Thursday 30 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - the end.

 

A Igreja, guardiã fiel do Depósito

22. Mas é proveitoso que examinemos com maior diligência esta frase do Apóstolo:

 

    “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! Evita as conversas frívolas e mundanas, assim como as contradições de pretensa ciência”. (1Tm 6,20)

 

Este grito é o grito de alguém que sabe e ama. Previa os erros que surgiriam e se doía por ele enormemente. Quem é hoje Timóteo senão a Igreja universal em geral, e de modo particular o corpo de bispos, os quais, principalmente, devem possuir um conhecimento puro da religião cristã, e ademais transmiti-lo aos demais? E o que quer dizer “guarda o bem que te foi confiado”? Esteja atento, lhe diz, aos ladrões e aos inimigos; não suceda que enquanto todos dormem, venham em oculto a lançar a cizânia no meio da boa semente que o Filho do homem semeou em seu campo. Mas, o que é um depósito? O depósito é o que te foi confiado, não encontrado por ti; tu o recebestes, não o excogitastes com tuas próprias forças. Não é o fruto de teu engenho pessoal, mas da doutrina; não está reservado para um uso privado, mas que pertence a uma tradição pública. Não saiu de ti, mas que a ti veio: a seu respeito tu não podes comportar-se como se fosse seu autor, mas como seu simples guardião. Não és tu quem o iniciou, mas és seu discípulo; não te cabe dirigi-lo, mas é teu dever segui-lo. Guarda o bem que te foi confiado, diz; quer dizer, conserva inviolado e sem mancha o talento da fé católica. O que te foi confiado é o que deve guardar junto a ti e transmitir. Recebeste ouro; devolve, pois, ouro. Não posso admitir que substituas uma coisa por outra. Não, tu não podes desavergonhadamente substituir o ouro por chumbo, ou tratar de enganar dando bronze em lugar de metal precioso. Quero ouro puro, e não algo que só tenha sua aparência. Ó Timóteo! Ó sacerdote! Intérprete das Escrituras, doutor, se a graça divina te deu o talento por engenho, experiência, doutrina, deves ser o Beseleel do Tabernáculo espiritual. Trabalha as pedras preciosas do dogma divino, reúne-as fielmente, adorna-as com sabedoria, acrescenta-lhes esplendor, graça, beleza: Que tuas explicações façam que se compreenda com mais claridade o que se ainda se crê de maneira bem obscura. Que as gerações futuras se congratulem de terem compreendido por tua meditação o que seus pais veneravam sem compreender. Mas hás de estar atento a ensinar somente o que aprendeste: não suceda que por buscar maneiras novas de dizer a doutrina de sempre, acabes também por dizer também coisas novas.

 

