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Saturday, 1 November 2025

Saturday's Good Reading; “Abaixo a Verdade” by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

 

Todos aqueles supostos liberais e conservadores que se calaram a respeito do Foro de São Paulo quando ainda era possível deter o crescimento do monstro – ou que até mesmo me acusaram de alarmismo e obsessão por insistir em falar do assunto – posam, agora, como especialistas tarimbados na matéria, verdadeiros profetas retroativos, que repetem, sem citar-lhes a fonte, e com um atraso que as torna perfeitamente inúteis, as advertências que fiz em tempo. Advertências, aliás, cujo mérito não era meu no mais mínimo que fosse, porém inteiramente do advogado paulista dr. José Carlos Graça Wagner, cujos arquivos constituíram a minha única fonte de informações sobre o Foro até 2001.

Se o esquerdismo trouxe tanto dano ao Brasil, foi apenas como modalidade especialmente sedutora de uma vigarice intelectual endêmica que se observa em todos os quadrantes do espectro ideológico e que constitui, ela sim, a causa mais profunda e permanente dos males nacionais.

Quando a “direita” brasileira recusou ouvidos ao Dr. José Carlos Graça Wagner e a mim, perdeu não só a oportunidade de sobreviver politicamente – hoje até o sr. presidente da República sabe e declara que ela já não tem a mínima perspectiva de acesso ao poder –, mas também a de dar um exemplo honroso de sensibilidade intelectual superior, capaz de prestar atenção à verdade mesmo quando não venha de fontes oficiais ou bem comportadinhas. Esse exemplo bastaria para lhe conferir imediatamente aquela autoridade moral, tão decisiva nas disputas políticas, que não raro sobrepõe a minoria sábia à maioria tagarela e, pelo menos a longo prazo, pode lhe assegurar as mais belas vitórias.

Com sua omissão, ela provou que sua subserviência aos bem-pensantes é ainda mais forte do que seu instinto de sobrevivência, já que cede às injunções deles ainda mesmo quando calculadas para funcionar como estupefacientes, para amortecer suas reações de autodefesa e até sua capacidade de perceber a presença do perigo. De 1990 até o ano passado, a direita nacional não fez senão tentar por todos os meios aplacar o inimigo, oferecendo-lhe uma resistência débil e risível que só criticava seus pequenos erros econômico-administrativos para melhor ajudá-lo a ocultar seus crimes maiores. Todo mundo sabe o que ela ganhou com esse colaboracionismo mal disfarçado: ganhou sua completa exclusão do processo político, só compensada – se cabe a palavra – por uma humilhante sobrevivência como força auxiliar da esquerda soft.

Concedendo agora a macaqueadores e oportunistas retardatários a atenção que recusou aos primeiros descobridores de uma verdade temível, ela mostra que não aprendeu nada com a experiência, que continua preferindo, ao conhecimento genuíno, o simulacro mais pífio que possa encontrar no mercado. Talvez porque nele enxergue o seu semelhante.

Não é preciso dizer que, se aquela primeira recusa da verdade determinou o fim dessa direita como facção politicamente relevante, esta de agora anuncia a perda de suas últimas reservas de vitalidade, o sacrifício integral de seu futuro às exigências de um presente miserável.

In Diário do Comércio, 9 de novembro de 2009

 

Saturday, 18 October 2025

Saturday's Good Reading: “A maior trama criminosa de todos os tempos” by Olavo de Carvalho (in Portuguese).

 

In Digesto Econômico, setembro/outubro/nov/dez de 2007

 

O pioneiro inconteste na investigação do fenômeno “Foro de São Paulo” foi o advogado paulista José Carlos Graça Wagner, homem de inteligência privilegiada, que muito me honrou com a sua amizade. Ele já falava do assunto, com aguda compreensão da sua importância histórica e estratégica, por volta de 1995, quando o conheci. Em 1999, a documentação que ele vinha coletando sobre a origem e as ações da entidade lotava um cômodo inteiro da sua casa, e uma prova da criteriosidade intelectual do pesquisador foi que só a partir de então ele se sentiu em condições de começar a escrever um livro a respeito. Na ocasião, ele me chamou para ajudá-lo no empreendimento, mas eu estava de partida para a Romênia e, com muita tristeza, declinei do convite.

