Thursday, 12 December 2019

Thursday's Serial: "Memórias de um Sargento de Milícias" by Manuel Antônio de Almeida (in Portuguese) - III


XI - PROGRESSO E ATRASO         
Dadas as explicações do capitulo precedente, voltemos ao nosso memorando, de quem por um pouco nos esquecemos. Apressemo-nos a dar ao leitor uma boa noticia: o menino desempacara do F, e já se achava no P, onde por uma infelicidade empacou de novo. O padrinho anda contentíssimo com este progresso, e vê clarear-se o horizonte de suas esperanças; declara positivamente que nunca viu menino de melhor memória do que o afilhado, e cada lição que este da sabida de quatro em quatro dias pelo menos e para ele um triunfo. Há porem uma coisa que o entristece no meio de tudo: o menino tem para a reza, e em geral para tudo quanto diz respeito a religião, uma aversão decidida; não e capaz de fazer o pelo-sinal da esquerda para a direita fá-lo sempre da direita para a esquerda, e não foi possível ao padrinho, apesar de toda a paciência e boa vontade, fazê-lo repetir de cor sem errar ao menos a metade do padre-nosso; em vez de dizer "venha a nos o vosso reino" diz sempre "venha a nos o pão nosso". Ir a missa ou ao sermão e para ele o maior de todos os suplícios, isto faz que o padrinho desespere as vezes, e ate chegue a concordar com a comadre em que o menino não tem jeito para clérigo; porem são nuvens passageiras; sempre há isto ou aquilo que faz renascer todas as esperanças; e o homem caminha animado na sua obra.
O que ele porem esperava não esperavam todos, e ninguém via no menino senão um futuro peralta da primeira grandeza; quem mais contava com isso era a vizinha do barbeiro, aquela a quem ele chamava o agouro do pequeno. Era a tal vizinha uma dessas mulheres que se chamam de faca e calhau, valentona, presunçosa, e que se gabava de não ter papas na língua: era viúva, e importunava a todo o mundo com as virtudes do seu defunto. Serrazina e amiga de contrariar, não perdia ocasião de desmentir o vizinho em suas esperanças a respeito do afilhado, declarando que não lhe via jeito para coisa nenhuma, que não queria para coisa que lhe pertencesse o fim que ele havia de ter, e que quando ele crescesse o melhor remédio era dar-lhe com os ossos a bordo de um navio ou por-lhe o côvado e meio às costas. O barbeiro desesperava com isso; por muito tempo conseguiu conter-se, porém um dia não pôde mais, e disparatou com a sujeita. Chegando por acaso à porta da loja, a vizinha que estava à janela disse-lhe em tom de zombaria:
— Então, vizinho, como vai o seu reverendo?
Um velho que morava defronte, e que também se achava à janela, desatou a rir com a pergunta.
O compadre foi às nuvens, avermelhou-se-lhe a calva, franziu a testa, porém fez que não tinha ouvido. A vizinha pôs-se também a rir, percebendo o cavaco, e acrescentou
— Padre amigo do fado... tem que ver... Quando vai ele outra vez à casa dos ciganos?
O velho defronte redobrou a risada. A vizinha continuou:
— Então ele já encarrilha o padre-nosso?
O compadre exasperou-se completamente; e estudando uma injúria bem grande para responder, disse afinal:
— Já... já... senhora intrometida com a vida alheia... já sabe o padre-nosso, e eu o faço rezar todas as noites um pelo seu defunto marido que está a esta hora dando coices no inferno!...
— Hein?... o que é que você diz, senhor raspa-barbas? você mete terceiros na conversa? disse a vizinha encrespando-se; olhe que esse de quem você fala nunca foi sangrador, nem viveu de aparas de cabelos... Não se meta comigo que hei de lhe dizer das últimas e pôr-lhe os podres na rua... Coices no inferno!!! ora dá-se? um santo homem... Coices no inferno... Pois agora saiba, porque eu cá não tenho papas na língua, que o tal seu afilhado das dúzias é um pedaço de um malcriadão muito grande, que há de desonrar as barbas de quem o criou... E não tem que ver, porque ele é de má raça... já ouviu? não se meta comigo...
— E você, respondeu o compadre enquanto a vizinha tomava fôlego, por que se mete com o que não é da sua repartição?
Ela prosseguiu:
— Hei de me meter; não é da sua conta, nem venha cá dar regras, que eu não preciso de você...
— Mas o que tem você que entender com uma criança inocente que nunca lhe fez mal?...
— Tenho muito, porque não me deixa parar os telhados com pedras, faz-me caretas quando me vê na janela, e trata-me como se eu fosse alguma saloia ou mulher de barbeiro... Digo-lhe e repito-lhe... aquilo tem maus bofes, e não há de ter bom fim...
— Está bom, senhora, respondeu o compadre que tinha bom gênio, e que só fora levado àquele excesso pelo amor do afilhado; basta de rezingas, olhe a vizinhança.
— Ora, tomara a vizinhança ver-se livre do tal diabo...
O menino chegou nessa ocasião à porta, e pondo-se na ponta dos pés, esticando o pescoço, e abanando-o como a vizinha e imitando-lhe a voz, repetiu:
— Ver-se livre do tal diabo...
O compadre achou tanta graça, que deu-se por vingado, e desatou a rir por seu turno.
— Ah! disse a vizinha, agradece a boa vontade, meu diabo em figura de menino; tu não tens a culpa; a culpa tem quem te dá ousadias.
— A culpa tem quem te dá ousadias... repetiu o menino arremedando.
O compadre ria-se a perder.
A vizinha desesperada bateu com o postigo e recolheu-se, porém por muito tempo falou em voz alta, de maneira que toda a vizinhança ouvia, dizendo quanto impropério lhe veio à cabeça contra o barbeiro e o menino.
— O pequeno encheu-me as medidas, disse este consigo, vingou-me desta; agora falta-me aquele velho de defronte que também a acompanhou na risota; mas não faltará ocasião.
Esqueceu-nos dizer que o barbeiro, apesar de ter sabido, pouco se importara com a prisão do Leonardo, e referindo-se à causa da infelicidade deste, dissera apenas:
— É bem feito, para ele não se deixar arrastar para toda parte agarrado em quanto rabo-de-saia lhe aparece.
Nem foi à cadeia visitá-lo, nem levar-lhe o filho para tomar a bênção, o que a comadre muito reprovou quando soube.
O velho tenente-coronel, depois de ter posto na rua o Leonardo, informado miudamente, como sabe o leitor, pela comadre do destino da Maria, decidiu tomar o menino sob sua proteção, e acreditou que, se conseguisse felicitá-lo, lavaria seu filho do pecado de ter desonrado a Maria. Por intermédio da comadre mandou oferecer ao compadre seu préstimo em favor do pequeno, mandou-lhe propor até que o deixasse ir para a sua companhia. O compadre porém não esteve por isso de modo nenhum, e até se prometeu aceitar para qualquer outra coisa a proteção do tenente-coronel foi a instâncias da comadre.
— Não quero, dizia ele, que me roubem o gosto de tê-lo feito gente; comecei a minha obra, hei de acabá-la.
— Homem, retorquira-lhe a comadre, você faz mal; olhe que o velho é homem de representação; veja como ele com duas voltas e meia pôs o Leonardo na rua.
— Nada, não hei de dar o gostinho aqui a esta súcia da vizinhança; hei de eu mesmo fazer a coisa por minhas mãos. Lá se o tenente-coronel quiser fazer alguma coisa por ele, aceito; mas quanto a tirá-lo da minha companhia, isso nunca. Agora já é birra; hei de levar a minha avante.