O progresso do dogma e suas condições

23. Talvez alguém diga: então nenhum progresso da religião é possível na Igreja de Cristo? Certamente que deve haver progresso, e grandíssimo! Quem poderá sertão hostil aos homens e tão contrário a Deus que tentaria impedi-lo? Mas a condição de que se trate verdadeiramente de progresso pela fé, não de modificação. É característica do progresso de todas as maneiras possíveis a inteligência, o conhecimento, a sabedoria, tanto da coletividade como do indivíduo, de toda a Igreja, segundo as idades e os séculos; com tal de que isso suceda exatamente segundo sua natureza peculiar, no mesmo dogma, no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação. Que a religião das almas imite o modo de desenvolvimento dos corpos, cujos elementos, ainda que com o passar dos anos se desenvolvem e crescem, sem embargo permanecem sendo sempre eles mesmos. Há grande diferença entre a flor da infância e a maturidade da velhice; não obstante, quem agora é velho são os mesmos que foram adolescentes. O aspecto e o porte de um indivíduo mudarão, mas se tratará sempre da mesma natureza e da mesma pessoa. Os membros de um lactante são pequenos e maiores os dos jovens, e seguem sendo os mesmos. Tantos membros têm os adultos quanto têm as crianças; e se algo novo aparece em idade mais madura, já pré-existia no embrião; assim, nada novo se manifesta no adulto que já não se encontrasse de forma latente na criança. Não cabe nenhuma duvida de que este é o processo regular e normal do progresso, segundo a ordem precisa e belíssima do crescimento: o crescer na idade revela nos grandes as mesmas partes e proporções que a sabedoria do Criador havia delineado nos pequeninos. Se a forma humana adotasse com o tempo um aspecto estranho a sua espécie, se lhe adicionasse ou lhe tirasse algum membro, necessariamente todo o corpo morreria ou se faria monstruoso, ou ao menos se debilitaria.A estas mesmas leis de crescimento deve seguir o dogma cristão, de modo que com o passar dos anos se vá consolidando, se vá desenvolvendo no tempo, se vá tornando mais majestoso com a idade, mas de tal maneira que siga sempre incorrupto e incontaminado, íntegro e perfeito em todas as suas partes, e, por assim dizer, em todos seus membros e sentidos, sem admitir nenhuma alteração, nenhuma perda de suas propriedades, nenhuma variação no que está definido. Vejamos um exemplo. Nossos pais, no passado, semearam no campo da Igreja a boa semente da fé; seria por demais injusto e inconveniente se nós, seus descendentes, em lugar de trigo da autêntica verdade tivéssemos que replantar acizânia fraudulenta do erro. Em troca, é justo que a sega corresponda à semeadura que recolhemos, quando o grão da doutrina chega à maturidade, o trigo do dogma. Se com o passar do tempo, uma parte da semente original se desenvolveu alcançando felizmente a maturidade plena, não se pode dizer que tenha mudado o caráter específico da semente; pode se dar uma mudança no aspecto, na forma, uma formação mais precisa, mas a natureza própria de cada espécie permanece intacta. Não suceda jamais, pois, que os roseirais da doutrina católica se transformem em cardos espinhosos. Não suceda jamais, repito, que neste paraíso espiritual de onde brotam o cinamomo e o bálsamo, despontem às escondidas acizânia e o acônito. Tudo que a fé dos pais têm semeado no campo de Deus que é a Igreja, é o que deve ser cultivado e guardado pelo zelo dos filhos; somente este deve florescer, e não outra coisa; deve florescer e amadurecer, crer e alcançar a perfeição. É legítimo que os antigos dogmas da filosofia celestial, ao correr dos séculos, se afinem, se aparem, se lustrem; mas seria ímpio mudá-los, desfigurá-los, mutilá-los. Adquirem, ao contrário, maior evidência, clareza, precisão; mas é necessário que conservem sempre sua plenitude, integridade, propriedade. Se começa a misturar o novo com o antigo, o estranho com o que é familiar, o profano com o sagrado, em breve esta desordem se difundirá por todos os lados, e nada na Igreja permanecerá intacto, íntegro, sem mancha; e onde antes se levantava o santuário da verdade pura e incorrupta, exatamente neste lugar, se levantará um prostíbulo de infâmias e torpes erros. Que a misericórdia divina mantenha afastado da mente dos seus este crime; que isto não seja mais que uma loucura dos ímpios. A Igreja de Cristo, guardiã vigilante e prudente dos dogmas que lhe são confiados, não muda nada neles, nem lhes tira ou acrescenta nada; não rejeita o que é necessário nem acrescenta o que é supérfluo; não deixa que escape o que é seu nem se apropria do que pertence a outrem. Ao tomar cautelosamente e com fidelidade e prudência as doutrinas antigas, só busca fazer com sumo zelo o seguinte: reforçar o que tem sido expresso com precisão; guardar o que tem sido confirmado e definido. Na realidade, que fim se propôs obter sempre a Igreja com os decretos conciliares, senão que se creia com maior conhecimento o que antes já se cria com simplicidade; que se pregue com maior insistência o que antes se pregava com menor empenho; que se venere com maior solicitude o que já antes se honrava com demasiada calma? Isto e não outra coisa tem feito sempre a Igreja com os decretos dos concílios, provocada pelas inovações dos hereges: transmitir à posteridade em documentos escritos o que fora recebido de nossos pais mediante somente a tradição; resumir em fórmulas breves uma grande quantidade de noções e, mais frequentemente, com o fim de ilustrar a inteligência, especificar com termos novos e apropriados uma doutrina não nova.

 

Estar atentos ante os hereges

24. Então voltemos à exortação do Apóstolo:

 

    “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! Evita as conversas frívolas e mundanas, assim como as contradições de pretensa ciência.”

 

Evita, disse-lhe, como se faz com uma víbora, comum escorpião, com um basilisco, para que não somente o contato, mas nem sequer sua vista ou seu sopro te firam. Agora bem: o que significa evitar?

 

    “Com tais indivíduos nem sequer deveis comer” (1Cor 5,11)

 

E também:

 

    “Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina– e que doutrina é esta senão a católica universal, que permanece sendo única e a mesma através dos séculos, em uma incorrupta tradição de verdade, e que permanecerá assim sempre – não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda toma parte em suas obras más”. (2Jo 1,10-11)

 

