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Sunday, 16 November 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (final) by José Thiesen (in Portuguese)



XVII

            Lembro-me perfeitamente: foi numa tarde fria mas ensolarada de inverno e, se hoje consigo recordar-me dele, naquela tarde, simplesmente não o vi: um carro vermelho, de luxo, que me atingiu quando atravessava a rua a correr para encontrar-me com tio Pavel e falar-lhe de meu amor por minha mãe.
            Acordei três dias depois, num quarto de hospital.
            Tio Pavel foi a primeira pessoa que vi. Claro, ele estava acima de qualquer “não pode”, mesmo um dito por um médico.
            Ele pôz sua mãe em minha testa e perguntou: estás bem?
            - Sinto sede...
            Ele deu-me um copo de água e disse: agora sei que viverás.
            Mas eu estava ainda muito mal e voltei a dormir.

XVIII

            Acordei outras vezes e fui melhorando, melhorando.
            Todos os dias tinha visita de amigos, familiares, vizinhos e teve um dia em que um rapaz ruivo que não conhecia, veio visitar-me.
            - Menino Sérgio, disse ele?
            - Sim.
            - Não te lembras de mim? Sou Carlos, o gato que encontraste em casa de tio Clóvis.
            - Mas não és mais gato?
            - Não mais! Voltei a ser gente! disse ele num sorriso largo e bonito. Mas a minha é uma história muito longa e não cá vim para contá-la, mas sim, falar-te de Pavel Pleffel!
            Ergui-me e sentei na cama, todo ouvidos, porque, sim, desde aquele meu primeiro despertar no hospital, jamais voltara a ver tio Pavel!
            - Teu, nosso tio Pavel não está mais por aqui. Teve que ir-se sem dizer adeus. Compreendes? Finalmente aconteceu: Pavel Pleffel sorriu! Ficou tão feliz com tua recuperação que sorriu e por causa disso, nada mais será como antes! Com o sorriso de Pavel Pleffel, tudo muda e as coisas precisam voltar ao normal, como eu mesmo!
            - Mas onde ele está?
            - Está na terra do Dragão Branco, o que é muito longe de aqui.
            - Voltarei a vê-lo?
            - Tudo é possível de acontecer!


EPÍLOGO
           
            Mas nunca mais revi o tio Pavel. Talvez ele esteja voltando, não sei.
            Seja como for, jamais o esqueci e, todos os dias, de alguma forma, sei que ele está comigo. De alguma forma, eu lhe trouxe sorte; de alguma forma, ele me trouxe sorte.
            Nós dois aprendemos a sorrir e a manter nossos sorrisos. Eu, pelo menos, sim, reconciliado com minha mãe.
            Um dia nos voltaremos a encontrar. Quando tudo estiver em seu lugar, voltaremos a nos encontrar e eu o verei com seu sorriso, o sorriso mais lindo, como somente ele pode ter.
            Até lá, vejo meus filhos crescerem e procuro ensinar-lhes tudo o que sei; eles, que ainda tem tanto a aprender!


Saturday, 1 November 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapters XV and XVI) by José Thiesen (in Portuguese)



CAPÍTULO XV

            Paramos em frente a uma enorme casa, algo sombria. Eram quatro andares de casa e uma torre com terraço.
            Meu tio disse:
            - Porta, o primo de Borge está em casa?
            E a porta respondeu: Só um minuto, sr. Pleffel que vou ver.
            A porta se foi para dentro da casa e depois de algum tempo, voltou: Seu primo o aguarda na biblioteca, sr. Pleffel.
            - Obrigado, querida.
            Ela então abriu-se para nós e entramos.


