Tuesday 3 August 2021

Tuesday's Serial: "Turbilhão" by Coelho Neto (in Portuguese) - III

Capítulo IV

Resolvido a mudar-se, Paulo sahiu na segunda-feira muito cedo e, no botequim da Central, mexendo lentamente o seu café, recorreu annuncios do Jornal, tomando notas em um quarto de papel. Decidiu-se por duas casas «pequenas, pintadas e forradas de novo»: una na rua dos Invalidos, outra no cáes da Gloria.

Foi directamente á primeira. Era uma casinha atarracada, espremnida entre dois sobrados archaicos, sombria e triste. No telhado verdejavam largas folhas de fumo, descahidas sobre as calhas ferrugentas. Abrindo-a a custo, empurrou a porta, pesada e perra, e entrou como em um jazigo. Tresandava a tintas e, nas paredes de uma área interior, cujo ladrilho estava todo fendido, havia escaras de limo. O quintalejo, atravancado de taboas e de ripas, com uma poída escada apposta ao muro, tinha um monte de lixo a um canto e tortulhos gordos pelo chão úmido; e o ar escasso, que circulava por aquelas salas lôbregas, por aquelas alcovas escuras e acanhadas, era frio e tresandava o mofo.

Paulo fez um esgar de enjôo e tomou com a chave ao taverneiro vizinho, alegando falta de cômodos para a sua família. Seguiu a pé para o cais da Glória. Dava gosto andar com o frescor da manhã suave; e a distância era curta.

Foi indo devagar, enlevado na beleza de tão doce manhã, clara e tépida, concorrida de vozes alegres, sons festivos, movimento, todas as expansões da vida feliz. De repente, porém, deu com os olhos em uma mocinha à janela de uma casa. Lembrou-se da irmã e, assomado em súbito furor, estugou os passos, remordendo-se em surda revolta contra o mundo, contra todos e tudo - a irmã, que o forçava àqueles incômodos, que o expunha à irrisão; os vizinhos, os companheiros de trabalho, os colegas, todos... tudo...

Sentia-se mesquinho, como se fosse o único desgraçado no mundo; os próprios mendigos, que esmolavam, sorriam. Só ele andava com a alma denegrida, com o coração pesado, arrastando aquela vergonha.

Falava baixinho, em solilóquio, e, se descobria alguém às janelas, retraía-se, disfarçava procurando cigarros nos bolsos, e seguia; logo adiante, porém, reentrava nos cuidados sombrios.

Quando chegou ao Largo da Lapa, viu um quintanista, o Albergaria, parado à esquina, lendo um jornal, à espera do bonde da Misericórdia. Evitou-o, atravessando o largo, d'olhos altos, com medo de que ele o chamasse.

Foi timidez, a princípio, logo, porém, transformou-se em indignação: carregou o sobrecenho e pôs-se a murmurar: "Mas, afinal, que culpa tenho eu? Sou, então, responsável pelas loucuras de minha irmã? Se eu tivesse um irmão assassino ou ladrão, havia de responder pelos crimes que ele cometesse? não. Então por que me hei de vexar do que fez Violante? Outras têm feito o mesmo e os parentes andam por aí muito calmos, muito empertigados, com mais orgulho, talvez, e até com prestígio. E minha mãe, coitada! que culpa tem ela?" Outras idéias, porém afugentaram a lembrança da irmã perdida. Pôs-se a recordar, com arrependimento, a cena da véspera com a mãe: "Eu sou assim mesmo, mas ela bem sabe que não é por maldade que faço essas coisas. Fico nervoso, irrito-me... É gênio..."

Ia fazendo a volta. Cigarras chirriavam nas copas das árvores do Passeio. Súbito a vista alargou-se, desafrontada e risonha, e o morro da Glória apareceu com a sua igreja branca, entre palmeiras. O casario alvejava à sombra das árvores frondosas, plantadas, talvez, quem sabe! pelo ermitão da lenda. A beira da praia uma chaminé alta avultava, esguia como um obelisco, e o mar calmo, espelhento, de um brilho quente, tremia ao sol, em arrepios claros como aço em fusão.

À entrada da barra, os fortes eram duas longínquas manchas cinzentas. Villegaignon resplandecia solitária, e cerúleas, como fechando o horizonte, as montanhas, polvilhadas d'ouro, avultavam em muralha imensa com ameias e torres, cintando a cidade. Navios ancorados, negros, com toldos rasos, pareciam dormir, como grandes sáurios; num deles as velas subiam abrindo-se ao sol. Lanchas iam e vinham, cruzando-se que nem formigas, canoas zimbravam na mareta levantada pelas hélices, e uma draga muito alta, isolada, parecia um louva-a-deus colossal.

Voltou-se para a esquerda - lá estava o terraço do Passeio, com gente debruçada à muralha a ver os banhistas na praia, ou nadando a fortes braçadas e, mais longe, um zimbório, a ponta do Arsenal, o Castelo com o seu mosteiro. O que, porém, o deteve em êxtase foi o espetáculo alegre das gaivotas voando, adejando, pousando n'água, balouçando-se maciamente na onda à espera do peixe e, nos postes fincados, restos da antiga ponte, destruída pelas grandes ressacas, outras se iam ajuntando e, vistas de longe, alvas, imóveis, eram como uma vegetação de cogumelos brancos pululando na podridão dos lenhos salitrados.

A casa anunciada ficava ao lado do jardim de um chalé discreto, que se escondia entre folhagem, com mistério; mesmo diante da porta havia uma árvore, com o tronco protegido por um embrechado de madeira. A chave estava na casa contígua, e foi uma mulher loura, gorda, de fisionomia impassível de boneca, quem lha deu depois de o examinar com um olhar fatigado e vazio.

Paulo simpatizou com a casa, vendo-a em tão sossegado recanto, com poucos vizinhos, olhando para o mar vasto e para o céu largo.

Entrou. Estava limpa e era alegre, e se não havia grande claridade, a luz era bastante para a vida e para o trabalho.

Ao fundo, no quintalejo seco, cresciam roseiras anêmicas, e uma esfumada banqueta acompanhava o muro, sobre o qual um sabugueiro do jardim vizinho derramava a ramaria ramilhetada de florinhas miúdas.

Paulo distribuiu os aposentos - a sua alcova na sala de visitas; a da sala de jantar para a mãe; um pequeno quarto com janela sobre a área, para Felícia, e ainda sobrava um, amplo e claro, com um papel novo de ramagens. Deteve-se diante dele a olhar, meneando com a cabeça desconsoladamente.

Pensando na irmã, lembrou-se de que não encontrara nos jornais a mais ligeira referência ao caso - lera-os todos: nem palavra. Era evidente a indiferença do delegado. Se ele houvesse tomado uma nota ligeira, a reportagem, que tudo esmerilha, não a teria perdido, e bordaria o drama com os recamos costumeiros e muita sensualidade, apelando, em nome da moral ofendida, para a lei que ressalva a honra e obriga os devassos a repararem as faltas.

Revoltou-se: "Vão ver que o miserável conhece o canalha... Talvez até o proteja... Súcia! É assim mesmo." E, no seu ódio, desejava que o escândalo houvesse irrompido, alastrando o noticiário com pormenores sitis, informes íntimos: o retrato de Violante, o de Dona Júlia, o dele e elogios, muito literários, à honestidade da família exemplar, referências ao pai, um herói da Pátria e a narração da sua trabalhosa e angustiada noite, por chuva e vento, à procura da seduzida.

"Qual! tivesse eu fortuna... E assim mesmo."

Por fim, nervoso, fincando a bengala no soalho, voltou-se e foi examinar a cozinha. Achou-a limpa, com um fogão novo, pia forrada de zinco, e prateleiras.

"Ora! que se arranje. Eu é que não hei de estar a amofinar-me por causa dela. Não faltava mais nada..." E sentiu-se aliviado com o silêncio dos jornais. "Talvez que o delegado houvesse ocultado a notícia por delicadeza, em atenção a ser ele da imprensa... Caminhou para a sala, Vagaroso, pensativo, passando a mão pelas paredes. Esteve um momento indeciso, batendo de leve com a ponta do pé, a pensar na mudança. Súbito, com egoísmo, exclamou: "Melhor! viveremos mais tranqüilos."

Saiu, fechou a porta e ia bater à casa da vizinha, quando viu vir um comboio de bondes. Sentiu inexplicável vexame achando-se ali sozinho, diante daquela multidão que descia, e para que os passageiros não o vissem de face, deu as costas à rua e ficou-se a contemplar a casa, a olhar os escritos até que os bondes passaram.

Bateu à porta da vizinha e a loura, reaparecendo, disse-lhe, numa aravia guaiada - "que a casa estivera alugada por cem mil-réis, mas a senhoria, por causa das obras que fizera, pedia então cento e vinte". Agradeceu as informações e seguiu.

Numa casa da esquina, com o cavalete junto à janela, um homem desenhava o retrato de uma criança, e Paulo, devassando, de relance, o interior, viu, pelas paredes, esboços a crayon, pequenas telas de gênero e uma paisagem.

A senhoria morava na Rua do Lavradio. Caminhou com pressa, receoso de que alguém o precedesse e, como o seu alfaiate prestava-se e dar-lhe a fiança, tratou a casa e, tornando à Rua Senador Pompeu, já levava no bolso o recibo das andorinhas que, no dia seguinte, de manhã, deviam fazer a mudança.

Foi com apreensiva tristeza que Dona Júlia ouviu a descrição minuciosa da nova residência, no cais da Glória, tão longe! Ela, que tanto insistira pela mudança, sentia-se, então, agarrada à casa. Parecia-lhe que se a deixasse nunca mais tornaria a ver a filha e, não sem timidez, contando com a revolta do filho, perguntou:

— E se Violante voltar... Como há de ser?

Paulo encarou-a mudo, brincando com as chaves e, como se não houvesse entendido a pergunta, repetiu em tom irônico:

— Se Violante voltar...

— Sim, confirmou a velha.

Houve um silêncio. Paulo por fim, encolhendo os ombros, esticando o beiço, sorriu desdenhoso:

— Mamãe ainda espera que Violante volte...

— Como não, meu filho? Onde há de ela ficar?

— Ora, mamãe. Cravando, então, os olhos na velha, disse resolutamente: Quem tem boca vai a Roma. Não saísse. Nós é que não podemos ficar aqui perseguidos pela crítica implacável dessa vizinhança bisbilhoteira até que a senhora Dona Violante se lembre de voltar.

Dona Júlia sussurrou:

— Eu tenho medo que ela chegue e encontre a casa fechada. É uma criança, não conhece a cidade. Que será dela então? Tu não pensas nisso?

— Eu penso, mas é em sair daqui quanto antes. Violante só voltará para casa, se voltar, trazida pela polícia ou pelo Mamede. Sozinha?! Vá esperando!

— Tu não queres que eu diga aos vizinhos...

— A senhora está louca? Para quê? Para rirem de nós?

— Então não sei como há de ser.

Calaram-se recolhidos em pensamentos opostos: Dona Júlia a imaginar a volta da filha: ela ali, à porta da casa fechada, a olhar o escrito, chorando, sem saber o destino dos seus; ele a fazer planos de vida calma naquela casa tranqüila.

Bateram, voltaram-se ambos e Dona Júlia chamou Felícia para ver quem era. A negra tornou em pontas de pés, cochichando: "É seu Fábio." Os dois levantaram-se à pressa caminhando para a sala, porque a negra espiara apenas, timidamente, pelas frestas da persiana, deixando o homem na rua, ao sol, com receio de que o estudante se revoltasse contra ela. Dona Júlia abriu a porta e um homenzarrão entrou limpando o suor que lhe escorria do rosto abrasado.

Alto e robusto, espadaúdo, com uma densa barba grisalha que lhe dava à fisionomia o ar expressivo de energia e doçura com que a Arte nos representa os patriarcas bíblicos, tinha, em contraste com o todo másculo, uma voz inesperadamente branda que surpreendia, saindo daquele peito forte, através da espessidão das barbas veneráveis. Logo que entrou, com o chapéu ainda à cabeça, um largo chapéu d'abas moles, o guarda-chuva debaixo do braço, estendeu as mãos ambas a Dona Júlia e a Paulo e, de olhos nela, perguntou, depois dum aceno da cabeça, franzindo a fronte: "Então que foi isso?" Dona Júlia, desabando os braços, encolhendo os ombros, baixou a cabeça e o velho, deixando o chapéu sobre a mesa, sentou-se declarando - "que só naquela manhã recebera a carta que ela lhe escrevera". E perguntou: "Mas quando foi?"

— No sábado, à noite, compadre.

O velho meneou com a cabeça; e, voltando-se para o estudante, indagou:

— Já foste à polícia?

— Na mesma noite.

— Então?

— Ora! o senhor bem sabe como aquilo é. Prometeram fazer tudo e ficou nisso...

— E não voltaste?

— Para quê?

— Como para quê? Que diabo, rapaz! Hás de ser sempre o mesmo descansado? Então é assim? A gente move-se, homem de Deus; e, se tu és o primeiro a mostrar indiferença pela causa, como queres que os estranhos se interessem por ela?

