É preciso partir!
Já na calçada
Retinem as
esporas do arrieiro;
Da mula a
ferradura tacheada
Impaciente chama
o cavaleiro;
A espaços
ensaiando uma toada
Sincha as bestas
o lépido tropeiro ...
Soa a celeuma
alegre da partida,
O pajem firma o
loro e empunha a brida.
Já do largo
deserto o sopro quente
Mergulha
perfumado em meus cabelos.
Ouço das selvas a
canção cadente
Segredando-me
incógnitos anelos.
A voz dos servos
pitoresca, ardente
Fala de amores
férvidos, singelos ...
Adeus! Na folha
rota de meu fado
Traço ainda um —
adeus — ao meu passado.
Um adeus! E
depois morra no olvido
Minha história de
luto e de martírio,
As horas que eu
vaguei louco, perdido
Das cidades no
tétrico delírio;
Onde em pântano
turvo, apodrecido
D'íntimas flores
não rebenta um lírio...
E no drama das
noites do prostíbulo
É mártir —
alma... a saturnal — patíbulo!
Onde o Gênio
sucumbe na asfixia
Em meio à turba
alvar e zombadora;
Onde Musset
suicida-se na orgia,
E Chatterton na
fome aterradora!
Onde, à luz de
uma lâmpada sombria,
O Anjo-da-Guarda
ajoelhado chora,
Enquanto a cortesã
lhe apanha os prantos
P'ra realce dos
lúbricos encantos! ...
Abre-me o seio, ó
Madre Natureza!
Regaços da
floresta americana,
Acalenta-me a
mádida tristeza
Que da vaga das
turbas espadana.
Troca dest'alma a
fria morbideza
Nessa ubérrima
seiva soberana! ...
O Pródigo ... do
lar procura o trilho ...
Natureza! Eu
voltei ... e eu sou teu filho!
Novo alento
selvagem, grandioso
Trema nas cordas
desta frouxa lira.
Dá-me um plectro
bizarro e majestoso,
Alto como os
ramais da sicupira.
Cante meu gênio o
dédalo assombroso
Da floresta que
ruge e que suspira,
Onde a víbora
lambe a parasita ...
E a onça fula o
dorso pardo agita!
Onde em cálix de
flor imaginária
A cobra de coral
rola no orvalho,
E o vento leva a
um tempo o canto vário
D'araponga e da
serpe de chocalho...
Onde a soidão é o
magno estradivário
Onde há músc'los
em fúria em cada galho,
E as raízes se
torcem quais serpentes...
E os monstros
jazem no ervaçal dormentes.
E se eu devo
expirar... se a fibra morta
Reviver já não
pode a tanto alento...
Companheiro! Uma
cruz na selva corta
E planta-a no meu
tosco monumento!...
Da chapada nos
ermos... (o qu'importa?)
Melhor o inverno
chora... e geme o vento.
E Deus para o
poeta o céu desata
Semeado de
lágrimas de prata!...
Curralinho, 1 de junho de 1870.
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