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Friday, 4 April 2025

Friday's Sung Word: "Reminiscência Triste" by João de Barro and Amado Régis (in Portuguese).

O meu bangalô abandonado é triste com razão
porque nele habitou alguém que nunca teve coração
Como reminiscência o que êle me deixou
foi um (lindo) canário(inho) que ao sentir
a sua ausência nunca mais cantou (bis)

E olhando o bangalô abandonado e triste
o meu peito não resiste
Chora de saudade,
lembrando a história que ali se passou
do canarinho, que gorjeava e redobrava o canto
daquele amor que era ventura, encanto
e que um dia foi-se embora e nunca mais voltou.

 

 
You can listen "Reminiscência Triste" sung by Carmen Miranda  here.  

Friday, 28 March 2025

Friday's Sung Word: "Primavera no Rio" by João de Barro (in Portuguese).

O Rio amanheceu cantando
Toda a cidade amanheceu em flor
E os namorados vem pra rua em bando
Porque a primavera é a estação do amor (bis)

Rio
Lindo sonho de fadas
Noites sempre estreladas
E praias azuis

Rio
Dos meus sonhos dourados
Berço dos namorados
Cidade da luz

Rio
Das manhãs prateadas
Das morenas queimadas
Ao brilho do sol

Rio
És cidade desejo
Tens a ardência de um beijo
Em cada arrebol

 

 
You can listen "Primavera no Rio" sung by Carmen Miranda and the Diabos do Céu band here
 

 You can listen "Primavera no Rio" sung by Severino Filho Choir and Orchestra here

 

  

You can listen "Primavera no Rio" sung by the Coro da Guanabara with Altamiro Carrilho and military band here

 

 
You can listen "Primavera no Rio" sung by Dalva de Oliveira here


Wednesday, 26 March 2025

Wednesday's Good Reading: soneto attributed to Manuel Maria Barbosa Du Bocage (in Portuguese)

 

Sou pai de um filho que não é meu filho,

Porque, sendo meu filho, ele é meu pai.

Eu não lhe dei o ser, sendo seu pai,

Mas ele é que me deu, sendo meu filho.

 

Fui sempre casto e tenho-o por meu filho;

Sou virgem, e ele diz que sou seu pai.

Eu bem sei que ele é filho de outro pai;

E não posso negar que ele é meu filho.

 

Não sou primeiro que ele, e sou seu pai;

Porque, sendo primeiro este meu filho,

Ele é feito primeiro que seu pai.

 

Hei de morrer primeiro que meu filho;

E, não herdando o filho os bens do pai,

O pai é que há de herdar os bens do filho.

Saturday, 22 March 2025

Saturday's Good Reading: “O Grilo” by Monteiro Lobato (in Portuguese)

 

Os papéis, recém - redigidos, são 'envelhecidos' na fumaça do fogão ou segundo um método bem mais perfeito: são postos em gavetas junto com centenas de grilos vivos; com o tempo, os grilos morrem, apodrecem e liberam toxinas, que provocam manchas no papel, “envelhecendo-o”- vem daí o termo “grileiro”.

 *

Insistente nas palestras como certas moscas em dia de calor, é, nas regiões do Noroeste, a palavra "grilo". "Grilo" e seus derivados, "grileiro", "engrilar", em acepção muito diversa da que devem ter entre os nipônicos, onde grileiros engrilam grilos de verdade em gaiolinhas, como fazemos aqui com o sabiá, o canário, o pintassilgo e mais passarinhos tolos que morrem pela garganta.

Em certas zonas chega a ser obsessão. Todo mundo fala em terras griladas e comenta feitos de grileiros famosos.

E agora que o grilo penetrou na arte, e vai perpetuar-se em mármore e bronze no monumento da Independência, (1) vem a talho de foice um apanhado geral sobre a conspícua instituição - viveiro onde se fermenta a aristocracia dinheirosa de amanhã. As velhas fidalguias da Europa entroncam no banditismo dos cruzados. Ter na linhagem um facínora encoscorado de ferro, que saqueou, queimou, violou, matou à larga no Oriente, é o maior padrão de glória de um marquês de França. Ter entre os avós um grileiro de hoje vai ser o orgulho supremo dos nossos milionários futuros. Matarás, roubarás, são os mandamentos de alto bordo do decálogo humano, eternos e irredutíveis, que a ingênua lei de Moisés tentou inverter, antepondo-lhes um inócuo "não".

Grilo é uma propriedade territorial legalizada por meio de um título falso; grileiro é o advogado ou "águia" qualquer manipulador de grilos; terras "grilentas" ou "engriladas", as que têm maromba de alquimia forense no título.

Como o grilo proliferou na Noroeste mais do que o permite o coeficiente tolerável da patota humana, as conversas ressentem-se ali de muita insistência no assunto.