Dona Júlia, sentindo-se protegida, ousou falar.

— Eu disse isto mesmo, compadre.

— Aí vem a senhora... Eu fiz tudo: fui à polícia na mesma noite, com uma tempestade medonha, dei todas as informações ao delegado, não tenho culpa de que as nossas autoridades sejam relaxadas. Em Londres o homem já estaria preso.

— Qual Londres! - bramiu o velho, atirando os braços.

— Hei de ficar plantado na polícia dia e noite? Isto não! Estou com os exames à porta e não quero fazer figura de idiota.

— Filho, eu bem te conheço, - tornou o velho com calma; - deixa-te de histórias. Vens agora com exames, porque não tem convém andar por aí uns dias trabalhando. - Cruzou os braços: Mas então, queres tua irmã perdida? Não te vexas? Não tens pena de tua mãe? Eu sei: és um excelente rapaz enquanto não te incomodam. Meu amigo, quem quer vai. E por essas e outras que há por aí tanta miséria. A polícia auxilia, mas é preciso que a gente não a deixe, mesmo porque ela tem mais em que cuidar. Por que não dás um pulo até lá? Vai saber, anda. - Paulo fez um gesto de enfado e o velho insistiu: Tem paciência, é tua irmã, é teu sangue. E a vergonha não ficará só com ela. És o homem da casa. Vai, anda! não percas tempo. E agarra-te com o chefe, com os delegados.

— Pois sim: há de ser a mesma coisa: que vai mandar ver...

— Não há tal: os delegados atendem, estão lá para isso. Estás fatigado, compreendo, mas tem paciência. Dá um pulo à polícia, vê se podes falar ao chefe, conta-lhe tudo e estou certo de que ele não se há de limitar a dizer - que vai mandar ver. Deixa-te de histórias, eu também já andei por lá, sei como aquilo é. Move-te, move-te.

— Tem paciência, meu filho! - implorou a velha. Paulo levantou-se amuado:

— Eu também sou de carne.

— Também eu, - retorquiu Fábio em tom ríspido - e tenho cinqüenta e oito feitos, entretanto, meu rapaz, não sei que é descanso. O interesse é de todos vocês.

Paulo tomou o chapéu e a bengala e, arrebatadamente, sem mesmo falar ao velho, que enxugava a fronte suada, abriu a porta e saiu resmungando.

— Tem paciência, - insistiu Fábio - é assim: quem quer faz assim.

A porta, impelida pelo vento, abria-se devagarinho, rinchando, e Dona Júlia levantou-se para fechá-la. Sós, o velho Fábio externou-se francamente:

— Olhe, comadre, quer saber? Parecia que eu estava adivinhando isto; mais de uma vez, lá em casa, eu disse à Marta: "Aquilo não vai bem. Aquela menina não tem modos, não sai da janela, dando trela a quanto pelintra vê." Agora, que o caso está passado, eu digo a verdade: Marta não era lá muito pelas conversas de Violante com Cristina. Não dava a perceber para que a senhora não ficasse magoada, mas gostar, não gostava. E eu cheguei a falar, lembre-se bem, no dia dos anos do Tula. Era com todos, comadre... até com homens casados.

Dona Júlia suspirou, afirmando:

— Sim, o compadre falou... Mas que havia eu de fazer?

— Que havia de fazer?! Pois então a comadre não é mãe? Olhe, a Cristina é noiva, mas vá lá saber se eu a deixo um instante só com o noivo... E é um moço sério. Não, senhora; há sempre gente na sala com eles.

E, curvando-se, sentenciou com lentidão:

— Minha comadre - a ocasião faz o ladrão. Isso de moças solteiras é mais melindroso do que parece. - Engrossou a voz: E Violante? reunia aqui uma súcia de frangotes; era conversa com um, era risada com outro, afastando os moços sérios que a estimavam. De um sei eu que era doido por ela.

— O Fernando, da botica.

— Sim, senhora, o Fernando. Está começando a vida, mas é um rapaz de futuro. Ele disse-me, lastimando, que sempre que passava por sua casa via Violante à janela e rapazes batendo a calçada.

Cruzou os braços, perguntando com ar de nojo:

— Isso era decente? diga! era decente?

— Eu não sei! - suspirou a boa senhora.

— O rapaz recuou, porque, afinal, ele não a queria por passatempo, e a comadre compreende que, quando um homem pensa seriamente em casar, trata de estudar a moça, indaga, informa-se... E Violante? Não se zangue comigo, mas a senhora foi culpada em parte, isso foi. Amor não é isso. Eu quero muito à Cristina, mas nem por isso ando a passar-lhe a mão pela cabeça - quando é preciso, falo, grito, bato o pé e ninguém me contraria. Não, que não admito. Não vai casar? então...! Ainda depois de casada, se for preciso, lá irei dizer-lhe as verdades, mesmo diante do marido, porque o que eu quero é vê-la feliz. Mas sua filha, se a gente queria dar-lhe um conselho, saltava logo com duas pedras na mão. Outro - esse rapaz.

A velha levantou os olhos assombrados:

— Sim senhora, o Paulo. Excelente menino, mas um pouco atrevido... e parece que não tem ainda o juízo assente: são dez, vinte idéias por dia; quer ser tudo, não é nada. Em quantas academias tem ele andado? Já quis ser engenheiro, deixou; pensou em meter-se na marinha, andou a estudar para guarda-livros, e está agora às voltas com a medicina. Esse há de ser médico quando eu for frade. Não é assim, tenha paciência. Não é assim.

— Mas ele estuda, compadre; eu vejo. Fica, às vezes, até de madrugada em cima dos livros.

— Que tem isso? Estuda e é inteligente, mas à primeira dificuldade, recua desanimado. Não, senhora - é para diante! Quem quer ser alguma coisa na vida queima as pestanas e firma-se numa idéia: é isto porque é! Ele não - é só orgulho! - e encheu as bochechas, bufando. - Ninguém tem o direito de lhe dizer uma palavra que logo se não espinhe. Se um professor faz uma observação, fica de trombas, não volta à escola, e há de viver assim: daqui para ali, sem firmar-se em uma carreira. Também já não é uma criança; com vinte anos há por aí muito pai de família.

— E ele, então, não trabalha, compadre?

— Trabalha, trabalha... mas é um mês aqui, um mês ali. A propósito: ainda está no jornal?

— Ainda.

— Pois olhe: admira. Que melhor emprego queria ele que o de amanuense na Secretaria do Interior? Não fez concurso? Não foi classificado?

— Diz que não tem jeito para emprego público.

— Ah! não tem jeito?! O que ele não tem é cabeça, como a irmã. Agora mesmo - no primeiro momento fez, aconteceu, andou por aí com chuva, mas já desanimou, nem se preocupa mais com o caso. Não é assim, comadre; não é assim. Quem quer alguma coisa, trabalha; sem persistência nada se faz; a senhora bem sabe, porque tem lutado para viver. Mas é preciso ter o juízo assente. Com a menina foi o mesmo: vontades, vontades, e aí está em que deram. Então, Violante não podia cuidar um pouco da casa, arrumar o seu quarto? coser a sua roupa? Eu nunca vim aqui que a encontrasse trabalhando - ou estava dormindo ou lendo, recostada na cadeira de balanço, como uma princesa. Nem os ticos vivem assim, comadre; nem os que têm... Enfim, não quero amofíná-la mais; vamos ver se ainda se pode fazer alguma coisa. É no que dão as condescendências. Quem quer belas flores e belos frutos poda as demasias da planta. É assim.

Levantou-se.

— Não quer uma xícara de café, compadre?

— Nada, obrigado.

Apanhou o chapéu e o guarda-chuva.

— E a comadre não desconfia de algum dos tais tipos?

— Eu nem os conheço; vivia sempre lá para dentro, metida comigo, no meu trabalho.

— E ela, aqui esparrimada à janela, de prosa.

Deu d'ombros, afundando o chapéu na cabeça; e, d'olhos altos:

— Mas que loucura da rapariga!

E ficou um momento a olhar o teto, meneando com a cabeça:

— Bem, adeus, comadre. Pois eu vou por aí, e se conseguir saber alguma coisa, dou um pulo até cá.

— Nós vamos mudar-nos.

— Quando?

— Amanhã.

— Para onde?

— Para o cais da Glória. Paulo achou lá uma casinha. O senhor compreende: não podemos ficar aqui - vem um, vem outro, perguntam...A gente tem vergonha.

— É natural, é. Pois é isso: faça o rapaz mover-se.

Caminhou até a porta e, voltando-se:

— Olhe, nós lá estamos... sem cerimônia. Para os de casa, como a comadre, há sempre lugar. Sem cerimônia.

— Obrigada, compadre; eu sei.

O velho escancarou a porta e, já na rua, repetiu:

— Se conseguir saber alguma coisa dou um pulo até cá.

— Será favor.

— Adeus. E não se amofine.

— Lembranças a todos.

— Obrigado.

E foi-se pigarreando.

 

Capítulo V

Com o rosto encostado á persiana, D. Julia deixou-se estar esquecida, o olhar perdido, pensando nas palavras do velho Fabio que, só então, depois de vinte e cinco annos de amizade, porque o marido levára, como um dote, aquelle coração, cuja Londade vivia a apregoar emittia a sua opinião sincera sobre «os pequenos» que, a bem dizer, lhe haviam crescido ao collo. Não estimara, então, a afilhada, tinha-a em má conta, achando-a indigna de conversar com Christina, a innocente e triste Christina, sempre chorosa e presaga, com idéas de convento e de morte. E por que? que havia feito Violante para que assim a julgassem? Ah! infeliz de quem se vê ao desamparo! Se o marido fosse vivo o compadre não lhe diria, com certeza, aquellas duras palavras sobre os filhos; não, não lh’as diria,

Ah! o bom tempo da ventura - ela moça e contente, caminhando na vida sem cuidado, à sombra do esposo, com os dois filhinhos à frente, de mãos dadas, rindo, gárrulos, e Fábio a gabá-los, achando-os lindos, carregando-os de brinquedos, empanturrando-os de doces. levando-os aos cavalinhos com a Cristina, sempre triste, doentinha, chorosa. Ah! o bom tempo!

Então era ele quem pedia as crianças, quem as levava para a sua casinha, não fazendo distinção entre elas e a filha, sempre abaetada, a tossir, com o corpinho abotoado em furúnculos. Mas com a morte do esposo todas as boas amizades haviam desertado, o próprio Fábio parecia querer abandoná-la justamente no momento mais doloroso. Pobre dela! Não houvesse ele arranjado a vida conseguindo comprar a chácara do Engenho Novo, que ele não era assim antes, isso não era.

Repentinamente, numa transição, como arrependida daqueles injustos pensamentos, suspirou: Pobre compadre! Sim, lá ia ele, velho, bater a cidade por causa de Violante. Ele não falava por mal, seu gênio era aquele: dizia tudo que lhe vinha à boca, com uma franqueza impetuosa e rude, como se estivesse com raiva, mas lá por dentro o coração estava a chorar e, não raro, nos momentos em que mais furioso se mostrava, enchiam-se-lhe os olhos d'água e, para que o não julgassem um fraco, vociferava ainda mais, gesticulando desatinadamente. Já no tempo do marido era aquilo - a mesma aspereza, os mesmos ímpetos, dominando com a superioridade de um irmão mais velho e o outro não se zangava, ouvia calado, dizendo sempre: "O Fábio tem razão... O Fábio tem razão." Na moléstia do Paulo, quando a febre o prostrou entre a vida e a morte, desenganado pelos médicos, quem velara à sua cabeceira com maior carinho do que ele? E onde fora seu filho ganhar forças novas em convalescença tranqüila e animada senão em casa dele? Não, pobre compadre! Deixou a janela e, lentamente, foi caminhando para a sala de jantar. Felícia dobrava a toalha da mesa quando ela, encostando-se a uma cadeira, perguntou:

— Tu vais comigo, Felícia?

— Para onde? Para onde é que sinhá vai?

— Paulo encontrou uma casa no cais da Glória. Vamos para lá.

— Eh! eh! - fez a negra. - Tão longe!

— Qual longe! Então é longe?

A negra ficou algum tempo imóvel, a pensar, com um sorriso estampado no rosto macilento; por fim disse, resignada e submissa:

— Sinhá indo, que é que eu hei de fazer? - Depois, baixando o olhar, a passar a mão pela toalha dobrada, murmurou: Aquele mar ali perto é que é...

— Que tem o mar?

A negra levou, de repente, as mãos juntas aos olhos e pôs-se a chorar baixinho, pensando no filho.

— Deixa disso, criatura, está com Deus... mais feliz do que nós, já não sofre. - E, afagando-a, a boa senhora, cujos olhos se encheram d'água, procurou distraí-la: Olha, vamos aproveitar o tempo, arrumando alguma coisa. - De novo as palavras do velho Fábio ressoaram-lhe no coração dolorido: "Indigna de estar ao lado de Cristina..." Um sorriso triste aflorou-lhe aos lábios e, arrastadamente, caminhou para o quarto. Súbito, porém, detendo-se, agarrou a cabeça a mãos ambas, exclamando: "Pois, meu Deus! é possível? É possível mesmo que eu fique sem minha filha?!"

