Thursday, 5 December 2019

Thursday's Serial: "Memórias de um Sargento de Milícias" by Manuel Antônio de Almeida (in Portuguese) - II


V - O VIDIGAL   
O som daquela voz que dissera "abra a porta" lançara entre eles, como dissemos, o espanto e o medo. E não foi sem razão; era ela o anúncio de um grande aperto, de que por certo não poderiam escapar. Nesse tempo ainda não estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o de um modo em harmonia com as tendências e idéias da época. O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial. Entretanto, façamos-lhe justiça, dados os descontos necessários às idéias do tempo, em verdade não abusava ele muito de seu poder, e o empregava em certos casos muito bem empregado.
Era o Vidigal um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos, e voz descansada e adocicada. Apesar deste aspecto de mansidão, não se encontraria por certo homem mais apto para o seu cargo, exercido pelo modo que acabamos de indicar.
Uma companhia ordinariamente de granadeiros, às vezes de outros soldados que ele escolhia nos corpos que haviam na cidade, armados todos de grossas chibatas, comandada pelo major Vidigal, fazia toda a ronda da cidade de noite, e toda a mais polícia de dia. Não havia beco nem travessa, rua nem praça, onde não se tivesse passado uma façanha do Sr. major para pilhar um maroto ou dar caça a um vagabundo. A sua sagacidade era proverbial, e por isso só o seu nome incutia grande terror em todos os que não tinham a consciência muito pura a respeito de falcatruas.
Se no meio da algazarra de um fado rigoroso, em que a decência e os ouvidos dos vizinhos não eram muito respeitados, ouvia-se dizer "está aí o Vidigal", mudavam-se repentinamente as cenas; serenava tudo em um momento, e a festa tomava logo um aspecto sério. Quando algum dos patuscos daquele tempo (que não gozava de grande reputação de ativo e trabalhador) era surpreendido de noite de capote sobre os ombros e viola a tiracolo, caminhando em busca de súcia, por uma voz branda que lhe dizia simplesmente "venha cá; onde vai?" o único remédio que tinha era fugir, se pudesse, porque com certeza não escapava por outro meio de alguns dias de cadeia, ou pelo menos da casa da guarda na Sé; quando não vinha o côvado e meio às costas, como conseqüência necessária.
Foi por isso que os nossos mágicos e a sua infeliz vítima puseram-se em debandada mal conheceram pela voz quem se achava com eles. Quiseram escapar-se pelos fundos da casa, porém ela estava toda cercada de granadeiros, em cujas mãos se viam a arma de que acima falamos. A porta abriu-se sem muita resistência, e o major Vidigal (porque era com efeito ele) com os seus granadeiros achou-os em flagrante delito de nigromancia: estava ainda acesa a fogueira, e os mais objetos que serviam ao sacrifício.
— Oh! disse ele, por aqui dá-se fortuna...
— Sr. major, pelo amor de Deus...
— Eu tinha desejos de ver como era isso; continuem... sem cerimônia, vamos.
Os infelizes hesitaram um pouco, porém vendo que resistir seria inútil, começaram de novo as cerimônias, de que os soldados se riam, antevendo talvez qual seria o resultado. O Leonardo estava corrido de vergonha, tanto mais porque o Vidigal o conhecia; e procurava cobrir-se do melhor modo com a sua imunda capa. Ajoelhou-se quase arrastado outra vez no mesmo lugar; e recomeçou a dança, a que o major assistia de braços cruzados e com ar pachorrento. Quando os sacrificadores, julgando que já tinham dançado suficientemente, tentaram parar, o major disse brandamente:
— Continuem.
Depois de muito tempo quiseram parar de novo.
— Continuem, disse outra vez o major.
Continuaram por mais meia hora; passado esse tempo, já muito cansados, tentaram dar fim.
— Ainda não; continuem.
Continuaram por tempos esquecidos, já estavam que não podiam de estafados; o nosso Leonardo, ajoelhado ao pé da fogueira, quase que se desfazia em suor. Afinal o major deu-se por satisfeito, mandou que parassem, e sem se alterar disse para os soldados, com a sua voz doce e pausada:
— Toca, granadeiros.
A esta voz todas as chibatas ergueram-se, e caíram de rijo sobre as costas daquela honesta gente, fizeram-na dançar, e sem querer, ainda por algum tempo.
— Pára, disse o major depois de um bom quarto de hora.
Começou então a fazer a cada um um sermão, em que se mostrava muito sentido por ter sido obrigado a chegar àquele excesso, e que terminava sempre por esta pergunta:
— Então você em que se ocupa?
Nenhum deles respondia. O major sorria-se e acrescentava com riso sardônico:
— Está bom!
Chegou a vez do Leonardo.
— Pois homem, você, um oficial de justiça, que devia dar o exemplo...-Sr. major, respondeu ele acabrunhado, é o diabo daquela rapariga que me obriga a tudo isto; já não sei de que meios use...
— Você há de ficar curado! Vamos para a casa da guarda.
Com esta última decisão o Leonardo desesperou. Perdoaria de bom grado as chibatadas que levara, contanto que elas ficassem em segredo; mas ir para a casa da guarda, e dela talvez para a cadeia... isso é que ele não podia tolerar. Rogou ao major que o poupasse; o major foi inflexível. Desfez então a vergonha em pragas à maldita cigana que tanto o fazia sofrer.
A casa da guarda era no largo da Sé; era uma espécie de depósito onde se guardavam os presos que se faziam de noite, para se lhes dar depois conveniente destino. Já se sabe que os amigos de novidades iam por ali de manhã e sabiam com facilidade tudo que se tinha passado na noite antecedente.
Aí esteve o Leonardo o resto da noite e grande parte da manhã, exposto à vistoria dos curiosos. Por infelicidade sua passou por acaso um colega, e vendo-o entrou para falar-lhe, isto quer dizer que daí a pouco toda a ilustre corporação dos meirinhos da cidade sabia do ocorrido com o Leonardo, e já se preparava para dar-lhe uma solene pateada quando o negócio mudou de aspecto e o Leonardo foi mandado para a cadeia.
Aparentemente os companheiros mostraram-se sentidos, porém secretamente não deixaram de estimar o contratempo porque o Leonardo era muito afreguesado, e enquanto estava ele preso as partes os procuravam.

VI - O VIDIGAL  
O som daquela voz que dissera "abra a porta" lançara entre eles, como dissemos, o espanto e o medo. E não foi sem razão; era ela o anúncio de um grande aperto, de que por certo não poderiam escapar. Nesse tempo ainda não estava organizada a polícia da cidade, ou antes estava-o de um modo em harmonia com as tendências e idéias da época. O major Vidigal era o rei absoluto, o árbitro supremo de tudo que dizia respeito a esse ramo de administração; era o juiz que julgava e distribuía a pena, e ao mesmo tempo o guarda que dava caça aos criminosos; nas causas da sua imensa alçada não haviam testemunhas, nem provas, nem razões, nem processo; ele resumia tudo em si; a sua justiça era infalível; não havia apelação das sentenças que dava, fazia o que queria, e ninguém lhe tomava contas. Exercia enfim uma espécie de inquirição policial. Entretanto, façamos-lhe justiça, dados os descontos necessários às idéias do tempo, em verdade não abusava ele muito de seu poder, e o empregava em certos casos muito bem empregado.
Era o Vidigal um homem alto, não muito gordo, com ares de moleirão; tinha o olhar sempre baixo, os movimentos lentos, e voz descansada e adocicada. Apesar deste aspecto de mansidão, não se encontraria por certo homem mais apto para o seu cargo, exercido pelo modo que acabamos de indicar.
Uma companhia ordinariamente de granadeiros, às vezes de outros soldados que ele escolhia nos corpos que haviam na cidade, armados todos de grossas chibatas, comandada pelo major Vidigal, fazia toda a ronda da cidade de noite, e toda a mais polícia de dia. Não havia beco nem travessa, rua nem praça, onde não se tivesse passado uma façanha do Sr. major para pilhar um maroto ou dar caça a um vagabundo. A sua sagacidade era proverbial, e por isso só o seu nome incutia grande terror em todos os que não tinham a consciência muito pura a respeito de falcatruas.
Se no meio da algazarra de um fado rigoroso, em que a decência e os ouvidos dos vizinhos não eram muito respeitados, ouvia-se dizer "está aí o Vidigal", mudavam-se repentinamente as cenas; serenava tudo em um momento, e a festa tomava logo um aspecto sério. Quando algum dos patuscos daquele tempo (que não gozava de grande reputação de ativo e trabalhador) era surpreendido de noite de capote sobre os ombros e viola a tiracolo, caminhando em busca de súcia, por uma voz branda que lhe dizia simplesmente "venha cá; onde vai?" o único remédio que tinha era fugir, se pudesse, porque com certeza não escapava por outro meio de alguns dias de cadeia, ou pelo menos da casa da guarda na Sé; quando não vinha o côvado e meio às costas, como conseqüência necessária.
