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Wednesday, 26 March 2025

Wednesday's Good Reading: soneto attributed to Manuel Maria Barbosa Du Bocage (in Portuguese)

 

Sou pai de um filho que não é meu filho,

Porque, sendo meu filho, ele é meu pai.

Eu não lhe dei o ser, sendo seu pai,

Mas ele é que me deu, sendo meu filho.

 

Fui sempre casto e tenho-o por meu filho;

Sou virgem, e ele diz que sou seu pai.

Eu bem sei que ele é filho de outro pai;

E não posso negar que ele é meu filho.

 

Não sou primeiro que ele, e sou seu pai;

Porque, sendo primeiro este meu filho,

Ele é feito primeiro que seu pai.

 

Hei de morrer primeiro que meu filho;

E, não herdando o filho os bens do pai,

O pai é que há de herdar os bens do filho.

Wednesday, 13 November 2024

Wednesday's Good Reading: “História de uma Alma” by Raul de Leoni (in Portuguese)

 

I Adolescência

Eu era uma alma fácil e macia,

Claro e sereno espelho matinal

Que a paisagem das cousas refletia,

Com a lucidez cantante do cristal.

 

Tendo os instintos por filosofia,

Era um ser mansamente natural,

Em cuja meiga ingenuidade havia

Uma alegre intuição universal.

 

Entretinham-me as ricas tessituras

Das lendas de ouro, cheias de horizontes

E de imaginações maravilhosas.

 

E eu passava entre as cousas e as criaturas,

Simples como a água lírica das fontes

E puro como o espírito das rosas...

 

 

II Mefisto

Espírito flexível e elegante,

Ágil, lascivo, plástico, difuso,

Entre as cousas humanas me conduzo

Como um destro ginasta diletante.

 

Comigo mesmo, cínico e confuso,

Minha vida é um sofisma espiralante;

Teço lógicas trêfegas e abuso

Do equilíbrio da Dúvida flutuante.

 

Bailarino dos círculos viciosos,

Faço jogos sutis de ideias no ar

Entre saltos brilhantes e mortais,

 

Com a mesma petulância singular

Dos grandes acrobatas audaciosos

E dos malabaristas de punhais...

 

 

III Confusão

Alma estranha esta que abrigo,

Esta que o Acaso me deu,

Tem tantas almas consigo,

Que eu nem sei bem quem sou eu.

 

Jamais na Vida consigo

Ter de mim o que é só meu;

Para supremo castigo,

Eu sou meu próprio Proteu.

 

De instante a instante, a me olhar,

Sinto, num pesar profundo,

A alma a mudar... a mudar...

 

Parece que estão, assim,

Todas as almas do Mundo,

Lutando dentro de mim...

 

IV Serenidade

Feriram-te, alma simples e iludida.

Sobre os teus lábios dóceis a desgraça

Aos poucos esvaziou a sua taça

E sofreste sem trégua e sem guarida.

 

Entretanto, à surpresa de quem passa,

Ainda e sempre, conservas para a Vida,

A flor de um idealismo, a ingênua graça

De uma grande inocência distraída.

 

A concha azul envolta na cilada

Das algas más, ferida entre os rochedos,

Rolou nas convulsões do mar profundo;

 

Mas inda assim, poluída e atormentada,

Ocultando puríssimos segredos,

Guarda o sonho das pérolas no fundo.

Saturday, 3 August 2024

Saturday's Good Reading: "Maquiavélico" by Raul de Leoni (in Portuguese)

Há horas em que minha alma sente e pensa,
Num tempo nobre que não mais se avista,
Encarnada num príncipe humanista,
Sob o Lírio Vermelho de Florença.

Vejo-a, então, nessa histórica presença,
Harmoniosa e sutil, sensual e egoísta,
Filha do idealismo epicurista,
Formada na moral da Renascença.

Sinto-a, assim, flor amável do Helenismo,
Virtuose – restaurando os velhos mapas
Do gênio antigo, entre exegeta e artista.

E ao mesmo tempo, por diletantismo,
Intrigando a política dos papas,
Com a perfídia elegante de um sofista...

Wednesday, 4 August 2021

Good Reading: "O Final do Guarani" by Cruz e Sousa (in Portuguese)

Ceci — é a virgem loira das brancas harmonias,
A doce-flor-azul dos sonhos cor de rosa,
Peri — o índio ousado das bruscas fantasias,
O tigre dos sertões — de alma luminosa.

Amam-se com o amor indômito e latente
Que nunca foi traçado nem pode ser descrito.
Com esse amor selvagem que anda no infinito.
E brinca nos juncais, — ao lado da serpente.

Porém... no lance extremo, o lance pavoroso,
Assim por entre a morte e os tons de um puro gozo,
Dos leques da palmeira a nota musical...

Vão ambos a sorrir, às águas arrojados,
Mansos como a luz, tranqüilos, enlaçados
E perdem-se na noite serena do ideal!...

Tuesday, 24 November 2015

Sonnet by Alphonsus de Guimaraes (in Portuguese)

Encontrei-te. Era o mês... Que importa o mês? Agosto,
Setembro, outubro, maio, abril, janeiro ou março,
Brilhasse o luar que importa? ou fosse o sol já posto,
No teu olhar todo o meu sonho andava esparso.

Que saudades de amor na aurora do teu rosto!
Que horizonte de fé, no olhar tranqüilo e garço!
Nunca mais me lembrei se era no mês de agosto,
Setembro, outubro, abril, maio, janeiro, ou março.

Encontrei-te. Depois... depois tudo se some
Desfaz-se o teu olhar em nuvens de ouro e poeira.
Era o dia... Que importa o dia, um simples nome?

Ou sábado sem luz, domingo sem conforto,
Segunda, terça ou quarta, ou quinta ou sexta-feira,
Brilhasse o sol que importa? ou fosse o luar já morto?   

Friday, 30 October 2015

“Terras do Brasil” by D. Pedro II (in Portuguese)




Espavorida agita-se a criança
De noturnos fantasmas com receio,
Mas, se abrigo lhe dá materno seio,
Fecha os doridos olhos e descansa.

Perdida é para mim toda esperança
De volver ao Brasil; de lá me veio
Um pugilo de terra, e nesta, creio,
Brando será meu sono e sem tardança.

Qual o infante a dormir em peito amigo
Tristes sombras varrendo da Memória,
Ó doce Pátria, sonharei contigo!

E entre visões de Paz, de Luz, de Glória,
Sereno aguardarei, no meu jazigo,
A Justiça de Deus na voz da História!

Saturday, 17 October 2015

Sonnet by Alphonsus de Guimaraens (in Portuguese Language)



Ninguém anda com Deus mais do que eu ando,
Ninguém segue os seus passos como sigo.
Não bendigo a ninguém, e nem maldigo:
Tudo é morto num peito miserando.

Vejo o sol, a lua e todo o bando
Das estrelas no olímpico jazigo.
A misteriosa mão de deus o trigo
Que ela plantou aos poucos vai ceifando.

E vão-se as horas em completa calma.
Um dia (já vem longe ou já vem perto?)
Tudo que sofro e que sofri se acalma.

Ah se chegasse em breve o dia incerto!
Far-se-á luz dentro de mim, pois a minh'alma
Será trigo de Deus no céu aberto...