Wednesday, 22 October 2014

"The Ladder of Monks" letter from Guigo II to Gervasio – fourth part (in Portuguese)



A Escada do claustro
Carta de Dom Guigo, Cartuxo,
ao Ir. Gervásio, sobre a vida contemplativa

SCALA CLAUSTRALIUM, de Guigo II
Tradução de D. Timóteo A. Anastásio, O.S.B, antigo Abade do Mosteiro de São Bento. Bahia (BRASIL).

IX - A graça se esconde
            Ó minha alma, prolonguei por muito tempo este discurso. Pois era bom para nós estar ali, e contemplar com Pedro e João a glória do Esposo, e ficar largo tempo com ele, se ele quisesse fazer ali não duas, nem três tendas (cf. Mt 17,4), mas uma só em que estaríamos juntos, e juntos nos deleitássemos.
            Mas eis que já diz o Esposo, Deixa-me partir, pois já sobe a aurora (Gn 32,26), já recebeste a luz da graça e a visita que desejavas.
            Dada, pois, a bênção e mortificado o nervo da coxa, e mudado o nome de Jacó para Israel (cf. Gn 32,25-32), o Esposo longamente desejado se retira por um pouco de tempo, depressa escapa.
            Ele se arreda, tanto em relação à visita de que falei, quanto à doçura da contemplação. Mas permanece sempre presente, quanto à direção, à graça, à união.

X - Como a ocultação da graça coopera para o nosso bem
            Mas não temas, esposa, não desespere, não penses que és desprezada, se o Esposo te oculta por algum tempo a sua face. Tudo isso concorre ao teu bem (cf. Rm 8,28), e ganhas com a partida e com a vinda.
            Ele veio para ti, e é também para ti que ele se afasta. Vem para a consolação, afasta-se por cautela, a fim de que a grandeza da consolação não te ensoberbeça, evitando que a presença contínua do Esposo, te leve a desprezar as companheiras e atribuas a consolação não à graça, mas à natureza.
            Esta graça, o Esposo a concede quando quer e a quem ele quer, e não se possui como direito hereditário. É conhecido o provérbio que diz que a familiaridade excessiva gera o desprezo. Ele se afasta, pois, para não ser desprezado, se é demais assíduo, e para que, ausente, seja mais desejado, e desejado seja procurado com maior ardor, e longamente querido, seja, enfim, achado com maior alegria.
            Além disso, se nunca faltasse essa consolação, que em relação à futura glória a revelar-se em nós (cf. Rm 8,18), é enigmática e parcial, talvez julgássemos que temos aqui cidadania permanente e procuraríamos menos a futura.
            Assim, para não tomarmos o exílio por pátria, o penhor pelo pleno valor, é que o Esposo vem de tempo em tempo, ora trazendo consolação, ora a substituindo pelo leito de doente (cf. 8141,4).
            Ele permite que saboreemos por um pouco de tempo a sua doçura, mas antes que ela seja plenamente sentida, ele se esvai. Assim, voejando sobre nós de asas abertas, ele nos provoca a voar (cf. Dt 32,11), como se dissesse: Experimentastes um pouco da minha suavidade e doçura, mas, se quereis saciar-vos plenamente, correi atrás de mim ao odor dos meus perfumes (cf. Ct 1,3), levantai os corações para o alto onde estou à direita do Pai. Aí me vereis, não mais em figura e em enigma, mas face a face, e então, o vosso coração gozará plenamente, e o vosso gozo ninguém vos tirará (Jo 16,22).

