A primeira vez em que ouvi falar do Evangelho
Segundo Jadar foi através de meu querido amigo, pe. Pedro Boguki.
Em cartas suas do
tempo de seminário, contou-me pertencer a seleto grupo que dava especial
atenção aos evangelhos apócrifos e outros textos antigos, desaparecidos, cheios
do vapor dos mistérios. Tomava parte nessas reuniões, eventualmente, um de seus
professores, o pe. Rodrigo Juarez, espanhol de Badajoz que mencionava este
evangelho como perdido.
Segundo ele, a
primeira notícia sobre Jadar e seu livro vinham de uma carta de Kaukirino
(10?-48?), aparentemente um discípulo de São Tiago Maior, ainda em Braga.
Esta carta carta,
cujos Arquivos Vaticanos contém a cópia que li em 1928, menciona Jadar como
sendo um íbero que vivera por anos em Roma e Milão e que, de regresso à sua
terra convertera-se à pregação do santo apóstolo e se decidira a escrever uma
narrativa contemplando a vida de Jesus e seus ensinamentos, conforme ouvira de
São Tiago.
Uma segunda carta,
esta de Marcelino (18?-53?), membro da comunidade fundada por São Martinho de
Tours, acrescenta que Jadar era versado em latim e grego, língua em que
compusera seu livro.
Finalmente, a última
notícia do misterioso autor é uma carta de Euzébio (22?-78?) que conta uma sua
viagem à Ibéria onde teria ouvido S. Paulo pregar e onde conhecera um “livro largamente lido nas comunidades de
lá”, escrito por um certo Jardar (sic), confirmando ser o livro escrito em
grego.
Bem, as notícias desse
evangelho perdido, que conhecera tanta fama para depois desaparecer
repentinamente, devorado pelo Tempo rapace, me encheram de curiosidade e
decidi, em 1928, tomar o rumo dos Archivum Secretum Apostolicum Vaticanum.
Aproveitando a
oportunidade criada por Sua Santidade Benedictus PP XV, que permitira um acesso
menos restrito aos arquivos em 1922, e da afável influência de Sua Eminência
Giovanni Cardeal Clementi, Cardeal de Santa Prassede, amigo querido de longos
anos, pude descobrir cópias das cartas mencionadas acima que li e reli, a
perguntar-me onde estaria alguma cópia, se alguma houvesse, desse evangelho.
Vasculhei todas as
prateleiras reservadas aos evangelhos apócrifos sem fruto algum.
Então, em certa manhã
d’Agosto, irmã Lucia que me atendia nos arquivos me disse ter sido encarregada
de procurar certos documentos em uma seção destinada às cartas vindas de
Espanha e perguntei-lhe se se importava de companhia.
Acedeu com suave
sorriso, a doce freira, e nos fomos para lá.
Numa prateleira com
documentos do século II, topei com um palimpsesto com supostas cartas de S.
Pedro de Rates.
Palimpsesto!
O que há de mais
excitante a um devotado das letras que tal objeto? Resquícios dum tempo de
escassos recursos onde um livro considerado de menor importância tinha seu
texto original raspado das páginas de pergaminho para que um novo texto se
escrevesse em cima.
O texto original não
tendia a ser totalmente apagado, por causa das tintas usadas e porque não se
podia raspar demais o pergaminho sob pena de o danificar, mas restava como que uma
sombra sob o novo texto.
Abri o livro a esmo, vi que o texto original, ainda
que borrado, era em grego e comecei a o ler.
Facilmente reconheci
passagens evangélicas, mas com muitas alterações, interpolações e acidentes.
Pocurei o título da
obra e vascilei em meus joelhos quando
li:
EVANGELHO DOS DITOS E FEITOS DE NOSSO SENHOR E
SALVADOR JESUS CRISTO
ESCRITO POR SEU DISCÍPULO JADAR
Consegui da irmã o
total acesso ao livro que devorei e logo me puz a traduzir.
A despeito de nem todo
o texto ser legível, foi fácil entender as partes suprimidas e manter a ligação
de pensamento do autor.
D. Giovanni Clementi,
todo candura e gentileza, alcançou o que agora vos apresento: a publicação dum
livro julgado perdido.
Jadar volta a ser lido
depois de mais de mil anos!
Não se encontrou nele
nada de novo, nem alguma heresia gnóstica, nem qualquer coisa contradizendo a
fé, mas há um certo frescor na escolha do que contar, na maneira como este
evangelho foi composto.
Até agora, a cópia que
encontrei no Vaticano é a única conhecida, mas quem sabe se outra não há,
algures?
Tendo escrito o que
ouviu do próprio São Tiago Maior, quando este esteve em terras ibéricas, seu
livro deve ter sido escrito entre os anos de 38 e 41, uma vez que o santo
apóstolo foi martirizado em 44, de volta a Jerusalém.
Sobre Jadar, mesmo, continua o mistério. Quem foi,
onde e quando nasceu e morreu, são lacunas em branco e se divertirá com elas
algum escritor cheio de fantasia.
Uma cópia deste livro já mandei ao meu
queridíssimo amigo Pedro Boguki em Porto Alegre. Recebi sua resposta escrita
num papel manchado com suas lágrimas de alegria.
Lágrimas como estas
que agora mancham o papel em em que escrevo esta apresentação breve.
Nicolau Reis
Lisboa, 13 de Outubro de 1930.
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