O Apóstolo nos falava de novidades profanas nas expressões (N. do T.: na tradução para o português usou-se a Bíblia Ave Maria, que apresenta este versículo: Evita as conversas frívolas e mundanas). Agora bem, profano é o que não tem nada de sagrado nem de religioso, e é totalmente estranho ao santuário da Igreja, templo de Deus. As novidades profanas nas expressões são, pois, as novidades concernentes aos dogmas, coisas e opiniões em contraste com a tradição e a antiguidade; sua aceitação implicaria necessariamente a violação pouco menos que total da fé dos Santos Padres. Levará necessariamente a dizer que todos os fiéis de todos os tempos, todos os santos, os castos, os continentes, as virgens, os clérigos, os levitas e os bispos, os milhares de confessores, os exércitos de mártires, um número imenso de cidades e de povos, ilhas e províncias, de reis, de pessoas, de reinos enações, em uma palavra, o mundo inteiro incorporado a Cristo cabeça mediante a fé católica, durante um grande número de séculos tinha ignorado, errado, blasfemado, sem saber no que deveria crer. Evita, pois, as novidades profanas ns expressões, já que recebê-las e segui-las nunca foi costume dos católicos, e sim dos hereges. Na verdade, que heresia não tenha surgido sob um nome num lugar e numa época determinadas? Quem jamais tenha fundado uma heresia sem se separar assim do acordo com a universalidade e a antiguidade da Igreja Católica? Os exemplos nos mostram isto de maneira evidente. Com efeito, quem nunca, antes do ímpio Pelágio, teve a presunção de atribuir ao livre-arbítrio o poder tão grande de pensar que o auxílio da graça não é necessário para cada um dos atos, para levar a cabo as boas obras? Quem, antes de seu monstruoso discípulo Celestino, negou que todo o gênero humano está contaminado pelo pecado de Adão? Antes do sacrílego Ário, quem teve a audácia de rasgar a unidade da Trindade ou de confundi-la, como o pérfido Sabélio? Antes do rígido Novaciano, quem tinha dito que Deus era cruel, porque preferia a morte do agonizante a que ele se convertesse e vivesse? Quem, antes de Simão Mago, duramente castigado pela reprimenda apostólica – e de quem provém a antiga enxurrada de torpezas que, por sucessão ininterrupta e oculta, tenha chegado até Prisciliano – se atreveu a dizer que Deus criador é o autor do mal, ou seja, de nossos delitos, de nossas impiedades, de nossos vícios? Este afirma que Deus, com suas próprias mãos, cria a natureza estruturada de maneira que, por movimento espontâneo e sob o impulso de uma vontade necessitada, não pode mais, não quer mais que pecar. Agitada e incendiada pelas fúrias de todos os vícios, se vê arrastada com ânsia inesgotável aos abismos de toda sorte de crimes. Exemplos como estes existem e não acabam mais, mas deixemo-los para sermos breves. Demonstram a todos com evidência que a atitude normal e comum de qualquer heresia é gozar-se nas novidades profanas e sentir repulsa pelos dogmas da antiguidade, até o ponto de naufragar na fé por causa de discussões de uma falsa ciência. Ao contrário, é próprio dos católicos guardar o depósito transmitido pelos Santos Padres, condenar as novidades profanas e, como muitas vezes repetiu o Apóstolo, descarregar o anátema sobre quem tem a audácia de anunciar algo diferente do que foi recebido.

 

Os hereges recorrem à Escritura

25. Mas alguém se dirá: então os hereges não se servem dos testemunhos da Sagrada Escritura? Certamente que se servem, e com tão apaixonada veemência! Os vemos passar de um livro a outro da Lei Santa: desde Moisés aos livros dos Reis, desde os Salmos aos Apóstolos, desde os Evangelhos aos Profetas. Em suas assembléias, com os estranhos, em privado, em público, nos discursos e nos escritos, durante as refeições e nas praças públicas, é raro que mantenham alguma coisa sem que antes não a tenham revestido com a autoridade da Sagrada Escritura. Basta ler as obras de Paulo de Samosata, de Prisciliano, de Eunomio, de Joviniano e de todas as outras pestes; imediatamente se nota o cúmulo infinito de textos bíblicos: quase não há página que não esteja colorida e assinalada com citações do Antigo e do Novo Testamento. Mas se torna mais necessário estar em vigilância e temer-lhes quando mais tentam ocultar-se e esconder-se sob a sombra da Lei Divina. Efetivamente, sabem que suas exalações pestilentas, desnudadas e diretas, não encontrariam o favor de ninguém; por isso as perfumam com o aroma da palavra celestial, já que quem facilmente rejeitaria um erro humano não está dispôs toa depreciar com tanta facilidade os oráculos divinos. Fazem o que aqueles que, para suavizar a amargura dos remédios destinados às crianças, untam de mel a borda do frasco; as crianças com a simplicidade ingênua de sua idade, uma vez que provaram o doce, bebem sem suspeitar nem temer o amargo. Da mesma maneira atuam quem mascaram com nomes medicinais ervas nocivas e sucos venenosos, para que ninguém, ao ler a etiqueta, possa suspeitar que se trata de venenos e que não são remédios para cuidar da saúde. A este propósito o Salvador gritava:

 

    “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt 7,15)

 

Que outra coisa são estas peles de ovelhas senão as palavras dos Profetas e dos Apóstolos, com as quais estes mesmos, com mansa simplicidade, revestiram como um véu ao Cordeiro imaculado que tira o pecado do mundo? Quem são, ao contrário, os lobos vorazes, senão as doutrinas selvagens e raivosas dos hereges, que infectam o redil da Igreja, para desgarrar, da melhor maneira possível, o rebanho de Cristo? Para surpreender mais facilmente as incautas ovelhas, mascaram seu aspecto de lobos, ainda que conservando sua ferocidade, vestindo-se com frases da lei Divina como a um véu, para que, ao sentir a brandura da lã, as ovelhas não suspeitem de seus dentes afiados. Mas, o que nos diz o Salvador?

