SOLENIDADE NA CONCLUSÃO DO
«ANO DA FÉ» PROCLAMADO POR OCASIÃO DO XIX CENTENÁRIO DO MARTÍRIO DOS APÓSTOLOS
PEDRO E PAULO EM ROMA
Veneráveis irmãos e diletos
filhos:
1. Encerramos, com
esta Liturgia solene, tanto a celebração do XIX centenário do martírio dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo, como este ano que denominamos "Ano da
Fé". Nós o dedicamos à comemoração dos Apóstolos, não só com a intenção de
testemunhar nossa vontade inquebrantável de conservar sem corrupção o depósito
da Fé (cf. 1Tm 6, 20) que eles nos transmitiram, senão também para confirmar o
nosso propósito de relacionar a mesma Fé com a vida dos tempos atuais, em que a
Igreja deve peregrinar no mundo.
2. Sentimo-nos na
obrigação de agradecer publicamente a todos os fiéis que responderam ao nosso
convite, fazendo com que o "Ano da Fé" produzisse o máximo de frutos,
quer por uma adesão mais profunda à Palavra de Deus, quer pela renovação da
profissão de fé em muitas comunidades, quer pela confirmação da própria fé, com
o testemunho de uma vida autenticamente cristã. Por isso, ao mesmo tempo que
expressamos nosso reconhecimento, sobretudo a nossos Irmãos no Episcopado e a
todos os filhos da Santa Igreja, queremos dar-lhes nossa Bênção Apostólica.
3. Julgamos ainda que
devemos cumprir o mandato, conferido por Cristo a Pedro, de quem somos
Sucessor, embora o último na ordem dos méritos, a saber: o de confirmar na fé
os irmãos (Lc 22, 32). Portanto, ainda que estejamos conscientes de nossa
pequenez, contando porém com toda a força desse mandato que nos impele, vamos
fazer uma profissão de fé, recitar uma fórmula de "Credo" que, embora
não se deva chamar estritamente definição dogmática, contudo repete, quanto à
substância, a fórmula de Nicéia ― a fórmula da imortal Tradição da Santa Igreja
de Deus ― com algumas explicações exigidas pelas condições espirituais de nossa
época.
4. Ao fazer isto, bem
sabemos que perturbações em relação à fé agitam hoje certos grupos de homens.
Eles não escaparam à influência de um mundo que se está transformando
profundamente e no qual tantas verdades são postas em discussão ou totalmente
negadas. Mais ainda: vemos que até alguns católicos se deixam dominar por uma
espécie de sede de mudança e novidades. A Igreja, sem dúvida, julga ser de sua
obrigação continuar sempre o seu esforço em penetrar mais e mais os insondáveis
mistérios de Deus, ricos de tantos frutos de salvação para todos, e em
apresentá-los ao mesmo tempo, de modo cada vez mais apto, às gerações que se
sucedem. Mas é preciso juntamente empregar o máximo cuidado a fim de que, ao
cumprir o necessário dever da investigação, não se destruam verdades da
doutrina cristã. Se isto acontecesse ― e vemos dolorosamente como hoje de fato
acontece ― iria causar perturbação e dúvida no espírito de muitos fiéis.
5. A este respeito,
muito importa advertir que, além daquilo que se pode observar e reconhecer
cientificamente, a inteligência que Deus nos deu atinge o que é e não só as
expressões subjetivas das chamadas estruturas ou da evolução da consciência
humana. Aliás, devemos lembrar que pertence à interpretação ou hermenêutica,
depois de examinar a palavra que foi pronunciada, procurarmos compreender e
distinguir o sentido subjacente a qualquer texto e não inventar de certo modo
esse sentido, segundo hipóteses arbitrárias.
6. Acima de tudo,
porém, confiamos firmissimamente no Espírito Santo ― alma da Igreja ― e na fé
teologal, em que se sustenta a vida do Corpo Místico. Por outra parte, não
ignorando que o povo espera a palavra do Vigário de Cristo, correspondemos a
essa expectativa com alocuções e homilias, que proferimos bem frequentemente.
Hoje, todavia, se nos oferece a oportunidade para pronunciar uma palavra mais
solene.
