Saturday 1 February 2020

Good Readings: "O Povo ao Poder" by Castro Alves (in Portuguese)


    Quando nas praças s'eleva
    Do Povo a sublime voz...
    Um raio ilumina a treva
    O Cristo assombra o algoz...
    Que o gigante da calçada
    De pé sobre a barrica
    Desgrenhado, enorme, nu
    Em Roma é Catão ou Mário,
    É Jesus sobre o Cálvario,
    É Garibaldi ou Kosshut.

    A praça! A praça é do povo
    Como o céu é do condor
    É o antro onde a liberdade
    Cria águias em seu calor!
    Senhor!... pois quereis a praça?
    Desgraçada a populaça
    Só tem a rua seu...
    Ninguém vos rouba os castelos
    Tendes palácios tão belos...
    Deixai a terra ao Anteu.

    Na tortura, na fogueira...
    Nas tocas da inquisição
    Chiava o ferro na carne
    Porém gritava a aflição.
    Pois bem...nest'hora poluta
    Nós bebemos a cicuta
    Sufocados no estertor;
    Deixai-nos soltar um grito
    Que topando no infinito
    Talvez desperte o Senhor.

    A palavra! Vós roubais-la
    Aos lábios da multidão
    Dizeis, senhores, à lava
    Que não rompa do vulcão.
    Mas qu'infâmia! Ai, velha Roma,
    Ai cidade de Vendoma,
    Ai mundos de cem heróis,
    Dizei, cidades de pedra,
    Onde a liberdade medra
    Do porvir aos arrebóis.

    Dizei, quando a voz dos Gracos
    Tapou a destra da lei?
    Onde a toga tribunícia
    Foi calcada aos pés do rei?
    Fala, soberba Inglaterra,
    Do sul ao teu pobre irmão;
    Dos teus tribunos que é feito?
    Tu guarda-os no largo peito
    Não no lodo da prisão.
    No entanto em sombras tremendas
    Descansa extinta a nação
    Fria e treda como o morto.
    E vós, que sentis-lhes os pulso
    Apenas tremer convulso
    Nas extremas contorções...
    Não deixais que o filho louco
    Grite "oh! Mãe, descansa um pouco
    Sobre os nossos corações".

    Mas embalde... Que o direito
    Não é pasto de punhal.
    Nem a patas de cavalos
    Se faz um crime legal...
    Ah! Não há muitos setembros,
    Da plebe doem os membros
    No chicote do poder,
    E o momento é malfadado
    Quando o povo ensangüentado
    Diz: já não posso sofrer.

    Pois bem! Nós que caminhamos
    Do futuro para a luz,
    Nós que o Calvário escalamos
    Levando nos ombros a cruz,
    Que do presente no escuro
    Só temos fé no futuro,
    Como alvorada do bem,
    Como Laocoonte esmagado
    Morreremos coroado
    Erguendo os olhos além.

    Irmão da terra da América,
    Filhos do solo da cruz,
    Erguei as frontes altivas,
    Bebei torrentes de luz...
    Ai! Soberba populaça,
    Dos nossos velhos Catões,
    Lançai um protesto, ó povo,
    Protesto que o mundo novo
    Manda aos tronos e às nações.

Recife, 1864

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