Maior ainda foi a tristeza que experimentei anos depois, quando, ao retomar o contato com o Dr. Wagner, soube que o projeto tinha sido interrompido por uma onda súbita e irrefreável de revezes financeiros e batalhas judiciais, que terminaram por arruinar a saúde do meu amigo e de sua esposa, ambos já idosos. Não sai da minha cabeça a suspeita de que a perigosa investigação em que ele se metera teve algo a ver com a repentina liquidação de uma carreira profissional até então marcada pelo sucesso e pela prosperidade.

Ele tinha negócios nos EUA e era também lá, nas bibliotecas e arquivos de Miami e de Washington D.C., que ele coligia a maior parte do material sobre o Foro. Nos últimos anos, a pesquisa havia tomado um rumo peculiar. O Dr. Wagner esperava encontrar provas de uma ligação íntima entre o Foro de São Paulo e uma prestigiosa entidade da esquerda chique americana, o “Diálogo Interamericano”. Não sei se essa prova específica existe ou não, nem se ela é realmente necessária para demonstrar algo que metade da América já conhece por outros e abundantes sinais, isto é, que os líderes mais barulhentos do Partido Democrata são notórios protetores de movimentos revolucionários e terroristas (de modo que o Foro, se acrescentado à lista, não modificaria em grande coisa as biografias desses personagens vampirescos).

O que sei é que o começo da ruína pessoal do meu amigo data aproximadamente de uma entrevista que ele deu ao Diário Las Américas, importante publicação de língua espanhola em Miami, na qual falava do Foro de São Paulo e de suas relações perigosas com o “Diálogo”. Mas isto já seria matéria para outra investigação, e longe de mim a intenção de explicar obscurum per obscurius. Mesmo sem poder prometer a solução para esse aspecto particularmente enigmático do problema, uma coisa posso garantir: os arquivos do Dr. Wagner, recentemente postos à disposição da equipe de pesquisadores do Mídia Sem Máscara e da Associação Comercial de São Paulo, pela generosidade de José Roberto Valente Wagner, permitem retomar a investigação com a esperança de que antes de um ano teremos pelo menos a história interna do Foro de São Paulo reconstituída praticamente mês a mês. Então será possível colocar em bases mais sólidas a questão do “Diálogo”, mas antes disso será preciso resolver outro enigma, bem mais urgente e bem mais próximo de nós.

Vou formular esse enigma mediante o contraste entre duas ordens de fatos:

Primeira: O Foro de São Paulo é a mais vasta organização política que já existiu na América Latina e, sem dúvida, uma das maiores do mundo. Dele participam todos os governantes esquerdistas do continente. Mas não é uma organização de esquerda como outra qualquer. Ele reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno, todas empenhadas numa articulação estratégica comum e na busca de vantagens mútuas. Nunca se viu, no mundo, em escala tão gigantesca, uma convivência tão íntima, tão persistente, tão organizada e tão duradoura entre a política e o crime.

Segunda: Durante dezesseis anos, todos os jornais, canais de TV e estações de rádio deste País – todos, sem exceção, inclusive aqueles que mais se gabavam de primar pelo jornalismo investigativo e pelas denúncias corajosas – se recusaram obstinadamente a noticiar a existência e as atividades dessa organização, malgrado as sucessivas advertências que lhes lancei a respeito, em todos os tons possíveis e imagináveis. Do aviso solícito à provocação insultuosa, das súplicas humildes às argumentações lógicas mais persuasivas, tudo foi inútil. Quando não me respondiam com o silêncio desdenhoso, faziam-no com desconversas levianas, com objeções céticas inteiramente apriorísticas, que dispensavam qualquer exame do assunto, com observações sapientíssimas sobre o meu estado de saúde mental ou com a zombaria mais estúpida e pueril que se pode imaginar. Reagindo a essa pertinaz negação dos fatos, fiz publicar no jornal eletrônico Mídia Sem Máscara as atas quase completas das assembléias e grupos de trabalho do Foro de São Paulo. A volumosa prova documental mostrou-se incapaz de demover os negacionistas. Eles pareciam hipnotizados, estupidificados, mentalmente paralisados diante de uma hipótese mais temível do que seus cérebros poderiam suportar na ocasião.

