Que impia mão te ceifou no ardor da sesta
Rosa de amor, rosa purpúrea e bela?
ALMEIDA GARRETT
Um dia em que perdida nas trevas da existência
Sem risos festivais, sem crenças de futuro,
Tentava do passado entrar no templo escuro,
Fitando a torva aurora de minha adolescência.
Volvi meu passo incerto à solidão do campo,
Lá onde não penetra o estrepitar do mundo;
Lá onde doura a luz o báratro profundo,
E a pálida lanterna acende o pirilampo.
E vi airosa erguer-se, por sobre a mole alfombra,
De uma roseira agreste a mais brilhante filha!
De púrpura e perfumes — a ignota maravilha,
Sentindo-se formosa, fugia à meiga sombra!
Ai, louca! Procurando o sol que abrasa tudo
Gazil se desatava à beira do caminho;
E o sol, ébrio de amor, no férvido carinho
Crestava-lhe o matiz do colo de veludo!
A flor dizia exausta à viração perdida:
“Ah! minha doce amiga abranda o ardor do raio!
Não vês? Jovem e bela eu sinto que desmaio
E em breve rolarei no solo já sem vida!
Ao casto peito uni a abelha em mil delírios
Sedenta de esplendor, vaidosa de meu brilho;
E agora embalde invejo o viço do junquilho,
E agora embalde imploro a candidez dos lírios!
Só me resta morrer! Ditosa a borboleta
Que agita as áureas asas e paira sobre a fonte;
Na onda perfumosa embebe a linda fronte
E goza almo frescor na balsa predileta!”
E a viração passou. E a flor abandonada
Ao sol tentou velar a face amortecida;
Mas do cálix gentil a pétala ressequida
Sobre a espiral de olores rolou no pó da estrada!
Assim da juventude se rasga o flóreo véu
E do talento a estátua no pedestal vacila;
Assim da mente esvai-se a ideia que cintila
E apenas resta ao crente — extremo asilo — o céu!