7. Neste dia, pois,
que escolhemos para encerramento do "Ano da Fé", nesta solenidade dos
Santos Apóstolos Pedro e Paulo, queremos prestar à Majestade Suprema de Deus a
homenagem de uma profissão de fé. E como outrora, em Cesaréia de Felipe, Simão
Pedro, em nome dos Doze Apóstolos, à margem das opiniões humanas, confessou ser
Cristo verdadeiramente o Filho de Deus vivo, assim também hoje o seu humilde
sucessor, Pastor da Igreja universal, em nome de todo o Povo de Deus, eleva a
sua voz para dar firmíssimo testemunho da Verdade divina, que só foi confiada à
Igreja para que ela anuncie a todas as nações. Queremos que esta nossa
profissão de fé seja suficientemente explícita e completa para satisfazer, de
maneira adequada, à necessidade de luz que angustia a tantos fiéis e a todos
aqueles que no mundo buscam a Verdade, seja qual for o grupo espiritual a que
pertençam. Portanto, para a glória de Deus onipotente e Senhor nosso, Jesus
Cristo; confiando no auxílio da Santíssima Virgem Maria e dos Bem-Aventurados
Pedro e Paulo; para utilidade e progresso espiritual da Igreja; em nome de
todos os sagrados Pastores e de todos os fiéis cristãos; em plena comunhão
convosco, irmãos e filhos caríssimos, vamos pronunciar agora esta profissão de
fé:
8. Cremos em um só
Deus ― Pai, Filho e Espírito Santo ― Criador das coisas visíveis ― como este
mundo, onde se desenrola nossa vida passageira ―, Criador das coisas invisíveis
― como são os puros espíritos, que também chamamos anjos [1] ―, Criador igualmente, em cada homem, da alma
espiritual e imortal [2].
9. Cremos que este
Deus único é tão absolutamente uno em sua essência santíssima como em todas as
suas demais perfeições: na sua onipotência, na sua ciência infinita, na sua
providência, na sua vontade e no seu amor. Ele é Aquele que é, conforme Ele
próprio revelou a Moisés (cf. Ex 3, 14); Ele é Amor como nos ensinou o Apóstolo
São João (cf. 1Jo 4, 8); de tal maneira que estes dois nomes ― Ser e Amor ―
exprimem inefavelmente a mesma divina essência Daquele que se quis manifestar a
nós e que, habitando uma luz inacessível (cf 1Tm 6,16), está, por si mesmo,
acima de todo nome, de todas as coisas e de todas as inteligências criadas. Só
Deus pode dar-nos um conhecimento exato e pleno de si mesmo, revelando-se como
Pai, Filho e Espírito Santo, de cuja vida eterna somos pela graça chamados a
participar, aqui na terra, na obscuridade da fé, e, depois da morte, na luz
sempiterna. As relações mútuas, que constituem eternamente as Três Pessoas,
sendo, cada uma delas, o único e mesmo Ser Divino, perfazem a bem-aventurada
vida íntima do Deus Santíssimo, infinitamente acima de tudo o que podemos
conceber à maneira humana [3]. Entretanto,
rendemos graças à Bondade divina pelo fato de poderem numerosíssimos crentes
dar testemunho conosco, diante dos homens, sobre a unidade de Deus, embora não
conheçam o mistério da Santíssima Trindade.
10. Cremos, portanto,
em Deus Pai que desde toda a eternidade gera o Filho; cremos no Filho, Verbo de
Deus que é eternamente gerado; cremos no Espírito Santo, Pessoa incriada, que
procede do Pai e do Filho como Amor sempiterno de ambos. Assim nas três Pessoas
Divinas que são igualmente eternas e iguais entre si [4],
a vida e a felicidade de Deus perfeitamente uno superabundam e se consumam na
superexcelência e glória próprias da Essência incriada; e sempre se deve
venerar a unidade na Trindade e a Trindade na unidade [5].
11. Cremos em Nosso
Senhor Jesus Cristo, o Filho de Deus. Ele é o Verbo eterno, nascido do Pai
antes de todos os séculos e consubstancial ao Pai, homoousious to Patri. Por
Ele tudo foi feito. Encarnou por obra do Espírito Santo, de Maria Virgem, e se
fez homem. Portanto, é igual ao Pai, segundo a divindade, mas inferior ao Pai,
segundo a humanidade[6], absolutamente uno, não
por uma confusão de naturezas (que é impossível), mas pela unidade da pessoa [7].