 

    “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt7,16)

 

Quer dizer, quando já não se dão por satisfeitos em citar e pregar as palavras divinas, e então começam a explicar e comentá-las, se manifestará sua amargura, sua aspereza e sua raiva; então se exalará um novo odor e aparecerão as novidades ímpias; então se verá pela primeira vez as setas arrancadas e ultrapassados os limites postos pelos pais; ultrajada a fé católica e o dogma da Igreja feito em pedaços. Pessoas desta ralé eram as fustigadas pelo Apóstolo em sua segunda carta aos Coríntios:

 

    “Esses tais são falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo,” (2Cor 11,13)

 

Que significa “se disfarçam em apóstolos de Cristo”? Os Apóstolos citavam textos da Lei Divina, e aqueles faziam o mesmo; os Apóstolos se apoiavam na autoridade dos Salmos e dos Profetas, e aqueles também. Mas quando começaram a interpretar de maneira diferente os mesmos textos, então se distinguiram os sinceros dos falsários, os genuínos dos artificiais, os retos dos perversos, em uma palavra, os verdadeiros Apóstolos dos falsos.

 

    “O que não é de espantar – explica São Paulo – Pois, se o próprio Satanás se transfigura e manjo de luz, parece bem normal que seus ministros se disfarcem em ministros de justiça” (2Cor 11,14-15)

 

Segundo o ensinamento do Apóstolo, cada vez que os falsos apóstolos, os falsos profetas, os falsos doutores citam passagens da Lei Divina com as quais, as interpretando mal, buscam apontar seus erros, não cabe dúvida de que seguem a tática pérfida de seu autor e mestre, o qual certamente não a usaria se não compreendesse que não há melhor caminho para induzir ao engano aos fiéis, que introduzir fraudulentamente um erro cobrindo-o com a autoridade das palavras divinas.

 

A Escritura na boca de Satanás

26. Alguém poderia então perguntar: como se explica que o diabo utilize as citações da Sagrada Escritura? Não precisa mais que abrir o Evangelho e ler. Encontrará escrito:

 

    “O demônio transportou-o – ao Senhor – à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra (Sl 90,11s)” (Mt 4,5-6)

 

O que não fará a nós, pobres mortais, aquele que teve a ousadia de assaltar, com testemunhos da Escritura, ao mesmo Senhor da majestade?

 

    “Se és Filho de Deus – disse-lhe – lança-te abaixo.”

 

Por quê?

 

    “Porque está escrito…”

 

Devemos prestar muita atenção à doutrina aqui exposta e retê-la bem em nossas mentes, para que, postos em vigilância pela autoridade de um exemplo evangélico tão grande, não duvidemos nem por um instante que é o diabo quem fala pela boca daqueles que citam contra a fé católica passagens dos Apóstolos e dos Profetas. Então era a cabeça quem falava à Cabeça, agora são os membros que falam aos membros; ou seja, os membros do diabo aos membros de Cristo, os renegados aos fiéis, os sacrílegos aos homens piedosos, os hereges aos católicos. Mas o que eles dizem? Se tu és o Filho de Deus, lança-te abaixo. Ou seja, se queres ser realmente filho de Deus e receber a herança do reino celestial, lança-te abaixo de cima da doutrina e da tradição desta Igreja sublime, templo de Deus. E se alguém pergunta a qualquer herege que quer persuadi-lo da verdade disto: Em que provas te fundamentas para afirmar que eu devo abandonar a antiga e universal fé da Igreja Católica? Imediatamente responderá: “Está escrito”, e sem mais amontoará mi ltestemunhos, mil exemplos, mil argumentos com os quais, interpretados de nova e errada maneira, buscará precipitar a alma do desgraçado desde o alto da rocha católica ao abismo da heresia. Mas é com promessas como as que agora vamos mostrar que os hereges costumam enganar, com uma arte que é uma verdadeira maravilha, aqueles que não estão prevenidos. Efetivamente, ousam prometer e ensinar que em sua igreja, ou melhor, em seu conventículo de sua seita, está presente uma graça de Deus extraordinária, especial, absolutamente pessoal; e é de tal classe que sem fadiga, sem esforço, sem ansiedade alguma, inclusive ainda que não peçam, nem busquem, nem almejem, todos os que fazem parte de seu número obtém de Deus esse auxílio, até o ponto de serem levados por mãos angélicas e guardados por sua proteção, sem que seu pé nunca tropece em alguma pedra, ou seja, sem sofrer escândalo.