De vez em quando a lembrança de Violante passava-lhe assim pelo espírito, como um relâmpago, e ela quedava inerte no meio da casa, tolhida, esquecida de tudo, a olhar sem ver, em verdadeira inibição. "Pois é possível que ela não volte?" Meneando com a cabeça, entrou no quarto da filha, deserto e triste como o seu coração.

Até à noitinha Dona Júlia e a negra andaram em arrumação: empalhando a louça, entrouxando a roupa, retirando quadros das paredes e a casa, desnudando-se, tornava-se ainda mais triste, com um aspecto lúgubre de miséria: os móveis em desordem, montes de coisas pelos cantos, rolos de colchões, cartas esparsas, velhas fitas empoeiradas, retalhos, folhagens secas. O gato, sobressaltado, rondava a casa miando, de canto em canto, sobre um móvel, sobre outro, tudo farejando com desconfiança.

Felícia saía ao quintal para espanar os quadros, ia e vinha opondo-se a que a ama carregasse pesos. "Que ela não podia; deixasse." E, ligeira, ia adiantando o serviço. Dona Júlia, d'olhos no chão, recolhia, catava pequeninas coisas - um laço de fita, uma madeixa ruça, um cromo: eram lembranças da filha. Pobre Violante! Se ela ali estivesse, que alegria!

Com o trabalho não deram pelo cerrar da noite e foi Felícia quem disse:

— Parece que nhonhô não vem hoje jantar...

— É verdade! - exclamou a velha surpreendida, com os olhos no relógio.

Eram quase sete horas; escurecia; já andavam a acender os lampiões. Impressionada ficou algum tempo a olhar os ponteiros e foi ainda a negra quem interrompeu o silêncio, acendendo o gás:

— Quem sabe se ele não encontrou Nhá Violante, sinhá?

— Hem?!

— Ele que não vem até agora...

— É!... E o compadre foi também. Quem sabe se andam juntos?! Ah meu Deus!... Se eles entrassem agora com ela? Mas qual! não tenho esperança. Andam por aí quebrando a cabeça, coitados! Se ela pudesse de vir já tinha vindo. Enfim... há de ser o que Deus quiser.

— A Deus nada impossível, minh'ama; - consolou a negra levando, a grandes vassouradas, um monte de papéis para a cozinha. - Eu não sei, mas meu coração me diz que Nhá Violante ainda volta... minh'ama há de ver.

— Deus te ouça.

— Onde é que ela há de ficar, uma moça como ela? Minh'ama há de ver, meu coração não falha.

Foi num canto da mesa que Dona Júlia, a contragosto, tomou a sopa e mastigou uma febra de carne, suspirando, com o ouvido atento aos menores ruídos. Gente que passava na rua, falando, fazia com que ela voltasse a cabeça ansiosa. Foi várias vezes à janela, entreabriu-a e ficou à espreita, alongando os olhos pela rua deserta. Parecia, às vezes, distinguir o filho além!

Um casal, voltando a esquina, sobressaltou-lhe o coração; cravou os olhos... Não, não eram eles. As lâmpadas da Central espalhavam uma claridade de luar na rua tranqüila. Dançavam na vizinhança, vozes marcavam uma quadrilha, vibravam gargalhadas. Ah! Violante...

Tamborinando no tabuleiro, rompeu, cantando, um vendedor de roletes; apareceu na esquina a chamar a freguesia e a baquetar com força. Os trens rodavam e um bonde, quase vazio, passou vagaroso.

Onde andaria o Paulo? Iam as horas correndo: oito, nove, dez. A venda da esquina fechou-se e a claridade lívida da calçada sumiu-se. De quando em quando ela ia espreitar pelas frestas da janela, aflita. Que terá havido? Que terá acontecido, meu Deus! Eram onze e meia quando bateram à porta.

— Quem é?

— Abra!

Com mais pressa do que lhe permitia o corpo levantou-se da cadeira e precipitou-se; antes, porém, de abrir espiou pelas rexas da persiana e reconheceu o filho. Abriu. Paulo entrou impetuosamente, num arremesso de empurrão. A pobre velha, alarmada, perguntou, querendo ampará-lo:

— Que é isto, meu filho?

Vendo-o, porém, à luz, demudado, oscilando, d'olhos muito lânguidos, como amortecidos de sono, ficou pregada ao soalho contemplando-o, entre assombro e piedade. Paulo bateu com o chapéu sobre a mesa, deixou cair a bengala e, sem dizer palavra, encaminhou-se para o quarto, detendo-se à porta, hesitante. Repentinamente voltou-se e, com a voz pastosa, a língua frouxa, tropegou:

— Por enquanto nada. Andei com o Mamede... Nada.

Vacilando, levou a mão ao umbral da porta, curvado, com a cabeça pendida e ficou a arquejar surdamente, em angústia, com o cabelo escorrido à fronte, as pernas abertas. Dona Júlia adiantou-se, ia amparar-lhe a cabeça quando ele a repeliu, falando balofo:

— Deixe, mamãe... Deixe.

— Mas que é isto, meu filho? Pois tu?

— Que é? Já vem a senhora com os conselhos. Violante podia fazer tudo e... Pois eu não estou disposto a ouvir sermões, sabe? Chega, estou farto. - Revoltado, sem poder levantar a cabeça, que bombeava, continuou em voz fanhosa: E não quero mais histórias comigo. Não sou criança para estar a ouvir as grosserias do Sr. Fábio e de outros idiotas como ele. Eu ainda perco a cabeça e faço uma das minhas e vão depois dizer que sou isto e aquilo. - Deixou-se cair em uma cadeira, passando a mão pelos olhos lentamente, como se retirasse alguma coisa que os empanasse. - Andei como um animal... Estou que não posso comigo e ainda não jantei. Tudo por causa da senhora Dona Violante.

— Com quem andaste?

Ele levantou a cabeça com esforço:

— Com quem havia de ser? com o Mamede, pois não sabe?

— Logo vi... balbuciou a velha.

— E... já a senhora pensava que eu vinha da troça, que tinha andado em pândega por aí. Pois ainda não jantei. Que é que está olhando? É isto: ainda não jantei. Ah! pensa que bebi. Bebi mesmo, e depois? bebi! - E, furioso, às guinadas, meteu-se no quarto, resmungando. Dona Júlia ficou de pé no meio da sala, abatida, num desalento profundo, com os olhos na porta que o filho encostara. Por fim, animou-se a chamá-lo, e nunca a sua voz foi tão suave e tão terna: "Paulo, meu filho..."

— Que é? Não se importe comigo, deixeme: estou com muita dor de cabeça, e é tarde. Não se importe comigo; não preciso de cuidados, graças a Deus. No dia em que eu não tiver forças para trabalhar, meto uma bala na cabeça. Coragem não me falta. Ora se... e pouco se perde. Descanse, que a senhora não há de sofrer por minha causa. Ah! é um desespero! tudo é pra cima de mim, como se eu fosse um burro de carga. Pois sim, mas isto acaba.

Dona Júlia entrou no quarto. Paulo estava de pé junto à estante, a remexer nos livros; sentindo a mãe, voltou-se:

— Pode olhar, mas não me fale, tenha paciência... Eu não estou bom.

— Mas que queixas tem você de mim? Então eu sou má?

— Não sei... Eu é que não estou disposto a aborrecer-me. Que culpa tenho eu de que Violante tenha fugido de casa? Foi comigo que ela fugiu? Foi por minha causa? Fui eu que lhe abri a porta? Não - então por que me aborrecem? Já faço muito em andar por aí, de casa em casa, cansando-me atrás de uma vagabunda.

— Que é isto, Paulo?

— Vagabunda, sim! A senhora pode defendê-la como quiser. Ah! eu não esqueço o que me fazem, não esqueço. Quando estive doente deixaram-me aqui abandonado, como um cachorro, porque a senhora Dona Violante queria um vestido com pressa, não sei para que pagode. Eu podia morrer, contanto que ela brilhasse. Fiquei ardendo em febre, e mamãe lá foi acompanhar a senhora minha irmã, deixando-me com uma negra. Eu não esqueço... Mas não faz mal. Deus é grande!

Sentou-se na cama fazendo horríveis visagens, ansiando, abrindo e fechando a boca, aos haustos. Dona Júlia adiantou-se, enternecida:

— Tu estás sentindo alguma coisa, meu filho?

Ele engulhava. Saiu-lhe, a jorro, uma negra golfada da boca esparrimando-se no soalho, com um fétido ácido. A velha amparou-lhe a fronte viscosa, posto que ele, torcendo-se com agoniadas contrações e arrevessando, repelisse, já sem energia, e mão carinhosa. Nova golfada bolçou longe e Paulo, suando frio, pôs-se a gemer, dando com a cabeça, a comprimir o estômago, estorcendo-se.

Dona Júlia, com os dedos atarantados, desabotoou-lhe a camisa e as calças, deitou-o e correu, aflita, a buscar o vidro d'água sedativa. Na sala de jantar pensou em acordar Felícia, mas teve vergonha - não queria que ela visse o filho naquele estado. Entrou resolutamente no quarto e, como a prateleira dos remédios - a sua botica - ficava por trás dos santos, enquanto procurava, entre outros, o vidro que queria, foi fazendo uma oração ao Senhor dos Passos, frouxamente iluminado pela lamparina trêmula.

Quando tornou ao quarto, com o remédio, encontrou o filho de pé, agarrando a cabeça a mãos ambas, vacilando, como se a embriaguez se houvesse agravado. Dos olhos úmidos escorriam lágrimas, uma baba víscida descia-lhe pelos cantos da boca, copioso suor alagava-lhe a fronte, onde os cabelos caídos colavam-se, empastados.

— Por que não te deitas, meu filho? Vem cá, deita-te, descansa; isso passa.

E a boa velha foi conduzindo o filho, que cambaleava. Forçou-o brandamente a deitar-se, alteou os travesseiros, repousou-o. Ele, porém, sentia-se mal e, lutando, soergueu-se de novo, aflito, arquejando, debatendo-se. Repentinamente saltou da cama e, engulhando, ficou de pé no meio do quarto, d'olhos desvairados, a esmagar o estômago a mãos ambas, dobrando-se.

— Não posso mais. Eu morro! - rouquejou, deixando-se cair na cama e Dona Júlia, ajoelhando-se, arrancou-lhe as calças, sem que ele fizesse o menor movimento, e vendo-o tranqüilo, deixou-o estendido, com os pés quase tocando o chão, o ventre descoberto, aflando, como o de um peixe em agonia.

D'olhos fechados, Paulo sentia uma impressão estranha, como se fosse rolando no vácuo; a cabeça parecia estar cheia de nuvens densas, pesadas, que rolavam; o leito oscilava. Abriu os olhos - foi pior: os móveis moviam-se, sombras enormes bailavam fantasticamente nas paredes; uma zoada rumorejava-lhe aos ouvidos. Um cheiro acre, penetrante, agudo, chegou-lhe terebrantemente ao cérebro. Agitou-se nervoso e agarrou o pulso de Dona Júlia, repelindo-a; mas a boa senhora manteve-se junto dele, chegando-lhe ao nariz o lenço, encharcado d'água sedativa.

— Tem paciência, meu filho.

— Não, mamãe...

— Vais ficar bom.

— Não! - e debatia-se. Tentou erguer-se, mas oscilou para um lado, para outro e tombou no leito, gemendo, resmungando:

— O Fábio! pois sim... - Riu sardonicamente, escondendo o rosto no travesseiro para fugir ao lenço com que a mãe o perseguia. De novo, engulhando, ameaçou levantar-se: fincou os cotovelos na cama, conseguindo apenas soerguer a cabeça, que logo descaiu, pesada. - Já disse que não quero, mamãe. Por causa daquele diabo! Mas deixa estar. Eu bem dizia. A culpa é sua e dessa negra. - Teve um ímpeto de ira e abriu os olhos desmedidamente: Mas eu não a quero nem mais um dia aqui em casa, nem mais uma hora! Sem-vergonha! Era ela mesma que andava com as cartinhas de lá para cá. Foi ela que arranjou tudo. Mas deixa estar...!

Dona Júlia insistiu com o lenço, seguindo os movimentos repentinos do filho, que fugia com a cabeça, resmungando.

— Espera, Paulo.

— Não quero! Não teima...! Mau! Mau!

— Tem paciência, meu filho.

— Não quero! Olhe, mamãe...! ameaçou.

— Pois hás de ficar assim? - e, em segredo, para vencê-lo pelo vexame, disse: Olha Felícia...

— Que tenho eu com Felícia? Ela que venha cá! Por causa dessa sem-vergonha é que a nossa vida anda assim. Não quero mais essa negra aqui! Não faltam criadas.

