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Saturday, 30 November 2024

Saturday's Good Reading: “O Jogo do Bicho, Fator Econômico” by Graciliano Ramos (in Portuguese).

 

De todas as instituições brasileiras o jogo do bicho é com certeza a mais interessante, a que melhor descobre a alma popular. É verdade que possuímos outras capazes de provocar entusiasmos vivos e até a paixão das massas: o carnaval, o futebol, as lutas políticas, por exemplo; mas são coisas que, embora aqui tenham feição particular, existem em toda a parte. Nenhuma delas produz uma excitação permanente, todas se manifestam com intermitências mais ou menos longas.

O jogo do bicho é constante e puramente nacional. Aqui surgiu, criou raízes, e em nenhum outro país se daria tão bem. Deriva da nossa desorganização econômica e da confiança que depositamos em forças misteriosas. Todos nós, consciente ou inconscientemente, esperamos milagres, acreditamos na Divina Providência, em poderes sobrenaturais, que às vezes ficam no alto, inatingíveis e obscuros, outras vezes se põem em contato com os homens, familiarizam-se, revelam-se de maneira bastante ordinária.

As relações entre o homem e a divindade, que a princípio se manifestam sob a forma de troca, depois como transações de compra e venda, aqui se modificaram. Em toda a parte o crente oferece a Deus ou aos santos um objeto para receber um favor, ou oferece-lhes dinheiro, mas entre nós este respeitável costume se tornou uma espécie de jogo. Daí para se tornar jogo verdadeiro a distância não era grande. A nossa gente supersticiosa, que admite a realização dos sonhos e, especialmente no interior, faz promessas a Santo Antônio a propósito de casamento e a Santa Clara a propósito de chuva, encontrou meio de transformar a graça pedida em dinheiro. Podemos acompanhar a evolução do negócio do seguinte modo: oferecemos um objeto para receber um bem qualquer; oferecemos dinheiro para receber o mesmo bem; oferecemos dinheiro para receber dinheiro.

Não queremos felicidade, paz, qualquer estado de alma necessário aos místicos; desejamos coisas concretas. O mendigo que pede para o transeunte saúde e vida longa muitas vezes indica os meios que julga indispensáveis para se obter isso.

Impossibilitados de adquirir uma felicidade completa, buscamos pedaços de felicidade. E, em vista da situação precária em que vivemos, esses fragmentos são de ordinário representados por quantias insignificantes. Sabemos que a posse delas nada resolve definitivamente, que a nossa vida não se endireitará com tão pouco e, consumidas essas ínfimas parcelas de riquezas, a necessidade voltará e teremos de apelar para um novo golpe de sorte. Mas não podemos pensar no futuro quando o presente é incerteza e confusão, respiraremos com alívio se as nossas dificuldades irremediáveis forem procrastinadas por um mês, uma semana, um dia. Esperaremos que tudo se arranje depois.

Por enquanto precisamos com urgência uma determinada importância para o aluguel da casa, importância correspondente ao dinheiro que possuímos multiplicado por vinte. O brasileiro achou o modo de realizar a multiplicação, pelo menos de passar algumas horas na ilusão de que ela se realize e lhe dê recursos para satisfazer às exigências imediatas.

É verdade que a ilusão ordinariamente falha, mas pode renovar-se no dia seguinte, caso o homem não se ache absolutamente desprovido de pecúnia.

Ele poderia arriscar-se a qualquer outro jogo. Isto, porém, não lhe traria grande satisfação. Comprando bilhetes de loteria, a espera seria muito prolongada; na roleta ou no bacará seria curta demais. Ele não quer ficar muito tempo sonhando com uma sorte grande que lhe transforme a vida, nem encostar-se ao pano verde para receber emoções fortes e rápidas. Contenta-se com sortes miúdas, que lhe podem chegar diariamente, a hora certa, não se decidem no giro duma bola ou num virar de carta.

Além disso a loteria, a roleta, o bacará ficam fora das possibilidades da maior parte da população, ao passo que o jogo do bicho está ao alcance de toda a gente e possui o que é preciso para conquistar a simpatia das massas.

Em primeiro lugar promete muito e não oferece nenhuma garantia, o que está em conformidade com os hábitos dum país onde se organizam companhias sem capital e os profetas são bem recebidos, ainda que sejam os mais extraordinários salvadores. Apesar de tudo os jogadores felizes são pagos com rigorosa pontualidade, e isto é admirável, porque entre nós nunca nenhum programa se realiza, as obrigações são regularmente postas de lado. Os papelinhos riscados a lápis por um sujeito desconhecido transformam-se em valores.

Em segundo lugar é proibido, razão suficiente para viver e prosperar. Há negócios que não têm outro motivo de êxito. O nosso instinto de rebeldia sustenta-os, faz que protestemos contra algum funcionário demasiado consciencioso que pretenda enxergá-los.

Aliás com relação ao jogo do bicho talvez seja conveniente a autoridade supor que ele não existe e deixá-lo em paz. Muitos cavalheiros ficariam em apuros se, marchando para a repartição com o intuito severo de combater essa praga nacional, pensassem que suas respeitáveis senhoras elaboram listas complicadas, os rapazes no caminho da escola arriscam níqueis na dezena, o ordenado da criada foi estabelecido com a redução da importância presumível que ela retira nas compras e dá ao rapaz do talão, o fornecedor não está satisfeito com os pagamentos e espera minorar as suas dívidas com a problemática fração de riqueza que todas as manhãs lhe oferecem no balcão.