XII - ENTRADA PARA A ESCOLA
É mister agora passar em silêncio sobre alguns anos da vida do nosso memorando para não cansar o leitor repetindo a história de mil travessuras de menino no gênero das que já se conhecem; foram diabruras de todo o tamanho que exasperaram a vizinha, desgostaram a comadre, mas que não alteraram em coisa alguma a amizade do barbeiro pelo afilhado: cada vez esta aumentava, se era possível, tornava-se mais cega. Com ele cresciam as esperanças do belo futuro com que o compadre sonhava para o pequeno, e tanto mais que durante este tempo fizera este alguns progressos: lia soletrado sofrivelmente, e por inaudito triunfo da paciência do compadre aprendera a ajudar missa. A primeira vez que ele conseguiu praticar com decência e exatidão semelhante ato, o padrinho exultou; foi um dia de orgulho e de prazer: era o primeiro passo no caminho para que ele o destinava.
— E dizem que não tem jeito para padre, pensou consigo; ora acertei o alvo, dei-lhe com a balda. Ele nasceu mesmo para aquilo, há de ser um clérigo de truz. Vou tratar de metê-lo na escola, e depois... toca.
Com efeito foi cuidar nisso e falar ao mestre para receber o pequeno; morava este em uma casa da rua da Vala, pequena e escura.
Foi o barbeiro recebido na sala, que era mobiliada por quatro ou cinco longos bancos de pinho sujos já pelo uso, uma mesa pequena que pertencia ao mestre, e outra maior onde escreviam os discípulos, toda cheia de pequenos buracos para os tinteiros; nas paredes e no teto havia penduradas uma porção enorme de gaiolas de todos os tamanhos e feitios, dentro das quais pulavam e cantavam passarinhos de diversas qualidades: era a paixão predileta do pedagogo.
Era este um homem todo em proporções infinitesimais, baixinho, magrinho, de carinha estreita e chupada, excessivamente calvo; usava de óculos, tinha pretensões de latinista, e dava bolos 6 nos discípulos por dá cá aquela palha. Por isso era um dos mais acreditados da cidade. O barbeiro entrou acompanhado pelo afilhado, que ficou um pouco escabriado à vista do aspecto da escola, que nunca tinha imaginado. Era em um sábado; os bancos estavam cheios de meninos, vestidos quase todos de jaqueta ou robissões de lila, calças de brim escuro e uma enorme pasta de couro ou papelão pendurada por um cordel a tiracolo: chegaram os dois exatamente na hora da tabuada cantada. Era uma espécie de ladainha de números que se usava então nos colégios, cantada todos os sábados em uma espécie de cantochão monótono e insuportável, mas de que os meninos gostavam muito.
As vozes dos meninos, juntas ao canto dos passarinhos, faziam uma algazarra de doer os ouvidos; o mestre, acostumado àquilo, escutava impassível, com uma enorme palmatória na mão, e o menor erro que algum dos discípulos cometia não lhe escapava no meio de todo o barulho; fazia parar o canto, chamava o infeliz, emendava cantando o erro cometido, e cascava-lhe pelo menos seis puxados bolos. Era o regente da orquestra ensinando a marcar o compasso. O compadre expôs, no meio do ruído, o objeto de sua visita, e apresentou o pequeno ao mestre.
— Tem muito boa memória; soletra já alguma coisa, não lhe há de dar muito trabalho, disse com orgulho.
— E se mo quiser dar, tenho aqui o remédio; santa férula! disse o mestre brandindo a palmatória.
O compadre sorriu-se, querendo dar a entender que tinha percebido o latim.
— É verdade: faz santos até as feras, disse traduzindo.
O mestre sorriu-se da tradução.
— Mas espero que não há de ser necessária, acrescentou o compadre.
O menino percebeu o que tudo isto queria dizer, e mostrou não gostar muito.
— Segunda-feira cá vem, e peço-lhe que não o poupe, disse por fim o compadre despedindo-se. Procurou pelo menino e já o viu na porta da rua prestes a sair, pois que ali não se julgava muito bem.
— Então, menino, sai sem tomar a bênção do mestre?...
O menino voltou constrangido, tomou de longe a bênção, e saíram então.
Na segunda-feira voltou o menino armado com a sua competente pasta a tiracolo, a sua lousa de escrever e o seu tinteiro de chifre; o padrinho o acompanhou até a porta. Logo nesse dia portou-se de tal maneira que o mestre não se pôde dispensar de lhe dar quatro bolos, o que lhe fez perder toda a folia com que entrara: declarou desde esse instante guerra viva à escola. Ao meio-dia veio o padrinho buscá-lo, e a primeira notícia que ele lhe deu foi que não voltaria no dia seguinte, nem mesmo aquela tarde.
— Mas você não sabe que é preciso aprender?...
— Mas não é preciso apanhar...
— Pois você já apanhou?...
— Não foi nada, não, senhor; foi porque entornei o tinteiro na calça de um menino que estava ao pé de mim; o mestre ralhou comigo, e eu comecei a rir muito...
— Pois você vai-se rir quando o mestre ralha...
Isto contrariou o mais que era possível ao barbeiro. Que diabo não diria a maldita vizinha quando soubesse que o menino tinha apanhado logo no primeiro dia de escola?... Mas não haviam reclamações, o que o mestre fazia era bem-feito. Custou-lhe bem a reduzir o menino a voltar nessa tarde à escola, o que só conseguiu com a promessa de que falaria ao mestre para que ele lhe não desse mais. Isto porém não era coisa que se fizesse, e não foi senão um engodo para arrastar o pequeno. Entrou este desesperado para a escola, e por princípio nenhum queria estar quieto e calado no seu banco; o mestre chamou-o e pô-lo de joelhos a poucos passos de si; passado pouco tempo voltou-se distraidamente, e surpreendeuo no momento em que ele erguia a mão para atirar-lhe uma bola de papel. Chamou-o de novo, e deu-lhe uma dúzia de bolos.
— Já no primeiro dia, disse, você promete muito...
O menino resmungando dirigiu-lhe quanta injúria sabia de cor.
Quando o padrinho voltou de novo a buscá-lo achou-o de tenção firme e decidida de não se deixar engodar por outra vez, e de nunca mais voltar, ainda que o rachassem. O pobre homem azuou com o caso.
— Ora logo no primeiro dia!... disse consigo; isto é praga daquela maldita mulher... mas hei de teimar, e vamos ver quem vence.

