Thursday, 30 May 2024

Thursday's Serial: "Commonitorium" by St. Vincent of Lérins (translated into Portuguese) - the end.

 

A Igreja, guardiã fiel do Depósito

22. Mas é proveitoso que examinemos com maior diligência esta frase do Apóstolo:

 

    “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! Evita as conversas frívolas e mundanas, assim como as contradições de pretensa ciência”. (1Tm 6,20)

 

Este grito é o grito de alguém que sabe e ama. Previa os erros que surgiriam e se doía por ele enormemente. Quem é hoje Timóteo senão a Igreja universal em geral, e de modo particular o corpo de bispos, os quais, principalmente, devem possuir um conhecimento puro da religião cristã, e ademais transmiti-lo aos demais? E o que quer dizer “guarda o bem que te foi confiado”? Esteja atento, lhe diz, aos ladrões e aos inimigos; não suceda que enquanto todos dormem, venham em oculto a lançar a cizânia no meio da boa semente que o Filho do homem semeou em seu campo. Mas, o que é um depósito? O depósito é o que te foi confiado, não encontrado por ti; tu o recebestes, não o excogitastes com tuas próprias forças. Não é o fruto de teu engenho pessoal, mas da doutrina; não está reservado para um uso privado, mas que pertence a uma tradição pública. Não saiu de ti, mas que a ti veio: a seu respeito tu não podes comportar-se como se fosse seu autor, mas como seu simples guardião. Não és tu quem o iniciou, mas és seu discípulo; não te cabe dirigi-lo, mas é teu dever segui-lo. Guarda o bem que te foi confiado, diz; quer dizer, conserva inviolado e sem mancha o talento da fé católica. O que te foi confiado é o que deve guardar junto a ti e transmitir. Recebeste ouro; devolve, pois, ouro. Não posso admitir que substituas uma coisa por outra. Não, tu não podes desavergonhadamente substituir o ouro por chumbo, ou tratar de enganar dando bronze em lugar de metal precioso. Quero ouro puro, e não algo que só tenha sua aparência. Ó Timóteo! Ó sacerdote! Intérprete das Escrituras, doutor, se a graça divina te deu o talento por engenho, experiência, doutrina, deves ser o Beseleel do Tabernáculo espiritual. Trabalha as pedras preciosas do dogma divino, reúne-as fielmente, adorna-as com sabedoria, acrescenta-lhes esplendor, graça, beleza: Que tuas explicações façam que se compreenda com mais claridade o que se ainda se crê de maneira bem obscura. Que as gerações futuras se congratulem de terem compreendido por tua meditação o que seus pais veneravam sem compreender. Mas hás de estar atento a ensinar somente o que aprendeste: não suceda que por buscar maneiras novas de dizer a doutrina de sempre, acabes também por dizer também coisas novas.

 