XI - Com que cuidado a alma se deve comportar depois da visita da graça
            Mas, acautela-te, ó esposa. Quando o Esposo se ausenta, não vai para longe. Se não o vês, ele sempre te vê. Ele é cheio de olhos à frente e atrás (cf. Ez 1,18). Jamais podes fugir da sua vista. Tem junto de ti seus enviados, espíritos que são como que mensageiros muito sagazes, que vejam como te conduzes na ausência do Esposo, e te acusem diante dele se descobrirem em ti algum sinal de impureza e de leviandade.
            Este Esposo é cheio de zelo. Se, acaso, acolheres um outro amante, ou te empenhas em agradar mais a um outro, ele logo se afasta de ti e se une a outras virgens fiéis.
            É delicado esse Esposo, é nobre, é o mais belo dos filhos dos homens (Sl 45,3), e assim, não quer ter uma esposa senão perfeitamente bela. Se ele vir em ti uma mancha, ou uma ruga, logo desvia o seu olhar.
            Ele não suporta nenhuma impureza. Sê, pois, casta, sê reservada e humilde, para merecer a visita freqüente do teu Esposo.
            Temo que este discurso se tenha prolongado demais, mas a matéria abundante me obrigou a isto, assim como a sua doçura. Não prolonguei por minha espontânea vontade, foi o seu encanto que me arrastou sem sentir.

XII - Recapitulação do que foi dito
            Para que se possa ver melhor em conjunto o que foi dito em forma mais desenvolvida, vamos recapitulá-lo em resumo.
            Assim como foi notado nos exemplos propostos, podes ver como os ditos degraus se ligam uns aos outros entre si. E como um precede a outro, tanto no tempo, como na casualidade.
            Qual primeiro fundamento, vem a leitura. Ela fornece a matéria e nos leva à meditação.
            A meditação, por sua vez, perscruta com maior diligência o que se deve desejar, e como que cavando, acha e mostra o tesouro. Mas, como não pode por si mesma obtê-lo, leva-nos à oração.
            A oração, elevando-se a Deus com todas as suas forças, obtém o tesouro desejável, a suavidade da contemplação.
            Sobrevindo a contemplação, ela recompensa o trabalho dos três degraus referidos, embriagando. a alma sedenta com o orvalho da doçura celeste.
            A leitura é feita segundo um exercício mais exterior; a meditação, segundo uma inteligência mais interior; a oração, segundo o desejo; a contemplação passa acima de todo sentido.
            O primeiro degrau é dos principiantes; o segundo, dos que progridem; o terceiro, dos fervorosos; o quarto, dos bem-aventurados.

XIII - Como os mesmos degraus são ligados uns aos outros
            Estes degraus são de tal modo ligados, e de tal forma servem uns aos outros, que os precedentes pouco ou nada aproveitam sem os seguintes, e os seguintes, por sua vez, nunca ou só raramente, podem ser adquiridos sem os precedentes.
            Que adianta, com efeito, ocupar o tempo em contínua leitura, percorrer os feitos e os escritos dos santos, se não exprememos o seu suco, mastigando e ruminando, e não o passamos até ao mais íntimo do coração, engolindo, a fim de por eles considerarmos diligentemente o nosso estado, e cuidarmos de praticar as obras daqueles cujos feitos queremos ler freqüentemente?
            Mas, como haveremos de cogitar estas coisas, ou como poderemos evitar que, meditando coisas erradas e vãs, se transgridam os limites constituídos pelos santos Pais, a não ser que sejamos antes instruídos a tal respeito pela leitura ou pelo ensino?
            O ensino, de certo modo, se relaciona com a leitura, o que nos leva habitualmente a dizer que lemos para nós mesmos ou para os outros, mas também o que ouvimos dos mestres.