Deixemos em paz o bicheiro. Essa fração de riqueza representa a quantia que deixou de ser paga no salário do trabalhador, a conta que o bacharel se esqueceu de saldar na venda. Para que privar o operário e o vendeiro da última possibilidade que lhes resta?

O jogo do bicho significa uma tentativa muito louvável para corrigir o desarranjo em que vivemos. Uma tentativa oferecida a pessoas supersticiosas que acreditam em sonhos e ainda não podem acreditar em outra coisa, mas afinal talvez seja inconveniente suprimi-la, pelo menos por enquanto.

Saturday, 28 September 2024

Saturday Good Reading: “Um Desastre” by Graciliano Ramos (in Portuguese)

 

Alagoas é um estado pobre. Em pouco mais de vinte e oito mil quilômetros quadrados arruma-se quase um milhão de habitantes. Para bem dizer, não se arruma: na praia há charco, mosquito, sezão; na catinga há seixo, cardo, fome. Entre as duas zonas aperta-se a mata, com algodão e cana-de-açúcar, mas aí não se consegue terra facilmente, o salário é baixo — e para lá das cancelas o despotismo do proprietário vale o mosquito e o cardo juntos.

Em toda a parte o amarelão — desânimo, gordura fofa: homens cor de cera, indecisos entre a vida e a morte; raparigas velhas, uns cacos de mulheres na adolescência; meninos ramelosos, de pernas finas como cambitos, barrigas enormes, grávidas de lombrigas. E muita porcaria: falta de água no sertão, excesso no litoral, o solo empapado, lama.

Nessa penúria, os que têm restos de energia emigram; outros olham os pontos cardeais, esperando um milagre. Em cima, o fazendeiro, o negociante e o burocrata.

Escorados nos balcões das vilas, sujeitos ociosos conversam; os beiradeiros das lagoas nem força têm para conversar. Pernas arrastadas, beiços pálidos, meia dúzia de palavras bambas, como neste diálogo que Pedro Lima inventou:

— Seu compadre, se esta miséria continuar, nós acabamos pedindo esmola.

— A quem?

A população cresce demais. Se a dos outros estados fosse tão densa, o país seria uma nova China. Mais de novecentas mil sombras. Insignificante produção para tanta gente. Na roça uma família inteira se esconde nas camarinhas, nua, enquanto a mãe vai à cacimba, lavar roupa. Um indivíduo mendiga para casar.

— Como é que você sustenta mulher e filhos, criatura?

— Deus dá o jeito.

Ali por volta de 1930 só um município arrecadava cem contos. Hoje as rendas parecem ter subido um pouco. Mas terão “realmente” subido?

Não devemos falar em tais coisas a estranhos. Em vez de penalizá-los, humilhando-nos, exibimos a sala de visitas, arranjada com decência. Apesar de tudo, o alagoano tem momentos de vaidade e abomina considerações desagradáveis. Possuímos glória: Tavares Bastos, Sinimbu, heróis no Paraguai, colonizados do Amazonas. E proclamamos a República. Para alguma coisa a emigração haveria de servir.

Infelizmente precisamos renunciar por enquanto a essas lembranças consoladoras e expor os nossos males. Vieram males grandes, além dos ordinários. Chuva incessante, inundação, dilúvio. O Senhor resolveu afogar os nossos pecados. Os rios engrossaram, submergiram campos, mataram plantas, bichos e cristãos; riachinhos incharam, converteram-se em torrentes, devoraram morros numa erosão faminta e raivosa. Aluíram pontes, ruíram casas, sumiram-se povoações. Impossibilitou-se o trânsito nos caminhos alagados; descansaram as locomotivas; nos lugares onde rodavam trens e bondes vogam canoas. Fecharam-se os estabelecimentos comerciais: a indústria emperrou; trabalhadores esqueceram as suas profissões e tentaram, nervosos, defender ruínas que se dissolvem. De espaço a espaço um desmoronamento — e os restos das cidades emergem como se fossem construídos em palafitas. A agricultura foi varrida: canaviais e arrozais desceram na correnteza ou sepultaram-se no lodo.

Se as notícias calamitosas se referissem a uma cheia do Yang-Tsé-Kiang, acharíamos enorme a catástrofe distante, alargada pelasagências telegráficas. Estamos, porém, diante de uma tragédia caseira, narrada economicamente por Nelson Flores. E, julgando-nos favorecidos pela Providência, buscamos atenuar as nossas aflições.

Contudo esses horrores próximos, que dia a dia o conhecimento de pormenores engrandece, não podem ser desfeitos com sorrisos apenas. Há uma desgraça. Evidentemente o governo local não tem meio de combatê-la. É indispensável o socorro da União. E é indispensável o auxílio do particular, bondade que não faltaria se uma erupção do Aconcágua houvesse destruído algumas aldeias.