O progresso do dogma e suas condições

23. Talvez alguém diga: então nenhum progresso da religião é possível na Igreja de Cristo? Certamente que deve haver progresso, e grandíssimo! Quem poderá sertão hostil aos homens e tão contrário a Deus que tentaria impedi-lo? Mas a condição de que se trate verdadeiramente de progresso pela fé, não de modificação. É característica do progresso de todas as maneiras possíveis a inteligência, o conhecimento, a sabedoria, tanto da coletividade como do indivíduo, de toda a Igreja, segundo as idades e os séculos; com tal de que isso suceda exatamente segundo sua natureza peculiar, no mesmo dogma, no mesmo sentido, segundo uma mesma interpretação. Que a religião das almas imite o modo de desenvolvimento dos corpos, cujos elementos, ainda que com o passar dos anos se desenvolvem e crescem, sem embargo permanecem sendo sempre eles mesmos. Há grande diferença entre a flor da infância e a maturidade da velhice; não obstante, quem agora é velho são os mesmos que foram adolescentes. O aspecto e o porte de um indivíduo mudarão, mas se tratará sempre da mesma natureza e da mesma pessoa. Os membros de um lactante são pequenos e maiores os dos jovens, e seguem sendo os mesmos. Tantos membros têm os adultos quanto têm as crianças; e se algo novo aparece em idade mais madura, já pré-existia no embrião; assim, nada novo se manifesta no adulto que já não se encontrasse de forma latente na criança. Não cabe nenhuma duvida de que este é o processo regular e normal do progresso, segundo a ordem precisa e belíssima do crescimento: o crescer na idade revela nos grandes as mesmas partes e proporções que a sabedoria do Criador havia delineado nos pequeninos. Se a forma humana adotasse com o tempo um aspecto estranho a sua espécie, se lhe adicionasse ou lhe tirasse algum membro, necessariamente todo o corpo morreria ou se faria monstruoso, ou ao menos se debilitaria.A estas mesmas leis de crescimento deve seguir o dogma cristão, de modo que com o passar dos anos se vá consolidando, se vá desenvolvendo no tempo, se vá tornando mais majestoso com a idade, mas de tal maneira que siga sempre incorrupto e incontaminado, íntegro e perfeito em todas as suas partes, e, por assim dizer, em todos seus membros e sentidos, sem admitir nenhuma alteração, nenhuma perda de suas propriedades, nenhuma variação no que está definido. Vejamos um exemplo. Nossos pais, no passado, semearam no campo da Igreja a boa semente da fé; seria por demais injusto e inconveniente se nós, seus descendentes, em lugar de trigo da autêntica verdade tivéssemos que replantar acizânia fraudulenta do erro. Em troca, é justo que a sega corresponda à semeadura que recolhemos, quando o grão da doutrina chega à maturidade, o trigo do dogma. Se com o passar do tempo, uma parte da semente original se desenvolveu alcançando felizmente a maturidade plena, não se pode dizer que tenha mudado o caráter específico da semente; pode se dar uma mudança no aspecto, na forma, uma formação mais precisa, mas a natureza própria de cada espécie permanece intacta. Não suceda jamais, pois, que os roseirais da doutrina católica se transformem em cardos espinhosos. Não suceda jamais, repito, que neste paraíso espiritual de onde brotam o cinamomo e o bálsamo, despontem às escondidas acizânia e o acônito. Tudo que a fé dos pais têm semeado no campo de Deus que é a Igreja, é o que deve ser cultivado e guardado pelo zelo dos filhos; somente este deve florescer, e não outra coisa; deve florescer e amadurecer, crer e alcançar a perfeição. É legítimo que os antigos dogmas da filosofia celestial, ao correr dos séculos, se afinem, se aparem, se lustrem; mas seria ímpio mudá-los, desfigurá-los, mutilá-los. Adquirem, ao contrário, maior evidência, clareza, precisão; mas é necessário que conservem sempre sua plenitude, integridade, propriedade. Se começa a misturar o novo com o antigo, o estranho com o que é familiar, o profano com o sagrado, em breve esta desordem se difundirá por todos os lados, e nada na Igreja permanecerá intacto, íntegro, sem mancha; e onde antes se levantava o santuário da verdade pura e incorrupta, exatamente neste lugar, se levantará um prostíbulo de infâmias e torpes erros. Que a misericórdia divina mantenha afastado da mente dos seus este crime; que isto não seja mais que uma loucura dos ímpios. A Igreja de Cristo, guardiã vigilante e prudente dos dogmas que lhe são confiados, não muda nada neles, nem lhes tira ou acrescenta nada; não rejeita o que é necessário nem acrescenta o que é supérfluo; não deixa que escape o que é seu nem se apropria do que pertence a outrem. Ao tomar cautelosamente e com fidelidade e prudência as doutrinas antigas, só busca fazer com sumo zelo o seguinte: reforçar o que tem sido expresso com precisão; guardar o que tem sido confirmado e definido. Na realidade, que fim se propôs obter sempre a Igreja com os decretos conciliares, senão que se creia com maior conhecimento o que antes já se cria com simplicidade; que se pregue com maior insistência o que antes se pregava com menor empenho; que se venere com maior solicitude o que já antes se honrava com demasiada calma? Isto e não outra coisa tem feito sempre a Igreja com os decretos dos concílios, provocada pelas inovações dos hereges: transmitir à posteridade em documentos escritos o que fora recebido de nossos pais mediante somente a tradição; resumir em fórmulas breves uma grande quantidade de noções e, mais frequentemente, com o fim de ilustrar a inteligência, especificar com termos novos e apropriados uma doutrina não nova.

 

Estar atentos ante os hereges

24. Então voltemos à exortação do Apóstolo:

 

    “Ó Timóteo, guarda o bem que te foi confiado! Evita as conversas frívolas e mundanas, assim como as contradições de pretensa ciência.”