Igualmente, que vale ao homem ver pela meditação o que deve praticar, se não pode fazê-lo senão pelo auxilio da oração e pela graça de Deus? Porque todo dom excelente e todo dom perfeito vem de cima e desce do Pai das luzes (Tg 1,17).
            Sem ele nada podemos, ao passo que ele faz em nós as obras, mas não sem nós. Pois somos cooperadores de Deus (1Cor 3,9), como diz o Apóstolo. Deus quer que lhe supliquemos, quer que abramos à graça que vem e bate à porta, o seio da nossa vontade, e lhe demos o nosso consentimento.
            O Senhor exigia esse consentimento da Samaritana, quando dizia:
            Chama o teu marido (Jo 4,16), como se dissesse: Quero te infundir a graça; aplica o teu livre arbítrio.
            Dela exigia a oração: Se soubesses o dom de Deus, e quem é que te diz: Dá-me de beber, serias tu que lhe terias pedido a água viva (ib.1 O).
            Inflamada, pois, pelo desejo, volta-se para a oração, dizendo:
            Senhor, dá-me desta água, a fim de que eu não tenha mais sede. Assim, portanto, a palavra do Senhor que ouvira e depois meditara, a incitou à oração.
            Como haveria de tomar-se solícita na súplica, se antes, a meditação não a tivesse feito arder? Ou de que lhe serviria a precedente meditação, se a oração seguinte não obtivesse o que aquela lhe mostrara?
            Para que seja, pois, frutuosa a meditação, é preciso que se lhe siga o fervor da oração, da qual é como um efeito a doçura da contemplação.

Tuesday, 21 October 2014

"O Sorriso do Tio Pavel Pleffel" (Chapter XIV) by José Thiesen (in Portuguese)



            No dia seguinte fomos ao parque, eu e o tio.
            Já acordava desejando estar com ele e me esquecia por completo dos meus amigos.
            No parque, havia um grupo de rapazes treinando skate e parei para olhá-los. O tio também parou e eu disse: Gostava de experimentar isso.
            - Skate?
            - Sim! Deve ser legal, correr e sentir o vento a bater no rosto!
            - Tiveste isso ontem, quando voltávamos da festa no céu.
            - Verdade. Talvez por isso eu queira experimentar o skate.
            Quase mudando de assunto, quase falando a si mesmo, o tio disse: Também eu nunca andei de skate!
            - Então há o que senhor nunca tenha feito?
            - Por certo!
            Então ele avançou para os rapazes e disse: Bom dia. Posso experimentar andar num desses skates?
            Os rapazes olharam para o tio, vestido de sobre-tudo marrom, com seu chapéu de feltro, rosto quadrado, severo e após um segundo de espanto, cairam na gargalhada.
            Um deles, masis atrevido, disse: Que é isso, tio? Vai jogar damas com os velhinhos ali adiante, vai!
            E deram mais risada, mas meu tio continuava imperturbável e disse, com um certo tom de ameaça na voz: Tens medo de que eu seja melhor que tu?
            - Eu? Tenho medo de nada não, seu! Só acho que tem gente que não sabe quando deixar de ser ridículo!
            - Então eu posso andar no seu skate?
             O guri olhou sério pro tio e disse: Pode, mas se o sr. cair e se quebrar todo, eu não ajunto!
            A seguir, pôs o skate no chão e o tio nele subiu.
            Subiu e ficou ali, parado.A gurizada começava a rir, novamente.
            O tio inclinou a cabeça para o skate e disse: Então? Vais ficar aí parado, sem me mostrar o que sabes fazer?
            Tio Pavel não se moveu, mas o skate deu uma tremida e começou a correr pelo pavimento, ergueu-se no ar , alcançou uma parede e começou a correr por ela. Descreveu piruetas loucas e o tio, imperturbável sem sair um milímetro de sua posição.
            Finalmente, como um cãozinho cansado o skate voltou para junto de nós.
            O guris fugiram com gritos de espanto e eu me ria a valer!
            O tio desceu do skate e agradeceu ao próprio pelo passeio.
            Nos afastamos dali e ele disse: Minha bicicleta faz coisas mais interessantes.
            - Nem quero imaginar, respondi. Mas, por outro lado, não é o senhor que faz o skate andar?
            - Eu sempre prefiro deixar que os outros se manifestem.
            - Um skate é um “outro”?
            - O essencial é invisível aos olhos, disse ele, mas como semre acontecia, fiquei sem entender a mensagem e o fato é que, mais crescido, ganhei meu skate e ele nunca andou por si mesmo, por mais que o convidasse a fazê-lo.
            - Venha comigo, comandou o tio.