CAPÍTULO XVI

             Tio Pavel caminhou com segurança pela casa enorme, subindo escadas e percorrendo corredores intermináveis até chegar diante de uma grande porta dupla de mandeira negra, toda esculpida com mil figuras bonitas.
            Abriu-a e entramos em enorme salão, obviamente uma biblioteca. As vastas paredes eram cobertas por livros e livros emplhavam-se no chão e sobre meses.
            Numa grande mesa, próxima a larga janela, uma coruja velha debruçava-se sobre grandes volumes.
            Levantou os olhos para nós e, reconhecendo o tio, piscou seus grandes olhos amarelos e exclamou, toda feliz:
            - Pavel Pleffel!
            - Primo de Borge!
            A coruja voou até ele e o abraçou.
            - Como estás, primo? disse ela.
            - Muitíssimo bem! Vejo que tens livros novos!
            - Oh, sim! Tanto para ler, para aprender! E quem é esse menino?
            - Meu amigo Sérgio.
            - Bem vindo à minha humilde casinha, Sérgio!
            - Nossa! O sr. Deve saber um monte de coisas, se leu tudo isso!
            - Ler é a mais rápida e indolor forma de aprender, sim, e de fato sei alguma coisinha. Houve um tempo em que meus conselhos auxiliaram bastante Athenas.
            - Quem?
            - Uma deusa de tempos idos.
            - O sr. Conheceu uma deusa?
            - Conheci de tudo um pouco em minha longa vida! O mago Merlin, por exemplo! Era o único capaz de vencer-me no jogo de xadrez!
            - O mago Merlin?
            - E o rei Artur e sua turma!
            - Nossa! O sr. deve ter tido uma vida maravilhosa!
            - “Tido”? retrucou a coruja. Mas ainda a tenho! Olhe estes livros! E tenho minha família e meus amigos!
            - Desculpe, eu quiz dizer...
            A coruja voou até mim e abraçou-me: eu sei o que quizeste dizer.
- Mas é bom teres em mente que a vida é um rio a correr, disse o tio. O rio corre e nunca perde o que passou, mas ajunta com o que está vindo e o que depois virá.
- E assim aprendemos, continuou a coruja. Mas talvez este pensamento seja grande demais para ti, agora, menino Sérgio.
- Mas é bom lembrar que nada é para sempre e tudo é para sempre.
- Não forçe demais o menino, Pavel! Ele ainda tem muito que aprender.
Curioso como, naquele tempo, eu realmente não endendia do que falavam, mas hoje, vendo meus filhos, tenho a mesma tendência a falar com eles como o tio e a coruja falaram.
Percebo que nas palavras deles havia embutido um amor profundo por mim, mesmo eu sendo incapaz de entende-lo, na altura.
Deixamos a casa de de Borge já noite e minha mãe estava muito preocupada pelo horário em que chegara em casa. Ela nunca conheceu o tio Pavel, que foi sempre uma experiência minha.
Ela havia contatado meus amigos naquela noite em que tardei e eles lhe disseram que eu estava sempre com um homem estranhíssimo, coberto por um sobretudo marrom, apesar do calor, sempre carregando um guarda-chuva negro, apesar de nunca ter chovido naqueles dias. Um homem que nunca sorria, mas que, quando tentava faze-lo, fazia flores florirem nas nuvens.
            Quando cheguei em casa, ela quiz saber quem esse homem era e ficou muito difícil para mim explicá-lo. Como explicar alguém que nos leva ao céu? Que tem uma coruja imortal por primo? Mesmo hoje, eu não sei explicar o tio.
            Mas na preocupação de minha mãe naquela noite, eu comprendi que também ela me amava e como eu estava errado em meus sentimentos.

Tuesday, 21 October 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter XIV) by José Thiesen (in Portuguese)



