Tuesday, 21 October 2014

"The Ladder of Monks" letter from Guigo II to Gervasio – third part (in Portuguese)

A Escada do claustro
Carta de Dom Guigo, Cartuxo,
ao Ir. Gervásio, sobre a vida contemplativa

SCALA CLAUSTRALIUM, de Guigo II
Tradução de D. Timóteo A. Anastásio, O.S.B, antigo Abade do Mosteiro de São Bento. Bahia (BRASIL).


VI - A função da oração
            Vendo, pois, a alma que não pode por si mesma atingir a desejada doçura de conhecimento e da experiência, e que quanto mais se aproxima do fundo do coração (Sl 64,7), tanto mais distante é Deus (cf. Sl 64,8), ela se humilha e se refugia na oração. E diz: Senhor, que não és contemplado senão pelos corações puros, eu procuro, pela leitura e pela meditação, qual é, e como pode ser adquirida a verdadeira doçura do coração, a fim de por ela conhecer-te, ao menos um pouco.
            Eu buscava, Senhor, a tua face, a tua face Senhor, eu buscava (cf. Sl 27,8); meditei muito tempo em meu coração, e na minha meditação cresceu um fogo (cf. Sl 39,4) e o desejo de te conhecer ainda mais.
            Quando me repartes o pão da Sagrada Escritura, na fração do pão te tomas. conhecido por mim (cf. Lc 24,35). E quanto mais te conheço, tanto mais desejo conhecer-te, não já na casca da leitura, mas no sabor da experiência.
            Isto não peço, Senhor, por meus méritos, mas pela tua misericórdia.
            Confesso-me indigna pecadora, mas até os cãezinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos (Mt 15,27).
            Dá-me, pois, Senhor, o penhor da herança futura, uma gota ao menos da chuva celeste, para arrefecer a minha sede, pois ardo de amor (cf. Ct 2,5).

VII - Efeitos da contemplação
            Com essas e outras palavras, a alma inflama o seu desejo, mostra assim o que nela se fez, por encantações invoca o seu Esposo.
            E o Senhor, cujos olhos são fixos nos justos e cujos ouvidos estão não só atentos às suas preces (cf. Sl 34, 16), mas presentes nelas, não espera a prece acabar. Pois, interrompendo o curso da oração, apressa-se a vir à alma que o deseja, banhado de orvalho da doçura celeste, ungido dos perfumes melhores.
            Ele recria a alma fatigada, nutre a que tem fome, sacia a sua aridez, lhe faz esquecer tudo o que é terrestre, vivifica-a, mortificando-a por um admirável esquecimento de si mesma, e embriagando-a, sóbria a torna.
            Como em certas funções carnais a alma se deixa a tal ponto vencer pela concupiscência, que perde o próprio uso da razão e o homem se toma todo carnal, assim, ao contrário, nessa contemplação superior, os movimentos carnais são de tal modo vencidos e absorvidos pela alma, que a carne não contradiz em nada ao espírito, e o homem se torna quase todo espiritual.

VIII - Sinais da vinda da graça
            Mas, Senhor, como descobrir quando realizas tudo isso, e qual é o sinal da tua vinda?
            São, por acaso, os suspiros e as lágrimas os mensageiros e testemunhas da consolação e da alegria? Se assim é, estamos em presença duma nova antinomia e de uma significação inusitada.
            Qual é, com efeito, a relação entre consolação e suspiros, alegria e lágrimas? Se é que se podem chamar lágrimas estas lágrimas, e não antes, abundância transbordante do orvalho interior derramado do céu, indício da purificação interior, limpeza do homem exterior.
            No batismo de crianças, a purificação do homem interior é figurada e significada pela ablução exterior. Aqui, ao contrário, a purificação exterior procede da ablução interior.
            Ó felizes lágrimas, pelas quais são lavadas as manchas interiores, e as labaredas do pecado se apagam! Bem-aventurados os que assim chorais, porque rireis (cf. Mt 5,5).
            Nessas lágrimas reconhece, ó alma, o teu Esposo, abraça o Desejado, embriaga-te em torrente de delícias, suga do seio da consolação o leite e o mel. Estes são os maravilhosos presentinhos e consolos que teu Esposo te distribui e concede, isto é, tuas lágrimas e suspiros.
            Ele te trouxe nessas lágrimas a poção sob medida, o pão de dia e de noite, aquele pão que confirma o coração do homem e é mais doce do que o favo de mel.
            Ó Senhor Jesus, se são tão doces essas lágrimas que brotam da tua lembrança e do teu desejo, quão doce haverá de ser o gozo experimentado em tua visão manifesta!
            Se é tão doce chorar por ti, quanto mais doce será gozar de ti?
            Mas, por que exprimimos de público tais secretos colóquios? Por que me esforço por revelar em termos comuns essas inefáveis ternuras? Os que não as experimentaram, não as compreenderão. Eles as leriam mais claramente no livro da experiência, onde a unção divina ensina por si mesma (cf. l Jo 2,27).
            De qualquer modo, porém, a letra exterior não aproveita ao leitor, pois a leitura da letra exterior é de pouco sabor, a não ser que uma explicação tire do coração o sentido interior.
 

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