Certo não se trata de consertar as máquinas das usinas. Elas se desenferrujarão naturalmente — e o açúcar terá bom preço. A campanha iniciada aqui tende a minorar o sofrimento do homem que nunca entrou num banco e só conheceu durezas, o vaqueiro do sertão mudado em brejo, o pescador da lagoa tornada mar. Vestir os nus, curar os doentes, erguer o casebre da viúva, amparar o órfão, enfim semear naquela região infeliz uns pedaços de obras de misericórdia. Quando as águas baixarem, a maleita se desenvolverá junto aos mangues crescidos, bandos exaustos andarão trêmulos. Pensamos nessa gente mais ou menos inútil. Mas que poderia não ser inútil. E poderá talvez não ser inútil.

 

Rio de Janeiro, 25 agosto de 1944.

Saturday, 15 June 2024

Saturday's Good Reading: “Comandantes de Burros” by Graciliano Ramos (in Portuguese)

 

Quando Lampião esteve no município de Palmeira dos Índios, onde se demorou alguns dias mandando bilhetes para a cidade e sem poder entrar nela, trazia mais de cem homens que não se escondiam na capoeira nem transitavam em veredas. Corriam pela estrada real, bem-montados, espalhafatosos, pimpões, chapéus de couro enfeitados de argolas e moedas, cartucheiras enormes, alpercatas que eram uma complicação de correias, ilhós e fivelas, rifles em bandoleira, lixados, azeitados, alumiando.

O major José Lucena, chefe do destacamento que perseguia bandidos, notando a pequena eficiência da sua tropa de peões, entendeu-se com os proprietários sertanejos, que lhe ofereceram cavalos e burros para o restabelecimento da ordem. Houve algumas escaramuças e Lampião deixou Alagoas, tomou rumo para o Rio Grande do Norte, entrou em Mossoró, onde Jararaca morreu e a cabroeira se espalhou.

Os burros se tornaram inúteis.

O major Lucena separou-os em dois lotes, mandou um deles para um engenho de Viçosa, e o outro para uma povoação de Palmeira dos Índios.

Neste tempo o sr. Álvaro Paes, que projetou e iniciou trabalhos excelentes de organização municipal, viajava todas as semanas pelo interior do estado. Foi um viajante incansável e chegou a conhecer perfeitamente as árvores e os homens do sertão.

Um dia parou num povoado, com o intuito de ensinar aos matutos a cultura da pinha, da mamona e de outros vegetais que se desenvolviam bastante na imprensa da época. Estava tratando de convencer o maioral da localidade quando se aproximou dele um soldado com duas fitas, um botão fora da casa, chapéu embicado, faca de ponta à cinta. Continência e apresentação:

— Pronto, seu governador, cabo fulano, comandante dos burros do major Lucena.

Era o encarregado de tomar conta dos animais que tinham servido para afugentar Lampião.

Esta história podia findar aqui, mas não serão talvez excessivas algumas palavras sobre a classe a que pertencia esse extraordinário comandante. Horrível. Sujeitos insolentes, provocadores, preguiçosos.

A parte mais forte da nossa população rural está com Lampião — os indivíduos que dormem montados a cavalo, os que suportam as secas alimentados com raiz de imbu e caroços de mucunã, os que não trabalham porque não têm onde trabalhar, vivem nas brenhas, como bichos, ignorados pela gente do litoral.

Os que não têm coração mole encontram-se, quando o verão queima a catinga, numa situação medonha. Três saídas: morrer de fome, assentar praça na polícia, emigrar para o Sul. Antes da morte, da emigração ou da farda, essas criaturas são maltratadas pelas diligências, que não querem saber quem é bom nem quem é ruim: espancam tudo.

O caboclo apanha bordoada sempre: apanha do pai, da mãe, dos tios, dos irmãos mais velhos, apanha do proprietário que lhe toma a casa e abre a cerca da roça para o gado estragar as plantações, apanha do cangaceiro que lhe raspa o osso da canela a punhal e lhe deita espeques nas pálpebras, para ver a mulher, a filha, a irmã serem possuídas. E se um inimigo vai à rua e o acusa, o delegado manda prendê-lo e ele aguenta uma surra de facão no corpo da guarda, outra de cipó de boi no xadrez, aplicada pelo preso mais antigo, que recebe quinhentos-réis do torno e é o juiz da cadeia.

Suporta esses últimos tormentos resignado, quase com indiferença, porque enfim prisão se fez para homem e apanhar do governo não é desfeita. Às vezes morre das sovas. Outras vezes atira-se para São Paulo, para o Espírito Santo, para algum lugar onde haja café. Ou espera que a lagarta coma o algodão e as cacimbas se esgotem.

Nesse ponto tendo ódio a Deus e aos homens que o tratam mal, tem vontade de vingar-se. Pede um cartão ao doutor juiz de direito, vende o cavalo, arranja o malote e marcha para a capital, donde volta alguns meses depois, transformado, calçando perneiras, vestindo uniforme cáqui, falando difícil, terrivelmente besta, desconhecendo os amigos e perguntando o nome das coisas mais vulgares.

Abre as vogais escandalosamente, diz: Éxercito, sérviço.

Anda a peneirar-se, todo pachola, com o quepe à banda, a grenha parecendo por baixo da pala.

Bebe, não trabalha, dorme demais!

À noite mete-se nos botequins dos bairros safados ou derruba as portas das meretrizes. É mais ou menos casado com uma sujeita que lhe prepara a comida, lava a roupa e possui um baú de folha, um sagui e um papagaio.