 

Como vencer as insídias diabólicas dos hereges

27. Depois de tudo que temos dito, seria lógico perguntar: se o diabo e seus discípulos – os falsos apóstolos, profetas, mestres e hereges em geral – costumam utilizar as palavras, as sentenças, as profecias da Escritura, como deverão se comportar os católicos, os filhos da Madre Igreja? Que deverão fazer para distinguir nas Sagradas Escrituras a verdade do erro? Tenham grande preocupação por seguir as normas que, ao início destas notas escrevi, foram transmitidas por doutos e piedosos homens; ou seja, interpretarão o Cânon divino segundo as tradições da Igreja universal e as regras do dogma católico; na mesma Igreja Católica e Apostólica deverão seguir a universalidade, a antiguidade e a unanimidade de consenso. Por conseguinte se acontecesse que uma parte se rebelasse contra a universalidade, que a novidade se levantasse contra a antiguidade, que a dissensão deum ou poucos equivocados se elevasse contra o consenso de todos ou ao menos deum número bem grande de católicos, se deverá preferir a integridade da totalidade à corrupção de uma parte; dentro da mesma universalidade, será preciso preferir a religião antiga à novidade profana; e, na antiguidade, há que antepor à temeridade de pouquíssimos os decretos gerais, se os há, de um concílio universal; no caso de que não os tenha, se deverá seguir o que próximo esteja deles, ou seja, as opiniões concordes de muitos e grandes mestres. Se, com a ajuda do Senhor, observamos com fidelidade e solicitude estas regras, conseguiremos descobrir sem grande dificuldade, e desde sua mesma fonte, os erros nocivos dos hereges.

 

Os Padres e a Tradição Católica

28. Penso que talvez seja oportuno demonstrar, por meio de exemplos, como podem ser descobertas e condenadas as novidades heréticas, investigando e confrontando entre si as opiniões concordes dos antigos mestres. De todos os modos, é evidente que este consenso antigo e unânime dos Santos Padres não devemos invocá-lo apenas em questões minuciosas da Lei Divina; mas que será objeto da mais ativa investigação e adesão só no que se refere à regra da fé. Nem tampouco todas as heresias, de todos os tempos, podem ser combatidas desta maneira; somente as novas e mais recentes, em sua primeira floração e em suas primeiras manifestações, antes de que, pela mesma escassez de tempo, tenham a possibilidade de falsear a regra antiga da fé e de infeccionar com seu veneno os livros dos Padres. Em relação àquelas que já foram difundidas e já fincaram raízes profundas, não podem ser combatidas por este caminho, porque o largo prazo de tempo de que dispuseram foi ocasião mais que favorável para erodir a verdade, e por isso é que as impiedades mais antigas, tanto heréticas como cismáticas, não podemos refutá-la mais que com a autoridade da Escritura, ou evitálas desde que já estão refutadas e condenadas por antigos Concílios universais do Episcopado Católico. Apenas, pois, começa a se estender a podridão de um novo erro e este, para justificar-se, se apodera de alguns versículos da Escritura, que ademais interpreta com falsidade e fraude, é preciso imediatamente abrir mão das sentenças dos Padres interpretando as passagens em questão; com seu auxilio, qualquer novidade profana será no ato desmascarada sem nenhuma ambigüidade e condenadas em vacilação. Em relação aos Padres, deve-se consultar o pensamento de quem santamente, sabiamente e com constância viveu, ensinou e permaneceu firme na fé e na comunhão católica, e morreram fiéis a Cristo ou mereceram a alegria de dar sua vida por Ele. Mas a estes se deve prestar fé seguindo esta regra: o que todos, ou ao menos a maioria, têm afirmado claramente, através de concílio de mestres perfeitamente unânimes, e que têm confirmado ao aceitá-lo, conservá-lo e transmiti-lo, isso é o que deve ser mantido como induvidável, certo e verdadeiro. Ao contrário, tudo que, fora da doutrina comum, e inclusive contra ela, tenha pensado um apenas, ainda que seja um santo e um douto, um bispo, um confessor, um mártir, deve ser relegado entre as opiniões pessoais, não oficiais, privadas, que não tem a autoridade da opinião comum, pública e geral; não nos suceda, com sumo perigo para nossa salvação eterna, que abandonemos a antiga verdade da doutrina católica para seguir o erro novo de um só indivíduo, segundo o sacrílego costume dos hereges e cismáticos. Para que não haja quem se atreva a depreciar este acordo sagrado e universal dos Padres, o Apóstolo escreveu em sua primeira carta aos Coríntios:

 

    “Na Igreja, Deus constituiu primeiramente os apóstolos (ele era um deles), em segundo lugar os profetas (como lemos nos Atos dos Apóstolos que era Ágabo), em terceiro lugar os doutores” (1Cor 12,28),

 

Mas o mesmo Apóstolo às vezes os chama profetas, porque explicam ao povo cristão os mistérios da mensagem profética. Quem quer que se atreva a depreciar a estes homens postos por Deus em sua Igreja segundo os lugares e os tempos, e que estão de acordo na interpretação do dogma católico, não estará depreciando a um homem, mas ao próprio Deus. E com o fim de que ninguém esteja em desacordo com sua unidade, a única verdadeira, o mesmo Apóstolo disse:

 

    “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento”. (1Cor 1,10)

 

E se alguém deixa de estar de acordo com sua doutrina, escute o que diz o Apóstolo:

 

    “Porquanto Deus não é Deus de confusão, mas de paz”. (1Cor 14,33)

 

Ou seja, não é Deus de quem rompe a unidade e a concórdia, mas de quem permanece na paz de um só sentimento.