A cefaléia, porém, ia-se-lhe tornando insuportável: sentia a cabeça como apertada num capacete de ferro, os olhos pareciam querer saltar das órbitas: as artérias, nas têmporas, latejavam com violência, túrgidas. Entrou a suar frio e, arrebatadamente, desnudou-se aos olhos compassivos da mãe que, sem vexame, comovida, não podendo retirar o lençol da cama, cobriu-o com uma toalha de banho que pendia do cabide. Depois, reunindo toda a sua força, agarrou-o pelo tronco e virou-o na cama, repousando-lhe a cabeça nos travesseiros altos. Estendeu-lhe as pernas e, sentando-se à beira da cama, ficou-se a acariciá-lo, chegando-lhe, de quando em quando, ao nariz, o lenço, que ia embebendo em água sedativa.

Por fim ele imobilizou-se, como se houvesse adormecido, mas sofria - o atordoamento da embriaguez dava-lhe desequilíbrios. As vezes parecia-lhe ir caindo, estendia os braços, procurava agarrar-se a alguma coisa, resmungava; mas, de novo, reentrava em inconsciência, até que, estirado, com um fio de baba a escorrer-lhe da boca, adormeceu, hirto e pálido, como morto.

Vendo-o a dormir, Dona Júlia saiu em pontas de pés e, instantes depois, tornou, silenciosa, com um balde e um pano e, de joelhos, pôs-se a esfregar o soalho, para que não ficasse vestígio daquela vergonha. No mesmo passo, cauto e sutil, saiu com o balde, voltando, pouco depois, ao seu posto. Sentou-se devagarinho na cadeira, encostando-se à mesa acumulada de livros, com os olhos no filho, ungindo-o de piedade e desviando-se, fugindo ao presente triste, achegou-se às recordações do passado.

Era ele pequenino, uma criança linda, de cabelos louros, meiga e inteligente. Como a casa era alegre com as suas travessuras, com o seu riso que vibrava! E ela, como era venturosa quando o tomava nos braços, doce peso que fazia subir sua alma ao Paraíso.

E a outra, que beleza de menina! E como andava garrida, sempre com figuinhas sob as rendas do vestido taful, para conjurar os olhares vesgos da inveja, amimada por todos, de colo em colo, de casa em casa.

Quando o marido chegava do quartel tomava os dois e, com um em cada joelho, punha-se a sacudi-los: upa! upa! e eles a rirem, e ela a rir com eles, enlevada.

Depois o colégio, as horas de saída, o regozijo em casa quando os dois apareciam gárrulos, contando o que haviam feito, todos os pequenos incidentes do dia escolar. Suspirou. Aquela ironia da memória alanceava-lhe o coração. Paulo voltou-se atirando um braço, encolhendo as pernas, com um resmungo. Ela pensou que ele houvesse acordado e, de manso, inclinando-se, examinou-o: dormia profundamente, respirando um hálito quente e azedo.

Bebendo! suspirou ela baixinho, de mãos postas, olhos em alvo, demandando o céu. Bebendo... meu filho, o meu Paulo! E sentou-se, de novo, muito quieta para continuar a dolorosa vigília, perseguida pelas reminiscências, falenas tristes da noite velha do passado que esvoaçavam em torno de sua alma. Já o via rapaz e a ela menina: ele concluindo os preparatórios, ela fazendo os primeiros bordados.

Noites tranqüilas para sempre perdidas quando, na sala de jantar, em volta da mesa, à luz de um lampião de querosene, na casa da Rua Haddock Lobo, Paulo estudava os seus verbos, Violante vestia as suas bonecas e ela, ao lado do marido, gozando aquela delícia honesta, ponteava, cerzia uma roupa ou discorria sobre as necessidades da casa, lembrando compras indispensáveis. Fora, no quintal, havia um jasmineiro, que avassalava o muro e perfumava a casa.

"Uhum! não..." regougou o rapaz voltando-se torcicolosamente e, como o seu rosto ficasse em plena claridade, Dona Júlia afastou a vela, pôs-lhe diante um livro como alparluz para que a sombra lhe protegesse o sono. Paulo pôs-se a mastigar, com estalidos secos e ela, sempre receosa, inclinava-se, d'olhos franzidos, acompanhando, vigiando aquele pesado torpor.

A chama da vela crescia, por vezes, e sombras dançavam na parede macabramente. Havia um roque-roque na sala próxima, um rato a roer e era o ruído único dentro da noite, porque as próprias máquinas viageiras dormiam, repousando das céleres corridas pelos campos largos, pelas serras ásperas.

Outras idéias surgiram no espírito atribulado da miseranda:

Onde andaria Violante? Pobrezinha! talvez sofresse num canto obscuro, guardada pelo homem perverso que a havia seduzido. Ah! sim, devia estar bem escondida para que a polícia, trabalhando como trabalhava, não lhe houvesse podido ainda descobrir o paradeiro.

E se houvesse sido assassinada? Lembrou-se de certa notícia que lera em tempo: o caso de um homem que, depois de haver cevado os seus desejos lúbricos, arrastara a sua vítima, pobre pastora, para uma charneca e a esfaqueara. Teve um arrepio e, d'olhos cravados na parede, ficou a olhar, a olhar...

Uma sombra passou e foi-se adensando, adensando... Círculos iriados dilatavam-se brilhando e desfaziam-se e toda a sua visão ficou reduzida àquelas miragens que, repentinamente, desapareceram.

A porta rangeu: voltou-se assustada e viu o gato entrar maciamente, em passos de arminho, com a cauda hirta. Dando por ela, o animal fez uma volta, corcoveado, esfregou-se-lhe nas pernas, resbunando; depois, fitando-a, com um surdo miado, formou o pulo e saltou-lhe ao colo, como a pedir carinho. Ela acolheu-o, afagou-o passando-lhe a mão pelo dorso flexuoso e macio; o animal, lambendo as patas, deixou-se ficar encolhido e, afundando a cabeça, adormeceu.

O sono chumbava-lhe as pálpebras, ardiam-lhe os olhos e, de quando em quando, a boca se lhe escancarava em largo bocejo ao qual, religiosamente, acudia com o polegar traçando uma cruz.

Mas como havia de o deixar? E se sobreviesse alguma coisa? Estava tão agitado... Foi, então, que se lembrou da enfermidade do filho. Noites de sofrimento e de apreensões: ele abrasado em febre, delirando, ela, sozinha, ainda com o luto pesado do marido, a acompanhá-lo, acudindo com os remédios ou a contar-lhe histórias quando, nas horas de acalmia, ele a chamava para junto do leito, muito humilde, com medo da morte.

Os bocejos amiudavam-se, sentia-se mole, estafada pelo dia de insano trabalho que tivera a desarrumar a casa para a mudança. Pensou em deitar-se no sofá da sala, mas o filho prendia-a. Um galo cantou longe, tristonhamente e, na Estrada, houve um longo chiar de vapor. Eram as viageiras que despertavam para a vida laboriosa. Não tardava a manhã.

Levantou-se lentamente, deixando o gato no chão. O animal corcoveou espreguiçando-se e, vendo que a senhora saía, acompanhou-a em passo sutil. Dona Júlia abriu a janela devagarinho. Uma brisa fresca soprava, o céu estava estrelado e o alvo clarão das lâmpadas da Estrada dava uma ilusão de luar.

Varriam a rua e, numa densa nuvem de pó, uma carroça arrastava-se, moviam-se vultos. "Também agora não vale a pena, disse ela; com pouco mais está aí o dia." E, debruçada, ficou a olhar fundamente, para muito longe, para o tempo d'outrora, o doce tempo!

Lá o via todo, feliz e calmo, lá longe, no irregressível. Dois homens passaram em mangas de camisa, fumando; um levava uma picareta ao ombro. 'Meu Deus..." e ficou-se nesta exclamação que resumia todo o seu espanto, porque parecia impossível que padecesse tanto, sendo tão virtuosa e tendo tamanha fé na Providência. "Não! também é demais!" E à janela, só, dentro do seu desespero, cercada pela noite negra e muda, pôs-se a falar gesticulando.

— Uma sai, vai-se embora; o outro, tão bom menino, faz isto, meu Deus... Que tenho feito eu?! Vejo por aí outras mães tão felizes com os seus maridos, com seus filhos... só eu, então, é que hei de ser a desgraçada? Por quê?

Baixou os olhos e viu a rua mais negra como se a noite houvesse recalcado a sombra. Ao longe havia ainda dois pontinhos luminosos, mas esses mesmos desapareceram - um primeiro, outro depois, e a treva ficou absoluta. "Por que, meu Deus?!" Passou o braço pelos olhos e, chorando, bebendo as lágrimas salgadas, ficou a tamborilar na janela, vazia, inconsciente, dolorosa, com os olhos voltados para o céu mudo.

Um silvo sacudiu-a e toda a rua abalou-se, como a um surdo fragor subterrâneo. Era um trem que partia e, como se nele fossem as suas derradeiras esperanças, rompeu a chorar e retirou-se.

No céu branco, madreperolado, estendiam-se os primeiros laivos d'ouro e púrpura, Ouvindo-lhe os passos na sala de jantar atravancada, Felícia levantou-se à pressa e, entreabrindo a porta do corredor, exclamou, surpresa:

— Uê, minh'ama, vosmecê já se levantou, tão cedo?!

— Então, respondeu Dona Júlia, abrindo a janela. Quando há que fazer...

Uma luz baça invadiu a sala, e o ar puro e fresco da manhã circulou. A velha tomou uma toalha e saiu ao quintal para lavar o rosto, enquanto a negra catava gravetos para acender o fogo. O gato ia e vinha, miando, a esfregar-se em Felícia, e o gaturamo pôs-se a cantar contente, vendo a primeira luz do sol no muro verdinhento e ouvindo o estalar das asas dos pombos.

Com a chegada das andorinhas, Dona Júlia resolveu acordar o filho e, pé ante pé, entrou no quarto. Paulo dormia profundamente; sacudiu-o:

— Paulo, estão aí as carroças. - Ele abriu os olhos, encarou-a pisco e voltou-se para a parede; ela insistiu: Estão aí as carroças.

— Ah! mamãe... A senhora também... nem me deixa descansar.

— Que queres, se os homens já estão aí para a mudança? Tem paciência.

Paulo resmungou, espreguiçando-se, e a velha saiu, para o deixar à vontade, indo falar aos homens que conversavam à porta, retirando das carroças barricas, velhas esteiras, trapos.

— Por onde quer que comece? perguntou um deles.

— Pela sala de jantar.

O homem foi entrando, dois outros acompanharam-no, e logo, tomando cadeiras, foram-nas conduzindo para a rua, enquanto um ruivo, de cócoras, assobiando, desarmava as camas.

A sala como que se tornava mais vasta à medida que se ia esvaziando. Apareceram buracos no rodapé, blindagens de lata nos ângulos. Um velho chapéu de boneca, empoeirado e roído, rolou imundo na sala. Dona Júlia apanhou-o, sacudiu-o e guardou-o veneradamente. Os homens discutiam, arrastavam móveis e foi um trabalho quando tiveram de transportar a mesa e a grande cômoda de jacarandá que, empurrada, ia deixando lustrosos vincos pelo soalho.

Paulo apareceu, por fim, abatido, os olhos muito vermelhos, mole. Dando com a mãe, baixou a cabeça, resmungou "a bênção", seguindo para o quintal. No banheiro, pôs-se a pensar nos horrores da véspera, com uma ponta de remorso. Arrependia-se de não haver ido à polícia. mas o Mamede... Começou a despir-se, pensando.

Fora à estalagem procurá-lo e encontrara Ritinha só, sempre dengosa, que o recebera toda risonha, com os seus dentinhos miúdos muito brancos e os seus olhos quentes como dois carvões acesos. Não o deixara sair: que esperasse um instante: Mamede não se demorava. E ele, vencido, dominado por aquela viçosa criatura de amor que, quando andava, bambaleando os quadris e balançando molemente os braços roliços, deixava no ar um cheiro acre de carne, um almíscar estonteante de mulher ardente, não teve ânimo de sair e ficou sentado até que ela, ouvindo as horas no lento relógio, veio do fundo da casa, penteando os cabelos lisos, dizer, com espanto: "Que, deveras, Mamede estava demorando muito. Ele não costumava ficar até aquelas tantas na rua".

Transpirava: no lábio superior brilhava um leve rorejo e, como levantava os braços, em curva, o casaco aparecia com duas manchas úmidas nas axilas. Paulo estava enervado: olhava, e Ritinha, como se percebesse que os eflúvios do seu corpo novo venciam o homem, quis, como uma fera lasciva, brincar com ele, atormentando-o, para gozo da vaidade, e sentou-se no banco, curvou o busto à frente, baixou a cabeça, atirando despejadamente os cabelos, que chegaram quase ao chão, fartos e luzidios, como a cauda de um ginete de raça.

A nuca morena aparecia úmida, e ela torcia os cabelos, torcia-os como se os espremesse. De repente atirou-os para trás e ergueu-se. O colo teso forçava o corpinho com esforço e, como ela enrolasse os cabelos no alto da cabeça, em torre, um grampo caiu. Paulo abaixou-se. apanhou-o - os dedos tocaram-se e a mulatinha, faceirando ao espelho, perguntou, como se falasse à própria imagem:

— O senhor é daqui?