Vai aos batuques de ponta de rua, sem ser convidado, e é bem recebido. Muita consideração. Mas quer dançar com todas as damas, e se alguma lhe mostrar má cara, faz um barulho feio: apaga-se a luz e a festa acaba em pancadaria.

 

É vaidoso, cheio de suscetibilidades. Importância imensa. Em horas de aborrecimentos sai à calçada do quartel, nu da cintura pra cima, e grita:

 

— Esta terra não tem homem:

Como nenhum homem responde, torna a gritar:

— Apareça um. Ninguém aparece.

Vai para as encruzilhadas tomar as facas dos matutos. Os matutos que têm facas levam murros porque são desordeiros, os que não têm facas levam murros porque são mofinos.

Levam murros e sentem, como é natural, o desejo de ser soldados, o desejo de cochilar horas e horas, de papo pra cima, sem obrigações, sem exercícios, sem a botina quarenta e quatro a apertar-lhes os calos, o desejo de beber vinho branco na feira e pisar os pés dos pobrezinhos que só têm armas fracas: o buranhém e a quicé de picar fumo, o desejo de comer massa, o desejo de tomar as mulheres dos outros, o desejo de comprar fiado nas bodegas sem intenção de pagar.

Um cartão do doutor juiz de direito, do promotor público, do coronel chefe político tem muito valor!

Entrouxam a roupa e embarcam.

Quando voltarem dormirão tranquilos, baterão nas prostitutas, beberão cachaça nas toldas, em companhias do inspetor e do subdelegado.

E serão, com a ajuda de Deus, alguma coisa grande.

Comandante de burros por exemplo.

 

Maceió, 27 de maio de 1933.

Saturday, 2 March 2024

Good Reading: "Cumprindo Meu Dever" by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

 

Um homem de pensamento deve ser fiel à verdade tal como ela se lhe apresenta a cada momento no exame das questões concretas, sem deixar-se envolver por uma atmosfera mental que tinja todo o seu horizonte de consciência com uma tonalidade geral e prévia de “esquerda”, de “direita” ou seja lá do que for. Pessoalmente, nunca me manifestei a favor de nenhuma política “de direita”, e é por pura indução psicótica e ressentimento de complexados que uns sujeitos de esquerda tentam enxergar em mim um feroz direitista. Deduzem isto das críticas que lhes faço. Raciocinam na base schmittiana do “Quem não está conosco está do outro lado”, mostrando que nem sequer em imaginação podem conceber que exista uma inteligência livre, capaz de atacar o mal sem cair no automatismo mentecapto de supor que a simples inversão da ruindade faria dela um bem.

Logicamente falando, a posição política de um indivíduo jamais pode ser inferida das críticas, por mais duras, que dirija a uma ideologia ou partido, pela simples razão de que críticas idênticas podem ser feitas desde várias posições ideológicas. O sionismo foi atacado com igual vigor pela extrema-direita e pelos comunistas. O fundamentalismo islâmico é tão abominado pelos cristãos conservadores quanto pela esquerda feminista e gay ou pelos liberais modernistas e ateus.

Só uma tomada de posição positiva em favor de determinadas políticas é que define identidade e compromisso ideológicos. A crítica é livre e pode vir de todas as direções.

A mentalidade comunista, no entanto, desconhece a tal ponto a liberdade de pensamento, subjuga tão pesadamente a inteligência ao comando partidário, que chega a catalogar a ideologia de um sujeito não pelas intenções e valores que ele professe, mas pela simples conjecturação hipotética e quase sempre paranóica do benefício político ou publicitário que partidos ou correntes possam auferir de suas palavras, ainda que oportunisticamente e contra a vontade dele. Na imaginação dos comunistas, ninguém afirma “x” ou “y” com a simples intenção de dizer a verdade, mas sempre com a premeditação de algum resultado político, mesmo remotíssimo. É que eles pensam assim, eles são indiferentes à verdade e à falsidade e só abrem a boca em vista de efeitos políticos. Por isso imaginam que o resto da Humanidade também é assim.

Foi com base nesse raciocínio alucinadamente projetivo que o Estado soviético chegou a condenar como crime a indiferença política, por julgar que ela denotava sinistras intenções contra-revolucionárias. Boris Pasternak foi parar na cadeia por conta disso.

Da minha parte, estou persuadido de que o homem de pensamento deve ser escrupulosamente comedido ao opinar a favor de qualquer política em especial: ele deve simplesmente fazer a crítica do que é ruim e perverso, deixando ao público e aos políticos, àqueles que se orgulham de ser “homens práticos” e que têm o dever de sê-lo, a decisão de políticas positivas que hão de suprimir ou remediar o mal.

Ademais, se critico a esquerda é porque hoje só existe esquerda. Não há direita nenhuma no Brasil. Há direitistas, mas cada um fechado nas suas convicções privadas, sem qualquer ação de conjunto. A prova mais patente é que a palavra “direita” só aparece na imprensa com conotações sombrias e criminais, jamais como a designação de uma corrente política que tenha o direito de existir como qualquer outra. Apontar um homem como direitista é acusá-lo de conspirador, de golpista, de corrupto, de torturador. Tanto é assim, que qualquer delito cometido em interesse próprio por analfabetos coronéis do sertão é imediatamente atribuído à “direita”, o que é pelo menos tão absurdo quanto enxergar motivação ideológica esquerdista em todos os crimes cometidos por meninos de rua. Só se pode falar nesse tom, impunemente, de uma minoria de párias sem voz nem poder. O curioso é que aqueles mesmos que sem temor de represália falam da direita nesses termos, provando com isto que ela não tem poder nenhum, querem nos fazer crer que ela existe, que ela é uma força organizada e manda no Brasil. Tudo isso é puro histrionismo de uma esquerda que sabe que está no poder mas não deseja assumir as responsabilidades de sua situação.