Foi por isso que os nossos mágicos e a sua infeliz vítima puseram-se em debandada mal conheceram pela voz quem se achava com eles. Quiseram escapar-se pelos fundos da casa, porém ela estava toda cercada de granadeiros, em cujas mãos se viam a arma de que acima falamos. A porta abriu-se sem muita resistência, e o major Vidigal (porque era com efeito ele) com os seus granadeiros achou-os em flagrante delito de nigromancia: estava ainda acesa a fogueira, e os mais objetos que serviam ao sacrifício.
— Oh! disse ele, por aqui dá-se fortuna...
— Sr. major, pelo amor de Deus...
— Eu tinha desejos de ver como era isso; continuem... sem cerimônia, vamos.
Os infelizes hesitaram um pouco, porém vendo que resistir seria inútil, começaram de novo as cerimônias, de que os soldados se riam, antevendo talvez qual seria o resultado. O Leonardo estava corrido de vergonha, tanto mais porque o Vidigal o conhecia; e procurava cobrir-se do melhor modo com a sua imunda capa. Ajoelhou-se quase arrastado outra vez no mesmo lugar; e recomeçou a dança, a que o major assistia de braços cruzados e com ar pachorrento. Quando os sacrificadores, julgando que já tinham dançado suficientemente, tentaram parar, o major disse brandamente:
— Continuem.
Depois de muito tempo quiseram parar de novo.
— Continuem, disse outra vez o major.
Continuaram por mais meia hora; passado esse tempo, já muito cansados, tentaram dar fim.
— Ainda não; continuem.
Continuaram por tempos esquecidos, já estavam que não podiam de estafados; o nosso Leonardo, ajoelhado ao pé da fogueira, quase que se desfazia em suor. Afinal o major deu-se por satisfeito, mandou que parassem, e sem se alterar disse para os soldados, com a sua voz doce e pausada:
— Toca, granadeiros.
A esta voz todas as chibatas ergueram-se, e caíram de rijo sobre as costas daquela honesta gente, fizeram-na dançar, e sem querer, ainda por algum tempo.
— Pára, disse o major depois de um bom quarto de hora.
Começou então a fazer a cada um um sermão, em que se mostrava muito sentido por ter sido obrigado a chegar àquele excesso, e que terminava sempre por esta pergunta:
— Então você em que se ocupa?
Nenhum deles respondia. O major sorria-se e acrescentava com riso sardônico:
— Está bom!
Chegou a vez do Leonardo.
— Pois homem, você, um oficial de justiça, que devia dar o exemplo...-Sr. major, respondeu ele acabrunhado, é o diabo daquela rapariga que me obriga a tudo isto; já não sei de que meios use...
— Você há de ficar curado! Vamos para a casa da guarda.
Com esta última decisão o Leonardo desesperou. Perdoaria de bom grado as chibatadas que levara, contanto que elas ficassem em segredo; mas ir para a casa da guarda, e dela talvez para a cadeia... isso é que ele não podia tolerar. Rogou ao major que o poupasse; o major foi inflexível. Desfez então a vergonha em pragas à maldita cigana que tanto o fazia sofrer.
A casa da guarda era no largo da Sé; era uma espécie de depósito onde se guardavam os presos que se faziam de noite, para se lhes dar depois conveniente destino. Já se sabe que os amigos de novidades iam por ali de manhã e sabiam com facilidade tudo que se tinha passado na noite antecedente.
Aí esteve o Leonardo o resto da noite e grande parte da manhã, exposto à vistoria dos curiosos. Por infelicidade sua passou por acaso um colega, e vendo-o entrou para falar-lhe, isto quer dizer que daí a pouco toda a ilustre corporação dos meirinhos da cidade sabia do ocorrido com o Leonardo, e já se preparava para dar-lhe uma solene pateada quando o negócio mudou de aspecto e o Leonardo foi mandado para a cadeia.
Aparentemente os companheiros mostraram-se sentidos, porém secretamente não deixaram de estimar o contratempo porque o Leonardo era muito afreguesado, e enquanto estava ele preso as partes os procuravam.

VII– A COMADRE
Cumpre-nos agora dizer alguma coisa a respeito de uma personagem que representará no correr desta história um importante papel, e que o leitor apenas conhece, porque nela tocamos de passagem no primeiro capitulo: é a comadre, a parteira que, como dissemos, servira de madrinha ao nosso memorando.
Era a comadre uma mulher baixa, excessivamente gorda, bonachona, ingênua ou tola até um certo ponto, e finória até outro; vivia do oficio de parteira, que adotara por curiosidade, e benzia de quebranto; todos a conheciam por muito beata e pela mais desabrida papa-missas da cidade. Era a folhinha mais exata de todas as festas religiosas que aqui se faziam; sabia de cor os dias em que se dizia missa em tal ou tal igreja, como a hora e até o nome do padre; era pontual à ladainha, ao terço, à novena, ao setenário; não lhe escapava via-sacra, procissão, nem sermão; trazia o tempo habilmente distribuído e as horas combinadas, de maneira que nunca lhe aconteceu chegar à igreja e achar já a missa no altar. De madrugada começava pela missa da Lapa; apenas acabava ia à das 8 na Sé, e daí saindo pilhava ainda a das 9 em Santo Antônio. O seu traje habitual era, como o de todas as mulheres da sua condição e esfera, uma saia de lila preta, que se vestia sobre um vestido qualquer, um lenço branco muito teso e engomado ao pescoço, outro na cabeça, um rosário pendurado no cós da saia, um raminho de arruda atrás da orelha, tudo isto coberto por uma clássica mantilha, junto à renda da qual se pregava uma pequena figa de ouro ou de osso. Nos dias dúplices, em vez de lenço à cabeça, o cabelo era penteado, e seguro por um enorme pente cravejado de crisólitas.
Este uso da mantilha era um arremedo do uso espanhol; porém a mantilha espanhola, temos ouvido dizer, é uma coisa poética que reveste as mulheres de um certo mistério, e que lhes realça a beleza; a mantilha das nossas mulheres, não; era a coisa mais prosaica que se pode imaginar, especialmente quando as que as traziam eram baixas e gordas como a comadre. A mais brilhante festa religiosa (que eram as mais freqüentadas então) tomava um aspecto lúgubre logo que a igreja se enchia daqueles vultos negros, que se uniam uns aos outros, que se inclinavam cochichando a cada momento.
Mas a mantilha era o traje mais conveniente aos costumes da época; sendo as ações dos outros o principal cuidado de quase todos, era muito necessário ver sem ser visto. A mantilha para as mulheres estava na razão das rótulas para as casas; eram o observatório da vida alheia. Muito agitada e cheia de acidentes era a vida que levava a comadre, de parteira, beata e curandeira de quebranto; não tinha por isso muito tempo de fazer visitas e procurar os conhecidos e amigos. Assim não procurava o Leonardo muitas vezes; havia muito tempo que não sabia notícia dele, nem da Maria, nem do afilhado, quando um dia na Sé ouviu entre duas beatas de mantilha a seguinte conversa:
— É o que lhe digo: a saloiazinha era da pele do tinhoso!
— E parecia uma santinha... e o Leonardo o que lhe fez?
— Ora, desancou-a de murros, e foi o que fez com que ela abalasse mais depressa com o capitão... pois olhe, não teve razão; o Leonardo é um rapagão; ganhava boas patacas, e tratava dela como de uma senhora!...
— E o filho... que assim mesmo pequeno era um malcriadão...
— O padrinho tomou conta dele; quer-lhe um bem extraordinário... está maluco o coitado do homem, diz que o menino há de por força ser padre... mas qual padre, se ele é um endiabrado!...
Nesta ocasião levantava-se a Deus, e as duas beatas interromperam a conversa para bater nos peitos.
Era uma delas a vizinha do compadre, que prognosticava mau fim ao menino, e com quem ele prometera fazer uma estralada; a outra era uma das que tinham estado na função do batizado.
A comadre, apenas ouviu isso, foi procurar o compadre; não se pense porém que a levara a isso outro interesse que não fosse a curiosidade, queria saber o caso com todos os menores detalhes; isso lhe dava longa matéria para a conversa na igreja, e para entreter as parturientes que se confiavam aos seus cuidados. Entrou pela loja do barbeiro; e apenas o avistou foi-lhe dizendo:
— Então, com que a tal comadre pregou-nos o mono? Veja o que são doidices; fazer aquilo ao Leonardo, um homem que não é mal-arranjado... filho do Reino...
— Apertaram-lhe as saudades da terra, disse o compadre com sorriso maligno.
— Apertada se veja ela entre as unhas do tinhoso! Olhem que joiazinha... E você, mestre, ficou com a carga às costas...
— Carga, não... eu quero-lhe bem, ele é sossegadinho...