— Sou, por quê?

— Por nada. Pensei que era do Norte. Parece muito com um moço que eu conheci na Paraíba.

— A senhora é da Paraíba?

— Com a graça de Deus. E não estou aqui por minha vontade. Pudesse eu que amanhã mesmo tomava um vapor e voltava para a minha terra.

— Então não gosta do Rio?

— Eu!? Posso lá com isto! Estou aqui porque não há remédio. Não me dou com esta gente. Uma terra de miséria. Deus me livre! Não estou acostumada com estas coisas.

— E Mamede?

Ritinha encolheu os ombros, dizendo, com um risinho:

— Mamede? Uai! Não sou cativa de ninguém. Mamede é daqui: que fique.

— Então não gosta dele?

— Não digo que não goste, não tenho queixa; mas o senhor sabe, a gente sempre tem saudade da terra em que nasceu, eu tenho lá os meus, e aqui? Se cair amanhã numa cama, como há de ser? Não conheço ninguém, não me dou com esta gente da estalagem, e então? É a Misericórdia, não é? Deus me livre! Eu só espero uma ajuda de Deus para voltar, tão certo como estar aqui falando com o senhor.

Houve um silêncio. Paulo arfava, as narinas batiam-lhe sôfregas. Veio-lhe à mente uma proposta, mas receou que a mulata, indignada, o denunciasse a Mamede. E ela continuava a torturá-lo sorrindo, suspirando, firmando-se ora em uma, ora em outra perna, com um movimento sensual das ancas, Felizmente o mulato apareceu, suado, esbaforido e, vendo-o, exclamou:

— Ah! vosmecê adivinha. Eu já ia mandar um recado lá em casa.

Paulo ergueu-se sobressaltado e, enquanto Mamede descansava o bengalão e o chapéu, perguntou, sôfrego:

— Achaste?

— Uai! Achei não, também não é assim, nhozinho. Estive com um cocheiro, que me deu umas luzes. Ele já teve uns toques da marosca. Foi um companheiro dele que, no sábado, à noite, saiu detrás do quartel com uma moça e um homem, tocando para a Tijuca. Eu agora ando na pista do bicho, e achando, nhozinho... Só se Deus mesmo não quiser.

Entrou a dar o seu plano de captura, e como Paulo, ao fim da tarde, se despedisse, o mulato, que fizera libações seguidas, opôs-se:

"Que não, ué? Havia de ir sem jantar? Isso não..." E saiu para ir à venda fazer umas compras. O curto instante da ausência de Mamede foi de sofrimento para o rapaz: o esto lascivo recrudesceu com maior intensidade, torturava-o uma estranha emoção de medo, faltava-lhe o hábito como em grande fadiga. Chegou a levantar-se, trêmulo, em pontas de pés, mas ficou parado, com as pemas bambas, os olhos cravados na cortina que encobria o corredor.

Um choro irritado de criança, vindo de fora, assustou-o. Sentou-se, nervoso, revoltado, com o sangue a referver-lhe nas veias. Ritinha pôs-se a cantar e ele, mordicando os lábios, meneou com a cabeça, arrepelou os cabelos com fúria, atirou um murro à coxa e voltou-se olhando para a latada.

O céu, violeta, tinha uma serenidade suave àquela hora da tarde. A gente da estalagem ia abandonando o trabalho, esvaziavam-se as tinas gorgorejando; recolhiam-se as roupas. Faziam-se aos pombais os pombos, e Ritinha, sempre a cantar como uma sereia lúbrica, a atraí-lo, a enfeitiçá-lo. Felizmente Mamede reapareceu... Paulo respirou, aliviado. O mulato abarcava embrulhos e garrafas e, logo que entrou, parando um momento no limiar, disse, risonho:

— Vosmecê há de desculpar a demora.

— Ora! - fez o estudante, complacente.

— A gente quando entra numa dessas vendas sempre encontra uns parceiros e cai na prosa mesmo que é serviço. Com licença, nhozinho. - Puxou uma cadeira, sentou-se, com o espaldar para a frente, as pernas escarranchadas. - Ah! meu senhor... Eu já não sei mesmo onde é que hei de ir cavar dinheiro - isso está preto! Vosmecê não é da Guarda Nacional, nhozinho?

— Eu? Não.

— Dê graças a Deus. É um gastar de dinheiro que não tem conta. A gente, para não ficar por baixo, vai dando e, quando menos pensa, tem soltado das mãos uma cobreira surda. Mas eu gosto; é uma cachaça. Quem foi soldado, vosmecê sabe, tem sempre a sua quedazinha pela farda, e, depois, os manos me deram um posto...

— Que posto?

— Vosmecê ainda não me viu fardado?

— Não.

— Sou alferes.

— Ah!

— Nhozinho, toma alguma coisa, disse de repente o mulato: um gole de vinho do Porto.

Paulo acedeu, e Mamede, num salto, desapareceu no corredor, voltou pouco depois, com a garrafa e dois copos.

— Isto não faz mal. A bebida, com conta, até faz bem - e despejou.

Beberam. E a conversa caiu em Violante. Mamede, confiado no cocheiro que levara o casal para a Tijuca, Paulo, a jurar que se encontrasse o homem, não respondia pela sua vida.

Várias vezes Mamede encheu os copos e, distraído ou excitado, o estudante ia bebendo, até que Ritinha, com um casaco branco enfeitado e rendas largas e uma saia vermelha, apareceu para arranjar a mesa, aliviando-a dos objetos que a atravancavam. E, enquanto ela estendeu a toalha clara e pôs os pratos e os talheres, as garrafas, a farinheira e a fruteira de louça esvazada, Paulo, com o olhar cúpido, acompanhou-a, e o mulato, como se percebesse o entusiasmo do estudante, disse, com orgulho:

— Mulata faísca, hem, nhozinho? Isto tem dengues...!

Lançou-lhe o braço à cintura, atraiu-a e ela, abandonada, lânguida, derreou-se sobre ele, deixando-se afagar, até que, coleando colubrinamente, livrou-se, atirando um muxoxo.

Servido o jantar, Ritinha sentou-se à cabeceira da mesa, entre os dois. Os copos não demoravam vazios, e Paulo já começava a sentir-se atordoado quando, ao fim do jantar, Mamede foi a um canto buscar a laranjinha.

O receio de parecer fraco à mulher desejada fez com que não rejeitasse o cálice que o mulato lhe oferecia - levou-o, porém, à boca, com repugnância e, como para livrar-se mais depressa daquele asco, virou-o e um trago.

O luar subia docemente, branqueando a latada. Um violão gemia perto e Mamede, romântico, enlevado naquela luz visitadora que lhe entrava pela casa, não permitiu que Ritinha acendesse o lampião, e, fora, ao alvor, ficaram conversando: a mulatinha a falar do seu Norte, a recordar as noites poéticas no Cabedelo, entre os coqueirais ou na roda sombria das ramas das gameleiras; Mamede, recordando os dias heróicos, as suas bravuras no Sul e os feitos do major; Paulo, a ouvir, num enternecimento mole, entre os filtros da lua e do perfume da Ritinha que, já íntima, roçava por ele, como a oferecer-se.

Ela não bebia, mas ia servindo cálices sobre cálices, e o estudante não se sentia com ânimo de os recusar até que o mulato, sem dizer palavra, saltou na sala, mergulhou no corredor e, pouco depois, sons trêmulos vieram do fundo da casa e ele apareceu experimentando o violão.

Sentou-se no batente da porta, picando as cordas, apertando as cravelhas; depois, esticando uma perna, pigarreou e, com os olhos no céu, numa voz afinada, pôs-se a cantar uma modinha. A mulata encostou-se ao umbral, com a cabeça para trás, pensativa; Paulo, cabisbaixo, ouvia.

Grilos guizalhavam e, mais longe, como se o misticismo da noite meiga influísse em todos os corações, vozes ternas cantavam em uníssono suavíssimo. Cães ladravam na montanha, onde as casas, muito brancas, como de puro mármore, destacavam-se da verdura que resplandecia alvejante e pelo céu limpo, serena, a lua caminhava magnífica, toda de neve.

Era tarde quando o estudante pediu licença para retirar-se, sentindo-se mal; todavia aceitou o último cálice que lhe ofereceu a mulata.

— A noite está fresca, não faz mal.

Bebeu a custo, arrevessando; apanhou o chapéu e a bengala e despediu-se. Ritinha pediu desculpas do jantar e Mamede quis acompanhá-lo ao portão da estalagem e, sem deixar o violão, lá foi com ele, guiando-o. Ao despedir-se deteve-o e, baixinho, num tom de mistério ofereceu-se para levá-lo a casa. Ele recusou.

O ar fresco da noite, longe de aliviá-lo, como que mais o excitava. O atordoamento tornava-se mais forte: por vezes cambaleava, ia de encontro às paredes. As pernas. ora amoleciam, bambas, ora pareciam retesadas e duras. Ia devagar, sentindo náuseas, a boca saburrosa, os olhos nublados. Caminhava instintivamente, dobrando esquinas - ora pela calçada, ora pelo meio da rua e foi com surpresa que reconheceu a Praça da Aclamação.

Lembrava-se vagamente de haver chegado a casa e do seu sofrimento.

Atirou uma cusparada a um canto e entrou no banheiro. Ao jorro d'água sentiu um choque violento e recuou espantado, com a mão sobre o coração. "Não bebo mais!" exclamou, como num juramento e, curvado, meteu-se sob o chuveiro.

Saturday 31 July 2021

Good Reading: "Com’arò Dunche Ardire" by Michelangelo Buonarroti (in Italian)

   Com’arò dunche ardire
senza vo’ ma’, mio ben, tenermi ’n vita,
s’io non posso al partir chiedervi aita?
Que’ singulti e que’ pianti e que’ sospiri
che ’l miser core voi accompagnorno,5
madonna, duramente dimostrorno
la mia propinqua morte e ’ miei martiri.
Ma se ver è che per assenzia mai
mia fedel servitù vadia in oblio,
il cor lasso con voi, che non è mio.

Friday 30 July 2021

Friday's Sung Word: "Faz-de-Conta que Eu Morri" by Noel Rosa (in Portuguese)

Faz de conta que eu não vivo
Faz de conta que eu morri
Que eu me encarrego de sumir
Faz de conta que a saudade
Essa dor que nos invade
Já deixou de existir

Amar para nós deve ser divertimento
E não o eterno ciúme que traz sofrimento
Desiste de me procurar
Não quero escutar declarações de amor
Pois de tanto chorar
Minha fisionomia já mudou de cor

Não quero lembrar esse mal que nos perseguiu
Nem quero lembrar uma jura que não se cumpriu
Não deves mais telefonar
Mandando me chamar
Porque não dou consulta
A quem escreve a carta
Sem botar o selo pra eu pagar a multa

You can listen "Faz-de-Conta que Eu Morri" sung by Caola here.

Thursday 29 July 2021

Thursday's Serial: "The Pentamerone, or the Story of Stories, Fun For The Little Ones” by Giambattista Basile. (tanslated into English by John Edward Taylor) - the end

 SUN, MOON AND TALIA.

It is a well-known fact, that the cruel man is generally his own hangman; and he who throws stones at Heaven, frequently comes off with a broken head. But the reverse of the medal shows us that innocence is a shield of fig-tree wood, upon which the sword of malice is broken, or blunts its point; so that, when a poor man fancies himself already dead and buried, he revives again in bone and flesh, as you shall hear in the story which I am going to draw from the cask of memory with the tap of my tongue.

There was once a great lord, who, having a daughter born to him named Talia, commanded the seers and wise men of his kingdom to come and tell him her fortune; and after various counsellings they came to the conclusion, that a great peril awaited her from a piece of stalk in some flax. Thereupon he issued a command, prohibiting any flax or hemp, or such-like thing, to be brought into his house, hoping thus to avoid the danger.

When Talia was grown up, and was standing one day at the window, she saw an old woman pass by who was spinning; and never having seen a distaff or a spindle, and being vastly pleased with the twisting and twirling of the thread, her curiosity was so great that she made the old woman come upstairs. Then taking the distaff in her hand Talia began to draw out the thread, when by mischance a piece of stalk in the flax getting under her fingernail, she fell dead upon the ground; at which sight the old woman hobbled downstairs as quickly as she could.

When the unhappy father heard of the disaster that had befallen Talia, after paying for this cask of Asprino[1] with a barrel of tears, he placed her in that palace in the country, upon a velvet seat under a canopy of brocade; and fastening the doors, he quitted for ever that place which had been the cause of such misfortune to him, in order to drive all remembrance of it from his mind.

Now a certain king happened to go one day to the chace, and a falcon escaping from him flew in at a window of that palace. When the king found that the bird did not return at his call, he ordered his attendants to knock at the door, thinking that the palace was inhabited; and after knocking for some time, the king ordered them to fetch a vinedresser's ladder, wishing himself to scale the house and see what was inside. Then he mounted the ladder, and going through the whole palace, he stood aghast and looked just like a mummy, at not finding there any living person. At last he came to the room where Talia was lying, as if enchanted; and when the king saw her, he called to her, thinking that she was asleep, but in vain, for she still slept on, however loud he called. So, after admiring her beauty awhile, the king returned home to his kingdom, where for a long time he forgot all that had happened.