Hoje o establishment é esquerdista, a oposição também. Leiam as cartilhas de marxismo-leninismo do Ministério da Educação e me digam se um governo que educa as crianças nessa mentalidade não é comunista em espírito, conformado provisoriamente com o capitalismo que não pode suprimir. E qual governo sem forte inspiração comunista desejaria a supressão do sigilo bancário? Nessas condições, seria hipocrisia eu falar mal da “direita” só para me fazer de bom menino e afetar uma independência estereotipada. A independência autêntica não teme os rótulos que lhe queiram impor e não foge deles mediante o apelo a discursos de ocasião. Diz o que tem de dizer, e pronto. A confusão que façam em torno dela corre por conta da malícia e da sem-vergonhice de cada um.

 

O Globo, 30 de dezembro de 2000

 

Wednesday, 3 January 2024

Good Reading: "Chávez, Lula e Gurdjieff" by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

 

Na opinião do sr. Hugo Chávez, que com leves diferenças de nuance é a mesma do nosso governo e da nossa mídia, as Farc, que assaltam, seqüestram e matam a granel, não são uma organização terrorista de maneira alguma; terrorista é a TFP, que nunca matou um mosquito nem sugeriu o roubo de uma azeitona.

Quando lhes digo que o traço essencial e permanente da mentalidade revolucionária é a inversão psicótica, não estou brincando, nem exagerando, nem fazendo figura de retórica: estou apontando um dos fatos mais bem documentados da história cultural dos últimos séculos – um fato que pode ser verificado tanto nas estruturas gerais do pensamento revolucionário quanto nas atitudes práticas e até nos detalhes de linguagem de seus representantes mais notórios.

Quando o sr. Luís Inácio Lula da Silva se recusa a dizer uma palavrinha em favor de um preso político cubano em greve de fome, alegando escrúpulos de interferir nos assuntos internos de uma nação estrangeira, ao mesmo tempo que ajuda a reintroduzir no território hondurenho um presidente banido e se gaba de ter metido gostosamente o bedelho do Foro de São Paulo nos plebiscitos venezuelanos, ele ultrapassa os limites da mentira política normal, que no mínimo respeita um pouco o senso do verossímil: ele entra com as quatro patas no campo da inversão psicótica, chocando a platéia ao ponto de idiotizá-la, dessensibilizando-a para o absurdo do que está ouvindo.

Embora esse modo de falar possa se consolidar como vício ao ponto de seu próprio usuário se tornar insensível à maldade que pratica quando o emprega, na verdade ele se originou como uma técnica psicológica muito bem elaborada. Denomino-a “impressão paradoxal”, embora na bibliografia seja citada também com outros nomes, como “dissonância cognitiva” ou “psicose informática”. Georges Ivanovitch Gurdjieff, o maior gênio do charlatanismo esotérico, usava esse tipo de discurso para estontear seus discípulos e reduzi-los a uma obediência canina. Por exemplo, ele mobilizava todo o arsenal lógico do materialismo científico para persuadi-los de que eram apenas máquinas, de que não tinham alma nenhuma, e em seguida afirmava, com a maior seriedade, que poderiam adquirir uma alma… mediante uma certa quantia em dinheiro.

O sujeito que ouvia uma coisa dessas caía imediatamente numa zona nebulosa entre a piada e a realidade, sem saber como reagir ante a impressão paradoxal. Reaplicada a técnica um certo número de vezes, o infeliz perdia todo interesse em compreender racionalmente a situação e daí por diante se deixava conduzir pelo mestre como uma vaca puxada pela argola do nariz.

Quando Gurdjieff introduziu essa técnica no Ocidente, talvez nem ele próprio imaginasse a velocidade com que ela se disseminaria entre os políticos e os intelectuais ativistas, como um instrumento perfeito para tornar as massas incapazes de diferenciar entre a percepção humana normal e a inversão psicótica.

Adolf Hitler, que consta ter recebido a influência de um discípulo de Gurdjieff (Klaus Haushoffer), criou uma técnica oratória inteiramente baseada na impressão páradoxal, articulando o grotesco e o temível de modo que a platéia sentisse ao mesmo tempo o desejo de rir dele e o medo de ser punida por isso. Que fazer então, senão jogar fora o próprio cérebro e trocá-lo por uma recompensadora aceitação passiva do que desse e viesse? (Mutatis mutandis, foi por esse mesmo artifício que o sr. Lula transmutou, no coração do seu público, a piedade em admiração fingida, e a admiração fingida em bajulação compulsiva.)