            No dia seguinte fomos ao parque, eu e o tio.
            Já acordava desejando estar com ele e me esquecia por completo dos meus amigos.
            No parque, havia um grupo de rapazes treinando skate e parei para olhá-los. O tio também parou e eu disse: Gostava de experimentar isso.
            - Skate?
            - Sim! Deve ser legal, correr e sentir o vento a bater no rosto!
            - Tiveste isso ontem, quando voltávamos da festa no céu.
            - Verdade. Talvez por isso eu queira experimentar o skate.
            Quase mudando de assunto, quase falando a si mesmo, o tio disse: Também eu nunca andei de skate!
            - Então há o que senhor nunca tenha feito?
            - Por certo!
            Então ele avançou para os rapazes e disse: Bom dia. Posso experimentar andar num desses skates?
            Os rapazes olharam para o tio, vestido de sobre-tudo marrom, com seu chapéu de feltro, rosto quadrado, severo e após um segundo de espanto, cairam na gargalhada.
            Um deles, masis atrevido, disse: Que é isso, tio? Vai jogar damas com os velhinhos ali adiante, vai!
            E deram mais risada, mas meu tio continuava imperturbável e disse, com um certo tom de ameaça na voz: Tens medo de que eu seja melhor que tu?
            - Eu? Tenho medo de nada não, seu! Só acho que tem gente que não sabe quando deixar de ser ridículo!
            - Então eu posso andar no seu skate?
             O guri olhou sério pro tio e disse: Pode, mas se o sr. cair e se quebrar todo, eu não ajunto!
            A seguir, pôs o skate no chão e o tio nele subiu.
            Subiu e ficou ali, parado.A gurizada começava a rir, novamente.
            O tio inclinou a cabeça para o skate e disse: Então? Vais ficar aí parado, sem me mostrar o que sabes fazer?
            Tio Pavel não se moveu, mas o skate deu uma tremida e começou a correr pelo pavimento, ergueu-se no ar , alcançou uma parede e começou a correr por ela. Descreveu piruetas loucas e o tio, imperturbável sem sair um milímetro de sua posição.
            Finalmente, como um cãozinho cansado o skate voltou para junto de nós.
            O guris fugiram com gritos de espanto e eu me ria a valer!
            O tio desceu do skate e agradeceu ao próprio pelo passeio.
            Nos afastamos dali e ele disse: Minha bicicleta faz coisas mais interessantes.
            - Nem quero imaginar, respondi. Mas, por outro lado, não é o senhor que faz o skate andar?
            - Eu sempre prefiro deixar que os outros se manifestem.
            - Um skate é um “outro”?
            - O essencial é invisível aos olhos, disse ele, mas como semre acontecia, fiquei sem entender a mensagem e o fato é que, mais crescido, ganhei meu skate e ele nunca andou por si mesmo, por mais que o convidasse a fazê-lo.
            - Venha comigo, comandou o tio.

- Para onde?
            - Visitar um parente meu! e tomou de minha mão, levando-me para uma rua sem nome.
           
           

Tuesday, 14 October 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter XIII) by José Thiesen (in Portuguese)



            O tio Pavel pulou do alto do céu, mas nós não caíamos. Era mais um deslizar suave. Estava com medo, mas ao mesmo tempo, seguro de que nada de mal me aconteceria, pois Pavel Pleffel me protegia.
            Estar com ele me trazia sempre não ordinárias experiências, para muitas das quais eu não estava preparado, mas ele era a garantia de segurança.
            Enquanto considerava isso, ouvi-o dizer: Realmente me trazes sorte!
            Não sabia o que lhe dizer, então sorri. Nisso, aproximou-se de nós, a correr pelo céu, um ser estranhíssimo, meio homem, meio cavalo.
            - Pavel Pleffel! Como vais?
            - Muito bem, Quirom! E tu?
            - Muitíssimo bem e feliz! Como não estar, se posso correr pelo universo, livre! Muito bom rever-te! Paz e bem!
            - Paz e bem! repetiu o tio Pavel.
            E lá se foi o Quirom a galope! Quando ia perguntar quem era ele, passamos por sete mulheres lacrimosas.
            - São as Plêiades, disse o tio. Sete irmãs que vivem uma eterna dor por conta de seu passado, incapazes que são de perdoar-se por seus erros.
            Sob meus pés eu já via a cidade, com seu emaranhado de ruas.
            À minha esquerda, vi u’a mulher branca e nua e à direita, um homem também nú, ardendo em flamas brancas.
            - São a Lua e o Sol? perguntei.
            - Sim. Estás aprendendo a ver!
            Novamente sorri, sem saber que resposta dar, enquanto deslizávamos pelo ar e paramos... em frente de minha casa!
            - Dás-me sorte, garoto!
            - O sr. já disse isso!
            - Como então agora sou uma vitrola engasgada?
            Ele passou a ponta dos dedos por minha face e disse, enquanto me dava as costas: Nos voltaremos a ver logo!