XIII - MUDANÇA DE VIDA            
A custa de muitos trabalhos, de muitas fadigas, e sobretudo de muita paciência, conseguiu o compadre que o menino freqüentasse a escola durante dois anos e que aprendesse a ler muito mal e escrever ainda pior. Em todo este tempo não se passou um só dia em que ele não levasse uma remessa maior ou menor de bolos; e apesar da fama que gozava o seu pedagogo de muito cruel e injusto, é preciso confessar que poucas vezes o fora para com ele: o menino tinha a bossa da desenvoltura, e isto, junto com as vontades que lhe fazia o padrinho, dava em resultado a mais refinada má-criação que se pode imaginar. Achava ele um prazer suavíssimo em desobedecer a tudo quanto se lhe ordenava; se se queria que estivesse sério, desatava a rir como um perdido com o maior gosto do mundo; se se queria que estivesse quieto, parece que uma meia oculta o impelia e fazia com que desse uma idéia pouco mais ou menos aproximada do moto-contínuo. Nunca uma pasta, um tinteiro, uma lousa lhe durou mais de 15 dias: era tido na escola pelo mais refinado velhaco; vendia aos colegas tudo que podia ter algum valor, fosse seu ou alheio, contanto que lhe caísse nas mãos: um lápis, uma pena, um registo, tudo lhe fazia conta; o dinheiro que apurava empregava sempre do pior modo que podia. Logo no fim dos primeiros cinco dias de escola declarou ao padrinho que já sabia as ruas, e não precisava mais de que ele o acompanhasse; no primeiro dia em que o padrinho anuiu a que ele fosse sozinho fez uma tremenda gazeta; tomou depois gosto a esse hábito, e em pouco tempo adquiriu entre os companheiros o apelido de gazeta-mor da escola, o que também queria dizer apanha-bolos-mor. Um dos principais pontos em que ele passava alegremente as manhãs e tardes em que fugia à escola era a igreja da Sé. O leitor compreende bem que isto não era de modo algum inclinação religiosa; na Sé à missa, e mesmo fora disso, reunia-se gente, sobretudo mulheres de mantilha, de quem tomara particular zanguinha por causa da semelhança com a madrinha, e é isso o que ele queria, porque internando-se na multidão dos que entravam e saíam, passava despercebido, e tinha segurança de que o não achariam com facilidade se o procurassem.
Pelo hábito de freqüentar a igreja tomara conhecimento e travara estreita amizade com um pequeno sacristão que, digamos de passagem, era tão boa peça como ele; apenas se encontravam limitavam-se a trocar olhares significativos enquanto o amigo andava ocupado no serviço da igreja; assim porém que se acabavam as missas, e que saíam as verdadeiras beatas, reuniam-se os dois, e começavam a contar suas diabruras mais recentes, travando o plano de mil outras novas. Por complacência, ou antes por prova de decidida amizade, o companheiro confiava ao nosso gazeador um caniço, e faziam juntos o serviço e as maroteiras: a mais pequena que faziam era irem de altar em altar escorropichando todas as galhetas, o que lhes incendia mais o desejo de traquinar.
Esta vida durou por muito tempo; porém afinal já eram as gazetas tão repetidas, que o padrinho se viu forçado a acompanhá-lo outra vez todos os dias para a escola, o que desfez todos os planos que os dois tinham concertado. O nosso futuro clérigo tinha muitas vezes pensado em como não lhe seria agradável ver-se revestido como o seu companheiro de uma batina e uma sobrepeliz, e feito também sacristão, ter a toda hora à sua disposição quantos caniços quisesse, ter por sua e de seu amigo toda a igreja, poder nos dias de festa, tomando o turíbulo, afogar em ondas de fumaça a cara da velha que mais perto lhe ficasse na ocasião da missa. Oh! isto era um sonho de venturas! Vendo-se privado, depois que o padrinho o acompanhava, de gozar parte destes prazeres, como fazia nos dias de fugida, atearam-se-lhe os desejos, e começou a confessá-los ao padrinho, dando a entender que nada havia de que agora gostasse tanto como fosse a igreja, para a qual, dizia ele, parecia ter nascido. Isto foi para o padrinho um alegrão, porque neste gosto recente do pequeno via furo aos seus projetos.
— Eu bem dizia... pensava consigo; não tem dúvida, vou adiante; o rapaz está-me enchendo as medidas.
Afinal o menino tomou um dia uma resolução última, e propôs ao padrinho que o fizesse sacristão.
— Isso seria muito bom, disse ele, a fim de acostumar-me para quando for padre.
A princípio a idéia deslumbrou ao padrinho, porém mais tarde acudiu-lhe a reflexão, e assentou que seria rebaixar o menino e comprometer a sua dignidade futura. Afinal porém tantas foram as rogativas e argumentos do pequeno, que se viu obrigado a ceder. O menino tinha nisso duas enormes vantagens; satisfazia seus desejos e saía da escola, poupando assim as remessas diárias de bolos.
— Está bem, dissera consigo o padrinho, ele já sabe ler alguma coisa e escrever: deixo-o, para fazer-lhe a vontade, algum tempo na Sé, para que também tome mais amor àquela vida, e depois, apenas o vir com o juízo mais assente, hei de ir adiante com a coisa. Foi em conseqüência procurar aquele sacristão da Sé que dançara o minuete na festa do batizado, que era nada menos do que o pai do sacristãozinho com que o nosso pequeno travara amizade, para arranjar o afilhado, que não queria outra igreja que não fosse a Sé. Felizmente pôde ele ser admitido; com a prática que tivera dos dias de gazeta aprendera pouco mais ou menos todo o cerimonial que é mister a um sacristão: ajudar a missa já ele sabia, às outras coisas aperfeiçoou-se em pouco tempo.
Em poucos dias aprontou-se, e em uma bela manhã saiu de casa vestido com a competente batina e sobrepeliz, e foi tomar posse do emprego. Ao vê-lo passar a vizinha dos maus agouros soltou uma exclamação de surpresa a princípio, supondo alguma asneira do compadre; porém reparando, compreendeu o que era, e desatou uma gargalhada.
— E que tal?!... Deus vos guarde, Sr. cura, disse fazendo um cumprimento.
O menino lançou-lhe um olhar de revés, e respondeu entre dentes:
— Eu sou cura, e hei de te curar...
Era aquilo uma promessa de vingança.
— Ora dá-se? continuou a vizinha consigo mesma; aquilo na igreja é um pecado!!
Chegou o menino à Sé impando de contente; parecia-lhe a batina um manto real. Por fortuna houve logo nesse dia dois batizados e um casamento, e ele teve assim ocasião de entrar no pleno exercício de suas funções, em que começou revestindo-se da maior gravidade deste mundo. No outro dia porém o negócio começou a mudar de figura, e as brejeiradas começaram.
A primeira foi em uma missa cantada. Coube ao pequeno o ficar com uma tocha, e ao companheiro o turíbulo ao pé do altar.
Por infelicidade a vizinha do compadre, a quem o menino prometera curar, sem pensar no que fazia colocou-se perto do altar junto aos dois. Assim que a avistou, o novo sacristão disse algumas palavras a seu companheiro, dando-lhe de olho para a mulher. Daí a pouco colocaram-se os dois disfarçadamente em distância conveniente, e de maneira tal, que ela ficasse pouco mais ou menos com um deles atrás e outro adiante. Começaram então os dois uma obra meritória: enquanto um, tendo enchido o turíbulo de incenso, e balançando-o convenientemente, fazia com que os rolos de fumaça que se desprendiam fossem bater de cheio na cara da pobre mulher, o outro com a tocha despejava-lhe sobre as costas da mantilha a cada passo plastradas de cera derretida, olhando disfarçado para o altar. A pobre mulher exasperou-se, e disse-lhes não sabemos o quê.
— Estamos te curando, respondeu o menino tranqüilamente.
Vendo que não tirava partido, quis a devota mudar de lugar e sair, porém o aperto era tão grande que o não pôde fazer, e teve de aturar o suplício até o fim. Acabada a festa, dirigiu-se ao mestre-de-cerimônias, e fez uma enorme queixa, que custou aos dois uma tremenda sarabanda. Pouco porém se importaram com isso, uma vez que tinham realizado o seu plano.