O Foro de São Paulo reúne mais de uma centena de partidos legais e várias organizações criminosas ligadas ao narcotráfico e à indústria dos seqüestros, como as FARC e o MIR chileno.

A publicação das atas teve porém duas conseqüências importantes. De um lado, o site oficial do Foro, www.forosaopaulo.org, foi retirado do ar às pressas, para só voltar meses depois, em versão bastante expurgada. De outro lado, entre os jornalistas e analistas políticos, a afetação de desprezo pelo asunto cedeu lugar à negação ostensiva, pública, da existência mesma do Foro de São Paulo. Dois personagens destacaram-se especialmente nesse servicinho sujo: o inglês Kenneth Maxwell e o brasileiro Luiz Felipe de Alencastro. Para anunciar ao mundo a completa inexistência da entidade que eu denunciava, ambos – por ironia, historiadores de profissão – usaram como tribuna ou megafone o pódio do CFR, Council on Foreign Relations, o mais poderoso think tank americano, dando assim à ignorância dolosa (ou à mentira grotesca) o aval de uma autoridade considerável. Quem ainda tenha ilusões quanto à confiabilidade intelectual da profissão acadêmica, mesmo exercida nos chamados “grandes centros” (Alencastro é professor na Universidade de Paris, e Maxwell é o consultor supremo do próprio CFR em assuntos brasileiros), pode se curar dessa doença mediante a simples notificação desses fatos.

Mas aí a hipótese da mera ignorância organizada começa a ceder lugar à suspeita de uma trama consciente bem maior do que a nossa paranóia poderia imaginar. Membros importantes do CFR tiveram contatos próximos com as organizações criminosas participantes do Foro de São Paulo, cuja existência, portanto, não poderiam ignorar (leia-se a respeito o meu artigo “Por trás da subversão”, Diário do Comércio, dia 05 de junho de 2006, http://www.olavodecarvalho.org/semana/060605dc.html). Em suma, o Brasil parecia estar preso entre as malhas de uma articulação criminosa, que envolvia, ao mesmo tempo, a totalidade dos partidos de esquerda latino-americanos, o grosso da classe jornalística nacional, as principais gangues de narcotraficantes do continente e, por fim, uma parcela nada desprezível da elite política e financeira norte americana.

A gravidade desses fatos mede-se pela amplitude e persistência da sua ocultação. Crescendo em segredo, o Foro de São Paulo tornou-se o motor principal das transformações históricas no continente, ao mesmo tempo que a ignorância geral a respeito fazia com que os debates públicos – e portanto a totalidade da vida cultural – se afastasse cada vez mais da realidade e se transformasse numa engenharia da alienação, favorecendo ainda mais o crescimento de um esquema de poder que se alimentava gostosamente da sua própria invisibilidade. A queda vertiginosa do nível de consciência pública nessas condições, era não só previsível como inevitável. As opiniões circulantes tornaram-se uma dança grotesca de irrelevâncias, desconversas e erros maciços, ao mesmo tempo em que a violência e a corrupção cresciam ante os olhos atônicos do público e dos formadores de opinião, cada um apegando-se às explicações mais desencontradas, extemporâneas e impotentes. Muitas décadas hão de passar antes que a devastação psicológica resultante desse quadro possa ser revertida. O fabuloso concurso de crimes que a determinou não tem paralelo na história universal.

Um dos aspectos mais grotescos da situação é a facilidade com que os culpados se desvencilham de qualquer tentativa de denúncia, qualificando-a de “teoria da conspiração”. Mas quem falou em conspiração? O que vemos é uma gigantesca movimentação de recursos, de poderes, de organizações, de correntes históricas, que para permanecer imune à curiosidade popular não precisa se esconder em porões, mas apenas apostar na incapacidade pública de apreender a sua complexidade inabarcável e de acreditar na existência de tanta malícia organizada.