Começou então um interrogatório minucioso acerca do que tinha sucedido em casa do Leonardo; e os dois, compadre e comadre, desabafaram a seu gosto. Depois o compadre narrou, mesmo sem ser interrogado, todas as gentilezas do afilhado, e contou suas intenções a respeito dele. A comadre não concordou com elas (o que nada agradou ao compadre), não via o menino com jeito para padre; achava melhor metê-lo na Conceição a aprender um ofício. O compadre porém persistiu em seus intentos, que tinha muita esperança de ver realizados. Afinal a comadre retirou-se.
Pelo caminho foi repetindo o que acabara de saber a quanto conhecido encontrou, sem escrupulizar muito em acrescentar mais uma ou outra circunstância com que carregava as cores do quadro.
Entretanto o compadre aplicava-se a trabalhar na realização de seus intentos, e começou por ensinar o ABC ao menino; porém, por primeira contrariedade, este empacou no F, e nada o fazia passar adiante.
A comadre continuou a aparecer daí em diante por um motivo que mais tarde se saberá.
Por agora vamos continuar a contar o que era feito do Leonardo.

VII - O PÁTIO DOS BICHOS          
Ainda hoje existe no saguão do paço imperial, que no tempo em que se passou esta nossa história se chamava palácio del-rei, uma saleta ou quarto que os gaiatos e o povo com eles denominavam o Pátio dos Bichos. Este apelido lhe fora dado em conseqüência do fim para que ele então servia: passavam ali todos os dias do ano três ou quatro oficiais superiores, velhos, incapazes para a guerra e inúteis na paz, que o rei tinha a seu serviço não sabemos se com mais alguma vantagem de soldo, ou se só com mais a honra de serem empregados no real serviço. Bem poucas vezes havia ocasião de serem eles chamados por ordem real para qualquer coisa, e todo o tempo passavam em santo ócio, ora mudos e silenciosos, ora conversando sobre coisas do seu tempo, e censurando as do que com razão já não supunham seu, porque nenhum deles era menor de 60 anos. Às vezes acontecia adormecerem todos ao mesmo tempo, e então com a ressonância de suas respirações passando pelos narizes atabacados, entoavam um quarteto, pedaço impagável, que os oficiais e soldados que estavam de guarda, criados e mais pessoas que passavam, vinham apreciar à porta. Eram os pobres homens muitas vezes vítimas de caçoadas que naquele tempo de poucas preocupações eram o objeto de estudo de muita gente.
Às vezes qualquer que os pilhava dormindo chegava à porta e gritava:
— Sr. tenente-coronel, el-rei procura por V.S.
Qualquer deles acordava espantado, tomava o chapéu armado, punha o talim, acontecendo às vezes com a pressa ficar o chapéu torto ou a espada do lado direito, e lá corria a ter com el-rei.
— Às vossas ordens, real senhor, dizia ainda bocejando.
O rei, que percebia o negócio, desatava a rir e o mandava embora.
Quando chegava o pobre homem abaixo, ia cada um dos que por ali se achavam indagar, o mais seriamente que era possível, qual tinha sido o objeto do chamado del-rei.
Faziam-lhes destas e doutras, mas daí a pouco deixavam-se eles enganar de novo.
Vamos fazer o leitor tomar conhecimento com um desses ativos militares, que entra também na nossa história.
Era velho como seus companheiros, porém decerto por ele não é que tinha vindo ao quarto o apelido que lhe davam: suas feições quebradas pela idade tinham ainda certa regularidade de contorno que bem devotava que seu tempo de rapaz não fora a respeito de beleza mal favorecido; de seus cabelos que o tempo levara restavam apenas orlando-lhe as têmporas e a nuca alguns anéis crespos e prateados; sua calva era nobre e imponente. Fora valente; ganhara por seus feitos as dragonas de tenente-coronel; era filho de Portugal, e acompanhara el-rei na sua vinda ao Brasil.
Estas qualidades porém não lhe serviam de salvaguarda, e sofria como os outros as caçoadas dos gaiatos.
Assim um dia que uma mulher de mantilha o foi procurar, e se pôs com ele a conversar por algum tempo em particular, passavam uns e outros e escarravam junto da porta, ou deixavam escapar uma ou outra chalaça análoga.
— Amores velhos nunca se esquecem, dizia um.
— Bravo! gosto do bom gosto, dizia outro.
A mulher de mantilha é nossa conhecida, porque nem mais nem menos é a comadre; e o negócio que aí a levou também nos interessa, pois que se trata da soltura do pobre Leonardo. Ouça portanto o leitor a conversa dos dois.
— Sr. Tenente-coronel, disse a comadre ao chegar, venho me valer de V.S.: meu compadre Leonardo está na cadeia.
— O Leonardo?! mas então por quê?
— Ora! maluquices!
E chegando-se ao ouvido do velho, contou-lhe a comadre baixinho a causa da prisão do Leonardo.
O velho desatou a rir.
— Bem pregado!... disse.
— Agora eu queria que V.S. fizesse o favor de falar por ele ao Sr. major Vidigal, que foi quem o prendeu... coitado do homem: é uma vergonha; mas também ele não se emenda!
E prosseguindo, a comadre contou muito em segredo, como já o tinha feito a todos os seus conhecidos, toda a história dos infelizes amores do Leonardo com a Maria, todas as diabruras do menino que ela deixara e de que o padrinho tomara conta: passou depois a relatar todo o ocorrido com a cigana, e voltou de novo à história da prisão, que contou e recontou vinte vezes, sem lhe escapar a mais pequenina circunstância. No fim tornou a fazer o seu pedido, a que o velho prometeu satisfazer, e então saiu ela recebendo no saguão muitos cumprimentos e sorrisos maliciosos. Na porta por onde saiu estava encostado um cadete que lhe disse:
— Estimo que fosse feliz; no dia do batizado neo se esqueça da gente.
— Arrenego! foi a única resposta que ela deu, e passou.
Como o velho tenente-coronel conhecia a comadre e o Leonardo, e por que se interessava por ele, o leitor saberá mais para diante.
Esse conhecimento era antigo, e o Leonardo apenas se achou na cadeia lembrou-se da proteção que o velho lhe podia prestar em semelhante aperto; mandou por um colega chamar a comadre, e a encarregou da missão de ir ter com ele, missão que ela aceitou de bom grado, e que desempenhou, segundo vimos, satisfatoriamente.
O velho, apenas a comadre saiu, tomou o chapéu armado, pôs a espada à cinta e saiu, depois de ter contado aos companheiros o que sucede a quem vai tomar fortuna. Um deles, que era crédulo até ao entusiasmo a respeito de feitiçarias, ficou muito indignado com o caso, e prometeu também empenhar-se pelo Leonardo.
Já vê pois o leitor que o negócio não estava mal parado, e em breve saberá o resultado de tudoisto.

IX – O “ARRANJEI-ME” DO COMPADRE
Os leitores estarão lembrados do que o compadre dissera quando estava a fazer castelos no ar a respeito do afilhado, e pensando em dar-lhe o mesmo oficio que exercia, isto é, daquele arranjei-me, cuja explicação prometemos dar. Vamos agora cumprir a promessa.
Se alguém perguntasse ao compadre por seus pais, por seus parentes, por seu nascimento, nada saberia responder, porque nada sabia a respeito. Tudo de que se recordava de sua história reduzia-se a bem pouco. Quando chegara à idade de dar acordo da vida achou-se em casa de um barbeiro que dele cuidava, porém que nunca lhe disse se era ou não seu pai ou seu parente, nem tampouco o motivo por que tratava da sua pessoa. Também nunca isso lhe dera cuidado, nem lhe veio à curiosidade indagá-lo.
Esse homem ensinara-lhe o oficio, e por inaudito milagre também a ler e a escrever. Enquanto foi aprendiz passou em casa do seu... mestre, em falta de outro nome, uma vida que por um lado se parecia com a do fâmulo, por outro com a do filho, por outro com a do agregado, e que afinal não era senão vida de enjeitado, que o leitor sem dúvida já adivinhou que ele o era. A troco disso dava-lhe o mestre sustento e morada, e pagava-se do que por ele tinha já feito.
Quando passou de menino a rapaz, e chegou a saber barbear e sangrar sofrivelmente, foi obrigado a manter-se à sua custa e a pagar a morada com os ganchos que fazia, porque o produto do mais trabalho pertencia ainda ao mestre. Sujeitou-se a isso. Porém queriam ainda mais: exigiam que continuasse a empregar-se no serviço doméstico. Lavrou-lhe então n’alma um arrepio de dignidade: já era oficial, e não queria rebaixar o seu oficio. Virou mareta; fez-se duro, e safou-se de casa sem escrúpulos nem remorsos, pois bem sabia que estavam saldas as contas de parte a parte. Tinham-no criado; ele tinha servido. Também não encontrou grande resistência à sua deliberação.
