Saturday, 17 May 2014

"A Manhã Negra" by José Thiesen (in Portuguese)

     Aquela manhã de agosto surgiu negra.

     O vento uivava, correndo louco pelas esquinas e a própria natureza se encolhia, dobrava-se sobre si mesma com frio e medo.

     Ele acendeu o toco de vela, encontrado a custo, pois já a dias não havia eletricidade. Tremia, por causa da febre alta.

     Não tinha forças nem disposição para procurar um castiçal, então apenas pingou um pouco da própria cera sobre o topo do ecrã de seu computador, aplicando a vela sobre os pingos,

      A luz da vela revelou o estampado bonito da cortina que caia por trás do computador, escolhida por Marta, sua esposa, morta ali no quarto, já a algumas semanas. Ninguém havia para promover enterros e ele estava fraco demais para o fazer.

     O cão era uma bola de pelos negra, morta a dias, depois da febre alta

     Estranho como não se importava mais com o cheiro dos cadáveres.

    Tentou jogar o o fósforo longe, mas estava fraco demais para isso e o fósforo caiu ao seus pés. Tremia de febre e pavor, pois sabia que ia morrer.

     Dez meses antes o noticiário anunciava uma gripe forte que virara epidemia e depois pandemia. Doença nova, febre alta e morte; tudo muito lento, para que se sentisse morrer. Crueldade de Deus, diziam.

                    ...e Morte triunfava!

     Já não há mais eletricidade, mas antes disso já não havia quem anunciasse o noticiário na TV ou imprimisse jornais e ele não podia saber se ainda havia cientistas a trabalhar numa cura para a febre.

     Por algum tempo ele ligara a esmo para os números telefônicos do catálogo que tinha em casa, mas em vão. Alguns não atendiam, outros, eternamente ocupados.

     Febre, morte e solidão.

     Talvez ele fosse o último ser humano vivo.

     Mas agora, estava em pé, trêmulo, olhando a chama da vela a tremilicar.

     Por quanto tempo não comia? Sem importância. Os olhos perdidos dentro da chama da vela.

    Uma fraqueza súbita afloxou-lhe os joelhos e ele caiu; bateu com a cabeça na mesa do computador que estremeceu ao choque e fez a vela cair para o chão, para perto das cortinas.

     Apesar de sua fraqueza, ele tentou até sorrir do fato de que, com todo esse movimento a chama se não apagou, mas alcaçou a cortina e começou a lambê-la, escalando-a e atingindo o teto, correndo pelas paredes e detendo-se por um algum tempo na estante com livros para depois prosseguir adiante..

   Lentamente, o pequeno pingo de luz tornou-se um mundo de chamas que o cercava lenta, pacientemente.

    Subitamente compreendeu que não morreria por causa da febre, mas estava fraco demais para reagir e começou a chorar convulsiva, amargamente, consciente da culpa de desistir de viver.

      Deixou-se ficar ali, dobrado sobre si mesmo, a chorar sem outro consolo que aquele oferecido pelos braços de fogo prestes a abraça-lo.

      






     
    
    

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