O Foro é uma entidade sui generis, sem correspondência em qualquer época ou país. Longo tempo depois de extinto, como espero venha a sê-lo um dia, ele ainda constituirá um enigma e um desafio ao tirocínio dos historiadores. Para nós, ele é mais do que isso. É o inimigo “onipresente e invisível” sonhado por Antonio Gramsci.

Saturday, 26 April 2025

Saturday's Good Reading: a Prof. Olavo de Carvalho article (in Portuguese)

 

"Sempre achei curioso – para dizer o mínimo – que tantas pessoas criassem opiniões sobre o cristianismo sem jamais ter a curiosidade de averiguar o elemento essencial dessa religião: os milagres.

Em outras religiões os acontecimentos miraculosos podem ser apenas acréscimos posteriores aos quais se dá um valor de comprovação, mas o cristianismo começa com um milagre, o nascimento virginal de Cristo, culmina em outro milagre, a ressurreição, e prossegue de milagre em milagre até hoje.

Quando se fala de “revelação cristã”, o que se entende corretamente por isso não é o texto do Evangelho, mas os fatos que ele relata: vida, paixão, morte e ressurreição de Nosso Senhor Jesus Cristo, isto é, uma seqüência de milagres. Santo Tomás ensina que nós falamos por meio de palavras, mas Deus fala por meio de palavras e de fatos. Os fatos do Evangelho revelaram ao mundo aquilo que o texto, depois, simplesmente registrou.

Você pode não acreditar em nenhum desses fatos, mas não pode negar que eles, e não sua narrativa posterior, muito menos as conclusões que os teólogos, os papas e os concílios foram extraindo deles ao longo dos séculos, constituem a essência da revelação cristã. Logo, não há meio de entender nada do cristianismo sem prestar atenção aos milagres, dos quais depende todo o sentido da doutrina.

Você não tem nenhum meio de confirmar ou negar a veracidade dos milagres evangélicos, mas Jesus prometeu que continuaria a operar milagres pelos séculos dos séculos, e, a rigor, não há fatos de nenhum outro gênero, no mundo, que existam em tão grande número e tão bem documentados, sobretudo hoje em dia. O desinteresse de conhecê-los, da parte de pessoas que no entanto emitem opiniões em penca sobre o cristianismo, revela que essas pessoas preferem conhecer só pelas beiradas o assunto de que falam, com medo de chegar muito perto do centro e sair chamuscadas.

Muitas, antes de ter examinado um só desses fatos, já se apegam à idéia de que um dia todos eles terão uma 'explicação científica' – subentende-se: materialista – e ficará provado que não foram milagres de maneira alguma. Embora essa expectativa jamais tenha se cumprido com relação a nenhum milagre confirmado pela Igreja e embora a promessa da explicação demolidora tenha o seu cumprimento repetidamente adiado de novo e de novo em cada caso concreto (recentemente falhou de novo em 'explicar' o Santo Sudário de Turim), o fato é que essas pessoas continuam confiando na promessa como se fosse desde já uma prova realizada, cabal e irrespondível. Nada pode haver de mais irracional do que esse ato de fé que toma como prova uma promessa de prova e se renova a cada nova tentativa falhada de realizá-la. No entanto, as pessoas que o praticam acreditam que são, nisso, tremendamente científicas.

Se eu tivesse algum dinheiro, pagaria aos luminares do materialismo para que estudassem, pelo tempo que quisessem, os milagres do Padre Pio ou aqueles relatados pelo dr. Ricardo Castañon nos seus vídeos, e nos dessem uma 'explicação científica' de cada um."

