A volta das trirremes e das naves,
Que lhes trazem o espírito do Oriente,
Em pedrarias, lendas e perfumes...
Então, ondulam no ar diáfano e fluente
Suavidades idílicas, acordes
De avenas, cornamusas e ocarinas
Que vêm de longe, da alma branca dos pastores,
Trazidas pelos ventos transmontanos
E espiritualizadas em surdinas...
Terra que ouviu Platão antigamente...
Seu povo espiritual, lírico e generoso,
Que sorri para o mundo e para os seus segredos,
Não ouve mais o oráculo de Elêusis,
Mas ama ainda, quase ingenuamente,
A saudade gloriosa dos seus deuses,
Nas canções ancestrais dos citaredos
E nos epitalâmios do nascente...
Seus filhos amam todas as ideias,
Na obra dos sábios e nas epopeias;
Nas formas límpidas e nas obscuras,
Procurando nas cousas entendê-las
– Fugas de sentimento e sutileza –
E as entendem na própria natureza,
Ouvindo Homero no rumor das ondas,
Lendo Platão no brilho das estrelas...
Seus poetas, homens fortes e serenos,
Fazem uma arte régia, aguda e fina
Com a doçura dos últimos helenos
Estilizada em ênfase latina...
E os velhos da cidade, suaves poentes
De radiantes retores e sofistas,
Passam, olhando as cousas e as criaturas,
Com piedosos sorrisos indulgentes,
Em que longas renúncias otimistas
Se vão abrindo, entre ironias puras,
Sobre todos os sonhos do Universo...
Revendo-se num século submerso,
Meu pensamento, sempre muito humano,
É uma cidade grega decadente,
Do tempo de Luciano,
Que, gloriosa e serena,
Sorrindo da palavra nazarena,
Foi desaparecendo lentamente,
No mais suave crepúsculo das cousas...
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