 

Evita, disse-lhe, como se faz com uma víbora, comum escorpião, com um basilisco, para que não somente o contato, mas nem sequer sua vista ou seu sopro te firam. Agora bem: o que significa evitar?

 

    “Com tais indivíduos nem sequer deveis comer” (1Cor 5,11)

 

E também:

 

    “Se alguém vier a vós sem trazer esta doutrina– e que doutrina é esta senão a católica universal, que permanece sendo única e a mesma através dos séculos, em uma incorrupta tradição de verdade, e que permanecerá assim sempre – não o recebais em vossa casa, nem o saudeis. Porque quem o saúda toma parte em suas obras más”. (2Jo 1,10-11)

 

O Apóstolo nos falava de novidades profanas nas expressões (N. do T.: na tradução para o português usou-se a Bíblia Ave Maria, que apresenta este versículo: Evita as conversas frívolas e mundanas). Agora bem, profano é o que não tem nada de sagrado nem de religioso, e é totalmente estranho ao santuário da Igreja, templo de Deus. As novidades profanas nas expressões são, pois, as novidades concernentes aos dogmas, coisas e opiniões em contraste com a tradição e a antiguidade; sua aceitação implicaria necessariamente a violação pouco menos que total da fé dos Santos Padres. Levará necessariamente a dizer que todos os fiéis de todos os tempos, todos os santos, os castos, os continentes, as virgens, os clérigos, os levitas e os bispos, os milhares de confessores, os exércitos de mártires, um número imenso de cidades e de povos, ilhas e províncias, de reis, de pessoas, de reinos enações, em uma palavra, o mundo inteiro incorporado a Cristo cabeça mediante a fé católica, durante um grande número de séculos tinha ignorado, errado, blasfemado, sem saber no que deveria crer. Evita, pois, as novidades profanas ns expressões, já que recebê-las e segui-las nunca foi costume dos católicos, e sim dos hereges. Na verdade, que heresia não tenha surgido sob um nome num lugar e numa época determinadas? Quem jamais tenha fundado uma heresia sem se separar assim do acordo com a universalidade e a antiguidade da Igreja Católica? Os exemplos nos mostram isto de maneira evidente. Com efeito, quem nunca, antes do ímpio Pelágio, teve a presunção de atribuir ao livre-arbítrio o poder tão grande de pensar que o auxílio da graça não é necessário para cada um dos atos, para levar a cabo as boas obras? Quem, antes de seu monstruoso discípulo Celestino, negou que todo o gênero humano está contaminado pelo pecado de Adão? Antes do sacrílego Ário, quem teve a audácia de rasgar a unidade da Trindade ou de confundi-la, como o pérfido Sabélio? Antes do rígido Novaciano, quem tinha dito que Deus era cruel, porque preferia a morte do agonizante a que ele se convertesse e vivesse? Quem, antes de Simão Mago, duramente castigado pela reprimenda apostólica – e de quem provém a antiga enxurrada de torpezas que, por sucessão ininterrupta e oculta, tenha chegado até Prisciliano – se atreveu a dizer que Deus criador é o autor do mal, ou seja, de nossos delitos, de nossas impiedades, de nossos vícios? Este afirma que Deus, com suas próprias mãos, cria a natureza estruturada de maneira que, por movimento espontâneo e sob o impulso de uma vontade necessitada, não pode mais, não quer mais que pecar. Agitada e incendiada pelas fúrias de todos os vícios, se vê arrastada com ânsia inesgotável aos abismos de toda sorte de crimes. Exemplos como estes existem e não acabam mais, mas deixemo-los para sermos breves. Demonstram a todos com evidência que a atitude normal e comum de qualquer heresia é gozar-se nas novidades profanas e sentir repulsa pelos dogmas da antiguidade, até o ponto de naufragar na fé por causa de discussões de uma falsa ciência. Ao contrário, é próprio dos católicos guardar o depósito transmitido pelos Santos Padres, condenar as novidades profanas e, como muitas vezes repetiu o Apóstolo, descarregar o anátema sobre quem tem a audácia de anunciar algo diferente do que foi recebido.