Olavo de Carvalho, em 23 de agosto de 2013

Wednesday, 23 October 2024

Wednesday's Good Reading: “Tolerância Zero” by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

 

Época, 28 de outubro de 2000

Quanto menos são os que falam contra o comunismo, menos têm o direito de falar

Em periódicos regionais, alguns jornalistas denunciam a opressiva hegemonia que os comunistas conquistaram em nossa imprensa e nos meios acadêmicos. Em publicações de alcance nacional, tenho sido o único a tocar no assunto proibido. A extensão e o rigor da proibição podem ser medidos pela virulência insana de certas reações que suscito. Nada de argumentos, é claro. São insultos, intrigas, inculpações projetivas, apelos sumários a minha demissão. Deixam claro que, contra a ascensão esquerdista, nem uma única voz, por fraca e isolada que seja, pode ser tolerada. A concordância deve ser unânime, o silêncio da oposição, total. Precioso silêncio: Gramsci ensina que, na hora H, ele acabará valendo como aprovação popular da tomada do poder pelos comunistas. É preciso, portanto, produzi-lo, antes que a revolução possa tirar a máscara democrática e mostrar sua face hedionda, quando as fronteiras estiverem fechadas e for tarde para fugir. No Rio Grande do Sul, imagem e projeto do futuro Brasil petista, os principais jornalistas de oposição já foram calados por pressão do governo estadual.

Tal é a diferença entre o mero autoritarismo e o totalitarismo. O primeiro contentava-se em calar a maioria, deixando abertas umas válvulas de escape. O segundo exige a plenitude do silêncio, expressa na fórmula sinistra: para a minoria de um, tolerância zero.

O mais extraordinário é que muitos artífices desse estado de coisas proclamam que não são comunistas. Se não são, por que não suportam que alguém fale contra o comunismo?

Se um sujeito diz que não é comunista, mas vê a sociedade com olhos marxistas, prega a luta de classes e admite chegar ao poder pelo uso das armas, o que se pode concluir senão que ele é – ou sonha ser quando crescer – um fac-símile de Fidel Castro? Não obstante, o senhor João Pedro Stedile, por exemplo, entre uma inspeção e outra em seus campos de treinamento de guerrilheiros, assegura, com ar de inocência, que não é sequer esquerdista no sentido mais genérico da palavra.

O mais velho ardil do diabo é dizer que não existe; o do comunismo, jurar que é outra coisa. Em plena revolução chinesa, intelectuais pontificavam que Mao Tsé-tung nada tinha de comunista. Franklin Roosevelt declarou que o próprio Stálin não era comunista. E a imprensa chique de Nova York impôs ao mundo a imagem de um Fidel democrata e anticomunista.

Não há limites para a volúpia comunista de mentir. Comparável a ela, só sua volúpia de matar. Fidel, por exemplo, é um assassino vocacional que começou a carreira matando um político que mal conhecia, contra o qual não tinha nada, só para cortejar um inimigo da vítima, de quem esperava obter favores. E não faltam padres para nos assegurar, com a conveniente unção e o indefectível trémolo sacerdotal na voz, que se trata de um santo homem, que o regime do qual um sexto da população cubana fugiu não é o comunismo, mas o catolicismo. Deve ser mesmo, a julgar pelo rigor dos anátemas que lança sobre os hereges.

Saturday, 12 October 2024

Saturday's Good Reading: “Sobre Kant e o Artigo dos Acadêmicos Franceses” by Olavo de Carvalho (in Portuguese).

 Mídia Sem Máscara, 12 de novembro de 2020.

A cretinice publicada por três academiquinhos contra mim num jornal francês, a propósito de Kant, aparece em DEZENAS de reproduções no Google, enquanto a minha resposta desapareceu quase por completo. Reproduzo-a parcialmente aqui:

 

10 de feveireiro de 2019:

Com relação ao Kant, o texto original tem infinitamente mais autoridade do que quaisquer “especialistas”, mas estes parece que não sabem disso.

Se vocês querem refutar o que eu disse do Kant, citem o texto dele que me desminta em vez de tentar enganar o público com essa pose de “autoridades”.

Esta é a coisa MAIS ESTÚPIDA já escrita sobre Kant: “Para Keinert, Kant se posicionava contra o dogma, mas ‘não necessariamente contra a religião católica’.”

Que caralho é a religião católica sem os seus dogmas?

Querer que a religião católica se desfaça dos seus dogmas é DESTRUI-LA POR COMPLETO. Só um jumento lobotomizado não percebe isso.

