Pensava em ti nas horas de tristeza,
Quando estes versos pálidos compus,
Cercavam-me planícies sem beleza,
Pesava-me na fronte um céu sem luz.
Fagundes Varela
Aves, é primavera! à rosa! à rosa!
Tomás Ribeiro
I
Era o tempo em que ágeis
andorinhas
Consultam-se na beira dos
telhados,
E inquietas conversam,
perscrutando
Os pardos horizontes
carregados ...
Em que as rolas e os verdes
periquitos
Do fundo do sertão descem
cantando ...
Em que a tribo das aves
peregrinas
Os Zíngaros do céu formam-se
em bando!
Viajar! viajar! A brisa morna
Traz de outro clima os cheiros
provocantes.
A primavera desafia as asas,
Voam os passarinhos e os
amantes! ...
II
Um dia Eles chegaram. Sobre a estrada
Abriram à tardinha as
persianas;
E mais festiva a habitação
sorria
Sob os festões das trêmulas
lianas.
Quem eram? Donde vinham? —
Pouco importa
Quem fossem da casinha os
habitantes.
— São noivos —: as mulheres
murmuravam!
E os pássaros diziam: — São
amantes —!
Eram vozes — que uniam-se
co'as brisas!
Eram risos — que abriam-se
co'as flores!
Eram mais dois clarões — na
primavera!
Na festa universal — mais dous
amores!
Astros! FaIai daqueles olhos
brandos.
Trepadeiras! Falai-lhe dos
cabelos!
Ninhos d'aves! dizei, naquele
seio,
Como era doce um pipilar
d'anelos.
Sei que ali se ocultava a
mocidade...
Que o idílio cantava noite e
dia...
E a casa branca à beira do
caminho
Era o asilo do amor e da
poesia.
Quando a noite enrolava os
descampados,
O monte, a selva, a choça do
serrano,
Ouviam-se, alongando à paz dos
ermos,
Os sons doces, plangentes de
um piano.
Depois suave, plena,
harmoniosa
Uma voz de mulher se
alevantava...
E o pássaro inclinava-se das
ramas
E a estrela do infinito se
inclinava.
E a voz cantava o tremolo
medroso
De uma ideal sentida
barcarola...
Ou nos ombros da noite
desfolhava
As notas petulantes da
Espanhola!
III
As vezes, quando o sol nas
matas virgens
A fogueira das tardes acendia,
E como a ave ferida
ensangüentava
Os píncaros da longa serrania,
Um grupo destacava-se amoroso,
Tendo por tela a opala do
infinito,
Dupla estátua do amor e
mocidade
Num pedestal de musgos e
granito.
E embaixo o vale a descantar
saudoso
Na cantiga das moças
lavadeiras!...
E o riacho a sonhar nas canas
bravas.
E o vento a s'embalar nas
trepadeiras.
Ó crepúsculos mortos! Voz dos
ermos!
Montes azuis! Sussurros da
floresta!
Quando mais vós tereis tantos
afetos
Vicejando convoseo em vossa
festa? ...
E o sol poente inda lançava um
raio
Do caçador na longa
carabina...
E sobre a fronte d'Ela por
diadema
Nascia ao longe a estrela
vespertina.
IV
É noite! Treme a lâmpada
medrosa
Velando a longa noite do
poeta...
Além, sob as cortinas
transparentes
Ela dorme... formosa Julieta!
Entram pela janela quase
aberta
Da meia-noite os preguiçosos
ventos
E a lua beija o seio
alvinitente
— Flor que abrira das noites
aos relentos.
O Poeta trabalha!... A fronte
pálida
Guarda talvez fatídica
tristeza ...
Que importa? A inspiração lhe
acende o verso
Tendo por musa — o amor e a
natureza!
E como o cáctus desabrocha a
medo
Das noites tropicais na mansa
calma,
A estrofe entreabre a pétala
mimosa
Perfumada da essência de sua
alma.
No entanto Ela desperta... num
sorriso
Ensaia um beijo que perfuma a
brisa...
... A Casta-diva apaga-se nos
montes...
Luar de amor! acorda-te,
Adalgisa!
V
Hoje a casinha já não abre à
tarde
Sobre a estrada as alegres
persianas.
Os ninhos desabaram... no
abandono
Murcharam-se as grinaldas de
lianas.
Que é feito do viver daqueles
tempos?
Onde estão da casinha os
habitantes?
... A Primavera, que arrebata
as asas...
Levou-lhe os passarinhos e os
amantes!...
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