Tuesday 19 January 2016

“Arquétipo” by Fagundes Varela (in Portuguese)




Ele era belo; na espaçosa fronte
O dedo do Senhor gravado havia
O sigilo do gênio; em seu caminho
O hino da manhã soava ainda,
E os pássaros da selva gorjeando
Saudavam-lhe a passagem neste mundo.

Sim, era uma criança, e no entanto
Friez de morte lhe coava n'alma!
O seu riso era triste como o inverno,
E dos olhos cansados, nem um raio
Nem um clarão, nem pálido lampejo
Da mocidade o fogo revelavam!

Era-lhe a vida uma comédia insípida,
Estúpida e sem graça, - ele a passava
Com a fria indiferença do marujo
Que fuma o seu cachimbo reclinado
Na proa do navio olhando as vagas,
- Vivia por viver... porque vivia.

Em nada acreditava; há muito tempo
Que a idéia de Deus soprara d'alma
Como das botas a poeira incômoda.
O evangelho era um livro de anedotas.
Beethoven torturava-lhe os ouvidos,
A poesia provocava o sono.

Muita donzela suspirou por ele,
Muita beleza lhe dormiu nos braços,
Mas frio como o gênio da descrença,
Após uma hora de gozar maldito
Saciado, as deixou, como o conviva
A mesa do festim, - farto e cansado.

Era mais caprichoso, - mais bizarro
Do que um filho de Albion, mais volúvel
Que um profundo político; uma tarde
Após haver jantado, recordou-se
Que ainda era solteiro; Pelo Papa!

- É preciso tentar, disse consigo.
Quatro dias depois tinha casado.
Escolhera uma noiva descuidoso,
Como um brinco chinês - um livro in-fólio,
Ao altar conduziu-a, distraído,
E as juras divinais do casamento
Repetiu bocejando ao sacerdote.

Como tudo na vida, o matrimônio
Bem cedo o aborreceu; após três meses
Disse adeus à mulher que pranteava,
E acendendo um cigarro, a passos lentos
Dirigiu-se ao teatro onde assistiu
Um drama de Feuillet -, quase dormindo.

Por fim de contas, uma noite bela,
Depois de ter ceado entre dois padres,
Em casa da morena Cidalisa,
Pegou numa pistola e entre as fumaças
De saboroso havana, à eternidade
Foi ver se divertia-se um momento.

São Paulo, 1861.

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