- Vou comprar terras do grilo do doutor Honestino dos Anjos.

- Não caia nessa! O Honestino é um grileiro sujo. Qualquer dia escangalham-lhe com a patota. Grilo de primeiríssima, que dá gosto, é o do Pizarro! Esse, sim... Porque há grilos geniais, obra de verdadeiros Cagliostros encarnados nos bacharéis do "venerando mosteiro"; e os há ineptos, mancos, fabricados aí por meros "curiosos" da trampolinagem, sem dedo para a coisa. Aqueles gozam de toda a consideração social devida aos mestres de vistas largas, ao passo que estes o povo os cobre de irrisão.

- Ali vai o senador Pizarro, um grileiro macota!

- E que me diz do Dr. Cunha?

- Um sujo. Borrou-se com aquele grilinho indecente da Pedra Azul e anda agora a tentar outro mais inepto ainda. É um crime deixar a polícia soltos pelas ruas tipos dessa ordem...

- Não tem a pinta! . . .

- É isso.

O grileiro é um alquimista. Envelhece papéis, ressuscita selos do Império, inventa guias de impostos, promove genealogias, dá como sabendo escrever velhos urumbebas que morreram analfabetos, embaça juízes, suborna escrivães - e, novo Jeová, tira a terra do nada. Seu laboratório lembra as espeluncas dos Faustos medievais; mais prático, porém, não procura ali a pedra filosofal ou o elixir da longa vida. Fausto virou rábula: manipula a propriedade. Envelhecer um título falso, "enverdadeirá-lo", é toda uma ciência. Mas conseguem-no. Dão-lhe a cor, o tom, o cheiro da velhice, fazem-no muitas vezes mais autêntico do que os reais. Expõem-no ao fumeiro, a tal distância da fumaça conforme o grau de ancianidade requerido, e conseguem assim a gama dos amarelidos, segredo até aqui do Tempo.

Enquanto o papel se defuma, fazem-lhe aspersões sábias, que lhes dêem a rugosidade peculiar às celuloses d’antanho.

Finalmente, para impregná-lo do cheirinho, do bouquet dos decênios, passeiam-no a cavalo, metido entre o baixeiro e a carona...

E mais coisas fazem que os leigos não pescam e constituem o segredo do "ponto de bala".

Mas tudo isso às vezes é pouco. Veste o lobo a pele da velhice e fica com o rabo da mocidade de fora...

Conta-se de um grilo superiormente engenhado que faliu por artes de um raio de sol. O documento engrilado era perfeito, sem o mínimo cochilo por onde o advogado contrário, preposto a destramar a marosca, pudesse levantar a perdiz. Por mais que virasse e revirasse o papel, e analisasse a letra, e cotejasse os dizeres, e cheirasse, e apalpasse, não atinava com o calcanhar de Aquiles. Já com dor de cabeça ia pôr de parte o grilo, quando Apolo intervêm. Um raio de sol entra pela janela e dá de chapa contra o título. Àquela súbita e intensa iluminação o perito pôde vislumbrar as letras d’água com que a fábrica marcara o papel. Lá estava a estrela da República naquele documento do século dezessete...

Ao trabalhinho de laboratório aliam-se ao ar livre os atos anexos e complementares - violências, suborno, incêndio de cartórios, sumiço de autos, etc.

Porque o grilo é proteiforme e para completar-se sobe até a ótica, subornando até os teodolitos dos engenheiros.

Que prodígios não opera neste campo! O primeiro é substituir a corrente, o podômetro, o teodolito, a trigonometria e o mais por um instrumento só, de alta engenhosidade: o olhômetro.

Só o olhômetro merece fé aos grileiros, esse aparelho maravilhoso, de criação nossa, e já muito usado pelos governos em estudos estatísticos.

Por intermédio do olhômetro mudam-se os cursos dos rios, passa-se um afluente da margem esquerda para a direita, criam-se cachoeiras em sítios onde o nível é manso, e operam-se quantas mais revoluções geográficas se fazem mister à patota.

Um grileiro está na posse do nome de um rio que a natureza esqueceu de criar; se ele consegue localizar esse rio no mapa, o grilo sairá de primeiríssima. E lá vai ele, com o rio às costas, em procura de colocação...

A outro fazia grande conta uma cachoeira em certo ponto das divisas.

O homem não pestaneja: constrói a cachoeira. Os contrários protestam.

Há intervenção judiciária. Na vistoria chamam para perito o morador mais antigo das redondezas. O caboclo chega, defronta-se com a cachoeira fantástica e abre a boca. Há cinqüenta anos que vive ali, conhece a zona como a palma de sua mão - como é que nunca viu aquele "poder d’água", barulhento e atravancador? Mas desconfia – e entrando na água desfaz com dois pontapés a cachoeira de mentira, que lá rola, rio abaixo, transformada em tranqueira de galhaça e cipós

. . . Era uma cachoeira grilo . . .