Apenas passou o primeiro ímpeto e teve tempo de reflexionar, quase que começou a arrepender-se por não saber qual o meio de achar arranjo. Viu-se na rua, sem saber para onde ir, tendo por única fortuna uma bacia de barbear embaixo do braço, um par de navalhas e outro de lancetas na algibeira. Verdade é que quem tinha consigo estes trastes estava com as armas e uniforme do oficio; porém isso não bastava; o pobre rapaz estava em apertos.
Passou a primeira noite em casa de um colega, e no dia seguinte ao amanhecer, tomando os seus apetrechos, saiu em busca de que fazer para aquele dia, e de destino para os mais que se iam seguir.
Achou ambas as coisas: uma trouxe a outra.
No largo do Paço um marujo que estava sentado em uma pedra junto ao mar chamou-o para que lhe fizesse a barba: mãos à obra, que já naquele dia não morria de fome.
Todo barbeiro é tagarela, e principalmente quando tem pouco que fazer; começou portanto a puxar conversa com o freguês. Foi a sua salvação e fortuna.
O navio a que o marujo pertencia viajava para a Costa e ocupava-se no comércio de negros; era um dos comboios que traziam fornecimento para o Valongo, e estava pronto a largar.
— Ó mestre! disse o marujo no meio da conversa, você também não é sangrador?
— Sim, eu também sangro...
— Pois olhe, você estava bem bom, se quisesse ir conosco... para curar a gente a bordo; morre-se ali que é uma praga.
— Homem, eu da cirurgia não entendo muito...
— Pois já não disse que sabe também sangrar?
— Sim...
— Então já sabe até demais.
No dia seguinte saiu o nosso homem pela barra fora: a fortuna tinha-lhe dado o meio, cumpria sabê-lo aproveitar; de oficial de barbeiro dava um salto mortal a médico de navio negreiro; restava unicamente saber fazer render a nova posição. Isso ficou por sua conta.
Por um feliz acaso logo nos primeiros dias de viagem adoeceram dois marinheiros; chamou-se o médico; ele fez tudo o que sabia... sangrou os doentes, e em pouco tempo estavam bons, perfeitos. Com isto ganhou imensa reputação, e começou a ser estimado.
Chegaram com feliz viagem ao seu destino; tomaram o seu carregamento de gente, e voltaram para o Rio. Graças à lanceta do nosso homem, nem um só negro morreu, o que muito contribuiu para aumentar-lhe a sólida reputação de entendedor do riscado.
Poucos dias antes de chegar ao Rio o capitão do navio adoeceu; a princípio nem ele nem alguém teve a menor dúvida de que ficaria bom logo depois da primeira sangria; porém repentinamente o negócio complicou-se, e nem com a terceira e quarta se pôde conseguir coisa alguma. No fim do quarto dia convenceram-se todos e o próprio doente capitão de que estava chegada a sua hora. Nem por isso porém inculparam o nosso homem.
— Ali não há sangria que o salve, diziam; chegou a sua vez de dar à costa... há de ir.
O capitão teve de fazer suas últimas disposições, e, como dissemos, tendo o médico granjeado grande amizade e confiança, foi escolhido para desempenhá-las.
O capitão chamou-o à parte, e em segredo lhe fez entrega de uma cinta de couro e uma caixa de pau pejadas de um bom par de doblas em ouro e prata, pedindo que fielmente as fosse entregar, apenas chegasse à terra, a uma filha sua, cuja morada lhe indicou. Além deste dinheiro encarregou-o também de receber a soldada daquela viagem e lhe dar o mesmo destino. Eram estas as suas únicas e últimas vontades que o encarregava de cumprir, declarando-lhe que lá do outro mundo o espiaria para ver como cuidava disso.
Poucas horas depois expirou.
Desse dia em diante nenhum só doente escapou mais, porque o médico já não sangrava tanto; andava preocupado, distraído, e assim levou até chegar à terra.
Apenas saltou, declarou que não se tinha dado bem, e que não embarcaria mais.
Quanto às ordens do capitão... histórias; quem é que lhe havia de vir tomar contas disso? Ninguém viu o que se passou; de nada se sabia.
Os únicos que podiam ter desconfiado e fazer alguma coisa eram os marinheiros; porém estes partiram em breve de novo para a Costa.
O compadre decidiu-se a instituir-se herdeiro do capitão, e assim o fez.
Eis aqui como se explica o arranjei-me, e como se explicam muitos outros que vão aí pelo mundo.

X - EXPLICAÇÕES             
O velho tenente-coronel, apesar de virtuoso e bom, não deixava de ter na consciência um sofrível par de pecados, desses que se chamam da carne, e que não hão de ser levados em conta, não de hoje, que a idade o tornara inofensivo, porém do tempo da sua mocidade: o resultado de um deles fora um filho que deixara em Lisboa, fruto de um derradeiro amor que tivera aos 36 anos. Por castigo em nada havia ele saído ao pai, e nem os conselhos, nem os cuidados e nem o exemplo deste puderam encaminhá-lo por boa vereda, Aos 20 anos, tendo sentado praça, era um cadete desordeiro, jogador e o mais insubordinado do seu regimento. Bastantes vergonhas custara ao pobre pai, que cuidadoso procurava sempre por todos os meios encobrir-lhe os defeitos e remediar as gentilezas que fazia, já pagando por ele dívidas de jogo, já atabafando-lhe as desordens e curando com ouro as brechas que ele fazia na cabeça de seus adversários. Houve porém uma que as circunstâncias e mesmo a natureza do caso não permitiram que tivesse remédio. Poucos dias antes de embarcar para o Brasil em companhia del-rei, estando o infeliz pai em preparativos de viagem, viu entrar-lhe pela porta adentro uma mulher velha, baixa, gorda, vermelha, vestida, segundo o costume das mulheres da baixa classe do país, com uma saia de ganga azul por cima de um vestido de chita, um lenço branco dobrado triangularmente posto sobre a cabeça e preso embaixo do queixo, e uns grossos sapatões nos pés. Parecia presa de grande agitação e de raiva: seus olhos pequenos e azuis faiscavam de dentro das órbitas afundadas pela idade, suas faces estavam rubras e reluzentes, seus lábios franzinos e franzidos apertavam-se violentamente um contra o outro como prendendo uma torrente de injúrias, e tornando mais sensível ainda seu queixo pontudo e um pouco revirado.
Apenas se achou ela em frente do capitão (era este o posto que tinha nesse tempo o velho) foi-se chegando para ele com ar resoluto e enfurecido, O capitão recuou instintivamente um passo.
— Ah! Sr. capitão, disse ela por fim pondo as mãos nas cadeiras, chegando a boca muito perto do rosto dele e abanando raivosa a cabeça: olhe que isto assim não vai direito; fazer-me andar a cabeça à roda... põe-me os miolos a ferver... e eu estouro... já viu!...
— Mas o que há então, mulher?... Eu não lhe conheço...
— Não quero cá saber de nada... Já lhe disse que isto não vai bem... e eu estouro...
— Mas por quê?... o que é que tem?... É preciso que você diga...
— Não tenho nada que dizer... Estouro, já lhe disse, Sr. capitão!...
— Pois estoure com trezentos diabos! mas ao menos diga pelo que é que estoura.
— Não tenho nada que dizer... já lhe disse... isto põe a cabeça da gente como uma cebola podre, não tem lugar nenhum... Ir-me por lá com ares de santarrão comprar frutas...
— Quem, mulher de Deus? Você não se explicará?
— Qual explicar, nem meio explicar! Pois então por ser cá a gente uma mulher velha, que já perdeu os achegos ao mundo, e ela uma pobre rapariga tola e bisbilhoteira, com vontade de saber de tudo, vir-me cá a mim pregar o mono na bochecha, e a ela em lugar ainda mais melindroso...
— Mas quem é que pregou monos a você mais a ela? e quem é ela?...
— Faz-se de novo! continuou a mulher exasperando-se; pois o Sr. capitão já não tinha consentido no casamento?...
— Que casamento? com quem?
— Ai, ai, ai, que cá me anda a cabeça como uma nora solta... Pois o Sr. capitão não sabe que tem um filho?...
— Sim, sei, respondeu este começando a descobrir o mistério.
— E não sabe que ele é um pedaço de um mariola!... A isto o capitão podia, porém não se animou a responder afirmativamente, e perguntou somente:
— E que mais?...
— E não sabe também que eu tenho uma filha que trouxe do Lumiar, a Mariazinha?
— Como, se eu nem a conheço?...
— Pois é uma rapariga muito capaz... e o diabo do tal cadete do seu filho andou por lá a entender com ela muito tempo: namoro para cá, namoro para lá, presentes daqui, promessas dacolá... e afinal de contas... brás!... E então que lhe parece?
O capitão foi às nuvens.
