Wednesday, 17 March 2021

Good Reading: "O Compadre da Morte – um conto português" by José Thiesen (in Portuguese)

                 Tinha um camponês, que morava perto dum povoado, tantos filhos que já não havia mais a quem chamar para compadre e quando nasceu-lhe o mais novo filho, ele e a mulher coçavam a cabeça: quem levaria o miúdo ao batismo?

               E foi um dia, o campônio ia ao trabalho e cruzou com um homem bem alto e magro mas de feições afáveis, todo vestido de um branco muito limpo. Foi e perguntou: quer batizar meu filho?

                - Tu me convidas para compadre, mas sabes quem sou?

                - Não, mas alguém tão bem apessoado não pode ter má índole.

                - Pois saibas que sou a Morte e aceito ser teu compadre.

                Assim se fez o batismo e a Morte chamou ao menino Vida.

                Saídos da igreja, foram à casa do pai para festejar o feito e a Morte lhe disse:

                - O compadre, sabendo quem sou, bem percebe que não tenho dinheiro nem bens para dar ao meu afilhado, mas tenho um jeito de fazer-te muito rico.

                - E como é isso, compadre Morte?

                - Daqui por diante, apresenta-te como médico cheio de ciência e entendimento de qualquer doença. Quando te apresentarem um doente, me verás junto a ele. Se eu estiver à cabeça do enfermo, dá-lhe o que queiras que ele salvar-se-á; mas se eu estiver aos pés dele, é certo que o levarei comigo.

                - Pois está acertado, compadre!

                Foi assim que o camponês iniciou sua carreira de médico e cheia de sucesso: seu diagnóstico nunca falhava. Fama, sucesso e dinheiro vieram juntos e em abundância.

                Foi e passou o tempo: Vida tornou-se um cachoparrão cheio de viço e frescor, enquanto seu pai ficava famoso, rico e... velho! Seus cabelos brancos, o corpo mirrado e já sem força.

Veio então alguém duma mui rica e poderosa família avisar que o patriarca estava muito doente e precisavam da ciência infalível do maior médico do mundo!

A princípio, o velho não queria atender, preferindo o conforto de seus chinelos macios, mas foram tantos e tais os rogos que lá se foi o velho. Entrou no quarto do doente e viu o compadre Morte aos pés da cama. Estava para anunciar o caso como perdido quando a rica família prometeu-lhe céus e fundos, os castelos todos d’Espanha. A cobiça acendeu-se no peito do velho, já acostumado a gostar de ganhar mais e mais, e ele imaginou um jeito de lograr o compadre: mandou virarem a cama de tal jeito, que a cabeça do doente ficou onde antes estiveram seus pés.

A Morte percebeu a burla e foi-se embora sem dizer palavra; o médico ficou mais rico, o doente curou-se e tudo ficou bem até que uma vez, o curandeiro viu a Morte entrar e dizer-lhe: meu compadre, de hoje a um ano virei buscá-lo que o seu tempo terá chegado.

Embora já tivesse vivido muitos e muitos anos, o velho queria ainda viver mais e assustou-se com a idéia de morrer. Quando chegou o dia fatal, o velho pintou seus cabelos brancos de negro, aplicou uma barba retinta, chamou muita gente jovem e com eles, começou a beber, gargalhar cantar, fingindo ser outra pessoa.

Veio a Morte, viu aquela algazarra e perguntou pelo compadre. Todos responderam que o dono da casa saíra a viajar e não dera data de retorno.

- Que chatice, disse Morte; mas não posso perder nem meu tempo nem minha viagem e vou levar comigo esse um de barba retinta!

E o compadre morreu.

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