12. Ele habitou entre
nós, cheio de graça e de verdade. Anunciou e fundou o Reino de Deus,
manifestando-nos em si mesmo o Pai. Deu-nos o seu mandamento novo de nos
amarmos uns aos outros como Ele nos amou. Ensinou-nos o caminho das
bem-aventuranças evangélicas, isto é: a ser pobres de espírito e mansos, a
tolerar os sofrimentos com paciência, a ter sede de justiça, a ser
misericordiosos, puros de coração e pacíficos, a suportar perseguição por causa
da virtude. Padeceu sob Pôncio Pilatos, Cordeiro de Deus que carregou os
pecados do mundo, e morreu por nós pregado na Cruz, trazendo-nos a salvação
pelo seu Sangue redentor. Foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia pelo seu
próprio poder, elevando-nos por esta sua ressurreição a participarmos da vida
divina que é a graça. Subiu ao céu, de onde há de vir novamente, mas então com
glória, para julgar os vivos e os mortos, a cada um segundo os seus méritos: os
que corresponderam ao Amor e à Misericórdia de Deus irão para a vida eterna;
porém os que os tiverem recusado até a morte serão destinados ao fogo que nunca
cessará. E o seu reino não terá fim.
13. Cremos no
Espírito Santo, Senhor que dá a vida e que com o Pai e o Filho é juntamente
adorado e glorificado. Foi Ele que falou pelos profetas e nos foi enviado por
Jesus Cristo, depois de sua ressurreição e ascensão ao Pai. Ele ilumina,
vivifica, protege e governa a Igreja, purificando seus membros, se estes não
rejeitam a graça. Sua ação, que penetra no íntimo da alma, torna o homem capaz
de responder àquele preceito de Cristo: "Sede perfeitos como perfeito é o
vosso Pai celeste" (cf. Mt 5, 48).
14. Cremos que Maria
Santíssima, que permaneceu sempre Virgem, tornou-se Mãe do Verbo Encarnado,
nosso Deus e Salvador, Jesus Cristo [8]; e que
por motivo desta eleição singular, em consideração dos méritos de seu Filho,
foi remida de modo mais sublime [9], e
preservada imune de toda a mancha do pecado original [10];
e que supera de longe todas as demais criaturas, pelo dom de uma graça insigne [11].
15. Associada por um
vínculo estreito e indissolúvel aos mistérios da Encarnação e da Redenção [12], a Santíssima Virgem Maria, Imaculada, depois de
terminar o curso de sua vida terrestre, foi elevada em corpo e alma à glória
celestial [13]; e, tornada semelhante a seu
Filho, que ressuscitou dentre os mortos, participou antecipadamente da sorte de
todos os justos. Cremos que a Santíssima Mãe de Deus, nova Eva, Mãe da Igreja [14], continua no céu a desempenhar seu ofício
materno, em relação aos membros de Cristo, cooperando para gerar e desenvolver
a vida divina em cada uma das almas dos homens que foram remidos [15].
16. Cremos que todos
pecaram em Adão; isto significa que a culpa original, cometida por ele, fez com
que a natureza, comum a todos os homens, caísse num estado no qual padece as
consequências dessa culpa. Tal estado já não é aquele em que no princípio se encontrava
a natureza humana em nossos primeiros pais, uma vez que se achavam constituídos
em santidade e justiça, e o homem estava isento do mal e da morte. Portanto, é
esta natureza assim decaída, despojada de dom da graça que antes a adornava,
ferida em suas próprias forças naturais e submetidas ao domínio da morte, é
esta que é transmitida a todos os homens. Exatamente neste sentido, todo homem
nasce em pecado. Professamos pois, segundo o Concílio de Trento, que o pecado
original é transmitido juntamente com a natureza humana, pela propagação e não
por imitação, e se acha em cada um como próprio [16].
17. Cremos que Nosso
Senhor Jesus Cristo, pelo Sacrifício da Cruz, nos remiu do pecado original e de
todos os pecados pessoais, cometidos por cada um de nós; de sorte que se impõe
como verdadeira a sentença do Apóstolo: "onde abundou o delito,
superabundou a graça" (cf. Rm 5, 20).