Meanwhile Talia gave birth to little twins, one a boy and the other a girl, who looked like two little jewels; and two fairies appeared in the palace, who took care of the children, and placed them at their mother's breast. But once, when they wanted to suck, not finding the breast, they seized by mistake her finger, and went on sucking until they drew out the splinter. Thereupon she seemed to awake as from a deep sleep; and when she saw those little jewels at her side, she took them to her heart, and loved them more than her life; but she wondered greatly at seeing herself quite alone in the palace with the two children, and food and refreshment brought her by unseen hands.

After a time the king, calling Talia to mind, took occasion one day when he went to the chace to go and see her; and when he found her awakened, and with two beautiful little creatures by her side, he was struck dumb with rapture. Then the king told Talia who he was, and they formed a great league and friendship, and he remained there for several days, promising as he took leave to return and fetch her.

When the king went back to his own kingdom, he was for ever repeating the names of Talia and her little ones, insomuch that, when he was eating he had Talia in his mouth, and Sun and Moon (for so he named the children); nay, even when he went to rest he did not leave off calling on them, first one and then the other.

Now the king's wife had grown suspicious at her husband’s long absence at the chace, and when she heard him calling thus on Talia, Sun and Moon, she waxed wrath, and said to the king’s secretary, "Hark-ye, friend, you stand between Scylla and Charybdis, between the hinge and the door, between the axe and the block; tell me who it is that my husband is enamoured of, and I will make you rich; but if you conceal the truth from me, I'll make you rue it."

The man, moved on the one side by fear, and on the other pricked by interest, which is a bandage to the eyes of honour, the blind of justice, and an old horseshoe to trip up good-faith, told the queen the whole truth, calling bread bread and wine wine. Whereupon she sent the secretary in the king’s name to Talia, saying that he wished to see the children. Then Talia sent them with great joy; but the queen, with the heart of a Medea, commanded the cook to kill them, and serve them up in various ways for her wretched husband to eat.

Now the cook, who had a tender heart, seeing the two pretty little golden pippins, took compassion on them, and gave them to his wife, bidding her keep them concealed: then he killed and dressed two little kids in a hundred different ways. When the king came, the queen quickly ordered the dishes to be served up; and the king fell to eating with great delight, exclaiming, "By the life of Lanfusa[2] how good this is! Oh how excellent, by the soul of my grandfather!" And the queen all the while kept saying, "Eat away! for you eat what is your own." At first the king paid no attention to what she said; but at last, hearing the music continue, he replied, "Ay, I know well enough that what I eat is my own, for you brought nothing to the house." And at last getting up in a rage, he went off to a villa at a little distance to cool his anger.

Meanwhile the queen, not satisfied with what she had done, called the secretary again, and sent him to fetch Talia, pretending that the king wished to see her. At this summons Talia went that very instant, longing to see the light of her eyes, and not knowing that only the smoke awaited her. But when she came before the queen, the latter said to her, with the face of a Nero and full of poison as a viper, "Welcome, Madam Slycheat! are you indeed the pretty mischief-maker? are you the weed that has caught my husband’s eye and given me all this trouble? So so, you are come at last to purgatory, where I'll make you pay for all the ill you have done me."

When Talia heard this she began to excuse herself; but the queen would not listen to a word; and having a large fire lighted in the courtyard, she commanded that Talia should be thrown into the flames. Poor Talia, seeing matters come to a bad pass, fell on her knees before the queen, and besought her at least to grant her time to take the clothes from off her back. Whereupon the queen, not so much out of pity for the unhappy girl, as to get possession of her dress, which was embroidered all over with gold and pearls, said to her, "Undress yourself—I allow you." Then Talia began to undress, and as she took off each garment she uttered an exclamation of grief; and when she had stripped off her cloak, her gown and her jacket, and was proceeding to take off her petticoat, they seized her and were dragging her away. At that moment the king came up, and seeing the spectacle he demanded to know the whole truth; and when he asked for the children, and heard that his wife had ordered them to be killed, in revenge for his unfaithfulness, the unhappy king gave himself up to despair, exclaiming, "Alas then, I have myself been the wolf to my little lambs! Woe is me! why did not my veins recognize that they were the fountain of their blood? Ah, renegade Turk, what barbarous act have you done? but your wickedness shall be punished; you shall do penance without being sent to the Coliseum."

So saying he ordered her to be thrown into the same fire which had been lighted for Talia, and the secretary with her, who was the handle of this cruel game and the weaver of this wicked web. Then he was going to do the same with the cook, thinking that he had killed the children; but the cook threw himself at the king's feet and said, "Truly, sir king, I would desire no other sinecure in return for the service I have done you than to be thrown into a furnace full of live coals, I would ask no other gratuity than the thrust of a spike, I would wish for no other amusement than to be roasted in the fire, I would desire no other privilege than to have the ashes of a cook mingled with those of a queen. But I look for no such great reward for having saved your children, and brought them back to you in spite of that wicked creature who wished to kill them."

When the king heard these words he was quite beside himself; he appeared to dream, and could not believe what his ears had heard. Then he said to the cook, "If it is true that you have saved the children, be assured I will take you from turning the spit, and place you in the kitchen of this breast, to turn my will as you please, rewarding you so that you shall call yourself the happiest man in the world."

As the king was speaking these words, the wife of the cook, seeing the dilemma her husband was in, brought Sun and Moon before the King, who playing at the game of three with his wife and children, went round and round kissing first one and then another. Then giving the cook a large reward, he made him his chamberlain: and he took Talia to wife, who enjoyed a long life with her husband and children, acknowledging that

 

"He who has luck may go to bed,

And bliss will rain upon his head."

 

1.       A sour Neapolitan wine.

2.       The mother of Ferraù,—see Orlando Furioso, i. 30. The habit of swearing by an object the dearest to a person is quite Spanish, as is also the use of terms of kindred out of mere tenderness or familiarity.

 

NENNILLO AND NENNELLA[1].

Woe to him who thinks to find a governess for his children by giving them a stepmother! he only brings into his house the cause of their ruin. There never yet was a stepmother who looked kindly on the children of another; or if by chance such a one were ever found, she would be regarded as a miracle[2], and be called a white crow. But beside all those of whom you may have heard, I will now tell you of another, to be added to the list of heartless stepmothers, whom you will consider well deserving the punishment she purchased for herself with ready money.

There was once a good man named Jannuccio, who had two children, Nennillo and Nennella, whom he loved as much as his own life. But Death having with the smooth-file of Time severed the prison-bars of his wife's soul, he took to himself a cruel woman, who had no sooner set foot in his house than she began to ride the high horse, saying, "Am I come here indeed to look after other folks' children? A pretty job I have undertaken, to have all this trouble and be for ever teased by a couple of squalling brats! Would that I had broken my neck ere I ever came to this place, to have bad food, worse drink, and get no sleep at night! Here's a life to lead! Forsooth I came as a wife, and not as a servant; but I must find some means of getting rid of these creatures, or it will cost me my life: better to blush once, than to grow pale a hundred times; so I've done with them, for I am resolved to send them away, or to leave the house myself for ever."

The poor husband, who had some affection for this woman, said to her, "Softly, wife! don't be angry, for sugar is dear; and tomorrow morning, before the cock crows, I will remove this annoyance in order to please you." So the next morning, ere the Dawn had hung out the red counterpane at the window of the East to shake off the fleas, Jannuccio took the children, one by each hand; and with a good basketful of things to eat upon his arm, he led them to a wood, where an army of poplars and beech-trees were holding the shades besieged. Then Jannuccio said, "My little children, stay here in this wood, and eat and drink merrily; but if you want anything, follow this line of ashes which I have been strewing as we came along; this will be a clue to lead you out of the labyrinth and bring you straight home." Then giving them both a kiss, he returned weeping to his house.

But at the hour when all creatures, summoned by the constables of Night, pay to Nature the tax of needful repose, the two little children began to feel afraid at remaining in that lonesome place, where the waters of a river, which was thrashing the impertinent stones for obstructing its course, would have frightened even a Rodomonte. So they went slowly along the path of ashes, and it was already midnight ere they reached their home. When Pascozza, their stepmother, saw the children, she acted not like a woman, but a perfect fury, crying aloud, wringing her hands, stamping with her feet, snorting like a frightened horse and exclaiming, "What fine piece of work is this? Is there no way of ridding the house of these creatures? Is it possible, husband, that you are determined to keep them here to plague my very life out? Go, take them out of my sight! I'll not wait for the crowing of cocks and the cackling of hens: or else be assured that tomorrow morning off I'll go to my parents' house, for you do not deserve me. I have not brought you so many fine things, only to be made the slave of children who are not my own."

Poor Jannuccio, who saw the boat on a wrong tack, and matters growing rather too warm, immediately took the little ones and returned to the wood; where giving the children another basketful of food, he said to them, "You see, my dears, how this wife of mine—who is come to my house to be your ruin and a nail in my heart—hates you; therefore remain in this wood, where the trees more compassionate will give you shelter from the sun, where the river more charitable will give you drink without poison, and the earth more kind will give you a pillow of grass without danger. And when you want food, follow this little path of bran which I have made for you in a straight line, and you can come and seek what you require." So saying he turned away his face, not to let himself be seen to weep and dishearten the poor little creatures.

When Nennillo and Nennella had eaten all that was in the basket, they wanted to return home; but alas! a jackass—the son of ill-luck—had eaten up all the bran that was strewn upon the ground; so they lost their way, and wandered about forlorn in the wood for several days, feeding on acorns and chestnuts which they found fallen on the ground. But as Heaven always extends its arm over the innocent, there came by chance a prince to hunt in that wood. Then Nennillo, hearing the baying of the hounds, was so frightened that he crept into a hollow tree; and Nennella set off running at full speed, and ran until she came out of the wood, and found herself on the seashore. Now it happened that some pirates, who had landed there to get fuel, saw Nennella and carried her off: and their captain took her home with him, where he and his wife, having just lost a little girl, took her as their daughter.

Meanwhile Nennillo, who had hidden himself in the tree, was surrounded by the dogs, which made such a furious barking that the prince sent to find out the cause; and when he discovered the pretty little boy, who was so young that he could not tell who were his father and mother, he ordered one of the huntsmen to set him upon his saddle and take him to the royal palace. Then he had him brought up with great care, and instructed in various arts, and among others he had him taught that of a carver; so that, before three or four years had passed, Nennillo became so expert in his art that he could carve a joint to a hair.

Now about this time it was discovered that the captain of the ship who had taken Nennella to his house was a sea-robber, and the people wished to take him prisoner; but getting timely notice from the clerks in the law-courts, who were his friends, and whom he kept in his pay, he fled with all his family. It was decreed however, perhaps by the judgement of Heaven, that he who had committed his crimes upon the sea, upon the sea should suffer the punishment of them; for having embarked in a small boat, no sooner was he upon the open sea than there came such a storm of wind and tumult of the waves, that the boat was upset and all were drowned—all except Nennella, who having had no share in the corsair's robberies, like his wife and children, escaped the danger; for just then a large enchanted fish, which was swimming about the boat, opened its huge throat and swallowed her down.

The little girl now thought to herself that her days were surely at an end, when suddenly she found a thing to amaze her inside the fish,—beautiful fields and fine gardens, and a splendid mansion, with all that heart could desire, in which she lived like a princess. Then she was carried quickly by the fish to a rock, where it chanced that the prince had come to escape the burning heat of summer, and to enjoy the cool sea breezes. And whilst a great banquet was preparing, Nennillo had stepped out upon a balcony of the palace on the rock to sharpen some knives, priding himself greatly on acquiring honour from his office. When Nennella saw him through the fish’s throat, she cried aloud,

 

"Brother, brother, your task is done.

The tables are laid out every one;

But here in the fish I must sit and sigh.

For, O brother, without you I soon shall die!"

 

Nennillo at first paid no attention to the voice; but the prince, who was standing on another balcony and had also heard it, turned in the direction whence the sound came, and saw the fish. And when he again heard the same words, he was beside himself with amazement, and ordered a number of servants to try whether by any means they could ensnare the fish and draw it to land. At last, hearing the words "Brother, brother!" continually repeated, he asked all his servants, one by one, whether any of them had lost a sister. And Nennillo replied, that he recollected, as a dream, having had a sister when the prince found him in the wood, but that he had never since heard any tidings of her. Then the prince told him to go nearer to the fish, and see what was the matter, for perhaps this adventure might concern him. As soon as Nennillo approached the fish, it raised up its head upon the rock, and opening its throat six palms wide, Nennella stepped out, so beautiful that she looked just like a nymph in some interlude, come forth from that animal at the incantation of a magician. And when the prince asked her how it had all happened, she told him a part of her sad story, and the hatred of their stepmother; but not being able to recollect the name of their father nor of their home, the prince caused a proclamation to be issued, commanding that whoever had lost two children, named Nennillo and Nennella, in a wood, should come to the royal palace, and he would there receive joyful news of them.