 

    “Como em todas as igrejas dos santos” (1Cor 14,34),

 

Ou seja, dos católicos, e são coisas santas precisamente porque permanecem na comunhão da fé. E com o propósito de que ninguém se arrogue a pretensão de ser ele somente escutado e crido, sem ter em conta aos demais, pergunta:

 

    “Porventura foi dentre vós que saiu a palavra de Deus? Ou veio ela tão-somente para vós?” (1Cor14,36)

 

Ademais, para evitar que suas palavras fossem tomadas à ligeira, acrescenta:

 

    “Se alguém se julga profeta ou agraciado com dons espirituais, reconheça que as coisas que vos escrevo são um mandamento do Senhor”. (1Cor 14,37)

 

Mas de que mandamentos se trata, senão de qualquer um que seja profeta o pessoa espiritual, ou seja, mestre das coisas espirituais, deve ter o maior cuidado em cultivar a imparcialidade e a unidade, a fim de que não chegue a preferir sua opinião pessoal à dos demais ou a separar-se do sentimento comum? “Mas – adverte o Apóstolo – se alguém quiser ignorá-lo, que o ignore!” (1Cor 14,38) ou seja, quem não aprende as coisas que não sabe ou se desfaz das que sabe, será tido por indigno de ser incluído por Deus no número daqueles que estão unidos na fé e iguais na humildade. Se poderia pensar um mal tão grande? Precisamente isto é o que, como sabemos, ocorreu, de acordo com a ameaça do Apóstolo, ao pelagiano Juliano, que se negou a compartilhar a doutrina de seus colegas e teve a presunção de separar-se deles. Mas é chegado o momento de trazer à luz o exemplo a que nos referimos, e mostrar onde e de que maneira, por decreto e autoridade de um concílio, recorreu-se às opiniões dos Padres, com o fim de fixar, seguindo-as, a regra de fé da Igreja.Para maior comodidade, ponho aqui fim a estas notas. O resto tratarei em uma segunda parte.(O segundo Commonitorium desapareceu; não ficou dele mais que a segunda parte, que é uma simples recapitulação e que acrescentamos a seguir.)

 

É legítimo recorrer aos Padres

29. Creio ter chegado o momento de recapitular ao final deste segundo Comonitório tudo o que foi tratado nos dois Comonitórios. No primeiro disse que os católicos tiveram sempre o costume, e continuam tendo, de determinar a verdadeira fé de duas maneiras: com a autoridade da Escritura divina e com a tradição da Igreja Católica. Não porque a Escritura, por si só, não seja suficiente em todos os casos, mas porque muitos, interpretando a seu capricho as palavras divinas, acabam por inventar uma quantidade incrível de doutrinas errôneas. Por este motivo é necessário que a exegese da Escritura divina seja guiada pela única regra do sentir católico, especialmente nas questões que tocam os fundamentos de todo o dogma católico. Também afirmei que na mesma Igreja é necessário ter em conta a universalidade e a antiguidade, com o fim de que não nos suceda que nos separemos da unidade do conjunto e acabar desagregados, no fragmentarismo particularista do cisma, ou nos precipitar, desde a antiga fé, em novidades heréticas. Disse ainda, em relação à antiguidade, que é preciso a todo custo terpresente duas coisas e se agarrar a elas profundamente, se não queremos nos converter em hereges; primeiro: ver se houvera antigamente algum decreto por parte de todos os bispos da Igreja Católica, emanado sob a autoridade de um concílio universal; depois, no caso de que surja uma nova questão, em torno da qual não se encontre nada definido, recorrer às sentenças dos Padres, mas somente a aqueles que, por haverem permanecido, em seu tempo e lugar, dentro da unidade da comunhão e da fé, se converteram em mestres provados. Tudo aquilo que se encontre e que tenha sido por eles mantido com unanimidade de sentir e de consenso pode ser submetido sem temor algum como expressão da verdadeira fé católica. Como poderia parecer que eu afirmava estas coisas por minha conta, porém baseando-me na autoridade da Igreja, fiz referência ao exemplo do Santo Concílio ocorrido há três anos em Éfeso, na Ásia, sob o consulado dos preclaros Basso e Antíoco. No curso das discussões que ali se tiveram para estabelecer a regra da fé, com o fim de evitar que uma novidade ímpia se insinuasse do mesmo modo que se levou a cabo a perfídia de Rimini, pareceu a todos os bispos, reunidos em número de quase duzentos, que o melhor procedimento, o mais católico e o mais conforme a fé, era o de remeter-se às sentenças dos Santos Padres, alguns dos quais foram mártires, outros confessores, de tal modo que de todos eles houvera constância de que foram bispos católicos e que perseveraram como tais. Fortalecidos por seu consenso, foi confirmada por decreto, em devida forma e solene, a antiga fé, e condenada a blasfêmia da nova impiedade. À luz deste procedimento, e com todo direito e merecidamente, o ímpio Nestório foi julgado por estar em desacordo com a antiguidade católica, e o bem aventurado Cirilo em comunhão com a santíssima fé antiga. Para que nada faltasse à fidelidade dos fatos que narrei, proporcionei também os nomes e o número dos padres (ainda que tenha trocado a ordem), de conformidade com cuja sentença unânime foram interpretadas as palavras da Sagrada Escritura, e foi confirmada a regra da fé divina. Penso que não será supérfluo voltar a recordar, para refrescar minha memória.