18. Cremos
professando num só Batismo, instituído por Nosso Senhor Jesus Cristo para a
remissão dos pecados. O Batismo deve ser administrado também às crianças que
não tenham podido cometer por si mesmas pecado algum; de modo que, tendo
nascido com a privação da graça sobrenatural, renasçam da água e do Espírito
Santo para a vida divina em Jesus Cristo [17].
19.Cremos na Igreja
una, santa, católica e apostólica, edificada por Jesus Cristo sobre a pedra que
é Pedro. Ela é o Corpo Místico de Cristo, sociedade visível, estruturada em
órgãos hierárquicos e, ao mesmo tempo, comunidade espiritual. Igreja terrestre,
Povo de Deus peregrinando aqui na terra, e Igreja enriquecida de bens celestes,
germe e começo do Reino de Deus, por meio do qual a obra e os sofrimentos da
Redenção continuam ao longo da história humana, aspirando com todas as forças a
consumação perfeita, que se conseguirá na glória celestial após o fim dos
tempos [18]. No decurso do tempo, o Senhor Jesus
forma a sua Igreja pelos Sacramentos que emanam de sua plenitude [19]. Por eles a Igreja faz com que seus membros
participem do mistério da Morte e Ressurreição de Jesus Cristo, pela graça do
Espírito Santo que a vivifica e move [20]. Por
conseguinte, ela é santa, apesar de incluir pecadores no seu seio; pois em si
mesma não goza de outra vida senão a vida da graça. Se realmente seus membros
se alimentam dessa vida, se santificam; se dela se afastam, contraem pecados e
impurezas espirituais, que impedem o brilho e a difusão de sua santidade. É por
isso que ela sofre e faz penitência por esses pecados, tendo o poder de livrar
deles a seus filhos, pelo Sangue de Cristo e pelo dom do Espírito Santo.
20. Herdeira das
promessas divinas e filha de Abraão segundo o Espírito, por meio daquele povo
de Israel, cujos livros sagrados guarda com amor e cujos Patriarcas e Profetas
venera com piedade; edificada sobre o fundamento dos Apóstolos, cuja palavra
sempre viva e cujos poderes, próprios de Pastores, vem transmitindo fielmente
de geração em geração, no sucessor de Pedro e nos Bispos em comunhão com ele;
gozando enfim da perpétua assistência do Espírito Santo, a Igreja tem o encargo
de conservar, ensinar, explicar e difundir a Verdade que Deus revelou aos
homens, veladamente de certo modo pelos Profetas, e plenamente pelo Senhor
Jesus. Nós cremos todas essas coisas que estão contidas na Palavra de Deus por
escrito ou por tradição, e que são propostas pela Igreja, quer em declaração
solene quer no Magistério ordinário e universal, para serem cridas como
divinamente reveladas [21]. Nós cremos na
infalibilidade de que goza o Sucessor de Pedro, quando fala ex cathedra [22], como Pastor e Doutor de todos os cristãos e que
reside também no Colégio dos Bispos, quando com o Papa exerce o Magistério
supremo [23].
21. Cremos que a
Igreja, fundada por Cristo e pela qual Ele orou, é indefectivelmente una, na
fé, no culto e no vínculo da comunhão hierárquica [24].
No seio desta Igreja, a riquíssima variedade dos ritos litúrgicos e a
diversidade legítima do patrimônio teológico e espiritual ou de disciplinas
peculiares, longe de prejudicar a unicidade, antes a declaram [25].
22. Reconhecendo
também que fora da estrutura da Igreja de Cristo existem muitos elementos de
santificação e de verdade, que como dons próprios da mesma Igreja impelem à
unidade católica [26], e crendo, por outra
parte, na ação do Espírito Santo que suscita em todos os discípulos de Cristo o
desejo desta unidade [27], esperamos que os
cristãos que ainda não gozam da plena comunhão com a única Igreja, se unam
afinal num só rebanho sob um único Pastor.
23. Cremos que a
Igreja é necessária para a Salvação, pois só Cristo é o Mediador e caminho da
salvação, e Ele se torna presente a nós no seu Corpo que é a Igreja [28]. Mas o desígnio divino da Salvação abrange a
todos os homens; e aqueles que, ignorando sem culpa o Evangelho de Cristo e sua
Igreja, procuram todavia a Deus com sincero coração, e se esforçam, sob o
influxo da graça, por cumprir com obras a sua vontade, conhecida pelo ditame da
consciência, também esses, em número aliás que somente Deus conhece, podem
conseguir a salvação eterna [29].