Os comunistas deram um uso muito mais amplo a essa técnica, extorquindo do seu público a aprovação a crimes hediondos em nome dos sentimentos mais altos e sublimes, forçando a elasticidade moral até o último limite do humanamente suportável. A contradição internalizada acumulava-se no inconsciente até o ponto em que as vítimas estourariam se não descarregassem seus sentimentos de culpa sobre algum bode expiatório, acusando-o de toda sorte de delitos imaginários. Daí a facilidade com que o público – não só o exército dos militantes, mas a vasta massa dos intoxicados pela “onipresença invisível” da cultura revolucionária – perde todo senso de verossimilhança e acaba aceitando como razoável a conversa idiota de que a TFP é uma organização de alta periculosidade ou de que o sr. Alejandro Peña Esclusa, malgrado seu diploma de engenheiro, guardava em casa, ao lado do quarto onde dormiam suas três filhas pequenas, explosivos suficientes para fazer seu prédio voar em cacos.

20 de julho de 2010.

Saturday, 30 December 2023

Good Reading: "Mensagem de Natal" by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

Só existe um motivo para celebrar o Natal, mas esse motivo é tão amplamente ignorado que as festas natalinas devem ser consideradas uma superstição em sentido estrito, a repetição ritualizada de uma conduta habitual que já não tem significado nenhum e na qual, portanto, cada um está livre para projetar as fantasias bobas que bem entenda.

Jesus Cristo, encarnação do Verbo Divino, ou inteligência de Deus, veio ao mundo para oferecer-se como vítima sacrificial única e definitiva, encerrando um ciclo histórico que durava desde as origens da humanidade e que era regido essencialmente pela Lei do Sacrifício (v. Ananda Coomaraswamy, A Lei do Sacrifício, e René Girard, O Bode Expiatório).

A Lei do Sacrifício é inerente à estrutura da existência cósmica. Só Deus tem a plenitude do ser, e o que quer que exista sem ser Deus tem uma existência precária, fundada num débito ontológico insanável, que na escala da alma humana se manifesta como culpa.

A Lei do Sacrifício não pode ser suspensa e jamais o foi.

O que Nosso Senhor Jesus Cristo fez foi cumpri-la toda de uma vez, instituindo em lugar do Sacrifício a Eucaristia, que é a recordação do ato sacrificial definitivo. A recordação passa então a ter o valor de uma repetição sem necessidade de novas vítimas.

Antes as vítimas se somavam: 1 + 1 + 1 + 1…

Agora a vítima única se multiplica por si mesma no ato da Eucaristia: 1 x 1 x 1 x 1…

Façam as contas e compreenderão por que o Natal deve ser celebrado.

O problema é que o fim de um ciclo histórico não traz necessariamente, para as gerações seguintes, a consciência da mutação ocorrida.

Essa consciência deve ser reconquistada e retransmitida de geração em geração, e na sociedade moderna essa transmissão cessou já faz algum tempo. Pouquíssimas pessoas têm uma consciência clara do que ganharam com o Natal. A maioria, mesmo quando recebe presentes, não sabe que eles apenas simbolizam um ganho muito maior que já foi obtido 2003 anos atrás.

Esse ganho pode ser explicado em poucas palavras:

Todo homem, pelo simples fato de existir, é atormentado pela culpa e vive num constante discurso interior de acusação e defesa, que produz medo, ódio, inveja, ciúme, busca obsessiva de aprovação. Esses sentimentos tornam o homem vulnerável às palavras más, às acusações e insinuações que lhe chegam de seus semelhantes, da cultura ambiente ou de seu próprio interior. O conjunto dessas acusações e insinuações é o espírito demoníaco, que em razão da culpa mesma tem poder incalculável sobre o ser humano. Em busca de proteção contra esse poder, o homem se submete aos maus e aos intrigantes, isto é, aos representantes do próprio espírito demoníaco, acreditando que aqueles que podem feri-lo devem também poder ajudá-lo. Com isso ele se torna a vítima sacrificial, o bode expiatório num grotesco ritual simulado.

Cristo adverte-nos que esse sacrifício é inútil, desnecessário e pecaminoso. Não existe no mundo um poder ou autoridade habilitado a exigir vítimas. Deus Pai só exigiu uma, e Ele mesmo a forneceu. Quem quer que, depois disso, se sinta culpado, não deve se oferecer como vítima sacrificial perante altar nenhum. Deve apenas recordar-se do sacrifício de Cristo e alegrar-se. Isso é tudo.

Muitas pessoas até sabem que as coisas são assim, mas entendem isso somente do ponto de vista religioso formal, sem tirar desse conhecimento as conseqüências práticas de ordem psicológica, que são portentosas:

Aquele que se ofereceu para ser sacrificado em nosso lugar não é um cobrador de dívidas nem um acusador, mas um salvador. Ele nada pede, apenas oferece. E em troca aceita uma palavrinha, um sorriso, uma intenção inexpressa, qualquer coisa, pois não é irritadiço nem orgulhoso: é manso e humilde.

Se, sabendo disso, você ainda é vulnerável aos olhares acusadores e às palavras venenosas, se ainda sente ante os intrigantes e os maldosos um pouco de temor reverencial e tenta aplacá-los com mostras de submissão para que eles não o exponham à vergonha ou não o castiguem de algum outro modo, é porque ainda não compreendeu o sentido do Natal.

Esse sentido é simples e direto: os maus e intrigantes não têm mais nenhuma autoridade sobre você. Não baixe a cabeça perante eles, não consinta que suas fraquezas sejam exploradas pela malícia do mundo.