— Até lhe prometeu casamento, dizendo que o Sr. Capitão consentia... Ora eu bem sei que ela também teve a sua culpa... mas eu desculpo isso, porque também já fui rapariga... e sei que quando começa cá o diabo no corpo, adeus! Mas isto põe a gente tonta, porque... enfim a rapariga podia vir a fazer fortuna.
O capitão tinha compreendido tudo, e por mais algumas explicações que se seguiram viu-se reduzido ao maior aperto. Desta vez a diabrura do rapaz era irremediável. A mulher tinha toda a razão; porém casar seu filho com a filha de uma colareja... isso não poderia ser; além de que nada tinha que deixar ao filho, e só com o soldo de cadete não poderia sustentar mulher e casa, restando além disso a dúvida se ele estaria ou não pelos autos...
Despediu a velha, não sem lhe prometer que providenciaria sobre o caso.
— Olhe, veja lá, disse ela ao sair; se o negócio não se arranja, eu estouro! ...
O pobre homem ficou nos apuros; foi ter com a ofendida, e procurou, oferecendo-lhe alguma coisa para seu dote, obter que ela se calasse, e que desistisse de suas pretensões; esta quis a princípio recusar, porém a mãe aconselhou-a que aceitasse, sem dúvida com medo de estourar. Deste modo ficou o caso um pouco remediado, posto que a consciência do capitão, que era de homem de honra, não ficara de modo algum satisfeita. O tempo porém não dava lugar a mais; era chegado o momento de acompanhar a el-rei, e ele partiu deixando o filho recomendado a quantos amigos tinha. Decorreram os anos, e quando menos esperava soube ele que se achava no Rio de Janeiro em companhia do Leonardo a tal Mariazinha, que então já era a Maria que os leitores bem conhecem. Procurou fazer o que pudesse por ela para satisfazer todos os seus escrúpulos de pai honrado, porém quis fazê-lo ocultamente. Foi ter com a comadre, a quem já conhecia, e a encarregou de o avisar apenas sentisse que a Maria sofria qualquer necessidade. Nunca porém teve ocasião de exercer a sua boa vontade diretamente para com ela. Apenas tinha feito ao Leonardo um pequeno favor em ocasião em que este se achava embaraçado por causa de umas irregularidades em uns autos que se lhe atribuía, e que a comadre o aconselhou de procurá-lo mesmo sem o conhecer, a titulo de que era muito bom homem e amigo de servir a todos.
Eis aqui por que o Leonardo se dirigiu no seu segundo apuro ao velho tenente-coronel por intermédio da comadre, e por que este prometeu empenhar-se por ele, o que com efeito tratou de cumprir.
Como dissemos, apenas a comadre saiu, saiu ele também, e foi tratar de pôr o Leonardo na rua. Dirigiu-se primeiro à cadeia para colher do próprio Leonardo todas as informações, e então pôde ver que as que lhe tinha dado a comadre eram exatíssimas, e que ela não deixara escapar a menor circunstância. O Leonardo repetiu e confessou tudo o que ele já sabia, corrido de embaraço e de vergonha; e ao despedir-se o velho:
— Sr. tenente-coronel, disse-lhe ele, V.S. já me livrou de uma que não era culpa minha; livre-me desta também... olhe que está comprometida a minha honra...
O Leonardo esquecia-se da teoria da Maria.
— A honra não, respondeu o velho, o que está comprometido é o seu juízo: hão de dizer (e eu sou o primeiro) que você está doido.
— Fugi de uma saloia e fui cair numa cigana... tem razão!...
O velho saiu sorrindo-se. Daí dirigiu-se à casa de um seu amigo, fidalgo de valimento, para dele obter a soltura do Leonardo. Morava ele em uma das ruas mais estreitas da cidade, em um sobrado de sacada de rótulas de pau com pequenos postigos que se abriam às furtadelas, sem que ninguém de fora pudesse ver quem a eles chegava.
A poeira amontoada nos cordões da rótula e as paredes encardidas pelo tempo davam à casa um aspecto triste no exterior; quando ao interior, andava pelo mesmo conseguinte. A sala era pequena e baixa; a mobília que a guarnecia era toda de jacarandá e feita no gosto antigo; todas as peças eram enormes e pesadas; as cadeiras e o canapé, de pés arcados e espaldares altíssimos, tinham os assentos de couro, que era a moda da transição entre o estofo e a palhinha. Quem quiser ter idéia exata destes móveis procure no consistório de alguma irmandade antiga, onde temos visto alguns deles.
As paredes eram ornadas por uma dúzia de quadros, ou antes de caixas de vidro que deixavam ver em seu interior paisagens e flores feitas de conchinhas de todas as cores, que não eram totalmente feios, porém que não tinham decerto o subido valor que se lhes dava naquele tempo. À direita da sala havia sobre uma mesa um enorme oratório no mesmo gosto da mobília.
Havia finalmente em um canto uma palma benta, destas que se distribuem no domingo de ramos; e se o leitor agora supuser tudo isto coberto por uma densa camada de poeira, terá idéia perfeita do lugar em que foi recebido o velho tenente-coronel, que era pouco mais ou menos semelhante em todas as casas ricas de então, e por isso nos demoramos em descrevê-lo.
Sem se fazer esperar muito, apareceu o dono da casa: era um homem já velho e de cara um pouco ingrata; vinha de tamancos, sem meias, em mangas de camisa, com um capote de lã xadrez sobre os ombros, caixa de rapé e lenço encarnado na mão.
Em poucas palavras o velho expôs-lhe o caso e lhe pediu que fosse falar a el-rei em favor de Leonardo.
A princípio opôs ele algumas dúvidas, dizendo:
— Homem, pois eu hei de ir a palácio por causa de um meirinho? El-rei há de rir-se do meu afilhado.
Afinal, porém, teve de ceder a instâncias da amizade, e prometeu tudo. O velho saiu satisfeito e foi levar a nova ao Leonardo, que pulou de contente. Poucos dias depois chegou a ordem de soltura, e ele foi posto na rua. Acreditara que tinha acabado de passar pelo pior dos suplícios, porém insuportáveis torturas começaram para ele no dia em que saiu da cadeia: a mofa, o escárnio, o riso dos companheiros seguiu-o por muitos dias, incessante e martirizador.

Wednesday, 4 December 2019

Good Readings: “The Soul-Snatcher” by Tom Curry (in English)


The shrill voice of a woman stabbed the steady hum of the many machines in the great, semi-darkened laboratory. It was the onslaught of weak femininity against the ebony shadow of Jared, the silent negro servant of Professor Ramsey Burr. Not many people were able to get to the famous man against his wishes; Jared obeyed orders implicitly and was generally an efficient barrier.
"I will see him, I will," screamed the middle-aged woman. "I'm Mrs. Mary Baker, and he—he—it's his fault my son is going to die. His fault. Professor! Professor Burr!"
Jared was unable to keep her quiet.
Coming in from the sunlight, her eyes were not yet accustomed to the strange, subdued haze of the laboratory, an immense chamber crammed full of equipment, the vista of which seemed like an apartment in hell. Bizarre shapes stood out from the mass of impedimenta, great stills which rose full two stories in height, dynamos, immense tubes of colored liquids, a hundred puzzles to the inexpert eye.
The small, plump figure of Mrs. Baker was very out of place in this setting. Her voice was poignant, reedy. A look at her made it evident that she was a conventional, good woman. She had soft, cloudy golden eyes and a pathetic mouth, and she seemed on the point of tears.
"Madam, madam, de doctor is busy," whispered Jared, endeavoring to shoo her out of the laboratory with his polite hands. He was respectful, but firm.
She refused to obey. She stopped when she was within a few feet of the activity in the laboratory, and stared with fear and horror at the center of the room, and at its occupant, Professor Burr, whom she had addressed during her flurried entrance.
The professor's face, as he peered at her, seemed like a disembodied stare, for she could see only eyes behind a mask of lavender gray glass eyeholes, with its flapping ends of dirty, gray-white cloth.
She drew in a deep breath—and gasped, for the pungent fumes, acrid and penetrating, of sulphuric and nitric acids, stabbed her lungs. It was like the breath of hell, to fit the simile, and aptly Professor Burr seemed the devil himself, manipulating the infernal machines.
Acting swiftly, the tall figure stepped over and threw two switches in a single, sweeping movement. The vermillion light which had lived in a long row of tubes on a nearby bench abruptly ceased to writhe like so many tongues of flame, and the embers of hell died out.
Then the professor flooded the room in harsh gray-green light, and stopped the high-pitched, humming whine of his dynamos. A shadow picture writhing on the wall, projected from a lead-glass barrel, disappeared suddenly, the great color filters and other machines lost their semblance of horrible life, and a regretful sigh seemed to come from the metal creatures as they gave up the ghost.
To the woman, it had been entering the abode of fear. She could not restrain her shudders. But she bravely confronted the tall figure of Professor Burr, as he came forth to greet her.
He was extremely tall and attenuated, with a red, bony mask of a face pointed at the chin by a sharp little goatee. Feathery blond hair, silvered and awry, covered his great head.