24. Cremos que a
Missa, celebrada pelo sacerdote, que representa a pessoa de Cristo, em virtude
do poder recebido no sacramento da Ordem, e oferecida por ele em nome de Cristo
e dos membros do seu Corpo Místico, é realmente o Sacrifício do Calvário, que
se torna sacramentalmente presente em nossos altares. Cremos que, como o Pão e
o Vinho consagrados pelo Senhor, na última ceia, se converteram no seu Corpo e
Sangue, que logo iam ser oferecidos por nós na Cruz; assim também o Pão e o
Vinho consagrados pelo sacerdote se convertem no Corpo e Sangue de Cristo que
assiste gloriosamente no céu. Cremos ainda que a misteriosa presença do Senhor,
debaixo daquelas espécies que continuam aparecendo aos nossos sentidos do mesmo
modo que antes, é uma presença verdadeira, real e substancial [30].
25. Neste sacramento,
pois, Cristo não pode estar presente de outra maneira a não ser pela mudança de
toda a substância do pão no seu Corpo, e pela mudança de toda a substância do
vinho no seu Sangue, permanecendo apenas inalteradas as propriedades do pão e
do vinho, que percebemos com os nossos sentidos. Esta mudança misteriosa é
chamada pela Igreja com toda a exatidão e conveniência transubstanciação.
Assim, qualquer interpretação de teólogos, buscando alguma inteligência deste
mistério, para que concorde com a fé católica, deve colocar bem a salvo que na
própria natureza das coisas, isto é, independentemente do nosso espírito, o pão
e o vinho deixaram de existir depois da consagração, de sorte que o Corpo
adorável e o Sangue do Senhor Jesus estão na verdade diante de nós, debaixo das
espécies sacramentais do pão e do vinho [31],
conforme o mesmo Senhor quis, para se dar a nós em alimento e para nos associar
pela unidade do seu Corpo Místico [32].
26. A única e
indivisível existência de Cristo nosso Senhor, glorioso no céu, não se
multiplica mas se torna presente pelo Sacramento, nos vários lugares da terra,
onde o Sacrifício Eucarístico é celebrado. E depois da celebração do
Sacrifício, a mesma existência permanece presente no Santíssimo Sacramento, o
qual no sacrário do altar é como o coração vivo de nossas igrejas. Por isso
estamos obrigados, por um dever certamente suavíssimo, a honrar e adorar, na
Sagrada Hóstia que os nossos olhos vêem, ao próprio Verbo Encarnado que eles
não podem ver, e que, sem ter deixado o céu, se tornou presente diante de nós.
27. Confessamos
igualmente que o Reino de Deus, começado aqui na terra na Igreja de Cristo,
"não é deste mundo" (cf. Jo 18, 36), "cuja figura passa"
(cf. 1Cor 7, 31), e também que o seu crescimento próprio não pode ser confundido
com o progresso da cultura humana ou das ciências e artes técnicas; mas
consiste em conhecer, cada vez mais profundamente, as riquezas insondáveis de
Cristo, em esperar sempre com maior firmeza os bens eternos, em responder mais
ardentemente ao amor de Deus, enfim em difundir-se cada vez mais largamente a
graça e a santidade entre os homens. Mas com o mesmo amor, a Igreja é impelida
a interessar-se continuamente pelo verdadeiro bem temporal dos homens. Pois,
não cessando de advertir a todos os seus filhos que eles "não possuem aqui
na terra uma morada permanente" (cf. Hb 13, 14), estimula-os também a que
contribuam, segundo as condições e os recursos de cada um, para o
desenvolvimento da própria sociedade humana; promovam a justiça, a paz e a
união fraterna entre os homens; e prestem ajuda a seus irmãos, sobretudo aos
mais pobres e mais infelizes. Destarte, a grande solicitude com que a Igreja,
Esposa de Cristo, acompanha as necessidades dos homens, isto é, suas alegrias e
esperanças, dores e trabalhos, não é outra coisa senão o ardente desejo que a
impele com força a estar presente junto deles, tencionando iluminá-los com a
luz de Cristo, congregar e unir a todos Naquele que é o seu único Salvador. Tal
solicitude entretanto, jamais se deve interpretar como se a Igreja se
acomodasse às coisas deste mundo, ou se tivesse resfriado no fervor com que ela
mesma espera seu Senhor e o Reino eterno.