           

Tuesday, 7 October 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter XII) by José Thiesen (in Portuguese)



            A “quadrilha” era uma dan;a muito esquisita, com aves de passos desengonçados a fazer piruetas, meio voando, meio não, descrevendo círculos num ritmo alegre enquanto outras aves cantavam uma canção alegre, mais ou menos assim:

“As cocotas
Marocas
De fofocas
E pipocas
Gostavam.
Jantavam e
Cantavam
Mais assim,
Bem mais que assim,
Que outrossim.
Dé-dé-rocas
Das cocotas
Pi-pi-cotas
Das Marocas
Co-co-rocas
Das fofocas
Das pipocas
Du-du-rocas
Que gostavam
Ti-ti-tavam
Mais assim,
Bem mais que assim
Que outrossim.”

            E isso era repetido em mil variações, mas predominantemente alegre, ritmado, com síncopes. Eu fiquei tão encantado com aquela alegria que também começava a dançar, imitando os passos das aves e, num giro que dei, fiquei de frente para o tio Pavel e parei, pois pude ver que seu rosto, novamente, queria ensaiar um sorriso.
            As aves também perceberam o esboço de sorriso do tio Pavel e pararam de dançar. Flores brotavam nas nuvens, em torno do tio .
            - Ele vai sorrir! disse o Dodô ao meu lado.
            - É a segunda vez que o vejo assim, respondi. O que está havendo?
            - Vês, pequeno Sérgio? Flores estão nascendo nas nuvens. Se Pavel Pleffel sorrir, nada mais será como antes.
            - Por quê?
            Voltei a mirar o tio, que já me olhava sério. As flores haviam desaparecido.
- É melhor irmos embora, disse ele.
- Quase sorriste, Pavel! disse o Dodô.
- Quase, Venerável.
Tomou-me pela mão e se foi afastando. Chegamos à beira da nuvem e, pondo-me em seu colo, pulou no vazio.

Tuesday, 30 September 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter XI) by José Thiesen (in Portuguese)



            - Aquelas aves tagarelas te cansaram?
            Era o sr. Pavel atrás de mim.
            - Elas são engraçadas, mas.. sim, falam demais!
            - Ficaram encantadas contigo.
            - Ora... disse eu, encabulado.
            Foi então que um grupo de colibris, jóias aladas, cercaram-nos com suas vozinhas suaves:
            - A quadrilha, tio Pavel! A quadrilha vai começar!
            - Vens conosco assistir a quadrilha? perguntou o sr. Pavel, com seu rosto sempre sério. Vais gostar disso.
            - O que é a quadrilha?
            - A “Quadrilha das Marocas” é uma dança tradicional e muito antiga entre as aves.
            - E porque o colibri chamou o sr. De “tio”?
            - Alguns chamam-me assim por afeto.
           

Tuesday, 23 September 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter X) by José Thiesen (in Portuguese)



            Quando foi uma vez, duas cacatuas muito alegres e tagarelas chamadas Cacatuca e Cacatéia acercaram-se de mim.
            - Pois sim, menino!
            - O Dôdo faz essa festa uma vez por ano.
            - Sempre assim...
            - Muito animadas e alegres.
            - É verdade que por vezes há penetras.
            - Como em toda a festa.
            - Exatamente!
            - Pobrezinho do Urubú!
            - Tem má fama!
            - Tão burrinho!
            - É sempre ele quem traz os penetras.
            - Deixa-se enganar.
            - Mas toca o violão como ninguém!
            - Uma vez foi o Jabuti quem veio.
            - O Urubú o percebeu escondido no seu violão...
            - ...quando voltava pra terra, depois da festa...
- ...e o deixou cair do céu!
- Por isso o jabuti tem o casco quebrado daquele jeito!
- Muito quebrado!
            - Foi o que eu disse!
            - Exatamente!
            - Da outra vez foi o Sapo!
            - Comeu tanto...
            - ...com aquela boca tão grande...
- ... que ficou todo pesado e quando se escondeu no violão do Urubú...
- ... o Urubú não aguentou e deixou o violão cair!
- O Sapo caiu e esborrachou-se todo no chão!
- Por isso o Sapo é achatado.
- Antes ele era todo esticadinho!
- Bem esticadinho!
- Foi o que eu disse!
- Exatamente!
Mas as duas tagarelavam tanto que meus ouvidos começaram a arder e acabei por deixá-las.