- Para onde?
            - Visitar um parente meu! e tomou de minha mão, levando-me para uma rua sem nome.
           
           

"The Ladder of Monks" letter from Guigo II to Gervasio – third part (in Portuguese)

A Escada do claustro
Carta de Dom Guigo, Cartuxo,
ao Ir. Gervásio, sobre a vida contemplativa

SCALA CLAUSTRALIUM, de Guigo II
Tradução de D. Timóteo A. Anastásio, O.S.B, antigo Abade do Mosteiro de São Bento. Bahia (BRASIL).


VI - A função da oração
            Vendo, pois, a alma que não pode por si mesma atingir a desejada doçura de conhecimento e da experiência, e que quanto mais se aproxima do fundo do coração (Sl 64,7), tanto mais distante é Deus (cf. Sl 64,8), ela se humilha e se refugia na oração. E diz: Senhor, que não és contemplado senão pelos corações puros, eu procuro, pela leitura e pela meditação, qual é, e como pode ser adquirida a verdadeira doçura do coração, a fim de por ela conhecer-te, ao menos um pouco.
            Eu buscava, Senhor, a tua face, a tua face Senhor, eu buscava (cf. Sl 27,8); meditei muito tempo em meu coração, e na minha meditação cresceu um fogo (cf. Sl 39,4) e o desejo de te conhecer ainda mais.
            Quando me repartes o pão da Sagrada Escritura, na fração do pão te tomas. conhecido por mim (cf. Lc 24,35). E quanto mais te conheço, tanto mais desejo conhecer-te, não já na casca da leitura, mas no sabor da experiência.
            Isto não peço, Senhor, por meus méritos, mas pela tua misericórdia.
            Confesso-me indigna pecadora, mas até os cãezinhos comem das migalhas que caem da mesa dos seus donos (Mt 15,27).
            Dá-me, pois, Senhor, o penhor da herança futura, uma gota ao menos da chuva celeste, para arrefecer a minha sede, pois ardo de amor (cf. Ct 2,5).

VII - Efeitos da contemplação
            Com essas e outras palavras, a alma inflama o seu desejo, mostra assim o que nela se fez, por encantações invoca o seu Esposo.
            E o Senhor, cujos olhos são fixos nos justos e cujos ouvidos estão não só atentos às suas preces (cf. Sl 34, 16), mas presentes nelas, não espera a prece acabar. Pois, interrompendo o curso da oração, apressa-se a vir à alma que o deseja, banhado de orvalho da doçura celeste, ungido dos perfumes melhores.
            Ele recria a alma fatigada, nutre a que tem fome, sacia a sua aridez, lhe faz esquecer tudo o que é terrestre, vivifica-a, mortificando-a por um admirável esquecimento de si mesma, e embriagando-a, sóbria a torna.
            Como em certas funções carnais a alma se deixa a tal ponto vencer pela concupiscência, que perde o próprio uso da razão e o homem se toma todo carnal, assim, ao contrário, nessa contemplação superior, os movimentos carnais são de tal modo vencidos e absorvidos pela alma, que a carne não contradiz em nada ao espírito, e o homem se torna quase todo espiritual.

