Wednesday 1 April 2015

"As Duas Ilhas" by Castro Alves (in Portuguese)

Sobre uma página de poesia de V. Hugo
com o mesmo título



Quando à noite — às horas mortas —
O silêncio e a solidão
— Sob o dossel do infinito —
Dormem do mar n'amplidão,
Vê-se, por cima dos mares,
Rasgando o teto dos ares
Dois gigantescos perfis...
Olhando por sobre as vagas,
Atentos, longínquas plagas
Ao clarear dos fuzis.


Quem os vê, olha espantado
E a sós murmura: "0 que é?
Ai! que atalaias gigantes,
São essas além de pé?!..."
Adamastor de granito
Co'a testa roça o infinito
E a barba molha no mar;
É de pedra a cabeleira
Sacudind'a onda ligeira
Faz de medo recuar...


São — dous marcos miliários,
Que Deus nas ondas plantou.
Dous rochedos, onde o mundo
Dous Prometeus amarrou!...
— Acolá... (Não tenhas medo!)
É Santa Helena — o rochedo
Desse Titã, que foi rei!...
— Ali... (Não feches os olhos!...)
Ali... aqueles abrolhos
São a ilha de Jersey!...


São eles — os dous gigantes
No século de pigmeus.
São eles — que a majestade
Arrancam da mão de Deus.
— Este concentra na fronte
Mais astros — que o horizonte,
Mais luz — do que o sol lançou!...
— Aquele — na destra alçada
Traz segura sua espada
— Cometa, que ao céu roubou!...


E olham os velhos rochedos
O Sena, que dorme além...
E a França, que entre a caligem
Dorme em sudário também...
E o mar pergunta espantado.
"Foi deveras desterrado
Buonaparte — meu irmão?..."
Diz o céu astros chorando:
"E Hugo?..." E o mundo pasmando
Diz: "Hugo... Napoleão!..."


Como vasta reticência
Se estende o silêncio após...
És muito pequena, ó França,
P'ra conter estes heróis...
Sim! que estes vultos augustos
Para o leito de Procustos
Muito grandes Deus traçou...
Basta os reis tremam de medo
Se a sombra de algum rochedo
Sobre eles se projetou!...


Dizem que, quando, alta noite,
Dorme a terra — e vela Deus,
As duas ilhas conversam
Sem temor perante os céus.
— Jersey curva sobre os mares
À Santa Helena os pensares
Segreda do velho Hugo...
— E Santa Helena no entanto
No Salgueiro enxuga o pranto
E conta o que Ele falou...


E olhando o presente infame
Clamam: "Da turba vulgar
Nós — infinitos de pedra —
Nós havemo-los vingar!. . . "
E do mar sobre as escumas,
E do céu por sobre as brumas,
Um ao outro dando a mão...
Encaram a imensidade
Bradando: "A Posteridade!..."
Deus ri-se e diz: "Inda não!. . . "

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