Wednesday, 27 January 2021

General Audience of Pope Benedict XVI (translated into Portuguese)

Queridos irmãos e irmãs!

 

Hoje tomamos em consideração dois dos doze Apóstolos: Simão, o Cananeu, e Judas Tadeu – que não se deve confundir com Judas Iscariotes. Consideramo-los juntos não só porque nas listas dos Doze são sempre mencionados um ao lado do outro (cf. Mt 10, 4; Mc 3, 18; Lc 6, 15; Act 1, 13), mas também porque as notícias que a eles se referem não são muitas, exceto o fato que o Cânon neotestamentário conserva uma carta atribuída a Judas Tadeu.

Simão recebe um epíteto que varia nas quatro listas: Mateus o qualifica como “cananeu”, Lucas como “zelote”. Na realidade, as duas qualificações se equivalem, porque significam a mesma coisa: na língua hebraica, o verbo qanà’ significa “ser zeloso”, “dedicado”, e pode referir-se tanto a Deus, porque é zeloso do povo por Ele escolhido (cf. Êx 20, 5), quanto a homens que são zelosos no serviço ao único Deus, com dedicação total, como Elias (cf. 1 Rs 19, 10). Portanto, é possível que este Simão, se não pertencia exatamente ao movimento nacionalista dos zelotes, pelo menos tivesse como característica um zelo fervoroso pela identidade judaica e, por conseguinte, por Deus, pelo Seu povo e pela Lei divina. Simão, portanto, é colocado no antípoda de Mateus, que, sendo cobrador de impostos para o Império Romano, provinha de uma atividade considerada totalmente impura.

Sinal evidente de que Jesus chama os Seus discípulos e colaboradores das camadas sociais e religiosas mais diversas, sem exclusão alguma. Ele Se interessa pelas pessoas, não pelas categorias sociais ou pelas atividades! E o mais belo é que, no grupo dos Seus seguidores, todos, mesmo que diversos, coexistiam, superando as inimagináveis dificuldades: era o próprio Jesus o motivo da coesão, no qual todos se reencontravam unidos. Isto constitui claramente uma lição para nós, com frequência propensos a realçar as diferenças e talvez as contraposições, esquecendo que, em Jesus Cristo, nos é dada a força para superar os nossos conflitos. Levemos também em conta que o grupo dos Doze é a prefiguração da Igreja, na qual devem ter espaço todos os carismas, os povos, as raças, todas as qualidades humanas, que encontram a sua composição e a sua unidade na comunhão com Jesus.

No tocante a Judas Tadeu, ele é chamado assim pela tradição, que une dois nomes diferentes: enquanto Mateus e Marcos o chamam simplesmente de Tadeu (Mt 10, 3; Mc 3, 18), Lucas o chama de Judas de Tiago (Lc 6, 16; Act 1, 13). O sobrenome Tadeu tem derivação incerta: é explicado como sendo proveniente do aramaico taddà’, que significa “peito” e, por conseguinte, “magnânimo”, ou como abreviação de um nome grego, como Teodoro ou Teódoto. Dele são transmitidas poucas coisas. Só João destaca um pedido que ele fez a Jesus na Última Ceia. Diz Tadeu ao Senhor:

 

 “Senhor, por que deves manifestar-Te a nós e não ao mundo?“.

 

É uma pergunta de grande atualidade, que nós também fazemos ao Senhor: por que o Ressuscitado não se manifestou em toda a Sua glória aos Seus adversários para mostrar que o vencedor é Deus? Por que Se manifestou só aos discípulos? A resposta de Jesus é misteriosa e profunda. O Senhor diz:

 

“Se alguém me ama, guardará a minha palavra; e o Meu Pai o amará e Nós viremos a ele e nele faremos morada” (Jo 14, 22-23).

 

Isto significa que o Ressuscitado deve ser visto e sentido também com o coração, de modo que Deus possa habitar em nós. O Senhor não se mostra como uma coisa. Ele quer entrar na nossa vida e, por isto, a Sua manifestação exige e pressupõe o coração aberto. Só assim nós vemos o Ressuscitado.

Foi atribuída a Judas Tadeu a paternidade de uma das Cartas do Novo Testamento, chamadas “católicas” porque não são voltadas a uma determinada Igreja local, mas a um círculo muito amplo de destinatários. De fato, ele se dirige “aos eleitos amados por Deus Pai e guardados para Jesus Cristo” (v. 1). A preocupação central deste escrito é alertar os cristãos quanto a todos aqueles que, sob o pretexto da graça de Deus, tentam desculpar a própria devassidão e desviar outros irmãos com ensinamentos inaceitáveis, introduzindo divisões na Igreja ao se deixarem “levar pelo próprio delírio” (v. 8): assim define Judas as suas doutrinas e ideias. Ele os compara inclusive com os anjos caídos, e, com palavras fortes, diz que eles “seguiram pelo caminho de Caim” (v. 11). Além disso, os classifica sem reticências como “nuvens sem água que os ventos levam; árvores de outono sem fruto, duas vezes mortas, desarraigadas; ondas furiosas do mar que repelem a espuma da sua torpeza; estrelas errantes condenadas à negrura das trevas eternas” (v. 12-13).

Talvez hoje não estejamos habituados a uma linguagem tão polêmica, mas ela nos diz uma coisa importante. No meio de todas as tentações que existem, com todas as correntes da vida moderna, devemos conservar a identidade da nossa fé. Certamente, o caminho da indulgência e do diálogo, que o Concílio Vaticano II felizmente empreendeu, deve ser sem dúvida prosseguido com firme constância. Mas este caminho do diálogo, tão necessário, não deve deixar esquecido o dever de reconsiderar e de evidenciar sempre, com igual força, as linhas-mestras irrenunciáveis da nossa identidade cristã. Por outro lado, é necessário manter em vista que esta nossa identidade exige força, clareza e coragem diante das contradições do mundo em que vivemos. Por isso o texto epistolar prossegue assim:

 

 “Mas vós, caríssimos, conservai-vos no amor de Deus, aguardando a misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo, para a vida eterna. Exercei a vossa misericórdia…” (v. 20-22).

 

A Carta se encerra com estas bonitas palavras:

 

 “Àquele, que é poderoso para nos preservar de toda queda e nos apresentar diante de sua glória, imaculados e cheios de alegria, 25.ao Deus único, Salvador nosso, por Jesus Cristo, Senhor nosso, sejam dadas glória, magni­ficência, império e poder desde antes de todos os tempos, agora e para sempre. Amém” (v. 24-25).

 

Vê-se bem que o autor destas frases vive plenamente a própria fé, à qual pertencem realidades grandes como a integridade moral e a alegria, a confiança e o louvor, motivado em tudo pela bondade do nosso único Deus e pela misericórdia de nosso Senhor Jesus Cristo. Por isso, tanto Simão, o Cananeu, quanto Judas Tadeu nos ajudam a redescobrir, sempre, de novo, e a viver incansavelmente a beleza da fé cristã, sabendo dar um testemunho dela que, ao mesmo tempo, é forte e sereno.

Quarta-feira, 11 de outubro de 2006

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