Introdução
De
fato, pode causar espanto que, em contraste com as assembleias anteriores,
desta vez o sínodo dos bispos se ocupe exclusivamente de uma região da terra
cuja população é apenas a metade daquela da Cidade do México, ou seja, 4
milhões. Isto também causa suspeita no tocante às verdadeiras intenções que alguns
gostariam de ver implementadas sub-repticiamente. Mas, acima de tudo, devemos
nos perguntar quais são os conceitos de religião, de cristianismo e de Igreja
que são a base do recém-publicado “Instrumentum laboris”. Tudo isso será
examinado com o apoio de elementos individuais do texto.
Por que um sínodo nessa região?
Para
começar, precisamos nos perguntar por que um sínodo de bispos deveria tratar de
temas que — como é o caso de três quartos do “Instrumentum laboris” — têm só
marginalmente algo relacionado com os Evangelhos e a Igreja. Obviamente, que a
partir deste sínodo de bispos, realiza-se uma intromissão agressiva em assuntos
puramente mundanos do Estado e da sociedade do Brasil. Há que se perguntar: o
que a ecologia, a economia e a política têm a ver com o mandato e a missão da
Igreja?
E acima
de tudo: que competência profissional e autoridade tem um sínodo eclesial de
bispos para emitir declarações nesses campos?
Se o
sínodo dos bispos realmente o fizesse, isso constituiria uma invasão e uma presunção
clerical, que as autoridades estatais teriam todo motivos para repelir.
Sobre as religiões naturais e a inculturação
Há
outro elemento a se levar em conta, que é encontrado em todo o “Instrumentum
laboris”: vale dizer, a avaliação muito positiva das religiões naturais,
incluindo práticas curativas indígenas e similares, bem como práticas e formas
de cultos mítico-religiosos. No contexto do chamado à harmonia com a natureza,
fala-se até de diálogo com os espíritos (nº 75).
Não é
apenas o ideal do “bom selvagem” esboçado por Rousseau e pelo Iluminismo, que
aqui é comparado com o decadente homem europeu. Essa linha de pensamento vai
além, até o século XX, culminando com uma idolatria panteísta da natureza.
Hermann
Claudius (1913) criou o hino do movimento operário socialista: “Quando andamos
lado a lado …”, e numa estrofe se lê: “Verde das bétulas e verde das sementes,
que a velha Mãe Terra semeia com as mãos cheias, com um gesto de súplica para
que o homem se torne seu … “. Vale notar que este texto foi posteriormente
copiado no livro de cânticos da Juventude Hitlerista, provavelmente porque
correspondia ao mito do “sangue e solo” nacional-socialista. Esta proximidade
ideológica deve ser enfatizada: esta rejeição anti-racional da cultura
“ocidental” que sublinha a importância da razão, é típica do “Instrumentum
laboris”, que fala respectivamente da “Mãe Terra” no n. 44 e do “grito da terra
e dos pobres” no n.101.
Consequentemente,
o território – isto é, as florestas da região amazônica – pasmem, vem até
declarado como um “locus theologicus”, uma fonte especial de revelação divina.
Nela haveria lugares de uma epifania em que se manifestam as reservas de vida e
sabedoria do planeta e que falam de Deus (nº 19). Além disso, a conseqüente
regressão do Logos ao Mythos é elevada a um critério do que o “Instrumentum
laboris” chama de inculturação da Igreja. O resultado é uma religião natural
com uma máscara cristã.
A noção
de inculturação é aqui virtualmente distorcida, pois na verdade significa o
oposto do que a Comissão Teológica Internacional havia apresentado em 1988 e
diferente do que havia ensinado anteriormente o decreto “Ad Gentes” do Concílio
Vaticano II, sobre a atividade missionária da Igreja.
Sobre a abolição do celibato e a introdução de uma sacerdócio feminino
É
impossível esconder o fato de que esse “sínodo” visa particularmente
implementar dois dos projetos mais ambicionados e que nunca foram implementados
até agora: a abolição do celibato e a introdução de um sacerdócio feminino, a
começar por mulheres diáconas (ou diaconisas). Em todo caso, trata-se de “levar
em conta o papel central que as mulheres desempenham hoje na Igreja da
Amazônia” (nº 129 a3). E da mesma forma, é uma questão de “abrir novos espaços
para se recriar os ministérios adequados a este momento histórico. Chegou a
hora de ouvir a voz da Amazônia … “(n. 43).