Kant era apenas covarde demais para assumir em público o seu ódio do cristianismo, que ele disfarçava numa linguagem complicada para enganar tolos como esse Keinert, que não entende mesmo NADA de cristianismo.

O artigo “kantiano” do Grobo mostra uma vez mais que o nível de inépcia dos professores universitrios brasileiros já ultrapassou a escala do descritível.

Um dos três kantólatras do Grobo escreve:

 

“— Olavo diz estar construindo uma comunidade de amigos em que todos pensam e querem a mesma coisa. Não é à toa que Kant seja um pensador que precisa ser deturpado. Para Kant, desacordo é bom, é assim que a gente cresce — diz Tourinho Peres.”

 

É a mistura tipicamente uspiana de analfabetismo funcional e malícia difamatória. A “comunidade” a que ele se refere vem da definição de amizade segundo Sto. Tomás de Aquino — “idem velle, idem nolle” — que de fato inspira os meus cursos. Mas só uma mente porca pode imaginar que o amar as mesmas coisas equivalha a repetir um discurso uniforme como o fazem, aliás, os três incapazes e toda a militância uspiana. O comum amor à verdade implica o desejo de buscá-la por meio da confrontação de hipóteses ao longo dos tempos (‘veritas filia temporis“), e nada o ilustra melhor que as discussões filosóficas entre homens sinceros, das quais tanto o círculo de amigos de Sto. Tomás quanto os meus alunos têm dado exemplos e que JAMAIS se viram no “centralismo democrático” uspiano-petista.

Se querem dar exemplo de tolerância democrática”, seus palhaços, mostrem-me UMA SÓ TESE CONSERVADORA OU ANTI-ESQUERDISTA QUE HAJAM UM DIA ORIENTADO E APROVADO.

Farsantes, difamadores abjetos.

Wednesday, 11 September 2024

Wednesday's Good Reading: "Guerra e Império" by Olavo de Carvalho (in Portuguese)

 

 O Globo, 22 de março de 2003.

O que poderá vir a ser um Império americano propriamente dito, nascido sobre os escombros do projeto revolucionário e o virtual cadáver da ONU, é algo que só começará a se esclarecer daqui por diante.

Em 1995, expus em “O jardim das aflições” a teoria de que o novo Império mundial que se formava de mistura com a globalização econômica era um fenômeno bem diferente de tudo o que se conhecera até então como “imperialismo”. Malgrado elogios recebidos de críticos nacionais e estrangeiros, o livro continuou marginal, jamais sendo citado nas discussões correntes, quer midiáticas ou acadêmicas.

Cinco anos depois, o sr. Antonio Negri ganhou um dinheirão e aplausos universais vendendo a mesma teoria em seu livro “Império”, escrito em parceria com Michael Hardt. A concordância do sr. Negri comigo ia desde as origens do processo, que fazíamos remontar ao século XVIII, até à localização explícita da sede do governo imperial, que ambos situávamos no edifício da ONU e não na Casa Branca. Entre esses dois extremos, concordávamos também na definição do Império como um novo paradigma civilizacional e não apenas uma mutação dos velhos imperialismos e colonialismos.

Jamais me ocorreu que o sr. Negri, o qual nunca me viu mais gordo, tivesse me plagiado. Ele apenas tinha um cérebro mais lento, o que não era culpa dele, e eu não tinha um lobby publicitário a meu serviço, o que não era culpa minha. Outras diferenças essenciais entre nós eram as seguintes:

1) Eu não podia alegar entre meus méritos intelectuais a participação em nenhum homicídio político, ao passo que o sr. Negri ostentava em seu currículo a gentil colaboração com os assassinos de Aldo Moro, a qual, vamos e venhamos, é de um sex appeal irresistível para a imprensa dita cultural.

2) O sr. Negri descrevia como focos da reação libertária à ascensão imperial precisamente alguns movimentos de massa nos quais eu enxergava a mão inconfundível do próprio Império.