XIV - NOVA VINGANÇA E SEU RESULTADO          
A sarabanda que o mestre-de-cerimônias passara aos dois pequenos em razão do que haviam feito à pobre mulher não produziu, como dissemos, nenhum efeito sobre eles no sentido de os emendar; não perdoaram porém a humilhação que sofreram diante da sua vítima, e a vingança de que ela tinha gozado; na primeira ocasião que tiveram tiraram desforra, pregando também uma peça ao mestre-de-cerimônias.
Foi o caso assim:
O mestre-de-cerimônias era um padre de meia idade, de figura menos má, filho da Ilha Terceira, porém que se dava por puro alfacinha: tinha-se formado em Coimbra; por fora era um completo São Francisco de austeridade católica, por dentro refinado Sardanápalo, que podia por si só fornecer a Bocage assunto para um poema inteiro; era pregador que buscava sempre por assunto a honestidade e a pureza corporal em todo o sentido; porém interiormente era sensual como um sectário de Mafona. O público ignorava talvez semelhante coisa, porém outro tanto não acontecia aos dois meninos, que andavam ao fato de tudo: o mestre-de-cerimônias, fiado em que pela sua pouca idade dariam eles pouca atenção a certas coisas, tinha-os algumas vezes empregado no seu serviço, mandando recados a uma certa pessoa que, saiba o leitor em segredo, era nada menos do que a cigana, objeto dos últimos cuidados do Leonardo, com que S. Rev.ma vivia há certo tempo em estreitas relações, salvando, é verdade, todas as aparências da decência.
Chegou o dia de uma das primeiras festas da igreja, em que o mestre-de-cerimônias era sempre o pregador: era no sermão desse dia que o homem se empregava, muito tempo antes, pondo abaixo a livraria, e fazendo um enorme esforço de inteligência (que não era nele coisa muito vigorosa). Já se vê pois que ele devia amar o seu sermão tanto que quase rebentou de raiva em um ano em que por doente o não pôde pregar. Entendia que todos o ouviam com sumo prazer, que o povo se abalava à sua voz: enfim, aquele sermão anual era o meio por que ele esperara chegar a todos os fins, a que contava dever toda a sua elevação futura; era o seu talismã. Digamos entretanto que era bem mau caminho o tal sermão, porque se podia ele demonstrar alguma coisa, era a insuficiência do padre para qualquer coisa desta vida, exceto para mestre-de-cerimônias, em que ninguém o desbancava. Pois foi nesse ponto delicado que os dois meninos buscaram feri-lo, e o acaso os favoreceu excedendo de muito os seus desejos e esperanças, e fazendo a sua vingança completíssima.
Chegou, como dissemos, o dia da festa; havia três ou quatro dias antes que o mestre-de-cerimônias não saia de casa, empregado em decorar a importante peça. Foi o nosso sacristão calouro encarregado de lhe ir avisar da hora do sermão. Chegou à casa da cigana, onde o padre costumava a estar; bateu, e, apesar de todas as recomendações que costumava ter, disse em voz alta:
— O Rev. mestre-de-cerimônias está aí?...
— Fale baixo, menino, disse a cigana de dentro da rótula... O que quer você com o Sr. padre?
— Precisava muito falar com ele por causa do sermão de amanhã.
— Entra, entra, disse o padre que o ouvira...
— Venho dizer a V. Rev.ma, disse o menino entrando, que amanhã às dez horas há de estar na igreja.
— Às dez? Uma hora mais tarde do que de costume...
— Justo, respondeu o menino sorrindo-se internamente de alegria, e saiu.
Foi logo dali dar parte ao companheiro de que o seu plano tinha saído completamente aos seus desejos, pois o que ele queria era que o padre faltasse ao sermão, e por isso, encarregado de lhe indicar a hora, a trocara, e em vez de nove dissera dez.
Dispuseram-se as coisas; postou-se a música de barbeiros na porta da igreja; andou tudo em rebuliço: às 9 horas começou a festa.
As festas daquele tempo eram feitas com tanta riqueza e com muito mais propriedade, a certos respeitos, do que as de hoje: tinham entretanto alguns lados cômicos; um deles era a música de barbeiros à porta. Não havia festa em que se passasse sem isso; era coisa reputada quase tão essencial como o sermão; o que valia porém é que nada havia mais fácil de arranjar-se; meia dúzia de aprendizes ou oficiais de barbeiro, ordinariamente negros, armados, este com um pistão desafinado, aquele com uma trompa diabolicamente rouca, formavam uma orquestra desconcertada, porém estrondosa, que fazia as delícias dos que não cabiam ou não queriam estar dentro da igreja.
A festa seguiu os seus trâmites regulares; porém apenas se foi aproximando a hora, começou a dar cuidados a tardança do pregador. Fez-se mais esta cerimônia, mais aquela, e nada de aparecer o homem. Despachou-se a toda pressa um dos meninos que não entrara na festa para ir procurar o padre; ele deu duas voltas pela vizinhança, e veio dizendo que o não tinha encontrado. Subiram os apuros; não havia remédio; era preciso um sermão, fosse como fosse.
Estava assistindo à festa um capuchinho italiano que por bondade, vendo o aperto geral, ofereceu-se para improvisar o sermão.
— Mas V. Rev.ma não fala a língua da gente, objetaram-lhe.
— Capisco! respondeu este, ed la necessità!...
Depois de alguma perplexidade aceitaram-se finalmente os bons ofícios do capuchinho, e foi ele levado ao púlpito. Os meninos triunfantes sorriam-se um para o outro. Apenas apareceu o pregador ao povo houve um murmúrio geral; os gaiatos sorriam-se contando já com o partido que dali tirariam para um bom par de risadas; algumas velhas prepararam-se para uma grande compunção ao aspecto das imensas barbas do pregador; outras menos crentes, vendo que não era o orador costumado, exclamaram despeitadas:
— Arrenego!
— Deus me perdoe.
— Pois aquilo é que prega hoje?...
Apesar porém de tudo isto, a atenção foi profunda e gera., animando a todos uma grande curiosidade. O orador começou: falava já há um quarto de hora sem que ninguém ainda o tivesse entendido: começavam já algumas velhas a protestar que o sermão todo em latim não tinha graça, quando de repente viu-se abrir a porta do púlpito e aparecer a figura do mestre-de-cerimônias adiantou-se, afastou com a mão o pregador italiano, que surpreendido parou um instante, e entoou com voz rouca e estrondosa o seu per signum crucis. Aquela voz conhecida o povo despertou do aborrecimento, benzeu-se, e se dispôs a escutá-la. Nem todos porém foram desta opinião; entenderam que se devia deixar acabar o capuchinho, e começaram a murmurar. O capuchinho não quis ceder de seu direito, e prosseguiu na sua arenga. Foi uma verdadeira cena de comédia, de que a maioria dos circunstantes ria-se a não poder mais; os dois meninos, autores principais da obra, nadavam em um mar de rosas.
— Ó mei cari fratelli! exclamava por um lado o capuchinho com voz aflautada e meiga, la voce de la Providenza...
— Semelhante às trombetas de Jericó, rouquejava por outro lado o mestre-de-cerimônias...
— Piage al cor... acrescentava o capuchinho.
— Anunciando a queda de Satanás, prosseguia o mestre-de-cerimônias.
E assim levaram por algum tempo os dois, acompanhados por um coro de risadas e confusão, até que o capuchinho se resolveu a abandonar o posto, murmurando despeitado:
— Che bestia, per Dio!
Acabado o sermão, desceu do púlpito o mestre-de-cerimônias já um pouco aplacado por ter conseguido fazer-se ouvir, porém ainda bastante furioso para vir protestando arrancar uma por uma as quatro orelhas dos dois pequenos, de quem desconfiava que partira o que acabava de sofrer. Chegou à sacristia, que estava cheia de gente; vendo os dois meninos investiu para eles, e prendendo a cada um com uma das mãos pela gola da sobrepeliz...
— Então... então... dizia com os dentes cerrados... a que horas é o sermão?
— Eu disse às nove, sim, senhor; pode perguntar à moça, que ela bem ouviu...
— Que moça, menino, que moça? disse o padre exasperado por estar tanta gente e ouvir aquilo.
— Aquela moça cigana, lá onde V. Rev. ma estava; ela ouviu, eu disse às nove.
— Oh! disseram os circunstantes.
— É falso, respondeu com força o mestre-de-cerimônias largando os meninos para evitar novas explicações, e dando satisfação aos circunstantes com protestos de ser falso o que os meninos acabavam de dizer.
Entretanto serenou o alvoroço, acabou-se a festa, o povo retirou-se. O mestre-de-cerimônias sentado a um canto pensava consigo:
— E que tal? não ia perdendo o meu sermão deste ano por causa daquele endiabrado?! Depois que o maldito menino entrou para esta igreja anda tudo aqui em uma poeira! Ainda em cima dizer à vista de tanta gente que eu estava em casa da cigana! Nada... vou dar com ele daqui para fora...
E com efeito tratou de fazer com que os dois meninos, ou pelo menos o mais novo, fosse despedido. Sem muito custo o conseguiu, porque por certo não gozava ele de grandes simpatias.
Foi esta a pior peça que se lhe podia pregar: ele estava como em um paraíso, e expeliam-no dele; e depois a maldita vizinha como não havia ficar satisfeita vendo-o despedido, e a madrinha que se opusera formalmente à sua entrada para a Sé... tudo isto fazia-o desesperar...
Não se tinha ele enganado em suas previsões; apenas chegou em casa, e que se soube pela vizinhança do que se tinha passado, a vizinha, pilhando de jeito o compadre:
— Então, disse-lhe, eu não lhe tenho dito que aquilo tem maus bofes?...
— Senhora, pelo amor de Deus, meta-se com a sua vida...
— Estou vingada... pensava que a minha mantilha nova havia de ficar assim...
O compadre retirou-se para evitar nova desordem.
A comadre, apenas soube também do sucesso, veio ter com o compadre para dizer-lhe:
— Eu bem lhe digo; ele não serve para aquilo; é melhor pô-lo na Conceição; lá há mais sujeição; olhe, eu podia arranjar isso com o tenente-coronel...
O compadre porém não pareceu resolvido a aceitar o conselho.