O grilo come nas terras apossadas pelos caboclos mal apetrechados contra os percevejos da lei, tanto quanto nas terras devolutas, as quais, engriladas a Norte, Sul, Leste e Oeste, estão se derretendo como torrão de açúcar n’ água.

Calcula uma autoridade no assunto em três milhões de alqueires a área das terras griladas na Noroeste. E esses milhões caminham para quatro, visto como agora a indústria do grilo passou a interessar os altos paredros da política, verdadeiras piranhas em matéria de voracidade.

Não há exagero no cálculo de três milhões, sabendo-se que há grilos de 200, 300 e 400 mil alqueires – territórios equivalentes à metade da Bélgica, quase à Saxônia, e tamanhos como antigos ducados principados alemães!...

Verdade seja que estes grilos são os grilos-mães, os canhões 420 da espécie.

Um existe de 480 mil alqueires - o rei dos grilos - notável não só pelo tamanho como pela perfeição da sua gênese.

É o grilo recorde, e merece publicidade para lição dos que querem enriquecer depressa mas andam por aí a malbaratar o engenho com  patotinhas vagabundas.

Na posse de um título autêntico que lhe dava domínio sobre três mil alqueires, um dos nossos águias resolve tomá-lo como base para um grilo. Estuda bem o caso e um dia requer cópia dos autos onde vinha a partilha da gleba em questão, delimitada de um lado nestes termos "... e daí em linha reta de duas léguas, até encontrar o rio tal".

Ao chegar neste ponto, o escrevente do cartório, que tirava a cópia, sofre uma alucinação ótica e escreve "vinte e duas léguas" onde estavam "duas". Mesmo fora das bebedeiras é comum esta visão dupla das coisas, que há de ter em medicina um nome grego.

Concluída a cópia, vai ela ao juiz para os sacramentos. Juiz, promotor e coletor subscrevem-na, depois de lançados o "conferido e concertado" do estilo. Mas nenhum deles realmente conferiu nem concertou coisa nenhuma, de acordo com a mais louvável das praxes, porque é preciso ter confiança no escrivão, que diabo! E destarte o grileiro entrou na posse duns autos tão autênticos perante a lei quanto os originais.

Intervalo de quinze minutos.

Um advogado surge no cartório e pede vista dos autos originais.

Obtém-na, passa recibo e leva para casa o calhamaço.

Terceiro quadro: dias depois o grileiro denuncia esse advogado como tendo perdido o papelório. O juiz se assanha e intima o advogado a entregá-lo sob as penas da lei: prisão ou reconstrução dos autos perdidos. O advogado, consternadíssimo, alega que de fato os perdeu, - e segue para o xadrez como um verdadeiro mártir da urucubaca. E lá, entre grades, antes de meditar Silvio Pelico e Dostoievsky, sente na cabeça o famoso estalo de Arquimedes:

- Eureka!...

Lembra-se que em mãos de um amigo existe cópia conferida e concertada, e compromete-se a dá-la em troca do original que o saci (evidentemente o saci! . . . ) lhe furtara da gaveta.

Quarto ato: deferimento do juiz, soltura do advogado preso e solene entrada em cartório do grilo triunfante, com as 22 léguas em vez de apenas 2. Cai o pano. Reacendem-se as luzes e o grileiro de gênio entra na posse de 400 e tantos mil alqueires de terra em vez dos miseráveis três mil primitivos.

É ou não um rasgo yankee, merecedor dum filme? Não se conhecem os nossos progressos lá fora. Não imaginam o galope do nosso cavalo.

Galope tão grande que já se reflete na língua. Todos os dias o povo surge com palavras novas que dêem medida à evolução da esperteza. Para batismo destes "looping-the-loop" da aviação forense só entre os bichos que voam encontra o povo analogias competentes: águias, grilo, aguismo.

Mas não basta. Há necessidade de formas novas, combinações estapafúrdias, conúbios de rapinagem de alta envergadura com ruminantes de pé ultra-ligeiro. Só estas cabriolas vocabulares têm força expressiva no caso.

Ouvimos uma vez, em roda onde se comentavam estes tremendos malabarismos, cair em crise de entusiasmo um dos ouvintes; piscou, faiscou os olhos e improvisou este soberbo jato de impressionismo zoológico, única forma capaz de dizer toda a imensidade da sua admiração:

- Que cabras águias!

 

(1) Alusão ao projeto do escultor Ximenes, que venceu no concurso para o monumento e que Monteiro Lobato muito combateu em "Idéias de Jéca Tatú."

 in  "A onda verde". In: Obras completas,Vol. 5, Editora Brasiliense, 1948.