Era uma vez um homem muito trabalhador e honrado,
mas infeliz em todo negócio em que se metia. Tinha ele devoção ao Anjo da
Guarda, rezando todos os dias em sua intenção.
Cada vez mais pobre, o
homem perdeu a paciência, e um dia gritou, desesperado com sua triste sina:
— Acuda-me o diabo, que o Anjo da Guarda não me
quer ajudar!
Apareceu um sujeito alto,
todo vestido de preto, barbudo e feio, com uma voz roufenha e desagradável:
— Aqui estou! Aqui estou! Que é que queres de mim?
— Quero ficar rico.
O diabo indicou uma gruta
onde havia um tesouro enterrado, e disse:
— Daqui a vinte anos voltarei para buscar-te. Se
não disseres as doze palavras ditas e retornadas, serás meu para toda a
eternidade.
O homem começou a viver
folgadamente, em festas e alegrias, cercado de amigos e de mulheres.
O tempo foi passando, e
uma noite ele lembrou-se de que estava condenado às penas do inferno. Só se
soubesse as doze palavras ditas e retornadas...
— Isso deve ser fácil — disse ele consigo. — Todo
mundo deve saber.
No dia seguinte perguntou
aos amigos, aos vizinhos e a todos os moradores da cidade, e não havia quem
soubesse o que vinha a ser o que ele lhes perguntava.
O homem afligiu-se muito.
Cada vez mais o tempo passava, e ninguém sabia o segredo das doze palavras
ditas e retornadas. Largou ele a vida má que levava, fez penitência e saiu pelo
mundo, perguntando. Todos diziam:
— Não sei, nunca ouvi falar...
O homem só faltava morrer,
com o pavor da ideia de ter de encontrar-se com o diabo e ser carregado para o
fogo eterno.
Já correra muito tempo
desde que deixara o folguedo dos ricos, vestindo com modéstia e dando esmolas.
Uma tarde, ia por um
bosque na hora da "Ave-Maria". Ajoelhou-se para rezar, e ao terminar
viu um velho que se aproximava dele.
Cumprimentou-o, e foram
andando juntos para a vila. Perguntou ao velho como ele se chamava.
— Chamo-me Custódio — respondeu.
Para não deixar de
perguntar, falou nas doze palavras ditas e retornadas. E o velho Custódio lhe
disse:
— Eu sei as doze palavras ditas e retornadas.
O homem ficou tão
satisfeito que abraçou o velho, dando graças a Deus e dizendo que aquilo era um
milagre do Anjo da Guarda, sua devoção antiga.
— Como são as doze
palavras ditas e retornadas? Qual é a primeira, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! A primeira palavra
dita e retornada é a Santa Casa de Belém, onde nasceu Nosso Senhor Jesus
Cristo, para nos remir e salvar.
— E as duas palavras ditas
e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As duas palavras
ditas e retornadas são as duas tábuas de Moisés, em que Nosso Senhor pôs seus
divinos pés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.
— E as três palavras ditas
e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo não! As três palavras ditas
e retornadas são as três pessoas da Santíssima Trindade, as duas são as duas
tábuas de Moisés, e a primeira é a Santa Casa de Belém.
— E as quatro palavras
ditas e retornadas, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As quatro palavras
ditas e retornadas são os quatro evangelistas, as três são as pessoas da
Santíssima Trindade, as duas são as tábuas de Moisés, e a primeira é a Santa
Casa de Belém.
— E as cinco palavras,
amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As cinco palavras
ditas e retornadas são as cinco chagas de Nosso Senhor.
— E as seis palavras,
amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As seis palavras ditas
e retornadas são as seis velas bentas que estão no altar-mor de Jerusalém.
— E as sete palavras,
amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As sete palavras
ditas e retornadas são os Sete Sacramentos.
— E as oito palavras,
amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As oito palavras
ditas e retornadas são as oito bem-aventuranças pregadas por Nosso Senhor Jesus
Cristo.
— E as nove palavras,
amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As nove palavras são
os nove meses que a Virgem Mãe trouxe Nosso Senhor.
— E as dez, amigo
Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As dez palavras ditas
e retornadas são os Mandamentos da Lei de Deus.
— E as onze palavras, amigo Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As onze palavras são
as onze mil virgens.
— E as doze, amigo
Custódio?
— Custódio, sim; amigo, não! As doze palavras
ditas e retornadas são os doze apóstolos, as onze são as onze mil virgens, as
dez os Mandamentos, as nove os meses de Nossa Senhora, as oito as
bem-aventuranças, as sete os Sacramentos, as seis as velas bentas, as cinco as
chagas, as quatro os evangelistas, as três a Santíssima Trindade, as duas as
tábuas de Moisés, a primeira a Santa Casa de Belém, onde nasceu quem nos
salvou. Amém! Estas são as doze palavras ditas e retornadas.
— De joelhos te agradeço,
amigo Custódio, essa esmola, a qual há de salvar-me do demônio!
— Custódio, sim, e teu
amigo. Sou o Anjo da Guarda que vem perdoar-te pelo arrependimento e pela
penitência.
E sumiu-se. O homem,
quando chegou o prazo para prestar contas ao diabo, disse as doze palavras
ditas e retornadas, e o maldito rebentou como uma bola de fogo, espalhando
cheiro de enxofre.
O homem viveu santamente
seus dias, e acabou na paz de Deus, salvando-se graças ao seu Anjo da Guarda.
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