"Madam," said Burr in a gentle, disarmingly quiet voice, "your manner of entrance might have cost you your life. Luckily I was able to deflect the rays from your person, else you might not now be able to voice your complaint—for such seems to be your purpose in coming here." He turned to Jared, who was standing close by. "Very well, Jared. You may go. After this, it will be as well to throw the bolts, though in this case I am quite willing to see the visitor."
Jared slid away, leaving the plump little woman to confront the famous scientist.
For a moment, Mrs. Baker stared into the pale gray eyes, the pupils of which seemed black as coal by contrast. Some, his bitter enemies, claimed that Professor Ramsey Burr looked cold and bleak as an iceberg, others that he had a baleful glare. His mouth was grim and determined.
Yet, with her woman's eyes, Mrs. Baker, looking at the professor's bony mask of a face, with the high-bridged, intrepid nose, the passionless gray eyes, thought that Ramsey Burr would be handsome, if a little less cadaverous and more human.
"The experiment which you ruined by your untimely entrance," continued the professor, "was not a safe one."
His long white hand waved toward the bunched apparatus, but to her to the room seemed all glittering metal coils of snakelike wire, ruddy copper, dull lead, and tubes of all shapes. Hell cauldrons of unknown chemicals seethed and slowly bubbled, beetle-black bakelite fixtures reflected the hideous light.
"Oh," she cried, clasping her hands as though she addressed him in prayer, "forget your science, Professor Burr, and be a man. Help me. Three days from now my boy, my son, whom I love above all the world, is to die."
"Three days is a long time," said Professor Burr calmly. "Do not lose hope: I have no intention of allowing your son, Allen Baker, to pay the price for a deed of mine. I freely confess it was I who was responsible for the death of—what was the person's name?—Smith, I believe."
"It was you who made Allen get poor Mr. Smith to agree to the experiments which killed him, and which the world blamed on my son," she said. "They called it the deed of a scientific fiend, Professor Burr, and perhaps they are right. But Allen is innocent."
"Be quiet," ordered Burr, raising his hand. "Remember, madam, your son Allen is only a commonplace medical man, and while I taught him a little from my vast store of knowledge, he was ignorant and of much less value to science and humanity than myself. Do you not understand, can you not comprehend, also, that the man Smith was a martyr to science? He was no loss to mankind, and only sentimentalists could have blamed anyone for his death. I should have succeeded in the interchange of atoms which we were working on, and Smith would at this moment be hailed as the first man to travel through space in invisible form, projected on radio waves, had it not been for the fact that the alloy which conducts the three types of sinusoidal failed me and burned out. Yes, it was an error in calculation, and Smith would now be called the Lindbergh of the Atom but for that. Yet Smith has not died in vain, for I have finally corrected this error—science is but trial and correction of error—and all will be well."
"But Allen—Allen must not die at all!" she cried. "For weeks he has been in the death house: it is killing me. The Governor refuses him a pardon, nor will he commute my son's sentence. In three days he is to die in the electric chair, for a crime which you admit you alone are responsible for. Yet you remain in your laboratory, immersed in your experiments, and do nothing, nothing!"
The tears came now, and she sobbed hysterically. It seemed that she was making an appeal to someone in whom she had only a forlorn hope.
"Nothing?" repeated Burr, pursing his thin lips. "Nothing? Madam, I have done everything. I have, as I have told you, perfected the experiment. It is successful. Your son has not suffered in vain, and Smith's name will go down with the rest of science's martyrs as one who died for the sake of humanity. But if you wish to save your son, you must be calm. You must listen to what I have to say, and you must not fail to carry out my instructions to the letter. I am ready now."
Light, the light of hope, sprang in the mother's eyes. She grasped his arm and stared at him with shining face, through tear-dipped eyelashes.
"Do—do you mean it? Can you save him? After the Governor has refused me? What can you do? No influence will snatch Allen from the jaws of the law: the public is greatly excited and very hostile toward him."
A quiet smile played at the corners of Burr's thin lips.
"Come," he said. "Place this cloak about you. Allen wore it when he assisted me."
The professor replaced his own mask and conducted the woman into the interior of the laboratory.
"I will show you," said Professor Burr.
She saw before her now, on long metal shelves which appeared to be delicately poised on fine scales whose balance was registered by hair-line indicators, two small metal cages.
Professor Burr stepped over to a row of common cages set along the wall. There was a small menagerie there, guinea pigs—the martyrs of the animal kingdom—rabbits, monkeys, and some cats.
The man of science reached in and dragged out a mewing cat, placing it in the right-hand cage on the strange table. He then obtained a small monkey and put this animal in the left-hand cage, beside the cat. The cat, on the right, squatted on its haunches, mewing in pique and looking up at its tormentor. The monkey, after a quick look around, began to investigate the upper reaches of its new cage.
Over each of the animals was suspended a fine, curious metallic armament. For several minutes, while the woman, puzzled at how this demonstration was to affect the rescue of her condemned son, waited impatiently, the professor deftly worked at the apparatus, connecting wires here and there.
"I am ready now," said Burr. "Watch the two animals carefully."
"Yes, yes," she replied, faintly, for she was half afraid.
The great scientist was stooping over, looking at the balances of the indicators through microscopes.
She saw him reach for his switches, and then a brusk order caused her to turn her eyes back to the animals, the cat in the right-hand cage, the monkey at the left.
Both animals screamed in fear, and a sympathetic chorus sounded from the menagerie, as a long purple spark danced from one gray metal pole to the other, over the cages on the table.
At first, Mrs. Baker noticed no change. The spark had died, the professor's voice, unhurried, grave, broke the silence.
"The first part of the experiment is over," he said. "The ego—"
"Oh, heavens!" cried the woman. "You've driven the poor creatures mad!"
She indicated the cat. That animal was clawing at the top bars of its cage, uttering a bizarre, chattering sound, somewhat like a monkey. The cat hung from the bars, swinging itself back and forth as on a trapeze, then reached up and hung by its hind claws.
As for the monkey, it was squatting on the floor of its cage, and it made a strange sound in its throat, almost a mew, and it hissed several times at the professor.
"They are not mad," said Burr. "As I was explaining to you, I have finished the first portion of the experiment. The ego, or personality of one animal has been taken out and put into the other."
She was unable to speak. He had mentioned madness: was he, Professor Ramsey Burr, crazy? It was likely enough. Yet—yet the whole thing, in these surroundings, seemed plausible. As she hesitated about speaking, watching with fascinated eyes the out-of-character behavior of the two beasts, Burr went on.
"The second part follows at once. Now that the two egos have interchanged, I will shift the bodies. When it is completed, the monkey will have taken the place of the cat, and vice versa. Watch."
He was busy for some time with his levers, and the smell of ozone reached Mrs. Baker's nostrils as she stared with horrified eyes at the animals.
She blinked. The sparks crackled madly, the monkey mewed, the cat chattered.
Were her eyes going back on her? She could see neither animal distinctly: they seemed to be shaking in some cosmic disturbance, and were but blurs. This illusion—for to her, it seemed it must be optical—persisted, grew worse, until the quaking forms of the two unfortunate creatures were like so much ectoplasm in swift motion, ghosts whirling about in a dark room.
Yet she could see the cages quite distinctly, and the table and even the indicators of the scales. She closed her eyes for a moment. The acrid odors penetrated to her lungs, and she coughed, opening her eyes.
Now she could see clearly again. Yes, she could see a monkey, and it was climbing, quite naturally about its cage; it was excited, but a monkey. And the cat, while protesting mightily, acted like a cat.
Then she gasped. Had her mind, in the excitement, betrayed her? She looked at Professor Burr. On his lean face there was a smile of triumph, and he seemed to be awaiting her applause.
She looked again at the two cages. Surely, at first the cat had been in the right-hand cage, and the monkey in the left! And now, the monkey was in the place where the cat had been and the cat had been shifted to the left-hand cage.
"So it was with Smith, when the alloys burned out," said Burr. "It is impossible to extract the ego or dissolve the atoms and translate them into radio waves unless there is a connection with some other ego and body, for in such a case the translated soul and body would have no place to go. Luckily, for you, madam, it was the man Smith who was killed when the alloys failed me. It might have been Allen, for he was the second pole of the connection."
"But," she began faintly, "how can this mad experiment have anything to do with saving my boy?"
He waved impatiently at her evident denseness. "Do you not understand? It is so I will save Allen, your son. I shall first switch our egos, or souls, as you say. Then switch the bodies. It must always take this sequence; why, I have not ascertained. But it always works thus."
Mrs. Baker was terrified. What she had just seen, smacked of the blackest magic—yet a woman in her position must grasp at straws. The world blamed her son for the murder of Smith, a man Professor Burr had made use of as he might a guinea pig, and Allen must be snatched from the death house.