28. Cremos na vida
eterna. Cremos que as almas de todos aqueles que morrem na graça de Cristo ―
quer as que se devem ainda purificar no fogo do Purgatório, quer as que são
recebidas por Jesus no Paraíso, logo que se separam do corpo, como sucedeu com
o Bom Ladrão ―, formam o Povo de Deus para além da morte, a qual será
definitivamente vencida no dia da Ressurreição, em que estas almas se reunirão
a seus corpos.
29. Cremos que a
multidão das almas, que já estão reunidas com Jesus e Maria no Paraíso,
constituem a Igreja do céu, onde gozando da felicidade eterna, vêem Deus como
Ele é (cf. 1Jo 3, 2) [33], e participam com os
santos Anjos, naturalmente em grau e modo diverso, do governo divino exercido
por Cristo glorioso, uma vez que intercedem por nós e ajudam muito a nossa
fraqueza, com a sua solicitude fraterna [34].
30. Cremos na
comunhão de todos os fiéis de Cristo, a saber: dos que peregrinam sobre a
terra, dos defuntos que ainda se purificam e dos que gozam da bem-aventurança
do céu, formando todos juntos uma só Igreja. E cremos igualmente que nesta
comunhão dispomos do amor misericordioso de Deus e dos seus Santos, que estão
sempre atentos para ouvir as nossas orações, como Jesus nos garantiu:
"Pedi e recebereis" (cf. Lc 11, 9-10; Jo 16, 24). Professando está fé
e apoiados nesta esperança, nós aguardamos a ressurreição dos mortos e a vida
do século futuro.
Bendito
seja Deus: Santo, Santo, Santo! Amém.
Pronunciado diante da Basílica de São Pedro, dia
30 de junho do ano de 1968,
sexto de nosso Pontificado.
PAPA PAULO VI
Notas
[1] cf. Concílio Vaticano
I, Constituição Dogmática Dei Filius.
[2] cf. Encíclica Humani
Generis; Concílio de Latrão V.
[3] cf. Concílio Vaticano
I, Constituição Dogmática Dei Filius.
[4] Símbolo Quicumque, n.
75.
[5] Ibidem.
[6] Ibid. nº 76.
[7] Ibidem.
[8] cf. Concílio de Éfeso:
251-252.
[9] cf. Concílio Vaticano
II, Constituição Dogmática Lumen Gentium, 53.
[10] cf. Pio IX, Bula
Ineffabilis Deus.
[11] cf. Lumen Gentium, 53.
[12] cf. ibidem 53, 58 e
61.
[13] cf. Constituição
Apostólica Munificentissimus Deus.
[14] cf. Lumen Gentium, 53,
56, 61 e 63; Paulo VI, alocução na conclusão da 3ª Sessão do Concílio Vaticano
II; Exortação Apostólica Signum Magnum.
[15] cf. Lumen Gentium, 62,
Paulo VI, Exortação Apostólica Signum Magnum.
[16] cf. Concílio de
Trento, Decreto sobre o pecado original.
[17] cf. Concílio de
Trento, ibid.
[18] cf. Lumen Gentium, 8 e
50.
[19] cf. ibid. 7 e 11.
[20] cf. Concílio Vaticano
II, Constituição Sacrosanctum Concilium 5 e 6; Lumen Gentium, 7, 12 e 50.
[21] cf. Concílio Vaticano
I, constituição Dei Filius.
[22] cf. ibid.,
Constituição Pastor Aeternus.
[23] cf. Lumen Gentium, 25.
[24] cf. ibid, 8, 18 a 23;
Decreto Unitatis Redintegratio.
[25] cf. Lumen Gentium, 23;
decreto Orientalium Ecclesiarum 2, 3, 5 e 6.
[26] cf. Lumen Gentium, 8.
[27] cf. ibid. 15.
[28] cf. ibid. 14.
[29] cf. ibid. 16.
[30] cf. Concílio de
Trento, Sessão 13, Decreto sobre a Eucaristia.
[31] cf. ibid.; Paulo VI,
Encíclica Mysterium Fidei.
[32] cf. Suma Teológica
III, q. 73, a. 3.
[33] cf. Bento XII,
Constituição Benedictus Deus.
[34]cf. Lumen Gentium, 49.