Quando a insônia,
qual lívido vampiro,
Como o arcanjo da
guarda do Sepulcro,
Vela à noite por
nós,
E banha-se em
suor o travesseiro,
E além geme nas
franças do pinheiro
Da brisa a longa
voz ...
Quando sangrenta
a luz no alampadário
Estala, cresce,
expira, após ressurge,
Como uma alma a
penar;
E canta aos
quizos rubros da loucura
A febre - a
meretriz da sepultura
A rir e a soluçar
...
Quando tudo
vacila e se evapora,
Muda e se anima,
vive e se transforma.
Cambaleia e se
esvai...
E da sala na
mágica penumbra
Um mundo em
trevas rápido se obumbra...
E outro das
trevas sai. . .
..................................................
..................................................
Então... nos
brancos mantos que arregaçam
Da meia-noite os
Anjos alvos passam
Em longa
procissão!
E eu murmuro ao
fitá-los assombrado:
São os Anjos de
amor de meu passado
Que desfilando
vão ...
Almas, que um dia
no meu peito ardente
Derramastes dos
sonhos a semente,
Mulheres, que eu
amei!
Anjos louros do
céu! virgens serenas!
Madonas,
Querubins ou Madalenas!
Surgi! aparecei!
Vinde, fantasmas!
Eu vos amo ainda;
Acorde-se a
harmonia à noite infinda
Ao roto bandolim
...
............................................................
............................................................
E, no éter, que
em notas se perfuma,
As visões
s'alteando uma por uma...
Vão desfilando
assim!...
1a SOMBRA
MARIETA
Como o gênio da
noite, que desata
O véu de , rendas
sobre a espádua nua,
Ela solta os
cabelos... Bate a lua
Nas alvas dobras
de um lençol de prata
O seio virginal
que a mão recata,
Embalde o prende
a mão... cresce, flu
Sonha a moça ao
relento... Além na
Preludia um
violão na serenata!...
... Furtivos
passos morrem no lajedo...
Resvala a escada
do balcão discreta...
Matam lábios os
beijos em segredo...
Afoga-me os
suspiros, Marieta!
Oh surpresa! oh
palor! oh pranto! oh medo!
Ai! noites de
Romeu e Julieta. . .
2a SOMBRA
BÁRBARA
Erguendo o cálix
que o Xerez perfuma.
Loura a trança
alastrando-lhe os joelhos,
Dentes níveos em
lábios tão vermelhos,
Como boiando em
purpurina escuma;
Um dorso de
Valquíria... alvo de bruma,
Pequenos pés sob
infantis artelhos,
Olhos vivos, tão
vivos, como espelhos,
Mas como eles
também sem chama alguma;
Garganta de um
palor alabastrino,
Que harmonias e
músicas respira...
No lábio - um
beijo... no beijar - um hino;
Harpa eólia a
esperar que o vento a fira,
— Um pedaço de
mármore divino...
— É o retrato de
Bárbara - a Hetaira. —
3a SOMBRA
ESTER
Vem! no teu peito
cálido e brilhante
O nardo oriental
melhor transpira!
Enrola-te na
longa cachemira,
Como as judias
moles do Levante,
Alva a clâmide
aos ventos - roçagante...
Túmido o lábio,
onde o saltério gira...
Ó musa de Israel!
pega da lira...
Canta os
martírios de teu povo errante!
Mas não... brisa
da pátria além revoa,
E ao delamber-lhe
o braço de alabastro,
Falou-lhe de
partir... e parte... e voa. . .
Qual nas algas
marinhas desce um astro...
Linda Ester! teu
perfil se esvai... s'escoa...
Só me resta um
perfume... um canto... um rastro...
4a SOMBRA
FABÍOLA
Como teu riso
dói... como na treva
Os lêmures
respondem no infinito:
Tens o aspecto do
pássaro maldito,
Que em sânie de
cadáveres se ceva!
Filha da noite! A
ventania leva
Um soluço de amor
pungente, aflito...
Fabíola!... É teu
nome!... Escuta é um grito,
Que lacerante
para os céus s'eleva!...
E tu folgas,
Bacante dos amores,
E a orgia que a
mantilha te arregaça,
Enche a noite de
horror, de mais horrores...
É sangue, que
referve-te na taça!
É sangue, que
borrifa-te estas flores!
E este sangue é
meu sangue... é meu... Desgraça!
5a e 6a SOMBRAS
CÂNDIDA E LAURA
Como no tanque de
um palácio mago,
Dous alvos cisnes
na bacia lisa,
Como nas águas
que o barqueiro frisa,
Dous nenúfares
sobre o azul do lago,
Como nas hastes
em balouço vago
Dous lírios roxos
que acalenta a brisa,
Como um casal de
juritis que pisa
O mesmo ramo no
amoroso afago....
Quais dous
planetas na cerúlea esfera,
Como os primeiros
pâmpanos das vinhas,
Como os renovos
nos ramais da hera,
Eu vos vejo
passar nas noites minhas,
Crianças que
trazeis-me a primavera...
Crianças que
lembrais-me as andorinhas! ...
7a SOMBRA
DULCE
Se houvesse ainda
talismã bendito
Que desse ao
pântano - a corrente pura,
Musgo - ao
rochedo, festa - à sepultura,
Das águias negras
- harmonia ao grito...,
Se alguém pudesse
ao infeliz precito
Dar lugar no
banquete da ventura...
E tocar-lhe o
velar da insônia escura
No poema dos
beijos - infinito...,
Certo. . . serias
tu, donzela casta,
Quem me tomasse
em meio do Calvário
A cruz de
angústias que o meu ser arrasta!. . .
Mas ,se tudo
recusa-me o fadário,
Na hora de
expirar, ó Dulce, basta
Morrer beijando a
cruz de teu rosário!...
8a SOMBRA
ÚLTIMO FANTASMA
Quem és tu, quem
és tu, vulto gracioso,
Que te elevas da
noite na orvalhada?
Tens a face nas
sombras mergulhada...
Sobre as névoas
te libras vaporoso ...
Baixas do céu num
vôo harmonioso!...
Quem és tu, bela
e branca desposada?
Da laranjeira em
flor a flor nevada
Cerca-te a
fronte, ó ser misterioso! ...
Onde nos vimos
nós? És doutra esfera ?
És o ser que eu
busquei do sul ao norte. . .
Por quem meu
peito em sonhos desespera?
Quem és tu? Quem
és tu? - És minha sorte!
És talvez o ideal
que est'alma espera!
És a glória
talvez! Talvez a morte!
(Santa Isabel, agosto de 1870.)
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