 

Os Padres citados em Éfeso

30. Eis aqui, pois, os nomes daqueles cujos escritos foram citados naquele Concílio como juízes e testemunhas. São Pedro bispo de Alexandria, doutor insigne e mártir; Santo Atanásio, bispo da mesma cidade, mestre fidelíssimo e confessor exímio; São Teófilo, também bispo de Alexandria, célebre por sua fé, vida e ciência; seu sucessor, o venerável Cirilo, que atualmente ilustra a igreja alexandrina. E para que não se pensasse que aquela era a doutrina de uma só cidade ou província, se recorreu também às celebérrimas luminárias da Capadócia: São Gregório, bispo de Nanziano e confessor; São Basílio, bispo de Cesaréia da Capadócia e confessor; o outro Gregório, bispo de Nissa, por fé, costumes e sabedoria realmente digno de seu irmão Basílio. Ademais, para demonstrar que não apenas a Grécia e o Oriente, mas também o Ocidente, o mundo latino, tinha mantido a mesma fé, foram lidas algumas cartas de São Félix Mártir e de São Júlio, bispos da cidade de Roma. Mas não somente a cabeça do mundo, também as partes secundárias proporcionaram seu testemunho àquela sentença. Dos meridionais foi citado o beatíssimo Cipriano, bispo de Cartago e mártir; das terras do Norte, Santo Ambrósio, bispo de Milão e confessor. Sem dúvida poderia citar um número maior de Padres, mas não foi necessário. Não era, com efeito, conveniente ocupar o tempo numa multidão de textos, desde o momento em que ninguém duvidada de que a opinião daqueles dez era a de todos os demais colegas.

 

O Concílio de Éfeso proclamava a antiga fé

31. Ademais, consignei as palavras do bem-aventurado Cirilo, tal como estão contidas nas mesmas Atas eclesiásticas. Elas dizem que, apenas foi lida a carta de Capreolo, o santo bispo de Cartago, que não pedia nem desejava mais que se rejeitasse a novidade e se defendesse a antiguidade, tomou a palavra o bispo Cirilo. Não parece inútil que cite aqui de novo suas palavras. Segundo está escrito ao final das Atas, ele disse:

 

    “A cartado venerando e religiosíssimo bispo de Cartago, Capreolo, que nos foi lida, deve ser incluída nas Atas oficiais. Pois se pensa mente é claríssimo: quer que sejam confirmados os dogmas da antiga fé e reprovadas e condenadas as novidades inutilmente excogitadas e impiamente pregadas. Todos os bispos o aprovaram e maltas vozes: essas palavras são nossas, expressam o pensamento de todos nós, este é o voto de todos”.

 

Quais eram, pois, as opiniões de todos? Quais os desejos comuns? Que se mantivesse tudo o que havia sido transmitido desde a antiguidade e se rejeitasse oque recentemente se havia acrescentado. Foi admirado e proclamado a humildade e a santidade desse Concílio. Os bispos reunidos ali em grande número, a maior parte dos quais eram metropolitas, possuíam uma tal erudição e doutrina, que podiam quase todos discutir sobre questões dogmáticas, e o fato de se encontrarem todos reunidos pôde lhes animar e lhes afirmar na sua capacidade para deduzir por si mesmos. Ao contrário, se preocuparam por todos meios de transmitir à posteridade somente o que receberam dos Padres, com o fim não somente de resolver bem as questões do presente, mas também de oferecer às gerações futuras o exemplo de como se devem venerar os dogmas da antiguidade sagrada e condenar as novidades ímpias. Também foi impugnado a presunção criminosa de Nestório, que seu fanava de ter sido o primeiro e o único a compreender a Sagrada Escritura, tachando de ignorantes a todos aqueles que, antes dele, investidos do ofício do Magistério, explicaram a Palavra Divina, ou seja, a todos os bispos, a todos os confessores, a todos os mártires. Alguns destes tinham explicado a Lei de Deus, outros haviam aceitado as explicações que lhes deram e prestaram fé. Ao contrário, segundo o parecer de Nestório, a Igreja se equivocara sempre, e continuava equivocando-se por ter seguido, segundo ele, a doutores ignorantes e heréticos.