3) O sr. Negri, fiel ao cacoete marxista de explicar tudo pelo econômico, via o Império como superestrutura política do capitalismo globalizado e, assim, não podia senão acabar fazendo da ONU, ao menos implicitamente, uma agência a serviço do capitalismo. Como o grosso do capital está nos EUA, o resultado era que o belo diagnóstico diferencial entre imperialismo e Império acabava por se dissolver a si mesmo e desmascarar-se como nada mais que um novo pretexto para descer o pau nos EUA.

Nada a discutir no concernente ao primeiro ponto, onde a superioridade do sr. Negri é imbatível. Quanto ao segundo, a gigantesca mobilização mundial “pacifista” em prol de Saddam Hussein mostrou com eloqüência global que os movimentos de massa nos quais o sr. Negri via uma “alternativa utópica” ao Império da ONU (e seu parceiro Hardt ainda insiste nisso, com cega teimosia, na “Folha de S. Paulo” do dia 19) são tentáculos da própria ONU, empenhados em estrangular as últimas e únicas soberanias nacionais capazes de lhe criar problemas: a americana, a inglesa e a israelense.

Por fim, os acontecimentos das últimas semanas (na verdade, dos últimos anos, isto é, desde a conferência de Durban) provaram claramente de que lado está a ONU. Mais ainda, mostraram de que lado estão os próprios neoglobalistas americanos, incluindo a grande mídia: todos a serviço da ONU e contra seu próprio país.

Tal como expliquei em “O jardim das aflições”, há dentro dos EUA um conflito de base entre forças imperiais e nacionais, ou entre os adeptos da ONU e os da nação americana, estes alinhados com Israel, aqueles com a revolução mundial que hoje irmana comunistas, neonazistas, radicais islâmicos e variados interesses antiamericanos de ocasião num pacto global de apoio à tirania genocida do Iraque e, de modo geral, a tudo o que não presta no mundo. Enfim, o que sobra de aproveitável no livro do sr. Negri são aquelas partes em que ele coincide com o meu. Tudo o mais é propaganda imperial camuflada em “utopia alternativa”.

Um ponto que não abordei no meu livro e que seria demasiado longo discutir aqui é: como o Islã revolucionário se tornou a boca de funil para onde escoam todas as correntes antiamericanas e antidemocráticas? Resumindo brutalmente, com a promessa de um dia voltar ao assunto, digo que:

1) O radicalismo islâmico, obra de intelectuais muçulmanos de formação européia, e que remonta à década de 30, está para o Islã tradicional como a “teologia da libertação” está para o cristianismo. Ele esvazia a tradição islâmica de seu conteúdo espiritual e o transmuta na fórmula ideológica da revolução mundial. (O presidente Bush, que nossos intelectuais semi-analfabetos fingem desprezar como um caipirão, compreendeu perfeitamente esse ponto e por isso recusou com veemência a proposta indecente de dar à guerra contra o terrorismo a conotação de uma cruzada antiislâmica.)

2) Essa fórmula, por seu caráter universalista e seu invejável requinte dialético (afinal, um de seus criadores é Roger Garaudy, fino estudioso de Hegel), engloba e transcende todas as correntes anticapitalistas e antidemocráticas do século XX, desde o nazismo puro e grosso — passando por suas versões mais refinadas, como o anti-humanismo de Martin Heidegger, o desconstrucionismo de Paul de Man, o niilismo de Foucault — até as diversas versões do comunismo: stalinista, maoísta, trotskista, gramsciana etc. Conforme já profetizava seu pioneiro Said Qutub, o destino da revolução islâmica é absorver e superar — hegelianamente — todas as revoluções. Daí o aparente milagre da solidariedade entre esquerdistas e neonazistas nos protestos anti-Bush e nas intrigas antiisraelenses da ONU.

É claro que, ao embarcar numa luta de vida e morte contra a revolução mundial — e, por tabela, contra o neoglobalismo da ONU —, a própria nação americana se investe de responsabilidades imperiais. O que poderá vir a ser um Império americano propriamente dito, nascido sobre os escombros do projeto revolucionário e o virtual cadáver da ONU, é algo que só começará a se esclarecer daqui por diante. Nem eu nem o sr. Antonio Negri sabemos nada a respeito, e aí surge a quarta e última diferença entre nós: ele acha que sabe.