VIII - Sinais da vinda da graça
            Mas, Senhor, como descobrir quando realizas tudo isso, e qual é o sinal da tua vinda?
            São, por acaso, os suspiros e as lágrimas os mensageiros e testemunhas da consolação e da alegria? Se assim é, estamos em presença duma nova antinomia e de uma significação inusitada.
            Qual é, com efeito, a relação entre consolação e suspiros, alegria e lágrimas? Se é que se podem chamar lágrimas estas lágrimas, e não antes, abundância transbordante do orvalho interior derramado do céu, indício da purificação interior, limpeza do homem exterior.
            No batismo de crianças, a purificação do homem interior é figurada e significada pela ablução exterior. Aqui, ao contrário, a purificação exterior procede da ablução interior.
            Ó felizes lágrimas, pelas quais são lavadas as manchas interiores, e as labaredas do pecado se apagam! Bem-aventurados os que assim chorais, porque rireis (cf. Mt 5,5).
            Nessas lágrimas reconhece, ó alma, o teu Esposo, abraça o Desejado, embriaga-te em torrente de delícias, suga do seio da consolação o leite e o mel. Estes são os maravilhosos presentinhos e consolos que teu Esposo te distribui e concede, isto é, tuas lágrimas e suspiros.
            Ele te trouxe nessas lágrimas a poção sob medida, o pão de dia e de noite, aquele pão que confirma o coração do homem e é mais doce do que o favo de mel.
            Ó Senhor Jesus, se são tão doces essas lágrimas que brotam da tua lembrança e do teu desejo, quão doce haverá de ser o gozo experimentado em tua visão manifesta!
            Se é tão doce chorar por ti, quanto mais doce será gozar de ti?
            Mas, por que exprimimos de público tais secretos colóquios? Por que me esforço por revelar em termos comuns essas inefáveis ternuras? Os que não as experimentaram, não as compreenderão. Eles as leriam mais claramente no livro da experiência, onde a unção divina ensina por si mesma (cf. l Jo 2,27).
            De qualquer modo, porém, a letra exterior não aproveita ao leitor, pois a leitura da letra exterior é de pouco sabor, a não ser que uma explicação tire do coração o sentido interior.
 

Monday, 20 October 2014

"The Night Visitor" by Eric Freiwald and Robert Schaefer (in English)

  art by  Alex Toth - Four Color #1159, Dell, January-February 1961.


















"The Ladder of Monks" letter from Guigo II to Gervasio - second part (in Portuguese)



A Escada do claustro
Carta de Dom Guigo, Cartuxo,
ao Ir. Gervásio, sobre a vida contemplativa

SCALA CLAUSTRALIUM, de Guigo II
Tradução de D. Timóteo A. Anastásio, O.S.B, antigo Abade do Mosteiro de São Bento. Bahia (BRASIL).

III - Qual a função de cada um dos citados degraus
            A leitura procura a doçura da vida bem-aventurada, a meditação a encontra, a oração a pede, a contemplação a experimenta.
            A leitura, de certo modo, leva à boca o alimento sólido, a meditação o mastiga e tritura, a oração consegue o sabor, a contemplação é a própria doçura que regala e refaz.
            A leitura está na casca, a meditação na substância, a oração na petição do desejo, a contemplação no gozo da doçura obtida. Para que se possa ver isto de modo mais expressivo, suponhamos um exemplo entre muitos.

IV - A função da leitura
            À leitura, eu escuto: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus (Mt 5,8).
            Eis uma palavra curta, mas cheia de suaves sentidos para o repasto da alma. Ela oferece como que um cacho de uva. A alma, depois de o examinar com cuidado, diz em si mesma: "Pode haver aqui algum bem, voltarei ao meu coração e tentarei, se possível, entender e encontrar esta pureza. Pois é preciosa e desejável tal coisa, cujos possuidores são ditos bem-aventurados, e à qual se promete a visão de Deus, que é a vida eterna, e que é louvada por tantos testemunhos da Sagrada Escritura".
            Desejosa de explicar mais plenamente a si mesma esta coisa, começa a mastigar e a triturar essa uva, e a põe no lagar, enquanto excita a razão a procurar o que é e como pode ser adquirida tão preciosa pureza.

