I Adolescência
Eu era uma alma fácil e macia,
Claro e sereno espelho matinal
Que a paisagem das cousas refletia,
Com a lucidez cantante do cristal.
Tendo os instintos por filosofia,
Era um ser mansamente natural,
Em cuja meiga ingenuidade havia
Uma alegre intuição universal.
Entretinham-me as ricas tessituras
Das lendas de ouro, cheias de horizontes
E de imaginações maravilhosas.
E eu passava entre as cousas e as criaturas,
Simples como a água lírica das fontes
E puro como o espírito das rosas...
II Mefisto
Espírito flexível e elegante,
Ágil, lascivo, plástico, difuso,
Entre as cousas humanas me conduzo
Como um destro ginasta diletante.
Comigo mesmo, cínico e confuso,
Minha vida é um sofisma espiralante;
Teço lógicas trêfegas e abuso
Do equilíbrio da Dúvida flutuante.
Bailarino dos círculos viciosos,
Faço jogos sutis de ideias no ar
Entre saltos brilhantes e mortais,
Com a mesma petulância singular
Dos grandes acrobatas audaciosos
E dos malabaristas de punhais...
III Confusão
Alma estranha esta que abrigo,
Esta que o Acaso me deu,
Tem tantas almas consigo,
Que eu nem sei bem quem sou eu.
Jamais na Vida consigo
Ter de mim o que é só meu;
Para supremo castigo,
Eu sou meu próprio Proteu.
De instante a instante, a me olhar,
Sinto, num pesar profundo,
A alma a mudar... a mudar...
Parece que estão, assim,
Todas as almas do Mundo,
Lutando dentro de mim...
IV Serenidade
Feriram-te, alma simples e iludida.
Sobre os teus lábios dóceis a desgraça
Aos poucos esvaziou a sua taça
E sofreste sem trégua e sem guarida.
Entretanto, à surpresa de quem passa,
Ainda e sempre, conservas para a Vida,
A flor de um idealismo, a ingênua graça
De uma grande inocência distraída.
A concha azul envolta na cilada
Das algas más, ferida entre os rochedos,
Rolou nas convulsões do mar profundo;
Mas inda assim, poluída e atormentada,
Ocultando puríssimos segredos,
Guarda o sonho das pérolas no fundo.