XV - ESTRALADA              
Apesar de tudo quanto havia já sofrido por amores, o Leonardo de modo algum queria emendar-se; enquanto se lembrou da cadeia, dos granadeiros e do Vidigal esqueceu-se da cigana, ou antes só pensava nela para jurar esquecê-la; quando porém as caçoadas dos companheiros foram cessando, começou a renovar-se a paixão, e teve lugar uma grande luta entre a sua ternura e a sua dignidade, em que esta última quase triunfava, quando uma descoberta maldita veio transtornar tudo. Não sabemos por que meio o Leonardo descobriu um dia que o rival feliz que o pusera fora de combate era o reverendo mestre-de-cerimônias da Sé! Subiu-lhe com isto o sangue à cabeça:
— Pois um padre!?... dizia ele; é preciso que eu salve aquela criatura do inferno, onde ela se está metendo já em vida...
E começou de novo em tentativas, em promessas, em partidos para com a cigana, que a coisa alguma queria dobrar-se. Um dia que a pilhou de jeito à janela abordou-a, e começou ex-abrupto a falar-lhe deste modo:
— Você está já em vida no inferno!... pois logo um padre?!...
A cigana interrompeu-o:
— Havia muitos meirinhos para escolher, mas nenhum me agradou...
— Mas você está cometendo um pecado mortal... está deitando sua alma a perder...
— Homem, sabe que mais? você para pregador não serve, não tem jeito... eu como estou, estou muito bem; não me dei bem com os meirinhos; eu nasci para coisa melhor...
— Pois então tem alguma coisa que dizer de mim?... Hei de me ver vingado... e bem vingado.
— Ora! respondeu a cigana rindo-se.
E começou a cantarolar o estribilho de uma modinha.
O Leonardo compreendeu que falando-lhe no inferno e em castigos da outra vida nada arranjava, e decidiu dar-lhe o castigo mesmo nesta vida. Retirou-se murmurando:
— Faço uma estralada, dê no que der...
Poucos dias depois aconteceu que a cigana fazia anos; segundo o costume, apenas apareceu este pretexto, armou-se logo uma função: não nos daremos ao trabalho de descrevê-la; em um dos capítulos antecedentes já viu o leitor o que isso era: viola, modinhas, fado, algazarra, e estava a festa completa. O Leonardo soube logo do que havia, e jurou que esse seria o dia da vingança.
Ser valentão foi em algum tempo ofício no Rio de Janeiro; havia homens que viviam disso: davam pancada por dinheiro, e iam a qualquer parte armar de propósito uma desordem, contanto que se lhes pagasse, fosse qual fosse o resultado.
Entre os honestos cidadãos que nisto se ocupavam, havia, na época desta história, um certo Chico-Juca, afamadíssimo e temível. Seu verdadeiro nome era Francisco, e por isso chamaram-no a princípio-Chico-; porém tendo acontecido que conseguisse ele pelo seu braço lançar por terra do trono da valentia a um companheiro que era no seu gênero a maior reputação do tempo, e a quem chamavam-Juca,-juntaram este apelido ao seu, como honra pela vitória, e chamaram-no daí em diante-Chico-Juca.
Este homem era o desespero do Vidigal; tinha-lhe já pregado umas poucas, porém ainda não tinha sido possível agarrá-lo. Os granadeiros conheciam-no às léguas, porém nunca conseguiram pôr-lhe as mãos.
Tendo levado todo o dia à espreita, o Leonardo viu entrar sorrateiramente o mestre-de-cerimônias, pela volta de ave-maria, quando ainda não tinha começado a função.
— Ah! nem esta noite quer perder?! Pois há de sair-lhe cara a funçanata...
Saiu dali e foi direito procurar o Chico-Juca, que era seu antigo conhecido; achou-o em uma taverna defronte do Bom Jesus. O Chico-Juca era um pardo, alto, corpulento, de olhos avermelhados, longa barba, cabelo cortado rente; trajava sempre jaqueta branca, calça muito larga nas pernas, chinelas pretas e um chapelinho branco muito à banda; ordinariamente era afável, gracejador, cheio de ditérios e chalaças; porém nas ocasiões de sarilho, como ele chamava, era quase feroz. Como outros têm o vicio da embriaguez, outros o do jogo, outros o do deboche, ele tinha o vicio da valentia; mesmo quando ninguém lhe pagava, bastava que lhe desse na cabeça, armava brigas, e só depois que dava pancadas a fartar é que ficava satisfeito; com isso muito lucrava: não havia taverneiro que lhe não fiasse e não o tratasse muito bem.
Estava na porta da taverna sentado sobre um saco quando apareceu-lhe o Leonardo.
— Olá, mestre pataca! disse ele apenas o viu, pensei que ainda estava de xilindró tomando fortuna por causa da cigana...
— É mesmo por causa desse diabo que te venho procurar.
— Homem, cabeçada e murro velho sei eu dar, porém fortuna! nunca tive tal habilidade...
— Não se trata de fortuna, disse-lhe o Leonardo baixinho, trata-se de pancada velha...
— Ui! temos dança?... vai-te embora... tu não és capaz de armar um sarilho... sempre foste um podre!...
— Bem sei, eu não sou capaz... mas tu... tu que és mestre disto...
— Eu... então por que diabo e onde queres tu que eu arme esse sarilho?. . .
— Não te hás de arrepender, disse o Leonardo batendo significativamente com os dedos no bolso do colete.
O Chico-Juca entendeu o verso; carregou o chapéu um pouco mais para o lado, e pôs-se a escutá-lo com curiosidade.
O Leonardo disse então o que queria: tratava-se nada menos do que de ir o Chico-Juca nessa mesma noite, fosse como fosse, à função da cigana, e de armar ali por alta noite uma grande desordem: preveniu-o logo que o Vidigal havia de estar por perto; e assim, apenas estivesse armada a história, era pôr-se ao fresco. A causa de tudo isto o Leonardo não lhe quis explicar, e também ele não teve grande curiosidade de saber: tratava-se de uma desordem; fosse qual fosse o motivo, estava sempre pronto. Assim, depois de se regatear um pouco o preço, chegaram os dois a um acordo, e ficou tudo tratado.
Deixando o Chico-Juca, o Leonardo foi procurar o Vidigal, e deu-lhe parte do que naquela noite havia em casa da cigana, e afiançou-lhe que a coisa acabava por força em desordem. Portanto cumpria que o Sr. major por lá aparecesse para o que desse e viesse.
— Está bem, disse-lhe o Vidigal; você quer tirar sua desforra; é justo. Lá hei de ir, e não precisava a sua advertência, pois já sabia que havia hoje por lá anos, e tinha tenção de aparecer.
O Leonardo retirou-se contente vendo que seu plano saía às mil maravilhas, e dispôs-se a gozar do resultado, pondo-se à espreita de lugar conveniente. Começou a brincadeira. Já se tinha cantado meia dúzia de modinhas e dançado por algum tempo a tirana, quando o Chico-Juca apareceu, e por intermédio de um conhecido (ele os tinha em toda parte) foi introduzido na sala, e começou a observar o que se passava. Havia na sala um quarto cuja porta estava fechada: de vez em quando a cigana lá entrava, demorava-se um pouco e saía; daí a pouco tornava a entrar levando consigo alguma das camaradas mais do peito, e tornava a sair; passado pouco tempo, entrava ainda levando outra amiga. Alguns faziam reparo nisso, outros porém não tinham desconfiança alguma. Ia a festa continuando, e lá pela meia-noite, quando começava a aferventar, foi de repente interrompida. Viu-se um dos rapazes que tocavam viola parar subitamente, e, interrompendo o estribilho da modinha que cantava, gritar enfurecido:
— Isto passa de mais... varro... menos essa, Sr. Chico-Juca; nada de graças pesadas com essa moça, que é cá coisa minha.
O Chico-Juca estava com efeito há mais de meia hora a dirigir graçolas das suas a uma moça que ele bem sabia que era coisa do rapaz que estava tocando: tanto fez, que este, tendo percebido, proferiu aquelas palavras que acabamos de ouvir.
— Você respinga?!... respondeu-lhe o Chico-Juca dirigindo-se para ele.
O rapaz, que não era peco, pôs-se em pé e replicou:
— Tenho dito, nada de graças com ela!...
Mal tinha pronunciado estas palavras quando o Chico-Juca, arrancando-lhe a viola da mão, bateu-lhe com ela em cheio sobre a cabeça; o rapaz reagiu, e começou a confusão.
O Chico-Juca foi acometido por um pouco; porém ligeiro e destemido, distribuía a cada qual o seu quinhão de cabeçadas e pontapés: algumas mulheres meteram-se na briga, e davam e levavam como qualquer; outras porém desfaziam-se em algazarra. De repente o Chico-Juca embarafustou pela porta fora, e desapareceu.
Era tempo, porque não se tinha passado muito tempo quando assomou na porta, que ele deixara aberta, a figura tranqüila do Vidigal, rodeada por uma porção de granadeiros. O Chico-Juca tinha-lhes escapado, apesar de o terem visto quando saía, porque o major, sendo nessa ocasião poucos os soldados, não quis mandar segui-lo com medo que lhe faltasse gente, pois via que dentro da casa o negócio estava feio. Entrou, pois, deixando-o passar.
Apenas o viram, pararam todos aterrados.
— Então que briga é esta?... disse ele descansadamente.
Começaram todos a desculpar-se como podiam; e segundo o crédito que mereciam pela sua reputação era-lhes distribuída a justiça: se era sujeito já conhecido, e que não era aquela a primeira em que entrava ficava de lado, e um granadeiro tomava conta dele; os outros eram mandados embora. Neste ínterim a cigana muito perturbada olhava repetidas vezes para a porta do quarto, dando sinais da mais viva inquietação. Não escapou isto ao Vidigal, que no fim de tudo disse a um granadeiro:
— Revista aquele quarto...
A cigana deu um grito; o granadeiro obedeceu e entrou no quarto: ouviu-se então um pequeno rumor, e o Vidigal disse logo cá de fora:
— Traz para cá quem estiver lá dentro.
No mesmo instante viu aparecer o granadeiro trazendo pelo braço o Rev. mestre-de-cerimônias em ceroulas curtas e largas, de meias pretas, sapatos de fivela, e solidéu à cabeça.
Apesar dos aparos em que se achavam, todos desataram a rir: só ele e a cigana choravam de envergonhados.
Esta última pôs-se aos pés do Vidigal, mas ele foi inflexível; e o Rev. foi conduzido com os outros para a casa da guarda na Sé, sendo-lhe apenas permitido pôr-se em hábitos mais decentes.

Wednesday, 11 December 2019

Good Readings: “A Eugênia Câmara” by Castro Alves


Recife, 1866

Ainda uma vez tu brilhas sobre o palco,
Ainda uma vez eu venho te saudar...
Também o povo vem rolando aplausos
Às tuas plantas mil troféus lançar...

Após a noite, que passou sombria,
A estrela-d'alva pelo céu rasgou...
Errante estrela, se lutaste um dia,
Vê como o povo o teu sofrer pagou...

Lutar!... que importa, se afinal venceste?
Chorar!... que importa, se lutaste um dia,
A tempestade se não rompe a estátua
Vê como o povo o teu sofrer pagou...

Lutar!... que importa, se afinal venceste?
Chorar!... que importa, se afinal sorris?
A tempestade se não rompe a estátua
Lava-lhe os pés e a triunfal cerviz.

Ouves o aplauso deste povo imenso
Lava, que irrompe do pop'lar vulcão?
É o bronze rubro, que ao fundir dos bustos
Referve ardente do porvir na mão.

O povo... o povo... é um juiz severo,
Maldiz as trevas, abençoa a luz...
Sentiu teu gênio e rebramiu soberbo:
P'ra ti altares, não do poste a cruz.

Que queres? Ouve! - são mil palmas férvidas,
Olha! - é o delírio, que prorrompe audaz.
Pisa! - são flores, que tu tens às plantas,
Toca na fronte - coroada estás.

Descansa pois, como o condor nos Andes,
Pairando altivo sobre a terra e mar,
Poisa nas nuvens p'ra arrogante em breve
Distante... longe... mais além de voar.