V - A função da meditação
            Começa, então, diligente meditação. Ela não se detém no exterior, não pára na superfície, apóia o pé mais profundamente, penetra no interior, perscruta cada aspecto.
            Considera, atenta, que não se disse: Bem-aventurados os puros de corpo, mas, sim, "os puros de coração". Pois não basta ter as mãos inocentes de más obras, se não estivermos, no espírito, purificados de pensamentos depravados. Isto o profeta confirma por sua autoridade, ao dizer: Quem subirá o monte do Senhor? Ou quem estará de pé no seu santuário? Aquele que for inocente nas mãos e de coração puro (Sl 24,3-4).
            Depois ela considera quanto o próprio profeta deseja essa pureza, ao orar: Cria em mim, Ó Deus, um coração puro (Sl 51,12) e ainda: Se olhei a iniqüidade no meu coração, o Senhor não me ouvirá (Sl 66,18).
            A meditação pensa em como era o bem-aventurado Jó solícito por essa guarda, pois dizia: Fiz um pacto com os meus olhos para não pensar em nenhuma virgem (Jó 31,1). Eis como se dominava o santo homem . que fechava seus olhos para não ver o que é vão, evitando olhar imprudentemente o que depois desejaria contra a sua vontade.
            Depois de ter refletido sobre esses pontos e outros semelhantes no que toca à pureza do coração, a meditação começa a pensar no prêmio:
            Como seria glorioso e deleitável ver a face desejada do Senhor, mais bela do que a de todos os homens (Sl 45,3), não mais abjeta e vil (cf. Is 53,2), não mais tendo a aparência com que o revestiu sua mãe, mas envergando a estola da imortalidade, e coroado com o diadema que seu Pai lhe deu no dia da ressurreição e da glória, o dia que o Senhor fez (Sl 118,24).
            Ela concebe que nesta visão haverá aquela saciedade esperada pelo profeta, ao dizer: Serei saciado quando aparecer a tua glória (Sl 17,15).
            Vês quanto licor emanou daquela pequena uva, quanto fogo nasceu duma centelha, quanto se alargou na bigorna da meditação, este pequeno pedaço de metal: Bem-aventurados os puros de coração, porque verão a Deus!
            Mas, quanto mais poderia alargar-se, se alguém experiente viesse ajudar!
            Sinto como "é fundo o poço", mas não passo ainda de um noviço rude, que mal cheguei a tirar poucas gotas.
            Inflamada por esses fachos, incitada por tais desejos, a alma começa a pressentir, quebrado o alabastro, a suavidade do ungüento. Não é ainda o gosto, mas é já o cheiro.
            Por esse, a alma compreende quão suave seria experimentar essa pureza, cuja meditação a faz saber quanta alegria ela dá. Mas que fará ela?
            Ardendo ao desejo de possuí-Ia, não encontra em si como a pode ter.
            E quanto mais a procura, mais tem sede.
            Enquanto se dá à meditação, sua dor aumenta, porque ainda não sente a doçura que a meditação mostra existir na pureza de coração, mas sem a dar.
            Porque não cabe a quem lê nem a quem medita sentir tal doçura, se não recebe do alto (10 19,11) esse dom. Ler e meditar é comum tanto aos bons quanto aos maus, e os próprios filósofos pagãos encontraram, pelo exercício da razão, em que consiste, em suma, o verdadeiro bem.
            Mas, tendo conhecido a Deus, não o glorificaram como Deus (Rm 1,21) e, presumindo de suas forças, diziam: Venceremos graças à nossa língua, nossos lábios são nossos (Sl 12,5). Assim, não mereceram receber o que tinham podido ver. Perderam-se em seus pensamentos (Rm 1,21), e a sua sabedoria foi devorada (Sl 107,27)
            A sabedoria deles tinha as suas fontes no estudo das ciências humanas, e não no Espírito de sabedoria que é o único a dar a verdadeira sabedoria, isto é, a ciência saborosa que alegra e nutre, com inestimável sabor, a alma que a possui. É dela que foi escrito: A sabedoria não entrará na alma perversa (Sb 1,4).
            Esta procede só de Deus. E como o Senhor deu a muitos a missão de batizar, mas guardou só para si o poder e a autoridade de perdoar os pecados pelo batismo, o que levou João a dizer, por antonomásia e de modo preciso: É ele que batiza, assim também podemos dizer: É ele que dá sabor à sabedoria, e faz saborosa a ciência da alma.
            A palavra é dada a todos; a sabedoria do espírito, que o Senhor distribui a quem quer e quando quer (cf. 1 Cor 12,11), a poucos é dada.