Jesus Cristo já pagou a sua dívida.

É por isso que comemoramos o Natal.

25 de dezembro de 2003.

Wednesday, 9 November 2022

Good Reading: "Che Cos’è Questo Golpe?" by Pier Paolo Pasolini (in Italian)

Io so.

Io so i nomi dei responsabili di quello che viene chiamato golpe (e che in realtà è una serie di golpes istituitasi a sistema di protezione del potere).

Io so i nomi dei responsabili della strage di Milano del 12 dicembre 1969.

Io so i nomi dei responsabili delle stragi di Brescia e di Bologna dei primi mesi del 1974.

Io so i nomi del «vertice» che ha manovrato, dunque, sia i vecchi fascisti ideatori di golpes, sia i neofascisti autori materiali delle prime stragi, sia infine, gli «ignoti» autori materiali delle stragi più recenti.

Io so i nomi che hanno gestito le due differenti, anzi, opposte, fasi della tensione: una prima fase anticomunista (Milano 1969) e una seconda fase antifascista (Brescia e Bologna 1974).

Io so i nomi del gruppo di potenti, che, con l’aiuto della CIA (e in second’ordine dei colonnelli greci e della mafia), hanno prima creato (del resto miseramente fallendo) una crociata anticomunista, a tamponare il 1968, e in seguito, sempre con l’aiuto e per ispirazione della CIA, Si sono ricostituiti una verginità antifascista, a tamponare il disastro del referendum.

Io so i nomi di coloro che, tra una messa e l’altra, hanno dato le disposizioni e assicurato la protezione politica a vecchi generali (per tenere in piedi, di riserva, l’organizzazione di un potenziale colpo di Stato), a giovani neofascisti, anzi neo-nazisti (per creare in concreto la tensione anticomunista) e infine a criminali comuni, fino a questo momento, e forse per sempre, senza nome (per creare la successiva tensione antifascista). Io so i nomi delle persone serie e importanti che stanno dietro a dei personaggi comici come quel generale della Forestale che operava, alquanto operettisticamente, a Città Ducale (mentre i boschi italiani bruciavano), o a dei personaggi grigi e puramente organizzativi come il generale Miceli.

Io so i nomi delle persone serie e importanti che stanno dietro ai tragici ragazzi che hanno scelto le suicide atrocità fasciste e ai malfattori comuni, siciliani o no, che si sono messi a disposizione, come killer e sicari.

Io so tutti questi nomi e so tutti i fatti (attentati alle istituzioni e stragi) di cui si sono resi colpevoli.

Io so. Ma non ho le prove. Non ho nemmeno indizi.

Io so perché sono un intellettuale, uno scrittore, che cerca di seguire tutto ciò che succede, di conoscere tutto ciò che se ne scrive, di immaginare tutto ciò che non si sa o che si tace; che coordina fatti anche lontani, che mette insieme i pezzi disorganizzati e frammentari di un intero coerente quadro politico, che ristabilisce la logica là dove sembrano regnare l’arbitrarietà, la follia e il mistero.

Tutto ciò fa parte del mio mestiere e dell’istinto del mio mestiere. Credo che sia difficile che il mio «progetto di romanzo» sia sbagliato, che non abbia cioè attinenza con la realtà, e che i suoi riferimenti a fatti e persone reali siano inesatti. Credo inoltre che molti altri intellettuali e romanzieri sappiano ciò che so io in quanto intellettuale e romanziere. Perché la ricostruzione della verità a proposito di ciò che è successo in Italia dopo il 1968 non è poi così difficile.

Tale verità – lo si sente con assoluta precisione – sta dietro una grande quantità di interventi anche giornalistici e politici: cioè non di immaginazione o di finzione come è per sua natura il mio.

Ultimo esempio: è chiaro che la verità urgeva, con tutti i suoi nomi, dietro all’editoriale del «Corriere della sera», del 1o novembre 1974.

Probabilmente i giornalisti e i politici hanno anche delle prove o, almeno, degli indizi.

Ora il problema è questo: i giornalisti e i politici, pur avendo forse delle prove e certamente degli indizi, non fanno i nomi.

A chi dunque compete fare questi nomi? Evidentemente a chi non solo ha il necessario coraggio, ma, insieme, non è compromesso nella pratica col potere, e, inoltre, non ha, per definizione, niente da perdere: cioè un intellettuale.

Un intellettuale dunque potrebbe benissimo fare pubblicamente quei nomi: ma egli non ha né prove né indizi.

Il potere e il mondo che, pur non essendo del potere, tiene rapporti pratici col potere, ha escluso gli intellettuali liberi -proprio per il modo in cui è fatto – dalla possibilità di avere prove ed indizi.

Mi si potrebbe obiettare che io, per esempio, come intellettuale, e inventore di storie, potrei entrare in quel mondo esplicitamente politico (del potere o intorno al potere), compromettermi con esso, e quindi partecipare del diritto ad avere, con una certa alta probabilità, prove ed indizi.

Ma a tale obiezione io risponderei che ciò non è possibile, perché è proprio la ripugnanza ad entrare in un simile mondo politico che si identifica col mio potenziale coraggio intellettuale a dire la verità: cioè a fare i nomi.