"Do—do you mean you can bring Allen from the prison here—just by throwing those switches?" she asked.
"That is it. But there is more to it than that, for it is not magic, madam; it is science, you understand, and there must be some physical connection. But with your help, that can easily be made."
Professor Ramsey Burr, she knew, was the greatest electrical engineer the world had ever known. And he stood high as a physicist. Nothing hindered him in the pursuit of knowledge, they said. He knew no fear, and he lived on an intellectual promontory. He was so great that he almost lost sight of himself. To such a man, nothing was impossible. Hope, wild hope, sprang in Mary Baker's heart, and she grasped the bony hand of the professor and kissed it.
"Oh, I believe, I believe," she cried. "You can do it. You can save Allen. I will do anything, anything you tell me to."
"Very well. You visit your son daily at the death house, do you not?"
She nodded; a shiver of remembrance of that dread spot passed through her.
"Then you will tell him the plan and let him agree to see me the night preceding the electrocution. I will give him final instructions as to the exchange of bodies. When my life spirit, or ego, is confined in your son's body in the death house, Allen will be able to perform the feat of changing the bodies, and your son's flesh will join his soul, which will have been temporarily inhabiting my own shell. Do you see? When they find me in the cell where they suppose your son to be, they will be unable to explain the phenomenon; they can do nothing but release me. Your son will go here, and can be whisked away to a safe place of concealment."
"Yes, yes. What am I to do besides this?"
Professor Burr pulled out a drawer near at hand, and from it extracted a folded garment of thin, shiny material.
"This is metal cloth coated with the new alloy," he said, in a matter of fact tone. He rummaged further, saying as he did so, "I expected you would be here to see me, and I have been getting ready for your visit. All is prepared, save a few odds and ends which I can easily clean up in the next two days. Here are four cups which Allen must place under each leg of his bed, and this delicate little director coil you must take especial pains with. It is to be slipped under your son's tongue at the time appointed."
She was staring at him still, half in fear, half in wonder, yet she could not feel any doubt of the man's miraculous powers. Somehow, while he talked to her and rested those cold eyes upon her, she was under the spell of the great scientist. Her son, before the trouble into which he had been dragged by the professor, had often hinted at the abilities of Ramsey Burr, given her the idea that his employer was practically a necromancer, yet a magician whose advanced scientific knowledge was correct and explainable in the light of reason.
Yes, Allen had talked to her often when he was at home, resting from his labors with Professor Burr. He had spoken of the new electricity discovered by the famous man, and also told his mother that Burr had found a method of separating atoms and then transforming them into a form of radio-electricity so that they could be sent in radio waves, to designated points. And she now remembered—the swift trial and conviction of Allen on the charge of murder had occupied her so deeply that she had forgotten all else for the time being—that her son had informed her quite seriously that Professor Ramsey Burr would soon be able to transport human beings by radio.
"Neither of us will be injured in any way by the change," said Burr calmly. "It is possible for me now to break up human flesh, send the atoms by radio-electricity, and reassemble them in their proper form by these special transformers and atom filters."
Mrs. Baker took all the apparatus presented her by the professor. She ventured the thought that it might be better to perform the experiment at once, instead of waiting until the last minute, but this Professor Burr waved aside as impossible. He needed the extra time, he said, and there was no hurry.
She glanced about the room, and her eye took in the giant switches of copper with their black handles; there were others of a gray-green metal she did not recognize. Many dials and meters, strange to her, confronted the little woman. These things, she felt with a rush of gratitude toward the inanimate objects, would help to save her son, so they interested her and she began to feel kindly toward the great machines.
Would Professor Burr be able to save Allen as he claimed? Yes, she thought, he could. She would make Allen consent to the trial of it, even though her son had cursed the scientist and cried he would never speak to Ramsey Burr again.
She was escorted from the home of the professor by Jared, and going out into the bright, sunlit street, blinked as her eyes adjusted themselves to the daylight after the queer light of the laboratory. In a bundle she had a strange suit and the cups; her purse held the tiny coil, wrapped in cotton.
How could she get the authorities to consent to her son having the suit? The cups and the coil she might slip to him herself. She decided that a mother would be allowed to give her son new underwear. Yes, she would say it was that.
She started at once for the prison. Professor Burr's laboratory was but twenty miles from the cell where her son was incarcerated.
As she rode on the train, seeing people in everyday attire, commonplace occurrences going on about her, the spell of Professor Burr faded, and cold reason stared her in the face. Was it nonsense, this idea of transporting bodies through the air, in invisible waves? Yet, she was old-fashioned; the age of miracles had not passed for her. Radio, in which pictures and voices could be sent on wireless waves, was unexplainable to her. Perhaps—
She sighed, and shook her head. It was hard to believe. It was also hard to believe that her son was in deadly peril, condemned to death as a "scientific fiend."
Here was her station. A taxi took her to the prison, and after a talk with the warden, finally she stood there, before the screen through which she could talk to Allen, her son.
"Mother!"
Her heart lifted, melted within her. It was always thus when he spoke. "Allen," she whispered softly.
They were allowed to talk undisturbed.
"Professor Burr wishes to help you," she said, in a low voice.
Her son, Allen Baker, M. D., turned eyes of misery upon her. His ruddy hair was awry. This young man was imaginative and could therefore suffer deeply. He had the gift of turning platitudes into puzzles, and his hazel eyes were lit with an elfin quality, which, if possible, endeared him the more to his mother. All his life he had been the greatest thing in the world to this woman. To see him in such straits tore her very heart. When he had been a little boy, she had been able to make joy appear in those eyes by a word and a pat; now that he was a man, the matter was more difficult, but she had always done her best.
"I cannot allow Professor Burr to do anything for me," he said dully. "It is his fault that I am here."
"But Allen, you must listen, listen carefully. Professor Burr can save you. He says it was all a mistake, the alloy was wrong. He has not come forward before, because he knew he would be able to iron out the trouble if he had time, and thus snatch you from this terrible place."
She put as much confidence into her voice as she could. She must, to enhearten her son. Anything to replace that look of suffering with one of hope. She would believe, she did believe. The bars, the great masses of stone which enclosed her son would be as nothing. He would pass through them, unseen, unheard.
For a time, Allen spoke bitterly of Ramsey Burr, but his mother pleaded with him, telling him it was his only chance, and that the deviltry Allen suspected was imaginary.
"He—he killed Smith in such an experiment," said Allen. "I took the blame, as you know, though I only followed his instructions. But you say he claims to have found the correct alloys?"
"Yes. And this suit, you must put it on. But Professor Burr himself will be here to see you day after to-morrow, the day preceding the—the—" She bit her lip, and got out the dreaded word, "the electrocution. But there won't be any electrocution, Allen; no, there cannot be. You will be safe, safe in my arms." She had to fight now to hold her belief in the miracle which Burr had promised. The solid steel and stone dismayed her brain.
The new alloy seemed to interest Allen Baker. His mother told him of the exchange of the monkey and the cat, and he nodded excitedly, growing more and more restive, and his eyes began to shine with hope and curiosity.
"I have told the warden about the suit, saying it was something I made for you myself," she said, in a low voice. "You must pretend the coil and the cups are things you desire for your own amusement. You know, they have allowed you a great deal of latitude, since you are educated and need diversion."
"Yes, yes. There may be some difficulty, but I will overcome that. Tell Burr to come. I'll talk with him and he can instruct me in the final details. It is better than waiting here like a rat in a trap. I have been afraid of going mad, mother, but this buoys me up."
He smiled at her, and her heart sang in the joy of relief.
How did the intervening days pass? Mrs. Baker could not sleep, could scarcely eat, she could do nothing but wait, wait, wait. She watched the meeting of her son and Ramsey Burr, on the day preceding the date set for the execution.
"Well, Baker," said Burr nonchalantly, nodding to his former assistant. "How are you?"
"You see how I am," said Allen, coldly.
"Yes, yes. Well, listen to what I have to say and note it carefully. There must be no slip. You have the suit, the cups and the director coil? You must keep the suit on, the cups go under the legs of the cot you lie on. The director under your tongue."
The professor spoke further with Allen, instructing him in scientific terms which the woman scarcely comprehended.
"To-night, then at eleven-thirty," said Burr, finally. "Be ready."
Allen nodded. Mrs. Baker accompanied Burr from the prison.
"You—you will let me be with you?" she begged.
"It is hardly necessary," said the professor.
"But I must. I must see Allen the moment he is free, to make sure he is all right. Then, I want to be able to take him away. I have a place in which we can hide, and as soon as he is rescued he must be taken out of sight."
"Very well," said Burr, shrugging. "It is immaterial to me, so long as you do not interfere with the course of the experiment. You must sit perfectly still, you must not speak until Allen stands before you and addresses you."
"Yes, I will obey you," she promised.
Mrs. Baker watched Professor Ramsey Burr eat his supper. Burr himself was not in the least perturbed; it was wonderful, she thought, that he could be so calm. To her, it was the great moment, the moment when her son would be saved from the jaws of death.