Tuesday, 16 September 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter IX) by José Thiesen (in Portuguese)



            A nuvem estendia-se  para além da vista e sobre ela, uma infinidade de aves em torno de uma grande mesa repleta da melhor comida e bebida.
            Ao verem que o sr. Pavel chegara, as aves vieram em vôo ou corrida para ele e o rodearam, cumprimentando-o num coro uníssono cuja beleza jamais voltei a ouvir.
            - Heis que sempre viestes, exclamou uma ave esquisita.
            - Venerável Dodô! Eu jamais faltaria a um convite seu!
            - E este é o seu novo amigo?
            - Um dos filhos da Terra.
            - E o filho da Terra não fala?
            - Falo, sim, disse quase atrevido, para afastar de mim qualquer idéia de intimidação.
            - E como é o teu nominho?
            - Sérgio. E o teu?
            - Sou o Venerável Dodô.
            - Venerável?
           - Porque sou o último de minha espécie. Mas venham, Pavel e Sério! Desfrutem de nossa festa no céu!
            A festa no céu!
           O sr. Pavel logo deixou-me só, solicitado que era por todas as aves que, obviamente, lhe davam a mais alta importância.
           Acerquei-me da mesa, repleta de a comida mais extravagante que comida, colorida, perfumada e muito, muito gostosa.
            Eu sentia-me desajustado, ali, pois nunca estivera tão só, rodeado de seres estranhos a mim. Estava acostumado a espantar pardais e pombos na calçada, mas aqui, eram eles que me poderiam jogar para fora da nuvem. Mas este sentimento de desajustamento parecia ser somente meu, pois as aves aceitavam-me com a indiferença de eu ser um igual a elas.

Tuesday, 9 September 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter VIII) by José Thiesen (in Portuguese)



            Foi u’a manhã de sol, clara e limpa.
        Ele deixou-me só no quarto para que me vestisse. A casa estava estranhamente vazia e silenciosa. Não vi sinal de minha mãe, coisa estranhíssima, pois era suposto vê-la a limpar a casa enquanto ouvia algum programa na televisão.
            Encontrei o sr. Pavel na rua.
          Quando acheguei-me a ele, Pavel começou a esquadrinhar o céu, como à procura de alguma coisa. Então, derrepente, ele exclamou:
            - Táxi! Cá em baixo, por favor!
        Ele movia a cabeça, como a acompanhar alguma coisa descendo do céu e parando à nossa frente, mas na estrada, junto ao cordão da calçada. Eu não via coisa alguma, mas já preparando-me para coisas não ordinárias, como a minha casa vazia, a despeito de mamãe, e o laboratório do tio Clóvis, simplesmente o acompanhei, preparando-me para tudo.
           O sr. Pavel avançou, pois, desceu o cordão da calçada e ficou de lado para ele, como se tivesse entrado em algum veículo.
            - Venha, disse ele e simplesmente obedeci, ficando ao seu lado.
          Eu sentia-me um pouco ridículo, parado junto ao meio-fio ao lado daquele homem tão sério que então, falou como se se dirigisse a alguém à sua frente: O salão de festas, por favor.
          E então, uma... força, talvez, nos pegou por tras obrigando-nos a sentar no ar e ergueu-nos, rumo ao céu, acima das nuvens!
Foi das coisas mais excitantes que jamais experimentei! O chão ficando lá longe, as pessoas ficando tão pequeninas que desapareciam , as ruas tornando-se um emaranhado de linhas, de riscos até chegarmos às nuvens que nos esconderam todo o bulicio do mundo lá embaixo!