Jannuccio, who had all this time passed a sad and disconsolate life, believing that his children had been devoured by wolves, now hastened with the greatest joy to seek the prince, and told him that he had lost the children. And when he had related the story, how he had been compelled to take them to the wood, the prince gave him a good scolding, calling him a blockhead for allowing a woman to put her heel upon his neck, till he was brought to send away two such jewels as his children. But after he had broken Jannuccio's head with these words, he applied to it the plaster of consolation, showing him the children, whom the father embraced and kissed for half an hour without being satisfied. Then the prince made him pull off his jacket, and had him drest like a lord; and sending for Jannuccio's wife, he showed her those two golden pippins, asking her what that person would deserve who should do them any harm and even endanger their lives. And she replied, "For my part, I would put her into a closed cask, and send her rolling down a mountain."

"So it shall be done!" said the prince: "The goat has butted at herself. Quick now! you have passed the sentence, and you must suffer it, for having borne these beautiful stepchildren such malice." So he gave orders that the sentence should be instantly executed. Then choosing a very rich lord among his vassals, he gave him Nennella to wife, and the daughter of another great lord to Nennillo; allowing them enough to live upon, with their father, so that they wanted for nothing in the world. But the stepmother, shut into the cask and shut out from life, kept on crying out through the bunghole as long as she had breath,

 

"To him who mischief seeks shall mischief fall;

There comes an hour that recompenses all."

 

The pleasure which Paola's story gave to all the listeners is not to be told; but it being now Ciommetella's turn to speak, on receiving the signal she began as follows.

 

1.       These names (Spanish Nino) signify ‘little boy’ and ‘little girl.’

2.       Se pò mettere lo spruoccolo a lo pertuso.

 

THE THREE CITRONS.

Well was it in truth said by the wise man, "Do not say all you know, nor do all you are able;" for both one and the other bring unknown danger and unforeseen ruin; as you shall hear of a certain slave (be it spoken with all reverence for my lady the Princess), who, after doing all the injury in her power to a poor girl, came off so badly in the court, that she was the judge of her own crime, and sentenced herself to the punishment she deserved.

The king of Long-Tower had once a son, who was the apple of his eye, and on whom he had built all his hopes; and he longed impatiently for the time when he should nd some good match for him, and hear himself called grandpapa. But the prince was so averse to marriage and so obstinate, that whenever a wife was talked of he shook his head and wished himself a hundred miles off, so that the poor king, finding his son stubborn and perverse, and foreseeing that his race would come to an end, was more vexed and melancholy, cast down and out of spirits, than a merchant whose correspondent has become bankrupt, or a peasant whose ass has died. Neither could the tears of his father move the prince, nor the entreaties of the courtiers soften him, nor the counsel of wise men make him change his mind; in vain they set before his eyes the wishes of his father, the wants of the people, and his own interest, representing to him that he was the full-stop in the line of the royal race; for with the obstinacy of Carella[1] and the stubbornness of an old mule with a skin four fingers thick, he had planted his foot resolutely, stopped his ears, and closed his heart against all assaults. But as frequently more comes to pass in an hour than in a hundred years, and no one can say, Stop here or go there, it happened that one day, when all were at table, and the prince was cutting a piece of new-made cheese, whilst listening to the chit-chat that was going on, he accidentally cut his finger; and two drops of blood, falling upon the cheese, made such a beautiful mixture of colours, that—either it was a punishment inflicted by Love, or the will of Heaven to console the poor father,—the whim seized the prince to find a woman exactly as white and red as that cheese tinged with his blood. Then he said to his father, "Sir, unless I have a wife as white and red as this cheese, it is all over with me: so now resolve, if you wish to see me alive and well, to give me all I require to go through the world in search of a beauty exactly like this cheese, or else I shall end my life and die by inches."

"When the king heard this mad resolution, he thought the house was falling about his ears; his colour came and went, but as soon as he recovered himself and could speak, he said, "My son, the life of my soul, the core of my heart, the prop of my old-age, what mad-brained fancy has made you take leave of your senses? Have you lost your wits? You want either all or nothing: first you wish not to marry, on purpose to deprive me of an heir, and now you are impatient to drive me out of the world. Whither, O whither would you go wandering about, wasting your life? and why leave your house, your hearth, your home? You know not what toils and perils he brings on himself who goes rambling and roving. Let this whim pass, my son; be sensible, and do not wish to see my life worn out, this house fall to the ground, my household go to ruin."

But these and other words went in at one ear and out at the other, and were all cast upon the sea; and the poor king, seeing that his son was as immoveable as a rook upon a belfry[2], gave him a handful of dollars, and two or three servants; and bidding him farewell, he felt as if his soul was torn out of his body. Then weeping bitterly, he went to a balcony, and followed his son with his eyes until he was lost to sight.

The prince departed, leaving his unhappy father to his grief, and hastened on his way through fields and woods, over mountain and valley, hill and plain, visiting various countries, and mixing with various peoples, and always with his eyes wide awake to see whether he could nd the object of his desire. At the end of several months he arrived at the coast of France, where, leaving his servants at an hospital with sore feet, he embarked alone in a Genoese boat, and set out toward the Straits of Gibraltar. There he took a larger vessel and sailed for the Indies, seeking everywhere, from kingdom to kingdom, from province to province, from country to country, from street to street, from house to house, in every hole and corner, whether he could find the original likeness of that beautiful image which he had pictured to his heart. And he wandered about and about, until at length he came to the Island of the Ogresses, where be cast anchor and landed. There he found an old old woman, withered and shrivelled up, and with a hideous face, to whom be related the reason that had brought him to that country. The old woman was beside herself with amazement when she heard the strange whim and the fanciful chimera of the prince, and the toils and perils he had gone through to satisfy himself; then she said to him, "Hasten away, my son! for if my three daughters meet you, I would not give a farthing for your life; half alive and half roasted, a frying-pan would be your bier and a belly your grave. But away with you as fast as a hare! and you will not go far before you find what you are seeking."

When the prince heard this, frightened, terrified and aghast, he set off running at full speed, and ran till he came to another country, where he again met an old woman, more ugly even than the rst, to whom he told all his story. Then the old woman said to him in like manner, "Away with you! unless you wish to serve for a breakfast to the little ogresses my daughters; but go straight on, and you will soon nd what you want."

The prince, hearing this, set off running as fast as a dog with a kettle at its tail; and he went on and on, until he met another old woman, who was sitting upon a wheel, with a basket full of little pies and sweetmeats on her arm, and feeding a number of jackasses, which thereupon began leaping about on the bank of a river and kicking at some poor swans. When the prince came up to the old woman, after making a hundred salaams[3], be related to her the story of his wanderings; whereupon the old woman, comforting him with kind words, gave him such a good breakfast that he licked his fingers after it. And when he had done eating, she gave him three citrons, which seemed to be just fresh gathered from the tree; and she gave him also a beautiful knife, saying, "You are now free to return to Italy, for your labour is ended, and you have what you were seeking. Go your way therefore, and when you are near your own kingdom, stop at the first fountain you come to and cut a citron. Then a fairy will come forth from it, and will say to you, 'Give me to drink!' Mind and be ready with the water, or she will vanish like quicksilver. But if you are not quick enough with the second fairy, have your eyes open and be watchful that the third does not escape you, giving her quickly to drink, and you shall have a wife after your own heart."

The prince, overjoyed, kissed the old woman's hairy hand a hundred times, which seemed just like a hedgehog's back. Then taking his leave he left that country, and coming to the seashore sailed for the Pillars of Hercules, and arrived at our Sea; and after a thousand storms and perils, he entered port a day's distance from his own kingdom. There he came to a most beautiful grove, where the Shades formed a palace for the Meadows, to prevent their being seen by the Sun; and dismounting at a fountain, which with a crystal tongue was inviting the people to refresh their lips, he seated himself on a Syrian carpet formed by the plants and flowers. Then he drew his knife from the sheath and began to cut the first citron, when lo! there appeared like a flash of lightning a most beautiful maiden, white as milk and red as a strawberry, who said, "Give me to drink!" The prince was so amazed, bewildered and captivated with the beauty of the fairy, that he did not give her the water quickly enough, so she appeared and vanished at one and the same moment. Whether this was a rap on the prince's head, let any one judge who, after longing for a thing, gets it into his hands and instantly loses it again.

Then the prince cut the second citron, and the same thing happened again; and this was a second blow he got on his pate; so making two little fountains of his eyes, he wept, face to face, tear for tear, drop for drop, with the fountain, and sighing he exclaimed, "Good heavens, how is it that I am so unfortunate? twice I have let her escape, as if my hands were tied; and here I sit like a rock, when I ought to run like a greyhound. Faith indeed I have made a fine hand of it! But courage, man! there is still another, and three is the lucky number[4]; either this knife shall give me the fay, or it shall take my life away." So saying he cut the third citron, and forth came the third fairy, who said like the others, "Give me to drink!" Then the prince instantly handed her the water, and behold there stood before him a delicate maiden, white as a junket with red streaks, who looked like an Abruzzi ham or a Nola sausage,—a thing never before seen in the world, with a beauty without compare, a fairness beyond the beyonds, a grace more than the most. On that hair Jove had showered down gold[5], of which Love made his shafts to pierce all hearts; that face the god of Love had tinged with red, that some innocent soul should be hung on the gallows of desire; at those eyes the sun had lighted two fireworks, to set fire to the rockets of sighs in the breast of the beholder; to the roses on those lips Venus had given their colour, to wound a thousand enamoured hearts with their thorns; on that breast Juno had shed her milk, to nurture human desires. In a word she was so beautiful from head to foot, that a more exquisite creature was never seen. The prince knew not what had happened to him, and stood lost in amazement, gazing on such a beautiful offspring of a citron; and he said to himself, "Are you asleep or awake, Ciommetiello? are your eyes bewitched, or are you blind? What fair white creature is this come forth from a yellow rind? what sweet dough, from the sour juice of a citron? what lovely maiden sprung from a citron-pip?" At length, seeing that it was all true and no dream, he embraced the fairy, giving her a hundred and a hundred kisses; and after a thousand tender words had passed between them—words which, as a cantofermo, had an accompaniment of sugared kisses—the prince said, "My soul, I cannot take you to my father's kingdom without handsome raiment worthy of so beautiful a person, and an attendance befitting a queen: therefore climb up into this oak-tree, where Nature seems purposely to have made for us a hiding—place in the form of a little room, and here await my return; for I will come back on wings, before a tear can dry, with dresses and servants, and carry you off to my kingdom." So saying, after the usual ceremonies he departed.

Now a black slave, who was sent by her mistress with a pitcher to fetch water, came to that well, and seeing by chance the reection of the fairy in the water, she thought it was herself, and exclaimed in amazement, "Poor Lucia, what do I see? me so pretty and fair, and mistress send me here! No, me will no longer bear." So saying she broke the pitcher and returned home; and when her mistress asked her, "Why have you done this mischief?" she replied, "Me go to the well alone, pitcher break upon a stone." Her mistress swallowed this idle story, and the next day she gave her a pretty little cask, telling her to go and fill it with water. So the slave returned to the fountain, and seeing again the beautiful image reected in the water, she said with a deep sigh, "Me no ugly slave, me no broad-foot goose! but pretty and fine as mistress mine, and me not go to the fountain!" So saying, smash again! she broke the cask into seventy pieces, and returned grumbling home, and said to her mistress, "Ass come past, tub fell, down at the well, and all was broken in pieces." The poor mistress, on hearing this, could contain herself no longer, and seizing a broomstick she beat the slave so soundly that she felt it for many days; then giving her a leather bag, she said, "Run, break your neck, you wretched slave, you grasshopper-legs, you black beetle! run and fetch me this bag full of water, or else I'll hang you like a polyp and give you a good thrashing."

Away ran the slave heels over head, for she had seen the flash and dreaded the thunder; and while she was filling the leather bag, she turned to look again at the beautiful image, and said, "Me fool to fetch water! better live by one's wits: such a pretty girl indeed to serve a bad mistress!" So saying, she took a large pin which she wore in her hair, and began to prick holes in the leather bag, which looked like an open place in a garden with the rose of a watering-pot[6] making a hundred little fountains. When the fairy saw this she laughed outright; and the slave hearing her, turned and espied her hiding-place up in the tree; whereat she said to herself, "O ho! you make me be beaten? but never mind!" Then she said to her, "What you doing up there, pretty lass?" And the fairy, who was the very mother of courtesy, told her all she knew, and all that had passed with the prince, whom she was expecting from hour to hour and from moment to moment, with fine dresses and servants, to take her with him to his father's kingdom, where they should live happy together.

When the slave, who was full of spite, heard this, she thought to herself that she would get this prize into her own hands; so she answered the fairy, "You expect your husband,—me come up and comb your locks, and make you more smart." And the fairy said, "Ay, welcome as the rst of May!" So the slave climbed up the tree, and the fairy held out her white hand to her, which looked in the black paws of the slave like a crystal mirror in a frame of ebony. But no sooner did the slave begin to comb the fairy's locks, than she suddenly stuck a hair-pin into her head. Then the fairy, feeling herself pricked, cried out, "Dove, dove!" and instantly she became a dove and flew away; whereupon the slave stripped herself, and making a bundle of all the rags that she had worn, she threw them a mile away: and there she sat, up in the tree, looking like a statue of jet in a house of emerald.