Jared carried a comfortable chair into the laboratory and she sat in it, quiet as a mouse, in one corner of the room.
It was nine o'clock, and Professor Burr was busy with his preparations. She knew he had been working steadily for the past few days. She gripped the arms of her chair, and her heart burned within her.
The professor was making sure of his apparatus. He tested this bulb and that, and carefully inspected the curious oscillating platform, over which was suspended a thickly bunched group of gray-green wire, which was seemingly an antenna. The numerous indicators and implements seemed to be satisfactory, for at quarter after eleven Burr gave an exclamation of pleasure and nodded to himself.
Burr seemed to have forgotten the woman. He spoke aloud occasionally, but not to her, as he drew forth a suit made of the same metal cloth as Allen must have on at this moment.
The tension was terrific, terrific for the mother, who was awaiting the culmination of the experiment which would rescue her son from the electric chair—or would it fail? She shuddered. What if Burr were mad?
But look at him, she was sure he was sane, as sane as she was.
"He will succeed," she murmured, digging her nails into the palms of her hands. "I know he will."
She pushed aside the picture of what would happen on the morrow, but a few hours distant, when Allen, her son, was due to be led to a legal death in the electric chair.
Professor Burr placed the shiny suit upon his lank form, and she saw him put a duplicate coil, the same sort of small machine which Allen possessed, under his tongue.
The Mephistophelian figure consulted a matter-of-fact watch; at that moment, Mrs. Baker heard, above the hum of the myriad machines in the laboratory, the slow chiming of a clock. It was the moment set for the deed.
Then, she feared the professor was insane, for he suddenly leaped to the high bench of the table on which stood one of the oscillating platforms.
Wires led out from this, and Burr sat gently upon it, a strange figure in the subdued light.
Professor Burr, however, she soon saw, was not insane. No, this was part of it. He was reaching for switches near at hand, and bulbs began to glow with unpleasant light, needles on indicators swung madly, and at last, Professor Burr kicked over a giant switch, which seemed to be the final movement.
For several seconds the professor did not move. Then his body grew rigid, and he twisted a few times. His face, though not drawn in pain, yet twitched galvanically, as though actuated by slight jabs of electricity.
The many tubes fluoresced, flared up in pulsing waves of violet and pink: there were gray bars of invisibility or areas of air in which nothing visible showed. There came the faint, crackling hum of machinery rather like a swarm of wasps in anger. Blue and gray thread of fire spat across the antenna. The odor of ozone came to Mrs. Baker's nostrils, and the acid odors burned her lungs.
She was staring at him, staring at the professor's face. She half rose from her chair, and uttered a little cry.
The eyes had changed, no longer were they cold, impersonal, the eyes of a man who prided himself on the fact that he kept his arteries soft and his heart hard; they were loving, soft eyes.
"Allen," she cried.
Yes, without doubt, the eyes of her son were looking at her out of the body of Professor Ramsey Burr.
"Mother," he said gently. "Don't be alarmed. It is successful. I am here, in Professor Burr's body."
"Yes," she cried, hysterically. It was too weird to believe. It seemed dim to her, unearthly.
"Are you all right, darling?" she asked timidly.
"Yes. I felt nothing beyond a momentary giddy spell, a bit of nausea and mental stiffness. It was strange, and I have a slight headache. However, all is well."
He grinned at her, laughed with the voice which was not his, yet which she recognized as directed by her son's spirit. The laugh was cracked and unlike Allen's whole-hearted mirth, yet she smiled in sympathy.
"Yes, the first part is a success," said the man. "Our egos have interchanged. Soon, our bodies will undergo the transformation, and then I must keep under cover. I dislike Burr—yet he is a great man. He has saved me. I suppose the slight headache which I feel is one bequeathed me by Burr. I hope he inherits my shivers and terrors and the neuralgia for the time being, so he will get some idea of what I have undergone."
He had got down from the oscillating platform, the spirit of her son in Ramsey's body.
"What—what are you doing now?" she asked.
"I must carry out the rest of it myself," he said. "Burr directed me when we talked yesterday. It is more difficult when one subject is out of the laboratory, and the tubes must be checked."
He went carefully about his work, and she saw him replacing four of the tubes with others, new ones, which were ready at hand. Though it was the body of Ramsey Burr, the movements were different from the slow, precise work of the professor, and more and more, she realized that her son inhabited the shell before her.
For a moment, the mother thought of attempting to dissuade her son from making the final change; was it not better thus, than to chance the disintegration of the bodies? Suppose something went wrong, and the exchange did not take place, and her son, that is, his spirit, went back to the death house?
Midnight struck as he worked feverishly at the apparatus, the long face corrugated as he checked the dials and tubes. He worked swiftly, but evidently was following a procedure which he had committed to memory, for he was forced to pause often to make sure of himself.
"Everything is O. K.," said the strange voice at last. He consulted his watch. "Twelve-thirty," he said.
She bit her lip in terror, as he cried, "Now!" and sprang to the table to take his place on the metallic platform, which oscillated to and fro under his weight. The delicate grayish metal antenna, which, she knew, would form a glittering halo of blue and gray threads of fire, rested quiescent above his head.
"This is the last thing," he said calmly, as he reached for the big ebony handled switch. "I'll be myself in a few minutes, mother."
"Yes, son, yes."
The switch connected, and Allen Baker, in the form of Ramsey Burr, suddenly cried out in pain. His mother leaped up to run to his side, but he waved her away. She stood, wringing her hands, as he began to twist and turn, as though torn by some invisible force. Eery screams came from the throat of the man on the platform, and Mrs. Baker's cries of sympathy mingled with them.
The mighty motors hummed in a high-pitched, unnatural whine, and suddenly Mrs. Baker saw the tortured face before her grow dim. The countenance of the professor seemed to melt, and then there came a dull, muffled thud, a burst of white-blue flame, the odor of burning rubber and the tinkle of broken glass.
Back to the face came the clarity of outline, and still it was Professor Ramsey Burr's body she stared at.
Her son, in the professor's shape, climbed from the platform, and looked about him as though dazed. An acrid smoke filled the room, and burning insulation assailed the nostrils.
Desperately, without looking at her, his lips set in a determined line, the man went hurriedly over the apparatus again.
"Have I forgotten, did I do anything wrong?" she heard his anguished cry.
Two tubes were burned out, and these he replaced as swiftly as possible. But he was forced to go all over the wiring, and cut out whatever had been short-circuited so that it could be hooked up anew with uninjured wire.
Before he was ready to resume his seat on the platform, after half an hour of feverish haste, a knock came on the door.
The person outside was imperative, and Mrs. Baker ran over and opened the portal. Jared, the whites of his eyes shining in the dim light, stood there. "De professah—tell him dat de wahden wishes to talk with him. It is very important, ma'am."
The body of Burr, inhabited by Allen's soul, pushed by her, and she followed falteringly, wringing her hands. She saw the tall figure snatch at the receiver and listen.
"Oh, God," he cried.
At last, he put the receiver back on the hook, automatically, and sank down in a chair, his face in his hands.
Mrs. Baker went to him quickly. "What is it, Allen?" she cried.
"Mother," he said hoarsely, "it was the warden of the prison. He told me that Allen Baker had gone temporarily insane, and claimed to be Professor Ramsey Burr in my body."
"But—but what is the matter?" she asked. "Cannot you finish the experiment, Allen? Can't you change the two bodies now?"
He shook his head. "Mother—they electrocuted Ramsey Burr in my body at twelve forty-five to-night!"
She screamed. She was faint, but she controlled herself with a great effort.
"But the electrocution was not to be until morning," she said.
Allen shook his head. "They are allowed a certain latitude, about twelve hours," he said. "Burr protested up to the last moment, and begged for time."
"Then—then they must have come for him and dragged him forth to die in the electric chair while you were attempting the second part of the change," she said.
"Yes. That was why it failed. That's why the tubes and wires burned out and why we couldn't exchange bodies. It began to succeed, then I could feel something terrible had happened. It was impossible to complete the Beta circuit, which short-circuited. They took him from the cell, do you see, while I was starting the exchange of the atoms."
For a time, the mother and her boy sat staring at one another. She saw the tall, eccentric figure of Ramsey Burr before her, yet she saw also the soul of her son within that form. The eyes were Allen's, the voice was soft and loving, and his spirit was with her.
"Come, Allen, my son," she said softly.
"Burr paid the price," said Allen, shaking his head. "He became a martyr to science."
The world has wondered why Professor Ramsey Burr, so much in the headlines as a great scientist, suddenly gave up all his experiments and took up the practice of medicine.
Now that the public furor and indignation over the death of the man Smith has died down, sentimentalists believe that Ramsey Burr has reformed and changed his icy nature, for he manifests great affection and care for Mrs. Mary Baker, the mother of the electrocuted man who had been his assistant.