Tuesday, 10 December 2019

Tuesday's Serial: "Orthodoxy" by G. K. Chesterton (in English) - II


III - THE SUICIDE OF THOUGHT
The phrases of the street are not only forcible but subtle: for a figure of speech can often get into a crack too small for a definition. Phrases like "put out" or "off colour" might have been coined by Mr. Henry James in an agony of verbal precision. And there is no more subtle truth than that of the everyday phrase about a man having "his heart in the right place." It involves the idea of normal proportion; not only does a certain function exist, but it is rightly related to other functions. Indeed, the negation of this phrase would describe with peculiar accuracy the somewhat morbid mercy and perverse tenderness of the most representative moderns. If, for instance, I had to describe with fairness the character of Mr. Bernard Shaw, I could not express myself more exactly than by saying that he has a heroically large and generous heart; but not a heart in the right place. And this is so of the typical society of our time.
The modern world is not evil; in some ways the modern world is far too good. It is full of wild and wasted virtues. When a religious scheme is shattered (as Christianity was shattered at the Reformation), it is not merely the vices that are let loose. The vices are, indeed, let loose, and they wander and do damage. But the virtues are let loose also; and the virtues wander more wildly, and the virtues do more terrible damage. The modern world is full of the old Christian virtues gone mad. The virtues have gone mad because they have been isolated from each other and are wandering alone. Thus some scientists care for truth; and their truth is pitiless. Thus some humanitarians only care for pity; and their pity (I am sorry to say) is often untruthful. For example, Mr. Blatchford attacks Christianity because he is mad on one Christian virtue: the merely mystical and almost irrational virtue of charity. He has a strange idea that he will make it easier to forgive sins by saying that there are no sins to forgive. Mr. Blatchford is not only an early Christian, he is the only early Christian who ought really to have been eaten by lions. For in his case the pagan accusation is really true: his mercy would mean mere anarchy. He really is the enemy of the human race— because he is so human. As the other extreme, we may take the acrid realist, who has deliberately killed in himself all human pleasure in happy tales or in the healing of the heart. Torquemada tortured people physically for the sake of moral truth. Zola tortured people morally for the sake of physical truth. But in Torquemada's time there was at least a system that could to some extent make righteousness and peace kiss each other. Now they do not even bow. But a much stronger case than these two of truth and pity can be found in the remarkable case of the dislocation of humility.
It is only with one aspect of humility that we are here concerned. Humility was largely meant as a restraint upon the arrogance and infinity of the appetite of man. He was always outstripping his mercies with his own newly invented needs. His very power of enjoyment destroyed half his joys. By asking for pleasure, he lost the chief pleasure; for the chief pleasure is surprise. Hence it became evident that if a man would make his world large, he must be always making himself small. Even the haughty visions, the tall cities, and the toppling pinnacles are the creations of humility. Giants that tread down forests like grass are the creations of humility. Towers that vanish upwards above the loneliest star are the creations of humility. For towers are not tall unless we look up at them; and giants are not giants unless they are larger than we. All this gigantesque imagination, which is, perhaps, the mightiest of the pleasures of man, is at bottom entirely humble. It is impossible without humility to enjoy anything— even pride.
But what we suffer from to-day is humility in the wrong place. Modesty has moved from the organ of ambition. Modesty has settled upon the organ of conviction; where it was never meant to be. A man was meant to be doubtful about himself, but undoubting about the truth; this has been exactly reversed. Nowadays the part of a man that a man does assert is exactly the part he ought not to assert—himself. The part he doubts is exactly the part he ought not to doubt—the Divine Reason. Huxley preached a humility content to learn from Nature. But the new sceptic is so humble that he doubts if he can even learn. Thus we should be wrong if we had said hastily that there is no humility typical of our time. The truth is that there is a real humility typical of our time; but it so happens that it is practically a more poisonous humility than the wildest prostrations of the ascetic. The old humility was a spur that prevented a man from stopping; not a nail in his boot that prevented him from going on. For the old humility made a man doubtful about his efforts, which might make him work harder. But the new humility makes a man doubtful about his aims, which will make him stop working altogether.
At any street corner we may meet a man who utters the frantic and blasphemous statement that he may be wrong. Every day one comes across somebody who says that of course his view may not be the right one. Of course his view must be the right one, or it is not his view. We are on the road to producing a race of men too mentally modest to believe in the multiplication table. We are in danger of seeing philosophers who doubt the law of gravity as being a mere fancy of their own. Scoffers of old time were too proud to be convinced; but these are too humble to be convinced. The meek do inherit the earth; but the modern sceptics are too meek even to claim their inheritance. It is exactly this intellectual helplessness which is our second problem.
The last chapter has been concerned only with a fact of observation: that what peril of morbidity there is for man comes rather from his reason than his imagination. It was not meant to attack the authority of reason; rather it is the ultimate purpose to defend it. For it needs defence. The whole modern world is at war with reason; and the tower already reels.
The sages, it is often said, can see no answer to the riddle of religion. But the trouble with our sages is not that they cannot see the answer; it is that they cannot even see the riddle. They are like children so stupid as to notice nothing paradoxical in the playful assertion that a door is not a door. The modern latitudinarians speak, for instance, about authority in religion not only as if there were no reason in it, but as if there had never been any reason for it. Apart from seeing its philosophical basis, they cannot even see its historical cause. Religious authority has often, doubtless, been oppressive or unreasonable; just as every legal system (and especially our present one) has been callous and full of a cruel apathy. It is rational to attack the police; nay, it is glorious. But the modern critics of religious authority are like men who should attack the police without ever having heard of burglars. For there is a great and possible peril to the human mind: a peril as practical as burglary. Against it religious authority was reared, rightly or wrongly, as a barrier. And against it something certainly must be reared as a barrier, if our race is to avoid ruin.
That peril is that the human intellect is free to destroy itself. Just as one generation could prevent the very existence of the next generation, by all entering a monastery or jumping into the sea, so one set of thinkers can in some degree prevent further thinking by teaching the next generation that there is no validity in any human thought. It is idle to talk always of the alternative of reason and faith. Reason is itself a matter of faith. It is an act of faith to assert that our thoughts have any relation to reality at all. If you are merely a sceptic, you must sooner or later ask yourself the question, "Why should ANYTHING go right; even observation and deduction? Why should not good logic be as misleading as bad logic? They are both movements in the brain of a bewildered ape?" The young sceptic says, "I have a right to think for myself." But the old sceptic, the complete sceptic, says, "I have no right to think for myself. I have no right to think at all."
There is a thought that stops thought. That is the only thought that ought to be stopped. That is the ultimate evil against which all religious authority was aimed. It only appears at the end of decadent ages like our own: and already Mr. H.G.Wells has raised its ruinous banner; he has written a delicate piece of scepticism called "Doubts of the Instrument." In this he questions the brain itself, and endeavours to remove all reality from all his own assertions, past, present, and to come. But it was against this remote ruin that all the military systems in religion were originally ranked and ruled. The creeds and the crusades, the hierarchies and the horrible persecutions were not organized, as is ignorantly said, for the suppression of reason. They were organized for the difficult defence of reason. Man, by a blind instinct, knew that if once things were wildly questioned, reason could be questioned first. The authority of priests to absolve, the authority of popes to define the authority, even of inquisitors to terrify: these were all only dark defences erected round one central authority, more undemonstrable, more supernatural than all—the authority of a man to think. We know now that this is so; we have no excuse for not knowing it. For we can hear scepticism crashing through the old ring of authorities, and at the same moment we can see reason swaying upon her throne. In so far as religion is gone, reason is going. For they are both of the same primary and authoritative kind. They are both methods of proof which cannot themselves be proved. And in the act of destroying the idea of Divine authority we have largely destroyed the idea of that human authority by which we do a long-division sum. With a long and sustained tug we have attempted to pull the mitre off pontifical man; and his head has come off with it.
Lest this should be called loose assertion, it is perhaps desirable, though dull, to run rapidly through the chief modern fashions of thought which have this effect of stopping thought itself. Materialism and the view of everything as a personal illusion have some such effect; for if the mind is mechanical, thought cannot be very exciting, and if the cosmos is unreal, there is nothing to think about. But in these cases the effect is indirect and doubtful. In some cases it is direct and clear; notably in the case of what is generally called evolution.
Evolution is a good example of that modern intelligence which, if it destroys anything, destroys itself. Evolution is either an innocent scientific description of how certain earthly things came about; or, if it is anything more than this, it is an attack upon thought itself. If evolution destroys anything, it does not destroy religion but rationalism. If evolution simply means that a positive thing called an ape turned very slowly into a positive thing called a man, then it is stingless for the most orthodox; for a personal God might just as well do things slowly as quickly, especially if, like the Christian God, he were outside time. But if it means anything more, it means that there is no such thing as an ape to change, and no such thing as a man for him to change into. It means that there is no such thing as a thing. At best, there is only one thing, and that is a flux of everything and anything. This is an attack not upon the faith, but upon the mind; you cannot think if there are no things to think about. You cannot think if you are not separate from the subject of thought. Descartes said, "I think; therefore I am." The philosophic evolutionist reverses and negatives the epigram. He says, "I am not; therefore I cannot think."
