24.junho.1950, por
ocasião da solene canonização de S. Maria Goretti.
Veneráveis irmãos e filhos
diletos:
“A
virgindade é um gênero de vida angélico” [1],
que a religião cristã elevou a tão excelso grau de beleza que se nos afigura
algo maior do que a terra e digno do céu; e se lhe acrescentamos a palma do
martírio, torna-se algo que à suavidade e pureza da graça vem juntar uma
inabalável fortaleza; e, contemplando-a, somos levados à prática daquelas
virtudes, daqueles atos heróicos a que nos obrigam os mandamentos cristãos.
Tudo isso, pois, vemo-lo na virginal menina Maria Goretti, a quem Nos foi dado
coroar ontem com a glória dos santos do céu.
Maria Goretti nasceu em uma família pobre, que, para
alimentar com trabalho honesto a crescente prole, teve de abandonar a pequena
cidade natal e migrar para a região do Lácio, onde, pelo cultivo do campo,
proveria aos filhos um pouco de sustento.
Nada lhe
era mais grato, nada mais doce do que ir sempre que possível à igreja.
Como fosse dotada de pureza de alma, unida a certa
prontidão para o trabalho, desde pequena Maria Goretti se portou de tal modo
que não só se distinguia pelos bons costumes, mas também se destacava pela
diligente e incansável dedicação com que, solícita e serena, assistia a mãe nos
cuidados domésticos.
Analfabeta, foi dela que Maria Goretti aprendeu os
rudimentos da doutrina cristã, que ela cuidadosamente buscava gravar no
coração; e nada lhe era mais grato, nada mais doce do que ir sempre que
possível à igreja, longe de casa, para ali ser instruída na religião católica
e, aos pés do do altar de Deus e da bem-aventurada Virgem Maria, fazer suas
abrasadíssimas orações.
Quando enfim se lhe permitiu aproximar-se da mesa
eucarística e nutrir-se com a pastagem celeste, ela o fez com tão zelosa
piedade, com tão flagrante caridade, que, mais do que uma menina, parecia um
anjo em carne humana. Dali mesmo hauriu a força divina pela qual, poucos meses
mais tarde, antes de completar doze anos, pôde lutar vitoriosamente até a
morte, a fim de preservar intacto e incontaminado o alvo lírio de sua inocência
e apresentá-lo, purpurado com o sangue do martírio, ao divino Autor de sua vida
virginal.
Foi acérrima a batalha, como todos sabem, que esta
inofensiva virgem teve de enfrentar; uma agitada e cega procela despenhou-se
repentinamente sobre ela, procurando-lhe manchar e violar a angélica pureza.
Mas, apesar do gravíssimo perigo em que se encontrava, ela pôde repetir ao
Redentor essas palavras do célebre livro A imitação de Cristo: “Ainda que eu
seja tentado e vexado com muitas tribulações, nada temerei, enquanto estiver
comigo a vossa graça. Ela é a minha fortaleza; ela me dá conselho e amparo. Ela
é mais poderosa do que todos os inimigos” (l. III, c. 55). Assim, sustentada
pela graça celeste, à qual correspondeu com generosa e forte vontade, Maria
Goretti entregou a vida sem perder a glória da virgindade.
Sustentada pela graça celeste, à qual correspondeu
com generosa e forte vontade, Maria Goretti entregou a vida sem perder a glória
da virgindade.
Na vida desta humilde menina, que esboçamos em linhas
gerais, é-nos permitido entrever um espetáculo, veneráveis irmãos e filhos
queridos, não só — como dissemos — digno do céu, mas digno ainda de ser
contemplado com admiração e veneração por este nosso século. Aprendam os pais e
mães de família o quanto é importante educar reta, santa e corajosamente os
filhos que Deus lhes confiou e conformá-los às leis da religião católica, de
tal maneira que, quando lhes for provada a virtude, eles possam, com o auxílio
da graça divina, sair ilesos, íntegros e imaculados.
Aprenda a jovial infância, aprenda a animada
juventude, não a precipitar-se em alegrias vãs e passageiras, nos prazeres
enganadores do vício — que destroem a pura inocência, que geram uma terrível
tristeza, que debilitam antes do tempo as forças da alma e do corpo —, mas
antes a lutar vivamente, enfrentando embora desafios árduos e difíceis, por
aquela perfeição moral cristã que todos nós, com vontade firme, ajudada com os
dons celestes, esforço, trabalho e oração, podemos alcançar um dia.
Nem todos, é verdade, estão chamados a encarar o
martírio; todos, porém, somos chamados a adquirir a virtude cristã.
Aprenda enfim este débil mundo, excessivamente
propenso às coisas mais baixas, a venerar e imitar a invencível fortaleza desta
virginal menina. Olhai todos para este lírio do campo, rescendendo suavíssimo
odor, para estas fulgentes palmas do martírio, e compreendei o quanto os
valores cristãos são capazes de moderar e educar devidamente os homens e o
quanto as alegrias celestes — conquistadas ao preço da inocência de vida,
preservada incólume, e da virtude laboriosamente adquirida — superam e excedem
as vãs concupiscências, visto que apenas Deus pode domar e tranquilizar a alma
humana e satisfazer suas infinitas aspirações.
Nem todos, é verdade, estão chamados a encarar o
martírio; todos, porém, somos chamados a adquirir a virtude cristã. A virtude,
no entanto, requer força, a qual, se bem não atinja o cume da fortaleza desta
angélica menina, nos exige contudo esforço diuturno, diligentíssimo e
incessante até o fim da vida. Esforço que, por isso mesmo, pode chamar-se um
lento e contínuo martírio, para cuja realização nos adverte essa divina
sentença de Jesus Cristo: “O Reino dos céus é arrebatado à força e são os
violentos que o conquistam” (Mt 11, 12).
A este fim, pois, dirijamos os nossos esforços,
apoiando-nos na graça divina; a isto nos excite o exemplo da santa virgem e
mártir Maria Goretti; e que ela, do trono celeste donde goza a eterna
bem-aventurança, por suas preces nos alcance do divino Redentor que todos nós,
cada um em sua própria e peculiar condição de vida, sigamos alegres, prontos e
operantes os seus memoráveis passos.
[1] S. João Damasceno, De fide orthod., 1.4.24
(PL 94, 1210).
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