Lembras-te ainda, Adelaide,
De nossa infância querida?
Daquele tempo ditoso,
Daquele sol tão formoso
Que dava encantos à vida?
Eu era como a florinha
Desabrochando medrosa;
Tu, alva cecém do vale,
Entreabrias em teu caule
Da aurora à luz d'ouro e rosa.
Nosso céu não tinha nuvens:
Nem uma aurora fulgia,
Nem uma ondina rolava,
Nem uma aragem passava
Que não desse uma alegria!
Tu me contavas teus sonhos.
De pureza imaculada;
Eflúvios de poesia,
Trenos de maga harmonia.
Eras sibila inspirada!
E à nossos seres repletos
Desse amor que não fenece,
(Como sorria a existência!
Quanto voto de inocência
Levava ao céu nossa prece!
Hoje que apenas cintila
Ao longe a estrela da vida,
Venho triste recordar-te
Esse passado, abraçar-te,
Minh'Adelaide querida!
Wednesday, 7 May 2025
Wednesday's Good Reading: "Recordação" by Narcisa Amália (in Portuguese)
Wednesday, 5 February 2025
Wednesday's Good Reading: "Aspiração" by Narcisa Amália (in Portuguese)
(A uma menina)
Folga e ri no começo da existência
Borboleta gentil!
GONÇALVES DIAS
Os lampejos azuis de teus olhos
Fazem n'alma brotar a esperança;
Dão venturas, ó meiga criança,
— Flor celeste no mundo entre abrolhos! —
Ora pendes a fronte na cisma,
Fatigada dos jogos, contente,
E mil sonhos, formosa inocente,
Fantasias às cores do prisma;
Ora voas ligeira entre clícias
Sacudindo fulgores, anjinho;
E o favônio te envia um carinho,
E as estrelas te ofertam blandícias!...
Mas se prende dos fúlgidos cílios
Alva pérola que a face te rora,
De teus lábios, na fala sonora,
Chovem, rolam sublimes idílios!
De tua boca na rubra granada
Caem santos mil beijos felizes!
Tuas asas de lindos matizes,
Ah! não rasgues do vício na estrada!
Wednesday, 11 December 2024
Wednesday's Good Reading: "A Rosa" by Narcisa Amália (in Portuguese).
Que impia mão te ceifou no ardor da sesta
Rosa de amor, rosa purpúrea e bela?
ALMEIDA GARRETT
Um dia em que perdida nas trevas da existência
Sem risos festivais, sem crenças de futuro,
Tentava do passado entrar no templo escuro,
Fitando a torva aurora de minha adolescência.
Volvi meu passo incerto à solidão do campo,
Lá onde não penetra o estrepitar do mundo;
Lá onde doura a luz o báratro profundo,
E a pálida lanterna acende o pirilampo.
E vi airosa erguer-se, por sobre a mole alfombra,
De uma roseira agreste a mais brilhante filha!
De púrpura e perfumes — a ignota maravilha,
Sentindo-se formosa, fugia à meiga sombra!
Ai, louca! Procurando o sol que abrasa tudo
Gazil se desatava à beira do caminho;
E o sol, ébrio de amor, no férvido carinho
Crestava-lhe o matiz do colo de veludo!
A flor dizia exausta à viração perdida:
“Ah! minha doce amiga abranda o ardor do raio!
Não vês? Jovem e bela eu sinto que desmaio
E em breve rolarei no solo já sem vida!
Ao casto peito uni a abelha em mil delírios
Sedenta de esplendor, vaidosa de meu brilho;
E agora embalde invejo o viço do junquilho,
E agora embalde imploro a candidez dos lírios!
Só me resta morrer! Ditosa a borboleta
Que agita as áureas asas e paira sobre a fonte;
Na onda perfumosa embebe a linda fronte
E goza almo frescor na balsa predileta!”
E a viração passou. E a flor abandonada
Ao sol tentou velar a face amortecida;
Mas do cálix gentil a pétala ressequida
Sobre a espiral de olores rolou no pó da estrada!
Assim da juventude se rasga o flóreo véu
E do talento a estátua no pedestal vacila;
Assim da mente esvai-se a ideia que cintila
E apenas resta ao crente — extremo asilo — o céu!
Saturday, 26 October 2024
Saturday's Good Readin: “Por que Sou Forte” by Narcisa Amália (in Portuguese)
(A Ezequiel Freire)
Dirás que é falso. Não. É certo. Desço
Ao fundo d'alma toda vez que hesito...
Cada vez que uma lágrima ou que um grito
Trai-me a angústia — ao sentir que desfaleço...
E toda assombro, toda amor, confesso,
O limiar desse país bendito
Cruzo: — aguardam-me as festas do infinito!
O horror da vida, deslumbrada, esqueço!
É que há dentro vales, céus, alturas,
Que o olhar do mundo não macula, a terna
Lua, flores, queridas criaturas,
E soa em cada moita, em cada gruta,
A sinfonia da paixão eterna!...
— E eis-me de novo forte para a luta.