Num antigo e austero mosteiro habitava uma monja
muito jovem, chamada Beatriz, de grande piedade em sua vida religiosa e
profundamente devota de Santa Maria, a quem consagrara a metade de sua vida.
Continuamente a viam de
joelhos diante do seu altar, em fervorosa veneração, oferecendo sua esplêndida
juventude e angélica pureza à sua Santíssima Mãe.
A abadessa e todas as
irmãs do convento lhe professavam grande carinho, por sua bondade e doçura, e a
nomearam para o cargo de sacristã da igreja, que ela desempenhava com grande
zelo.
Porém, sendo Beatriz
extraordinariamente bela, despertou a paixão de um clérigo que freqüentava o
mosteiro. Tentou convencê-la a fugir do convento com ele. Mas Beatriz, que a
princípio resistia com firmeza, sentia desfalecer suas forças ante os embates
daquela forte tentação.
Procurava rezar, porém sua devoção se havia
convertido em aridez de espírito,
e sua imaginação voava muito longe, sentindo
fastio na oração. Numa ocasião em que a igreja estava deserta, o enamorado
conseguiu enfim que a monja consentisse em fugir com ele.
Antes
de partir, ela se prostrou de joelhos ante a Virgem, dizendo:
— Soberana Senhora, eu te servi honestamente durante a vida toda, até hoje,
e não posso conter esta força que me arrasta longe de ti. Entrego-te e te
encomendo as chaves desta igreja.
E depositando as chaves
sobre o altar, fugiu com o clérigo.
Transcorreu pouco tempo, e
o clérigo, uma vez satisfeita sua paixão, abandonou Beatriz, que caiu com a
alma desgarrada e grande confusão de espírito.
Sem atrever-se a voltar ao
convento, transformou-se numa mulher pública, levando vida ímpia e vergonhosa durante
quinze anos, torturada pelos remorsos de sua consciência e conservando uma vaga
esperança de perdão.
Passava um dia diante do
mosteiro, e sentiu o desejo de parar, para saber o que pensavam da irmã
sacristã.
Aproximou-se da porteira
do convento, e perguntou:
— Diga-me, irmã, como está Beatriz, a sacristã?
A porteira respondeu:
— Vai muito bem, tão santa
e devota como sempre, desempenhando maravilhosamente seu ofício de sacristia.
Todas as religiosas a admiram. Já está no convento há vinte e seis anos,
demonstrando grande piedade.
Beatriz ficou pensando nas
misteriosas palavras que acabava de ouvir, mas sem poder compreendê-las. Então
lhe apareceu a gloriosa Virgem, dizendo:
— Beatriz, minha filha, durante quinze anos, em
figura tua, Eu desempenho o ofício de sacristã. Volta ao mosteiro, e continua
servindo como se nunca tivesses saído, porque nada sabem de teu pecado. Crêem
que continuas em teu posto. Faze penitência para alcançar o perdão de teus
muitos pecados.
E nesse momento
desapareceu. Beatriz regressou ao convento, e voltando a tomar seus hábitos e
as chaves, continuou o ofício de sacristã, sem que ninguém chegasse a se dar
conta de sua volta.
Unicamente o confessor, a
quem revelou sua vida e seus pecados, era conhecedor daquele milagre.
Impôs-lhe severas
penitências, que Beatriz cumpriu com rigor, edificando suas companheiras com o
exemplo de suas virtudes heróicas e sua santa vida cheia de sacrifícios, para
expiar suas culpas.
Chegada sua última hora,
Beatriz chamou toda a comunidade, que a rodeou em seu leito de morte, e em alta
voz confessou seu pecado, descobrindo o prodígio de misericórdia operado por
Nossa Senhora, que durante quinze anos desempenhou por ela o cargo de sacristã.
Foi tudo isso atestado pelo confessor.
E morreu santamente
naquele instante.
Todas as monjas ficaram
admiradas daquele portento, e deram graças à sua Mãe Celestial, que havia feito
aquele favor para a religiosa.