Then there is the opposite attack on thought: that urged by Mr. H.G.Wells when he insists that every separate thing is "unique," and there are no categories at all. This also is merely destructive. Thinking means connecting things, and stops if they cannot be connected. It need hardly be said that this scepticism forbidding thought necessarily forbids speech; a man cannot open his mouth without contradicting it. Thus when Mr. Wells says (as he did somewhere), "All chairs are quite different," he utters not merely a misstatement, but a contradiction in terms. If all chairs were quite different, you could not call them "all chairs."
Akin to these is the false theory of progress, which maintains that we alter the test instead of trying to pass the test. We often hear it said, for instance, "What is right in one age is wrong in another." This is quite reasonable, if it means that there is a fixed aim, and that certain methods attain at certain times and not at other times. If women, say, desire to be elegant, it may be that they are improved at one time by growing fatter and at another time by growing thinner. But you cannot say that they are improved by ceasing to wish to be elegant and beginning to wish to be oblong. If the standard changes, how can there be improvement, which implies a standard? Nietzsche started a nonsensical idea that men had once sought as good what we now call evil; if it were so, we could not talk of surpassing or even falling short of them. How can you overtake Jones if you walk in the other direction? You cannot discuss whether one people has succeeded more in being miserable than another succeeded in being happy. It would be like discussing whether Milton was more puritanical than a pig is fat.
It is true that a man (a silly man) might make change itself his object or ideal. But as an ideal, change itself becomes unchangeable. If the change-worshipper wishes to estimate his own progress, he must be sternly loyal to the ideal of change; he must not begin to flirt gaily with the ideal of monotony. Progress itself cannot progress. It is worth remark, in passing, that when Tennyson, in a wild and rather weak manner, welcomed the idea of infinite alteration in society, he instinctively took a metaphor which suggests an imprisoned tedium. He wrote—
"Let the great world spin for ever down the ringing grooves of change."
He thought of change itself as an unchangeable groove; and so it is. Change is about the narrowest and hardest groove that a man can get into.
The main point here, however, is that this idea of a fundamental alteration in the standard is one of the things that make thought about the past or future simply impossible. The theory of a complete change of standards in human history does not merely deprive us of the pleasure of honouring our fathers; it deprives us even of the more modern and aristocratic pleasure of despising them.
This bald summary of the thought-destroying forces of our time would not be complete without some reference to pragmatism; for though I have here used and should everywhere defend the pragmatist method as a preliminary guide to truth, there is an extreme application of it which involves the absence of all truth whatever. My meaning can be put shortly thus. I agree with the pragmatists that apparent objective truth is not the whole matter; that there is an authoritative need to believe the things that are necessary to the human mind. But I say that one of those necessities precisely is a belief in objective truth. The pragmatist tells a man to think what he must think and never mind the Absolute. But precisely one of the things that he must think is the Absolute. This philosophy, indeed, is a kind of verbal paradox. Pragmatism is a matter of human needs; and one of the first of human needs is to be something more than a pragmatist. Extreme pragmatism is just as inhuman as the determinism it so powerfully attacks. The determinist (who, to do him justice, does not pretend to be a human being) makes nonsense of the human sense of actual choice. The pragmatist, who professes to be specially human, makes nonsense of the human sense of actual fact.
To sum up our contention so far, we may say that the most characteristic current philosophies have not only a touch of mania, but a touch of suicidal mania. The mere questioner has knocked his head against the limits of human thought; and cracked it. This is what makes so futile the warnings of the orthodox and the boasts of the advanced about the dangerous boyhood of free thought. What we are looking at is not the boyhood of free thought; it is the old age and ultimate dissolution of free thought. It is vain for bishops and pious bigwigs to discuss what dreadful things will happen if wild scepticism runs its course. It has run its course. It is vain for eloquent atheists to talk of the great truths that will be revealed if once we see free thought begin. We have seen it end. It has no more questions to ask; it has questioned itself. You cannot call up any wilder vision than a city in which men ask themselves if they have any selves. You cannot fancy a more sceptical world than that in which men doubt if there is a world. It might certainly have reached its bankruptcy more quickly and cleanly if it had not been feebly hampered by the application of indefensible laws of blasphemy or by the absurd pretence that modern England is Christian. But it would have reached the bankruptcy anyhow. Militant atheists are still unjustly persecuted; but rather because they are an old minority than because they are a new one. Free thought has exhausted its own freedom. It is weary of its own success. If any eager freethinker now hails philosophic freedom as the dawn, he is only like the man in Mark Twain who came out wrapped in blankets to see the sun rise and was just in time to see it set. If any frightened curate still says that it will be awful if the darkness of free thought should spread, we can only answer him in the high and powerful words of Mr. Belloc, "Do not, I beseech you, be troubled about the increase of forces already in dissolution. You have mistaken the hour of the night: it is already morning." We have no more questions left to ask. We have looked for questions in the darkest corners and on the wildest peaks. We have found all the questions that can be found. It is time we gave up looking for questions and began looking for answers.
But one more word must be added. At the beginning of this preliminary negative sketch I said that our mental ruin has been wrought by wild reason, not by wild imagination. A man does not go mad because he makes a statue a mile high, but he may go mad by thinking it out in square inches. Now, one school of thinkers has seen this and jumped at it as a way of renewing the pagan health of the world. They see that reason destroys; but Will, they say, creates. The ultimate authority, they say, is in will, not in reason. The supreme point is not why a man demands a thing, but the fact that he does demand it. I have no space to trace or expound this philosophy of Will. It came, I suppose, through Nietzsche, who preached something that is called egoism. That, indeed, was simpleminded enough; for Nietzsche denied egoism simply by preaching it. To preach anything is to give it away. First, the egoist calls life a war without mercy, and then he takes the greatest possible trouble to drill his enemies in war. To preach egoism is to practise altruism. But however it began, the view is common enough in current literature. The main defence of these thinkers is that they are not thinkers; they are makers. They say that choice is itself the divine thing. Thus Mr. Bernard Shaw has attacked the old idea that men's acts are to be judged by the standard of the desire of happiness. He says that a man does not act for his happiness, but from his will. He does not say, "Jam will make me happy," but "I want jam." And in all this others follow him with yet greater enthusiasm. Mr. John Davidson, a remarkable poet, is so passionately excited about it that he is obliged to write prose. He publishes a short play with several long prefaces. This is natural enough in Mr. Shaw, for all his plays are prefaces: Mr. Shaw is (I suspect) the only man on earth who has never written any poetry. But that Mr. Davidson (who can write excellent poetry) should write instead laborious metaphysics in defence of this doctrine of will, does show that the doctrine of will has taken hold of men. Even Mr. H.G.Wells has half spoken in its language; saying that one should test acts not like a thinker, but like an artist, saying, "I FEEL this curve is right," or "that line SHALL go thus." They are all excited; and well they may be. For by this doctrine of the divine authority of will, they think they can break out of the doomed fortress of rationalism. They think they can escape.
But they cannot escape. This pure praise of volition ends in the same break up and blank as the mere pursuit of logic. Exactly as complete free thought involves the doubting of thought itself, so the acceptation of mere "willing" really paralyzes the will. Mr. Bernard Shaw has not perceived the real difference between the old utilitarian test of pleasure (clumsy, of course, and easily misstated) and that which he propounds. The real difference between the test of happiness and the test of will is simply that the test of happiness is a test and the other isn't. You can discuss whether a man's act in jumping over a cliff was directed towards happiness; you cannot discuss whether it was derived from will. Of course it was. You can praise an action by saying that it is calculated to bring pleasure or pain to discover truth or to save the soul. But you cannot praise an action because it shows will; for to say that is merely to say that it is an action. By this praise of will you cannot really choose one course as better than another. And yet choosing one course as better than another is the very definition of the will you are praising.
The worship of will is the negation of will. To admire mere choice is to refuse to choose. If Mr. Bernard Shaw comes up to me and says, "Will something," that is tantamount to saying, "I do not mind what you will," and that is tantamount to saying, "I have no will in the matter." You cannot admire will in general, because the essence of will is that it is particular. A brilliant anarchist like Mr. John Davidson feels an irritation against ordinary morality, and therefore he invokes will—will to anything. He only wants humanity to want something. But humanity does want something. It wants ordinary morality. He rebels against the law and tells us to will something or anything. But we have willed something. We have willed the law against which he rebels.