Il coraggio intellettuale della verità e la pratica politica sono due cose inconciliabili in Italia.

All’intellettuale – profondamente e visceralmente disprezzato da tutta la borghesia italiana – si deferisce un mandato falsamente alto e nobile, in realtà servile: quello di dibattere i problemi morali e ideologici.

Se egli vien meno a questo mandato viene considerato traditore del suo ruolo: si grida subito (come se non si aspettasse altro che questo) al «tradimento dei chierici». Gridare al «tradimento dei chierici» è un alibi e una gratificazione per i politici e per i servi del potere.

Ma non esiste solo il potere: esiste anche un’opposizione al potere. In Italia questa opposizione è così vasta e forte, da essere un potere essa stessa: mi riferisco naturalmente al Partito comunista italiano.

E’ certo che in questo momento la presenza di un grande partito all’opposizione come il Partito comunista italiano è la salvezza dell’Italia e delle sue povere istituzioni democratiche.

Il Partito comunista italiano è un paese pulito in un paese sporco, un paese onesto in un paese disonesto, un paese intelligente in un paese idiota, un paese colto in un paese ignorante, un paese umanistico in un paese consumistico.

In questi ultimi anni tra il Partito comunista italiano, inteso in senso autenticamente unitario – in un compatto «insieme» di dirigenti, base e votanti – e il resto dell’Italia, si è aperto un baratro: per cui il Partito comunista italiano è divenuto appunto un «paese separato», un’isola. Ed è proprio per questo che esso può oggi avere rapporti stretti come non mai, col potere effettivo, corrotto, inetto, degradato: ma si tratta di rapporti diplomatici, quasi da nazione a nazione. In realtà le due morali sono incommensurabili, intese nella loro concretezza, nella loro totalità. E’ possibile, proprio su queste basi, prospettare quel «compromesso», realistico, che forse salverebbe l’Italia dal completo sfacelo: «compromesso» che sarebbe però in realtà una «alleanza» tra due Stati confinanti, o tra due Stati incastrati uno nell’altro.

Ma proprio tutto ciò che di positivo ho detto sul Partito comunista italiano, ne costituisce anche il momento relativamente negativo.

La divisione del paese in due paesi, uno affondato fino al collo nella degradazione e nella degenerazione, l’altro intatto e non compromesso, non può essere una ragione di pace e di costruttività. Inoltre, concepita, così come io l’ho qui delineata, credo oggettivamente, cioè come un paese nel paese, l’opposizione si identifica con un altro potere: che tuttavia è sempre potere.

Di conseguenza gli uomini politici di tale opposizione non possono non comportarsi anch’essi come uomini di potere.

Nel caso specifico, che in questo momento così drammaticamente ci riguarda, anch’essi hanno deferito all’intellettuale un mandato stabilito da loro. E, se l’intellettuale viene meno a questo mandato –    puramente morale e ideologico – ecco che egli è, con somma soddisfazione di tutti, un traditore.

Ora, perché neanche gli uomini politici dell’opposizione, se hanno –    come probabilmente hanno – prove o almeno indizi, non fanno i nomi dei responsabili reali, cioè politici, dei comici golpes e delle spaventose stragi di questi anni? E’ semplice: essi non li fanno nella misura in cui distinguono – a differenza di quanto farebbe un intellettuale – verità politica da pratica politica. E quindi, naturalmente, neanch’essi mettono al corrente di prove e indizi l’intellettuale non funzionario: non se lo sognano nemmeno, com’è del resto normale, data l’oggettiva situazione di fatto.

L’intellettuale deve continuare ad attenersi a quello che gli viene imposto come suo dovere, a iterare il proprio modo codificato di intervento.

Lo so bene che non è il caso – in questo particolare momento della storia italiana – di fare pubblicamente una mozione di sfiducia contro l’intera classe politica. Non è diplomatico, non è opportuno.

Ma queste sono categorie della politica, non della verità politica: quella che – quando può e come può – l’impotente intellettuale è tenuto a servire.

Ebbene, proprio perché io non posso fare i nomi dei responsabili dei tentativi di colpo di Stato e delle stragi (e non al posto di questo) io non posso non pronunciare la mia debole e ideale accusa contro l’intera classe politica italiana.

E lo faccio in quanto io credo alla politica, credo nei principi «formali» della democrazia, credo nel parlamento e credo nei partiti.

E naturalmente attraverso la mia particolare ottica che è quella di un comunista.

Sono pronto a ritirare la mia mozione di sfiducia (anzi non aspetto altro che questo) solo quando un uomo politico – non per opportunità, cioè non perché sia venuto il momento, ma piuttosto per creare la possibilità di tale momento – deciderà di fare i nomi dei responsabili dei colpi di Stato e delle stragi, che evidentemente egli sa, come me, ma su cui, a differenza di me, non può non avere prove, o almeno indizi.

Probabilmente – se il potere americano lo consentirà – magari decidendo «diplomaticamente» di concedere a un’altra democrazia ciò che la democrazia americana si è concessa a proposito di Nixon -questi nomi prima o poi saranno detti. Ma a dirli saranno uomini che hanno condiviso con essi il potere: come minori responsabili contro maggiori responsabili (e non è detto, come nel caso americano, che siano migliori). Questo sarebbe in definitiva il vero Colpo di Stato.