Tuesday, 2 September 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter VII) by José Thiesen (in Portuguese)



No dia seguinte, acordei com vozes no meu quarto, coisa extraordin]aria, pois dormia pois sempre dormi só, por ser filho único.
Abri os meus olhos, preguiçoso, e levei um susto ao ver o sr. Pavel sentado na minha cadeia, conversando com um boneco que ganhara quando bebé, um elefane de pano xadrez, branco e preto.
- Como o sr. entrou aqui? perguntei.
- Pela porta.
- O sr. falava com meu boneco?
- Eu? Falando com um boneco? Ainda tens muito que aprender, menino!
- Mas eu...!
- Olhe: vim assim de surpresa por causa da pressa.Hoje hoverá festa no céu e todas as aves foram convidadas, inclusive eu. Como permitiram que levasse acompanhante, pensei em convidar-te.
- Uma festa no céu? Quer dizer, o céu, lá em cima?
- Quantos outros há?
- Mas o senhor não é uma ave; porque foi convidado?
- Porque sou quem sou. Mas afinal, vamos ou não vamos? É para já!
- Mas e minha mãe, a escola?
- São muitos “mas”! De um lado, há um mundo abrindo-se diante de ti; por outro, já deves ter percebido que eu jamais te deixaria em maus lençóis. Não é de minha natureza prejudicar ninguém.
Olhou-me com sua habitual severidade e perguntou: 
- Vens comigo ou não?
E estendi-lhe minha mão!

Tuesday, 26 August 2014

“O Sorriso do Tio Pavel Pleffel” (Chapter VI) by José Thiesen (in Portuguese)



       Houve um momento de silêncio e os nadas voltaram para o obscuro dos cantos onde se escondiam. O gato se pôs a ronronar, roçando-se em minha perna.
            - Vamos embora, ordenou o sr. Pleffel, já indo para a porta.
            O tio lhe seguiu os passos, dizendo:
- Mas Pavel, quase conseguiste... Talvez se...
- Sim, eu “quase” consegui sorrir, ecoou o Pavel.
A porta abriu-se para sairmos mas o tio Clóvis pegou-me pelo braço e com um sorriso bondoso me disse:
- Não te assustes e cuide de meu sobrinho.
Beijou-me a testa e corri para junto de Pavel que já se andiantara bastante.
Deixamos a casa e o sr. Pavel estava muito sério, o tempo todo. Eu estava profundamente intimidado com tudo o que vira na casa do tio Clóvis, os nadas, eu pisando o universo e, mais que tudo, o misterioso sorriso que não nascera.
Qual o significado de tudo aquilo?
Não falamos um com o outro, pelo caminho, imerso que estávamos em nossos pensamentos.
Finalmente chegamos em frente da pensão onde ele morava. Ele parou por um momento, agachou-se à minha frente e disse:
- Trazes-me sorte, menino. Como jamais imaginei que um dia teria. Estás confrontado com algo que é muito maior do que tu, mas não te assutes, pois ainda tens muito que aprender e tudo virá ao seu tempo.
Beijou-me a testa e continuou:
- Volte para casa, antes que tua mãe se preocupe contigo.
Obedeci-lhe, pensando em como poderia eu, pirralho de nove anos, cuidar de um homem tal como Pavel Pleffel.

Tuesday, 19 August 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter V) by José Thiesen (in Portuguese)



