Tuesday, 24 March 2015

"Evangelo Segundo Jadar - apresentação" by José Thiesen (in Portuguese)

 A primeira vez em que ouvi falar do Evangelho Segundo Jadar foi através de meu querido amigo, pe. Pedro Boguki.
             Em cartas suas do tempo de seminário, contou-me pertencer a seleto grupo que dava especial atenção aos evangelhos apócrifos e outros textos antigos, desaparecidos, cheios do vapor dos mistérios. Tomava parte nessas reuniões, eventualmente, um de seus professores, o pe. Rodrigo Juarez, espanhol de Badajoz que mencionava este evangelho como perdido.
              Segundo ele, a primeira notícia sobre Jadar e seu livro vinham de uma carta de Kaukirino (10?-48?), aparentemente um discípulo de São Tiago Maior, ainda em Braga.
              Esta carta carta, cujos Arquivos Vaticanos contém a cópia que li em 1928, menciona Jadar como sendo um íbero que vivera por anos em Roma e Milão e que, de regresso à sua terra convertera-se à pregação do santo apóstolo e se decidira a escrever uma narrativa contemplando a vida de Jesus e seus ensinamentos, conforme ouvira de São Tiago.
             Uma segunda carta, esta de Marcelino (18?-53?), membro da comunidade fundada por São Martinho de Tours, acrescenta que Jadar era versado em latim e grego, língua em que compusera seu livro.
             Finalmente, a última notícia do misterioso autor é uma carta de Euzébio (22?-78?) que conta uma sua viagem à Ibéria onde teria ouvido S. Paulo pregar e onde conhecera um  “livro largamente lido nas comunidades de lá”, escrito por um certo Jardar (sic), confirmando ser o livro escrito em grego.
              Bem, as notícias desse evangelho perdido, que conhecera tanta fama para depois desaparecer repentinamente, devorado pelo Tempo rapace, me encheram de curiosidade e decidi, em 1928, tomar o rumo dos Archivum Secretum Apostolicum Vaticanum.
               Aproveitando a oportunidade criada por Sua Santidade Benedictus PP XV, que permitira um acesso menos restrito aos arquivos em 1922, e da afável influência de Sua Eminência Giovanni Cardeal Clementi, Cardeal de Santa Prassede, amigo querido de longos anos, pude descobrir cópias das cartas mencionadas acima que li e reli, a perguntar-me onde estaria alguma cópia, se alguma houvesse, desse evangelho.
                Vasculhei todas as prateleiras reservadas aos evangelhos apócrifos sem fruto algum.
                Então, em certa manhã d’Agosto, irmã Lucia que me atendia nos arquivos me disse ter sido encarregada de procurar certos documentos em uma seção destinada às cartas vindas de Espanha e perguntei-lhe se se importava de companhia.
                Acedeu com suave sorriso, a doce freira, e nos fomos para lá.
              Numa prateleira com documentos do século II, topei com um palimpsesto com supostas cartas de S. Pedro de Rates.
                Palimpsesto!
               O que há de mais excitante a um devotado das letras que tal objeto? Resquícios dum tempo de escassos recursos onde um livro considerado de menor importância tinha seu texto original raspado das páginas de pergaminho para que um novo texto se escrevesse em cima.
              O texto original não tendia a ser totalmente apagado, por causa das tintas usadas e porque não se podia raspar demais o pergaminho sob pena de o danificar, mas restava como que uma sombra sob o novo texto.
   Abri o livro a esmo, vi que o texto original, ainda que borrado, era em grego e comecei a o ler.
            Facilmente reconheci passagens evangélicas, mas com muitas alterações, interpolações e acidentes.
              Pocurei o título da obra e vascilei em  meus joelhos quando li:

EVANGELHO DOS DITOS E FEITOS DE NOSSO SENHOR E SALVADOR JESUS CRISTO
ESCRITO POR SEU DISCÍPULO JADAR

              Consegui da irmã o total acesso ao livro que devorei e logo me puz a traduzir.
              A despeito de nem todo o texto ser legível, foi fácil entender as partes suprimidas e manter a ligação de pensamento do autor.
           D. Giovanni Clementi, todo candura e gentileza, alcançou o que agora vos apresento: a publicação dum livro julgado perdido.
             Jadar volta a ser lido depois de mais de mil anos!
         Não se encontrou nele nada de novo, nem alguma heresia gnóstica, nem qualquer coisa contradizendo a fé, mas há um certo frescor na escolha do que contar, na maneira como este evangelho foi composto.
           Até agora, a cópia que encontrei no Vaticano é a única conhecida, mas quem sabe se outra não há, algures?
           Tendo escrito o que ouviu do próprio São Tiago Maior, quando este esteve em terras ibéricas, seu livro deve ter sido escrito entre os anos de 38 e 41, uma vez que o santo apóstolo foi martirizado em 44, de volta a Jerusalém.
Sobre Jadar, mesmo, continua o mistério. Quem foi, onde e quando nasceu e morreu, são lacunas em branco e se divertirá com elas algum escritor cheio de fantasia.
Uma cópia deste livro já mandei ao meu queridíssimo amigo Pedro Boguki em Porto Alegre. Recebi sua resposta escrita num papel manchado com suas lágrimas de alegria.
            Lágrimas como estas que agora mancham o papel em em que escrevo esta apresentação breve.

Nicolau Reis
                Lisboa, 13 de Outubro de 1930.

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