 

Intervenções de Sixto III e de Celestino I contra as inovações ímpias

32. Ainda que todos estes exemplos são mais que suficientes para destroçar e aniquilar as novidades ímpias, sem embargo, para que não possa parecer que falta alguma coisa a tão grande número de provas, acrescentei ao final dois documentos da Sé Apostólica: um do Santo Papa Sixto, que na atualidade ilustra a Igreja de Roma, e outro de seu predecessor de feliz memória, o Papa Celestino. Creio ser necessário reproduzir aqui também estes dois documentos. Na carta que o santo Papa Sixto enviou ao bispo de Antioquia a propósito de Nestório, escreveu: “Posto que o Apóstolo disse que uma é a fé (cfr. Ef4,5), a fé que se impôs abertamente, acreditamos no que devemos falar e pregamos o que devemos manter”. Queremos saber o que é aquilo que devemos crer e pregar? Ouçamos o que ele diz a seguir:

 

    “Nada é lícito à novidade, porque nada é lícito acrescentar à antiguidade. A fé límpida de nossos pais e sua religiosidade não devem ser turvadas por nenhuma mistura de lama”.

 

Sentença verdadeiramente apostólica, que descreve a fé dos pais como limpidez cristalina, e as novidades ímpias como mistura de lama. No Papa Celestino encontramos o mesmo pensamento. Na carta que enviou aos bispos das Gálias, os censurava que, de fato, estavam coniventes com os propagadores de novidades, enquanto que seu silêncio culpável vinha a aviltar a fé antiga e permitia, por conseguinte, que se difundissem as novidades ímpias.

 

    “Com toda razão – diz – devemos nos considerar responsáveis se, com nosso silêncio, favorecemos o erro. Estes homens devem ser repreendidos; não têm a faculdade de pregar livremente!”

 

A alguns poderia lhes explicar a dúvida acerca da identidade das pessoas a quem está proibido pregar como lhes apraz: se serão os pregadores da antiga fé ou os inventores de novidades. Que o próprio Papa fale e resolva as dúvidas dos leitores. Com efeito, acrescenta: “Se isso é verdade…”, quer dizer se é verdade isso de que alguns os têm acusado, ou seja, que vossas cidades e províncias acolhem as novidades, “se isso é verdade, que a novidade cesse de lançar impropérios e acusações contra a antiguidade”. O venerando parecer do bem-aventurado Celestino não foi, pois, que a fé antiga deixasse de opor-se com todas as suas forças à novidade, mas que esta parasse já de molestar e perseguir a antiguidade.

 

Conclusão

33. Qualquer um que se oponha a estas decisões apostólicas e católicas, ofende ante tudo a memória de São Celestino, o qual decretou que a novidade devia cessar de acusar a antiga fé; se burla do juízo de São Sixto, que decretou que não poderia tolerar as novidades, porque não se pode acrescentar nada à antiguidade; por último, deprecia a decisão do bem-aventurado Cirilo, que louvou em alta voz o zelo do venerando Capreolo, desejoso de que os dogmas da antiga fé fossem confirmadas e condenadas as invenções inovadoras. O mesmo Sínodo de Éfeso seria violado, quer dizer, as definições dos Santos Bispos de todo o Oriente, os quais, divinamente inspirados, decretaram que a posteridade não deveria crer ou coisa mais que o que a antiguidade sagrada dos Santos Padres, unanimemente concordes em Cristo, havia mantido. Com altas vozes e aclamações todos a uma, deram testemunho de que a sentença, o desejo, o juízo de todos era que, do mesmo modo que foram condenados os hereges anteriores a Nestório, por depreciar a fé antiga e manter novidades, fosse também condenado Nestório, que igualmente era autor de novidades e adversário da antiguidade. Se alguém é contrário a este consenso unânime, que foi santamente inspirado pela graça celeste, se segue que julga condenada injustamente a impiedade de Nestório. Como última e lógica conseqüência, deprecia como lixo a toda a Igreja de Cristo e a seus Mestres, Apóstolos e Profetas, de maneira especial ao Apóstolo Paulo, que escreveu:

 

    “Oh, Timóteo, guarda o depósito evitando as novidades profanas nas expressões”

 

E também:

 

    “Qualquer um que os anuncie um Evangelho diferente do que haveis recebido, seja anátema”

 

Assim, pois, se as decisões dos Apóstolos e os decretos da Igreja não podem ser transgredidos – em virtude dos quais, segundo o consenso sagrado da universalidade e da antiguidade, todos os hereges têm sido sempre e justamente condenados – em consequência, é dever absoluto de todos os católicos, que desejam demonstrar que são filhos legítimos da Mãe Igreja, aderir-se, agarrar-se à fé dos Santos Padres, e morrer por ela, ao mesmo tempo que detestam, tem horror, combatem, perseguem as novidades ímpias. Isto é tudo o que, mais ou menos, expus nos dois Comonitórios, e que resumi aqui brevemente. Desta forma, minha memória, cujo auxílio escrevi estas notas, poderá consultá-las com freqüência e tirar proveito, sem sentir-se agoniada por uma expressão prolixa.

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