XVII
Lembro-me perfeitamente:
foi numa tarde fria mas ensolarada de inverno e, se hoje consigo recordar-me
dele, naquela tarde, simplesmente não o vi: um carro vermelho, de
luxo, que me atingiu quando atravessava a rua a correr para encontrar-me com
tio Pavel e falar-lhe de meu amor por minha mãe.
Acordei três dias depois,
num quarto de hospital.
Tio Pavel foi a primeira
pessoa que vi. Claro, ele estava acima de qualquer “não pode”, mesmo um dito
por um médico.
Ele pôz sua mãe em minha
testa e perguntou: estás bem?
- Sinto sede...
Ele deu-me um copo de água
e disse: agora sei que viverás.
Mas eu estava ainda muito
mal e voltei a dormir.
XVIII
Acordei outras vezes e fui
melhorando, melhorando.
Todos os dias tinha visita
de amigos, familiares, vizinhos e teve um dia em que um rapaz ruivo que não
conhecia, veio visitar-me.
- Menino Sérgio, disse
ele?
- Sim.
- Não te lembras de mim? Sou
Carlos, o gato que encontraste em casa de tio Clóvis.
- Mas não és mais gato?
- Não mais! Voltei a ser
gente! disse ele num sorriso largo e bonito. Mas a minha é uma história muito
longa e não cá vim para contá-la, mas sim, falar-te de Pavel Pleffel!
Ergui-me e sentei na cama,
todo ouvidos, porque, sim, desde aquele meu primeiro despertar no hospital,
jamais voltara a ver tio Pavel!
- Teu, nosso tio Pavel não
está mais por aqui. Teve que ir-se sem dizer adeus. Compreendes? Finalmente
aconteceu: Pavel Pleffel sorriu! Ficou tão feliz com tua recuperação que sorriu
e por causa disso, nada mais será como antes! Com o sorriso de Pavel Pleffel,
tudo muda e as coisas precisam voltar ao normal, como eu mesmo!
- Mas onde ele está?
- Está na terra do Dragão
Branco, o que é muito longe de aqui.
- Voltarei a vê-lo?
- Tudo é possível de
acontecer!
EPÍLOGO
Mas nunca mais revi o tio
Pavel. Talvez ele esteja voltando, não sei.
Seja como for, jamais o
esqueci e, todos os dias, de alguma forma, sei que ele está comigo. De alguma
forma, eu lhe trouxe sorte; de alguma forma, ele me trouxe sorte.
Nós dois aprendemos a
sorrir e a manter nossos sorrisos. Eu, pelo menos, sim, reconciliado com minha
mãe.
Um dia nos voltaremos a
encontrar. Quando tudo estiver em seu lugar, voltaremos a nos encontrar e eu o
verei com seu sorriso, o sorriso mais lindo, como somente ele pode ter.
Até lá, vejo meus filhos
crescerem e procuro ensinar-lhes tudo o que sei; eles, que ainda tem tanto a
aprender!
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