All the will-worshippers, from Nietzsche to Mr. Davidson, are really quite empty of volition. They cannot will, they can hardly wish. And if any one wants a proof of this, it can be found quite easily. It can be found in this fact: that they always talk of will as something that expands and breaks out. But it is quite the opposite. Every act of will is an act of self-limitation. To desire action is to desire limitation. In that sense every act is an act of self-sacrifice. When you choose anything, you reject everything else. That objection, which men of this school used to make to the act of marriage, is really an objection to every act. Every act is an irrevocable selection and exclusion. Just as when you marry one woman you give up all the others, so when you take one course of action you give up all the other courses. If you become King of England, you give up the post of Beadle in Brompton. If you go to Rome, you sacrifice a rich suggestive life in Wimbledon. It is the existence of this negative or limiting side of will that makes most of the talk of the anarchic will-worshippers little better than nonsense. For instance, Mr. John Davidson tells us to have nothing to do with "Thou shalt not"; but it is surely obvious that "Thou shalt not" is only one of the necessary corollaries of "I will." "I will go to the Lord Mayor's Show, and thou shalt not stop me." Anarchism adjures us to be bold creative artists, and care for no laws or limits. But it is impossible to be an artist and not care for laws and limits. Art is limitation; the essence of every picture is the frame. If you draw a giraffe, you must draw him with a long neck. If, in your bold creative way, you hold yourself free to draw a giraffe with a short neck, you will really find that you are not free to draw a giraffe. The moment you step into the world of facts, you step into a world of limits. You can free things from alien or accidental laws, but not from the laws of their own nature. You may, if you like, free a tiger from his bars; but do not free him from his stripes. Do not free a camel of the burden of his hump: you may be freeing him from being a camel. Do not go about as a demagogue, encouraging triangles to break out of the prison of their three sides. If a triangle breaks out of its three sides, its life comes to a lamentable end. Somebody wrote a work called "The Loves of the Triangles"; I never read it, but I am sure that if triangles ever were loved, they were loved for being triangular. This is certainly the case with all artistic creation, which is in some ways the most decisive example of pure will. The artist loves his limitations: they constitute the THING he is doing. The painter is glad that the canvas is flat. The sculptor is glad that the clay is colourless.
In case the point is not clear, an historic example may illustrate it. The French Revolution was really an heroic and decisive thing, because the Jacobins willed something definite and limited. They desired the freedoms of democracy, but also all the vetoes of democracy. They wished to have votes and NOT to have titles. Republicanism had an ascetic side in Franklin or Robespierre as well as an expansive side in Danton or Wilkes. Therefore they have created something with a solid substance and shape, the square social equality and peasant wealth of France. But since then the revolutionary or speculative mind of Europe has been weakened by shrinking from any proposal because of the limits of that proposal. Liberalism has been degraded into liberality. Men have tried to turn "revolutionise" from a transitive to an intransitive verb. The Jacobin could tell you not only the system he would rebel against, but (what was more important) the system he would NOT rebel against, the system he would trust. But the new rebel is a Sceptic, and will not entirely trust anything. He has no loyalty; therefore he can never be really a revolutionist. And the fact that he doubts everything really gets in his way when he wants to denounce anything. For all denunciation implies a moral doctrine of some kind; and the modern revolutionist doubts not only the institution he denounces, but the doctrine by which he denounces it. Thus he writes one book complaining that imperial oppression insults the purity of women, and then he writes another book (about the sex problem) in which he insults it himself. He curses the Sultan because Christian girls lose their virginity, and then curses Mrs. Grundy because they keep it. As a politician, he will cry out that war is a waste of life, and then, as a philosopher, that all life is waste of time. A Russian pessimist will denounce a policeman for killing a peasant, and then prove by the highest philosophical principles that the peasant ought to have killed himself. A man denounces marriage as a lie, and then denounces aristocratic profligates for treating it as a lie. He calls a flag a bauble, and then blames the oppressors of Poland or Ireland because they take away that bauble. The man of this school goes first to a political meeting, where he complains that savages are treated as if they were beasts; then he takes his hat and umbrella and goes on to a scientific meeting, where he proves that they practically are beasts. In short, the modern revolutionist, being an infinite sceptic, is always engaged in undermining his own mines. In his book on politics he attacks men for trampling on morality; in his book on ethics he attacks morality for trampling on men. Therefore the modern man in revolt has become practically useless for all purposes of revolt. By rebelling against everything he has lost his right to rebel against anything.
It may be added that the same blank and bankruptcy can be observed in all fierce and terrible types of literature, especially in satire. Satire may be mad and anarchic, but it presupposes an admitted superiority in certain things over others; it presupposes a standard. When little boys in the street laugh at the fatness of some distinguished journalist, they are unconsciously assuming a standard of Greek sculpture. They are appealing to the marble Apollo. And the curious disappearance of satire from our literature is an instance of the fierce things fading for want of any principle to be fierce about. Nietzsche had some natural talent for sarcasm: he could sneer, though he could not laugh; but there is always something bodiless and without weight in his satire, simply because it has not any mass of common morality behind it. He is himself more preposterous than anything he denounces. But, indeed, Nietzsche will stand very well as the type of the whole of this failure of abstract violence. The softening of the brain which ultimately overtook him was not a physical accident. If Nietzsche had not ended in imbecility, Nietzscheism would end in imbecility. Thinking in isolation and with pride ends in being an idiot. Every man who will not have softening of the heart must at last have softening of the brain.
This last attempt to evade intellectualism ends in intellectualism, and therefore in death. The sortie has failed. The wild worship of lawlessness and the materialist worship of law end in the same void. Nietzsche scales staggering mountains, but he turns up ultimately in Tibet. He sits down beside Tolstoy in the land of nothing and Nirvana. They are both helpless—one because he must not grasp anything, and the other because he must not let go of anything. The Tolstoyan's will is frozen by a Buddhist instinct that all special actions are evil. But the Nietzscheite's will is quite equally frozen by his view that all special actions are good; for if all special actions are good, none of them are special. They stand at the crossroads, and one hates all the roads and the other likes all the roads. The result is—well, some things are not hard to calculate. They stand at the cross-roads.
Here I end (thank God) the first and dullest business of this book—the rough review of recent thought. After this I begin to sketch a view of life which may not interest my reader, but which, at any rate, interests me. In front of me, as I close this page, is a pile of modern books that I have been turning over for the purpose—a pile of ingenuity, a pile of futility. By the accident of my present detachment, I can see the inevitable smash of the philosophies of Schopenhauer and Tolstoy, Nietzsche and Shaw, as clearly as an inevitable railway smash could be seen from a balloon. They are all on the road to the emptiness of the asylum. For madness may be defined as using mental activity so as to reach mental helplessness; and they have nearly reached it. He who thinks he is made of glass, thinks to the destruction of thought; for glass cannot think. So he who wills to reject nothing, wills the destruction of will; for will is not only the choice of something, but the rejection of almost everything. And as I turn and tumble over the clever, wonderful, tiresome, and useless modern books, the title of one of them rivets my eye. It is called "Jeanne d'Arc," by Anatole France. I have only glanced at it, but a glance was enough to remind me of Renan's "Vie de Jesus." It has the same strange method of the reverent sceptic. It discredits supernatural stories that have some foundation, simply by telling natural stories that have no foundation. Because we cannot believe in what a saint did, we are to pretend that we know exactly what he felt. But I do not mention either book in order to criticise it, but because the accidental combination of the names called up two startling images of Sanity which blasted all the books before me. Joan of Arc was not stuck at the cross-roads, either by rejecting all the paths like Tolstoy, or by accepting them all like Nietzsche. She chose a path, and went down it like a thunderbolt. Yet Joan, when I came to think of her, had in her all that was true either in Tolstoy or Nietzsche, all that was even tolerable in either of them. I thought of all that is noble in Tolstoy, the pleasure in plain things, especially in plain pity, the actualities of the earth, the reverence for the poor, the dignity of the bowed back. Joan of Arc had all that and with this great addition, that she endured poverty as well as admiring it; whereas Tolstoy is only a typical aristocrat trying to find out its secret. And then I thought of all that was brave and proud and pathetic in poor Nietzsche, and his mutiny against the emptiness and timidity of our time. I thought of his cry for the ecstatic equilibrium of danger, his hunger for the rush of great horses, his cry to arms. Well, Joan of Arc had all that, and again with this difference, that she did not praise fighting, but fought. We KNOW that she was not afraid of an army, while Nietzsche, for all we know, was afraid of a cow. Tolstoy only praised the peasant; she was the peasant. Nietzsche only praised the warrior; she was the warrior. She beat them both at their own antagonistic ideals; she was more gentle than the one, more violent than the other. Yet she was a perfectly practical person who did something, while they are wild speculators who do nothing. It was impossible that the thought should not cross my mind that she and her faith had perhaps some secret of moral unity and utility that has been lost. And with that thought came a larger one, and the colossal figure of her Master had also crossed the theatre of my thoughts. The same modern difficulty which darkened the subject-matter of Anatole France also darkened that of Ernest Renan. Renan also divided his hero's pity from his hero's pugnacity. Renan even represented the righteous anger at Jerusalem as a mere nervous breakdown after the idyllic expectations of Galilee. As if there were any inconsistency between having a love for humanity and having a hatred for inhumanity! Altruists, with thin, weak voices, denounce Christ as an egoist. Egoists (with even thinner and weaker voices) denounce Him as an altruist. In our present atmosphere such cavils are comprehensible enough. The love of a hero is more terrible than the hatred of a tyrant. The hatred of a hero is more generous than the love of a philanthropist. There is a huge and heroic sanity of which moderns can only collect the fragments. There is a giant of whom we see only the lopped arms and legs walking about. They have torn the soul of Christ into silly strips, labelled egoism and altruism, and they are equally puzzled by His insane magnificence and His insane meekness. They have parted His garments among them, and for His vesture they have cast lots; though the coat was without seam woven from the top throughout.