In a short time the prince returned with a great cavalcade, and finding a cask of caviar where he had left a pan of milk, he stood for awhile beside himself with amazement. At length he said, "Who has made this great blot of ink on the fine paper upon which I thought to write the brightest days of my life? Who has hung with mourning this newly whitewashed house, where I thought to spend a happy life? How comes it that I find this touchstone, where I left a mine of silver, that was to make me rich and happy?" But the crafty slave, observing the prince's amazement, said, "Do not wonder, my prince; for me turned by a wicked spell from a white lily to a black coal."

The poor prince, seeing that there was no help for the mischief, drooped his head and swallowed this pill; and bidding the slave come down from the tree, he ordered her to be clothed from head to foot in new dresses. Then sad and sorrowful, cast-down and woebegone, he took his way back with the slave to his own country, where the king and queen, who had gone out six mile to meet them, received them with the same pleasure as a prisoner feels at the announcement of a sentence of Suspendatur[7], seeing the fine choice their foolish son had made, who after travelling about so long to find a white dove had brought home at last a black crow. However, as they could do no less, they gave up the crown to their children, and placed the golden tripod upon that face of coal.

Now whilst they were preparing splendid feasts and banquets, and the cooks were busy plucking geese, killing little pigs, flaying kids, basting the roast-meat, skimming pots, mincing meat for dumplings, larding capons, and preparing a thousand other delicacies, a beautiful dove came flying to the kitchen window, and said,

 

"O cook of the kitchen, tell me, I pray,

What the king and the slave are doing today."

 

The cook at first paid little heed to the dove; but when she returned a second and a third time, and repeated the same words, he ran to the dining-hall to tell the marvellous thing. But no sooner did the lady hear this music, than she gave orders for the dove to be instantly caught and made into a hash. So the cook went, and he managed to catch the dove, and did all that the slave had commanded. And having scalded the bird, in order to pluck it, he threw the water with the feathers out from a balcony on to a garden-bed, on which before three days had passed there sprung up a beautiful citron-tree, which quickly grew to its full size.

Now it happened that the king, going by chance to a window that looked upon the garden, saw the tree, which he had never observed before; and calling the cook, he asked him when and by whom it had been planted. No sooner had he heard all the particulars from Master Pot-ladle, than he began to suspect how matters stood; so he gave orders, under pain of death, that the tree should not be touched, but that it should be tended with the greatest care.

At the end of a few days three most beautiful citrons appeared, similar to those which the ogress had given Ciommetiello; and when they were grown larger, he plucked them; and shutting himself up in a chamber, with a large basin of water and the knife which he always carried at his side, he began to cut the citrons. Then it all fell out with the first and second fairy just as it had done before; but when at last he cut the third citron, and gave the fairy who came forth from it to drink, behold there stood before him the self-same maiden whom he had left up in the tree, and who told him all the mischief that the slave had done.

Who now can tell the least part of the delight the king felt at this good turn of fortune? Who can describe the shouting and leaping for joy that there was? for the king was swimming in a sea of delight, and was wafted to heaven on a tide of rapture. Then he embraced the fairy, and ordered her to be handsomely drest from head to foot; and taking her by the hand he led her into the middle of the hall, where all the courtiers and great folks of the city were met to celebrate the feast. Then the king called on them one by one, and said, "Tell me, what punishment would that person deserve who should do any harm to this beautiful lady?" And one replied that such a person would deserve a hempen collar—another, a breakfast of stones—a third, a good beating on his stomach—a fourth, a draught of scammony—a fifth, a millstone for a brooch; in short, one said this thing and another that. At last he called on the black queen, and putting the same question, she replied, "Such a person would deserve to be burned, and that her ashes should be thrown from the roof of the castle."

When the king heard this he said to her, "You have struck your own foot with the axe, you have made your own fetters, you have sharpened the knife and mixed the poison, for no one has done this lady so much harm as yourself, you good-for-nothing creature! Know you that this is the beautiful maiden whom you wounded with the hair-pin? Know you that this is the pretty dove which you ordered to be killed and cooked in a stewpan? What say you now? it is all your own doing, and one who does ill may expect ill in return." So saying he ordered the slave to be seized and cast alive on to a large burning pile of wood, and her ashes were thrown from the top of the castle to all the winds of heaven, verifying the truth of the saying, that

 

"He who sows thorns should not go barefoot."

 

All sat listening attentively to Ciommetella's story; and some praised the skill with which she had related it, whilst others murmured at her indiscretion, saying that she ought not in the presence of the Princess slave to have exposed to blame the ill deeds of another slave, and run the risk of stopping the game. But Lucia sat upon thorns, and kept turning and twisting herself about all the time the story was related; insomuch that the restlessness of her body betrayed the storm which was in her heart, at seeing in the history of another slave the exact image of her own tricks. Gladly would she have dismissed the whole company, but that, owing to the desire which the doll had given her to hear stories, she could no more do without them than a man bitten by a tarantula can dispense with music; and partly also not to give Taddeo cause for suspicion, she swallowed this bitter pill, intending to take a good revenge in proper time and place. But Taddeo, who had grown quite fond of this amusement, made a sign to Zoza to relate her story, and after making her curtsey she began.

 

1.       A person who was proverbially obstinate.

2.       Na ciaola de canpanaro.

3.       Liccaralemme—the Alecum-salam or salutation of the Arabs.

4.       In the original, 'A le ttrè vence lo Rrè.'

5.       Alluding to Danse.

6.       Co l'acqua a trademiento.

7.       i.e. 'Let him be hanged.’

Wednesday 28 July 2021

Good Reading: "Hop-o'-My-Thumb" by Ludwig Bechstein (translated into English)

Once on a time there was a poor basket maker. He and his wife had seven sons, each smaller than the next. The seventh was not much more than a finger's length, so he was called Hop o' my Thumb. He did grow a bit later on, but not so very much, and he kept his name of Hop o' my Thumb. However, he was a clever, artful boy, quicker witted than all his brothers put together.

One year the parents of these seven children became very poor; for basket-making and straw-weaving are by no means such good and certain employments as baking bread or killing fat calves. They did not know what to do to get food for their seven boys, who were all blessed with good appetites. So one night, when they had put their children to bed, the husband and wife decided to take their boys into the wood, to the spot where they gathered rushes to make baskets of. At that spot they would secretly leave their children.

But Hop-o'-My-Thumb chanced to lie awake that night and heard what his parents planned. The rest of the night he did not sleep at all; he was trying to find out how to escape the impending danger and to save his brothers and himself.

Early in the morning Hop-o'-My-Thumb got up and went to a stream that ran close by the house, filled his little pockets full of small white pebbles and returned home as quietly as he went. He did not say a word to his brothers about what he had overheard last night.

Soon the basket-maker and his wife called to their children to come along with them into the forest. Hop-o'-My-Thumb lagged behind, for small as he often got tired before the others. But he was secretly dropping pebbles as he walked, so that he might find the path home again.

When they reached the destined spot, the parents slyly slipped away without their children noticing it.

But after a short time the young ones discovered that they were alone. Then all raised a loud and dreadful outcry, except Hop-o'-My-Thumb, He only laughed and said to his brothers, "There, there, do not howl so frightfully. We will soon find the way!"

Then Hop-o'-My-Thumb went in front, and not behind, and looked for white pebbles as he walked, and found the right path.

Meanwhile the parents had reached home. There they found to their surprise that a neighbour had visited their cottage and paid an old debt. Gold money was lying in an old box he had left. They hurried to buy foodstuff; so much of it that their table groaned underneath it all. But when they sat down to eat, they felt terrible remorse at how that had treated their children. The wife began to lament bitterly. "Our dear children," she cried, "If they had been here now; all of them might eat as much as they liked. But perhaps the wolves have already eaten our dear children!"

"Here we are, mother!" cried Hop-o'-My-Thumb. He had come to the cottage and overheard his mother's lament. Opening the door, in he trotted with his brothers, – one, two, three, four, five, six, seven!

They had brought their good appetites with them, and the richly spread table invited to a feast. Everyone rejoiced, and so long as the money lasted all of them they lived very well.

However, after some time, when they had used up all the money, the basket-maker and his family were poor again. In their distress in the basket-maker and his wife were tempted to leave the children alone in the forest again. But Hop-o'-My-Thumb luckily overheard this second time too, and wanted to gather white pebbles as he had done the first time.

Early in the morning he went downstairs. He had in mind to slip out and fetch some pebbles; but this time the door was bolted, and Hop-o'-My-Thumb could not reach so high. So he had to device another plan, and therefore put his breakfast in his pocket instead of eating it. He wanted to drop crumbs as he went along.

The children were left to themselves, and this time Hop-o'-My-Thumb could not find the way home, for the birds had picked up all the crumbs. His brothers took to howling out loud, but they still had to walk on in the wood till it was dark.

When night fell on, the seven brothers slept on a mossy bank under a wide-spreading beech-tree.

As soon as daylight appeared, Hop-o'-My-Thumb climbed up the tree to see how the land lay. At first he saw nothing but forest trees and boughs, but then he detected there was a little cottage in the middle of the forest. He climbed down from the tree and walked in the direction of the cottage, and his brothers followed him. After struggling through many thickets of bramble bushes and briars, they all saw the house ahead among the trees. They went up to it and one of them knocked at the door. A woman opened it and Hop-o'-My-Thumb asked her if she could take them in, for they had lost their way and did not know where to turn.

"Oh, you poor children!" cried the woman and then let the brothers in. But she warned them that they were in the house of an ogre who liked to eat little children. This was a terrible situation!

The children trembled like aspen leaves when they heard they might be eaten up instead of getting food themselves when what they wanted was something to eat. However, the woman was kind-hearted; she gave them some food and hid them in a safe place.

Soon afterwards they heard heavy footsteps and a loud knocking at the door. The ogre had come. As soon as he came in he sat down to the table and began to eat, and drink a lot of wine. When he was satisfied, he called to his wife, "I smell human food!"

He soon looked about till he found the seven brothers. They were half-dead with terror when the ogre began to whet his knife to kill them. But his wife talked him out of it by saying they all needed to be fattened first, and especially the youngest.

Hence, the young ones were put to bed together. In the same room was another bed, a huge one. The seven daughters of the ogre slept there, and they were about the same size as the boys. They each wore a crown of gold. Hop-o'-My-Thumb had noticed that. Instead of going to sleep when his brothers did, he slipped out of bed and gently took the crowns from off the sisters' heads and placed them on the heads of his six brothers and himself. Instead of the crowns they got the night-caps the brothers had been furnished with.

While Hop-o'-My-Thumb was doing this, the ogre had been drinking heavily. It made him feel so savage and murderous that he rose from the table, took his knife and stepped softly into the sleeping-room. There he meant to chop off the heads of the seven brothers. But it was pitch dark in the room.

As he was stumbling about, he knocked against a bed. "Aha!" he cried as he felt the crowns on the heads of those lying in it, "I nearly made a fine mistake and killed my seven daughters instead of those seven young rascals!"

So saying, he groped about the room till he came to the other bed and felt only night-caps on the heads of the seven sleepers. Then he killed all of them in a minute before he lay down and went to sleep.

As soon as the ogre began to snore, Hop-o'-My-Thumb woke his brothers and led them out of the house into the forest. But there they wandered up and down for hour after hour, but they did not find a way back home.

The ogre woke up as morning dawned and asked his wife to go and have a look at his catch the night before.

She thought he wished her to wake up the boys and went at once to the room. But when she saw their seven daughters had been killed, she fell senseless to the floor at the dreadful sight. Some time later the ogre began to wonder what kept his wife and went to see.

When he understood what he had done he put on his seven-league boots in a hurry. The boots carried him two miles a step, so he made tremendous speed when he went to find the brothers.

Hop-o'-My-Thumb was the first to see him coming. Luckily there was a cave close by. He and his brothers took shelter in it. In a minute or two afterwards the ogre came up to the spot, but he did not see them anywhere.

All the running had made the ogre weary, so he threw himself down for a nap on the rock above the cave, and was soon fast asleep. While he snored loudly, Hop-o'-My-Thumb slipped out of his hiding-place and succeeded in pulling off the wonderful boots after a great deal of tugging. The wonder-boots used to shrink or expand to the size of the feet of those who wore them, so when Hop-o'-My-Thumb put them on, they formed themselves to his feet.

With the boots on his feet he managed to get his brothers away from there. They grasped one another tightly, and with the help of the boots they soon reached home. There their parents welcomed them all back.

Hop-o'-My-Thumb told his father and mother to take good care of his brothers while he went to seek his fortune in the seven league boots. Then he took one stride and got to the top of a hill. With another stride he was out of sight.

Hop-o'-My-Thumb bow made his fortune with the help of the seven league boots. He went on many long and dangerous journeys in the service of many good masters. No one on horseback or foot could catch up with him on his journeys.