Saturday, 22 April 2017

"Amor! Delírio - Engano" by Gonçalves Dias (in Portuguese)

Amor! delírio - engano... Sobre a terra
Amor tão bem fruí; a vida Inteira
Concentrei num só ponto - amá-la, e sempre.
Amei! - dedicação, ternura, extremos
Cismou meu coração, cismou minha alma,
- Minha alma que na taça da ventura
Vida breve d’amor sorveu gostosa.
Eu e ela, ambos nós, na terra ingrata
Oásis, paraíso, éden ou templo
Habitamos uma hora; e logo o tempo
Com a foice roaz quebrou-lhe o encanto,
Doce encanto que o amor nos fabricara.
E eu sempre a via!... quer nas nuvens d’oiro
Quando ia o sol nas vagas sepultar-se,
Ou quer na branca nuvem que velava _
O círculo da lua, - quer no manto
D’alvacenta neblina que baixava
Sobre as folhas do bosque, muda e grave,
Da tarde no cair; nos céus, na terra,
A ela, a ela só, viam meus olhos.
Seu nome, sua voz - ouvia eu sempre;
Ouvia-os no gemer da parda rola,
No trépido correr da veia argêntea,
No respirar da brisa, no sussurro
Do arvoredo frondoso, na harmonia
Dos astros inefável; - o seu nome!
Nos fugitivos sons de alguma frauta,
Que da noite o silêncio realçavam,
Os ares e a amplidão divinizando,
Ouviam meus ouvidos; e de ouvi-lo
Arfava de prazer meu peito ardente.
Ah! quantas vezes, quantas! junto dela
Não senti sua mão tremer na minha;
Não lhe escutei um lânguido suspiro,
Que vinha lá do peito à flor dos lábios
Deslizar-se e morrer?! Dos seus cabelos
A mágica fragrância respirando,
Escutando-lhe a voz doce e pausada,
Mil venturas colhi dos lábios dela,
Que Instantes de prazer me futuravam.
Cada sorriso seu era uma esp’rança,
E cada esp’rança enlouquecer de amores.
E eu amei tanto! - Oh! não! não hão de os homens
Saber que amor, à ingrata, havia eu dado;
Que afetos melindrosos, que em meu peito
Tinha eu guardado para ornar-lhe a fronte!
Oh! - não, - morra comigo o meu segredo;
Rebelde o coração murmure embora.
Que de vezes, pensando a sós comigo,
Não disse eu entre mim: - Anjo formoso,
Da minha vida que farei, se acaso
Faltar-me o teu amor um só instante;
- Eu que só vivo por te amar, que apenas
O que sinto por ti a custo exprimo?
No mundo que farei, como estrangeiro
Pelas vagas cruéis à praia Inóspita
Exânime arrojado? - Eu, que isto disse,
Existo e penso - e não morri, - não morro
Do que outrora senti, do que ora sinto
De pensar nela, de a rever em sonhos,
Do que fui, do que sou e ser podia!
Existo; e ela de mim jaz esquecida!
Esquecida talvez de amor tamanho,
Derramando talvez noutros ouvidos
Frases doces de amor, que dos seus lábios
Tantas vezes ouvi, - que tantas vezes
Em êxtase divino aos céus me alçaram,
- Que dando à terra ingrata o que era terra
Minha alma além das nuvens transportaram.
Existo! como outrora, no meu peito
Férvido o coração pular sentindo,
Todo o fogo da vida derramando
Em queixas mulheris, em moles versos.
E ela!... ela talvez nos braços doutrem
Com sua vida alimenta uma outra vida,
Com o seu coração o de outro amante,
Que mais feliz do que eu, inferno! a goza.
Ela, que eu respeitei, que eu venerava
Como a relíquia santa! - a quem meus olhos,
Receando ofendê-la, tantas vezes
De castos e de humildes se abaixaram!
Ela, perante quem sentia eu presa
A voz nos lábios e a paixão no peito!
Ela, ídolo meu, a quem o orgulho,
A força d’homem, o sentir, vontade
Própria e minha dediquei, - sujeita
À voz de alguém que não sou eu, - desperta,
Talvez no instante em que de mim se lembra,
Por um ósculo frio, por carícias
Devidas dum esposo!...
Oh! não poder-te,
Abutre roedor, cruel ciúme,
Tua funda raiz e a imagem dela
No peito em sangue espedaçar raivoso!
Mas tu, cruel, que és meu rival, numa hora,
Em que ela só julgar-se, hás de escutar-lhe
Um quebrado suspiro do imo peito,
Que d’eras já passadas se recorda.
Hás de escutá-lo, e ver-lhe a cor do rosto
Enrubescer-se ao deparar contigo!
Presa serás também d’atros cuidados,
Terás ciúme, e sofrerás qual sofro:
Nem menor que o meu mal quero a vingança.

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