Mas
aqui se omite o fato de que, conclusivamente, até mesmo João Paulo II já havia afirmado,
com a mais alta autoridade magisterial, que não está no poder da Igreja
administrar o sacramento da ordem às mulheres. De fato, em dois mil anos, a
Igreja nunca administrou o sacramento da ordem a uma mulher. O pedido que se
coloca em oposição direta a este fato mostra que a palavra “Igreja” é agora
usada exclusivamente como termo sociológico pelos autores do “Instrumentum
laboris”, implicitamente negando o caráter sacramental-hierárquico da Igreja.
Sobre a negação do caráter hierárquico-sacramental da Igreja
De
maneira semelhante – embora com expressões bastante passageiras – o n. 127
contém um ataque direto à constituição hierárquico-sacramental da Igreja,
quando se pergunta se não seria oportuno “reconsiderar a ideia de que o
exercício da jurisdição (poder do governo) deve estar conectado em todas as
áreas (sacramental, judicial, administrativo) e de maneira permanente ao
sacramento da ordem”. É a partir dessa visão tão errada que surge no n. 129, o
pedido para se criar novos ofícios que correspondam às necessidades dos povos
amazônicos.
Todavia,
é no campo da liturgia e do culto, no qual a ideologia de uma inculturação
falsamente entendida encontra sua expressão de maneira particularmente
espetacular. Aqui, algumas formas das religiões naturais são assumidas
positivamente. O “Instrumentum laboris” (n. 126) não se retrai em pedir que “os
povos pobres e simples” possam expressar “a sua (!) Fé através de imagens,
símbolos, tradições, ritos e outros sacramentos (!!)” .
Isto
certamente não corresponde aos preceitos da constituição “Sacrosanctum
Concilium” e nem aos do decreto “Ad gentes” sobre a atividade missionária da
Igreja, e mostra uma compreensão puramente horizontal da liturgia.
Conclusão
“Summa
summarum”: o “Instrumentum laboris” faz pesar sobre o sínodo dos bispos e,
definitivamente, sobre o próprio papa uma violação grave do “Depositum Fidei”,
que significa como consequência, a autodestruição da Igreja ou a transformação
do “Corpus Christi Mysticum” em uma espécie de ONG secular com um papel
ecológico-social-psicológico.
Depois
dessas observações, naturalmente, abrem-se outras questões: pode-se encontrar
aqui, especialmente no que diz respeito à estrutura hierárquica sacramental da
Igreja, uma ruptura decisiva com a Tradição Apostólica como constitutiva da
Igreja, ou melhor, os autores têm noção do desenvolvimento da doutrina que está
sendo teologicamente substituído, a fim de justificar as rupturas acima
mencionadas?
Este
parece ser realmente o caso. Estamos testemunhando uma nova forma do Modernismo
clássico do início do século XX. Na época, deu-se início a uma abordagem
decididamente evolucionista e depois foi apoiada a idéia de que, no curso do
contínuo desenvolvimento do homem a níveis mais elevados, seriam encontrados
igualmente níveis mais elevados de consciência e cultura, o que significaria
que o que era falso ontem poderia ser verdade hoje. Essa dinâmica evolutiva
também foi aplicada à religião, isto é, à consciência religiosa com suas
manifestações na doutrina, no culto e, naturalmente, também na moralidade.
Mas
aqui, então, pressupõe-se uma compreensão do desenvolvimento do dogma que é
claramente oposto ao entendimento católico genuíno. Este último compreende o
desenvolvimento do dogma e da Igreja não como uma mudança, mas sim como um
desenvolvimento orgânico de um assunto que permanece fiel à sua identidade.
É isso
que os Concílios Vaticano I e II nos ensinam em suas constituições “Dei
Filius”, “Lumen Gentium” e “Dei Verbum”.
Portanto,
deve ser dito hoje com força que o “Instrumentum laboris” contradiz o
ensinamento vinculante da Igreja em pontos decisivos e, portanto, deve ser
qualificado como um documento herético. Dado que mesmo o fato da revelação
divina é aqui questionado, ou mal entendido, deve-se também falar, que além
disso, é apóstata.
Isto é
ainda mais justificado à luz do fato de que o “Instrumentum laboris” usa uma
noção puramente imanentista da religião e considera a religião como o resultado
e a forma de expressão da experiência espiritual pessoal do homem. O uso de
palavras e noções cristãs não consegue esconder que elas são simplesmente
usadas como palavras vazias, independentemente do seu significado original.
O
“Instrumentum laboris” para o sínodo da Amazônia constitui um ataque aos
fundamentos da fé, de uma forma que até hoje não foi considerado possível. E,
portanto, deve ser rejeitado com a máxima firmeza.