Sunday, 19 October 2014

"The Ladder of Monks" letter from Guigo II to Gervasio - first part (in Portuguese)




A Escada do claustro
Carta de Dom Guigo, Cartuxo,
ao Ir. Gervásio, sobre a vida contemplativa

SCALA CLAUSTRALIUM, de Guigo II
Tradução de D. Timóteo A. Anastásio, O.S.B, antigo Abade do Mosteiro de São Bento. Bahia (BRASIL).

I
Ao seu dileto irmão Gervásio, o Ir. Guigo: o Senhor seja o seu deleite.
            Amar-te, irmão, é para mim uma dívida, pois foste tu que, primeiro, começaste a me amar. E sou obrigado a te responder, porque, anterior, tua carta me convida a escrever-te.
Proponho-me, assim, a te transmitir certas coisas que pensei sobre o exercício espiritual dos monges, a fim de que possas julgar e corrigir meus pensamentos a propósito de um assunto que tu melhor conheces por experiência, do que eu pela reflexão.
É justo que eu te ofereça, em primeira mão, as primícias do meu trabalho. Pois convém que colhas os primeiros frutos da recente plantação que, em louvável furto, subtraíste à servidão do Faraó e à mole servidão, e colocaste no exército em ordem de batalha, enxertando sabiamente na oliveira o ramo habilmente cortado da oliveira selvagem (cf. 81144,2; Ex 13,14; Ct 6,3.9 e Rm 11,17.24).

II - Os quatro degraus
            Um dia, ocupado no trabalho manual, comecei a pensar no exercício espiritual do homem. E eis que, de repente, enquanto refletia, se apresentaram a meu espírito quatro degraus espirituais: a leitura, a meditação, a oração, a contemplação.
            Esta é a escada dos monges, que os eleva da terra ao céu. Embora dividida em poucos degraus, ela é de imenso e incrível comprimento, com a ponta inferior apoiada na terra, enquanto a superior penetra as nuvens e perscruta os segredos do céu (cf. Gn 28,12).
            Estes degraus, assim como são diversos em nome e em número, também se distinguem pela ordem e o valor.
            Se alguém examina diligentemente suas propriedades e funções, o que produz cada um deles para nós, e como diferem e se hierarquizam entre si, achará pequeno e fácil por sua utilidade e doçura todo o trabalho e esforço que lhes dedicar.
            A leitura é o estudo assíduo das Escrituras, feito com aplicação do espírito.
            A meditação é uma ação deliberada da mente, a investigar com a ajuda da própria razão o conhecimento duma verdade oculta.
            A oração é uma religiosa aplicação do coração a Deus, para afastar os males ou obter o bem. A contemplação é uma certa elevação da alma em Deus, suspensa acima dela mesma, e degustando as alegrias da eterna doçura.
            Notada, assim, a descrição dos quatro degraus, resta-nos ver a função de cada um em relação a nós.

Friday, 17 October 2014

“Alone and Far Removed” by Audie Murphy (in English)

Alone and far removed from earthly care
The noble ruins of men lie buried here.
You were strong men, good men
Endowed with youth and much the will to live.
I hear no protest from the mute lips of the dead.
They rest: there is no more to give.

So long my comrades,
Sleep ye where you fell upon the field.
But tread softly please
March O'er my heart with ease.
March on and on,
But to God alone we kneel.