            - Podemos saber o que o sr. está fazendo aí dentro, meu tio?
            - Eu tentava pegar minha nova invenção, mas ela escapuliu e eu fiquei aqui, preso! Vamos, Pavel! Ajude-me a sair desse tubo!
            O sr. Pavel deu um suspiro e esgueu-se no ar. Ofereceu o cabo do guarda-chuva ao seu tio, que o segurou bem firme e então Pavel subiu ainda mais, até ter o homemzinho gozado totalmente fora do grande tubo de vidro e depois foi descendo, suavemente, até seu tio estar bem firme no chão – que não existia, aparentemente.
            - Obrigado, sobrinho! E esse menininho, quem é? Teu novo amigo, Pavel?
            - Sim, tio Clóvis.
            - E qual o teu nome, garoto?
            - Sérgio Duarte. O senhor é mesmo cientista?
            - Mas claro que sim!
            - O senhor inventa coisas?
            - Muitas!
            - O que o senhor inventa?
            - Nadas.
            - O senhor inventa nada?
           - Não, meu putinho: nadas. Eu invento “nadas”. Os mais perfeitos e maravilhosos que já vistes! Nadas em todas as cores e padrões, nadas para todas as ocasiões.
            - Mas o que é um “nada”?
            - Técnicamente, um “nada” é algo que não existe. Entretanto, como tudo o que existe existe para algo, por alguma razão, eu chamo o que invento de “nadas” porque eles são inúteis, não servem para nada.
            - Mas para que inventar algo que não serve pra nada?
            - Porque as melhores coisas da vida são inúteis!
            - Eu acho isso... um pouco complicado de entender...
            - Mas tens tempo para aprender, disse o sr. Pavel. Basta não esquecer a idéia e ir vivendo.
            - Queres ver os meus nadas, disse o tio Clóvis inclinando-se para mim. Mas sem esperar resposta, ergueu os braços e disse: - Crianças, venham até aqui! Temos visitas!
            E então pipocaram de todos os lados, as coisas mais esquisitas que jamais vi! Os “nadas” do tio Clóvis cercaram-nos aos pulos, cantando e apertando-nos as mãos.
            Notei que eles tratavam o Pavel com muita deferência.
            - Pavel! exclamou o tio Clóvis – teu sorriso!
            Percebi que todos pararam, subitamente, observando o Pavel com extrema atenção, como se a coisa mais extraordinária do mundo estivesse acontecendo.
            Carlos, o gato, estava ao meu lado e quebrou o silêncio, repetindo como um eco: teu sorriso!
            De fato, olhei para o Pavel e vi que ele observava a si próprio a esboçar um sorriso nos lábios!
- Olhem minhas mãos! disse o gato e vi que elas tornavam-se humanas e mesmo a sua face apresentava traços de humanidade.
Por alguma razão, o sorriso que se esboçava nos lábios de Pavel, sumiu e sua face retomou a seriedade severa de costume.
           

           

Tuesday, 12 August 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter IV) by José Thiesen (in Portuguese)



Entramos na sala mais estranha que jamais vi! As paredes eram brancas, com círculos concêntricos negros, dando a impressão de serem túneis conduzindo ao infinito.
Espalhados por toda a sala, uma floresta de equipamentos químicos, tubos, espirais, vasos comunicantes de todos os tamanhos, alguns tão grandes que podiam conter uma pessoa dentro deles e outros, minúsculos. Dentro deles, líquidos de todas as cores, a borbulhar alguns, outros plácidos.
O vapor que saía de alguns vidros pareciam entoar uma espécie de canção, mas havia também toda uma sorte de sons que eu não conseguia saber de onde vinham; eram chiados, estalidos, trinados e uivos numa estranha cadência rítmica.
Mas nada disse se comparava ao chão daquela sala!
Era como se o cosmos houvesse sido pintado nele e pintado com tamanha graça e talento que as estrelas pareciam brilhar no espaço negro.
- Elas estão realmente brilhando, disse o Pavel para mim, como se a ler-me os pensamentos.
Até levei um susto!
- O quê?
- As estrelas realmente possuem brilho, repetiu ele.
- Sim. Deve ser uma tinta estrangeira!
- Tinta? Então pensas que meu tio é assim um menininho que pinta estrelas pelo seu laboratório?
Voltei a mirar o chão, sem entender o que ele queria dizer, quando vi um risco de fogo passar a correr pelas estrelas, lá embaixo, tão longe de mim.
Então eu pude entender o Pleffel: o laboratório não tinha chão e nós estávamos mesmo pisando o universo!
            Fui tomado por um grande medo e agarrei-me a ele: onde estamos? Perguntei.
            - Estamos no laboratório do meu tio Clóvis, embora não o tenha avistado, ainda.
            Então ouvimos uma voz abafada:
            - Estou aqui, sobrinho! Aqui!
            Seguimos a voz através daquela imensa quantidade de vidros, até encontrarmos um homezinho gozado dentro de um vidro enorme!