 

Os hereges recorrem à Escritura

25. Mas alguém se dirá: então os hereges não se servem dos testemunhos da Sagrada Escritura? Certamente que se servem, e com tão apaixonada veemência! Os vemos passar de um livro a outro da Lei Santa: desde Moisés aos livros dos Reis, desde os Salmos aos Apóstolos, desde os Evangelhos aos Profetas. Em suas assembléias, com os estranhos, em privado, em público, nos discursos e nos escritos, durante as refeições e nas praças públicas, é raro que mantenham alguma coisa sem que antes não a tenham revestido com a autoridade da Sagrada Escritura. Basta ler as obras de Paulo de Samosata, de Prisciliano, de Eunomio, de Joviniano e de todas as outras pestes; imediatamente se nota o cúmulo infinito de textos bíblicos: quase não há página que não esteja colorida e assinalada com citações do Antigo e do Novo Testamento. Mas se torna mais necessário estar em vigilância e temer-lhes quando mais tentam ocultar-se e esconder-se sob a sombra da Lei Divina. Efetivamente, sabem que suas exalações pestilentas, desnudadas e diretas, não encontrariam o favor de ninguém; por isso as perfumam com o aroma da palavra celestial, já que quem facilmente rejeitaria um erro humano não está dispôs toa depreciar com tanta facilidade os oráculos divinos. Fazem o que aqueles que, para suavizar a amargura dos remédios destinados às crianças, untam de mel a borda do frasco; as crianças com a simplicidade ingênua de sua idade, uma vez que provaram o doce, bebem sem suspeitar nem temer o amargo. Da mesma maneira atuam quem mascaram com nomes medicinais ervas nocivas e sucos venenosos, para que ninguém, ao ler a etiqueta, possa suspeitar que se trata de venenos e que não são remédios para cuidar da saúde. A este propósito o Salvador gritava:

 

    “Guardai-vos dos falsos profetas. Eles vêm a vós disfarçados de ovelhas, mas por dentro são lobos arrebatadores” (Mt 7,15)

 

Que outra coisa são estas peles de ovelhas senão as palavras dos Profetas e dos Apóstolos, com as quais estes mesmos, com mansa simplicidade, revestiram como um véu ao Cordeiro imaculado que tira o pecado do mundo? Quem são, ao contrário, os lobos vorazes, senão as doutrinas selvagens e raivosas dos hereges, que infectam o redil da Igreja, para desgarrar, da melhor maneira possível, o rebanho de Cristo? Para surpreender mais facilmente as incautas ovelhas, mascaram seu aspecto de lobos, ainda que conservando sua ferocidade, vestindo-se com frases da lei Divina como a um véu, para que, ao sentir a brandura da lã, as ovelhas não suspeitem de seus dentes afiados. Mas, o que nos diz o Salvador?

 

    “Pelos seus frutos os conhecereis” (Mt7,16)

 

Quer dizer, quando já não se dão por satisfeitos em citar e pregar as palavras divinas, e então começam a explicar e comentá-las, se manifestará sua amargura, sua aspereza e sua raiva; então se exalará um novo odor e aparecerão as novidades ímpias; então se verá pela primeira vez as setas arrancadas e ultrapassados os limites postos pelos pais; ultrajada a fé católica e o dogma da Igreja feito em pedaços. Pessoas desta ralé eram as fustigadas pelo Apóstolo em sua segunda carta aos Coríntios:

 

    “Esses tais são falsos apóstolos, operários desonestos, que se disfarçam em apóstolos de Cristo,” (2Cor 11,13)

 

Que significa “se disfarçam em apóstolos de Cristo”? Os Apóstolos citavam textos da Lei Divina, e aqueles faziam o mesmo; os Apóstolos se apoiavam na autoridade dos Salmos e dos Profetas, e aqueles também. Mas quando começaram a interpretar de maneira diferente os mesmos textos, então se distinguiram os sinceros dos falsários, os genuínos dos artificiais, os retos dos perversos, em uma palavra, os verdadeiros Apóstolos dos falsos.

 

    “O que não é de espantar – explica São Paulo – Pois, se o próprio Satanás se transfigura e manjo de luz, parece bem normal que seus ministros se disfarcem em ministros de justiça” (2Cor 11,14-15)

 

Segundo o ensinamento do Apóstolo, cada vez que os falsos apóstolos, os falsos profetas, os falsos doutores citam passagens da Lei Divina com as quais, as interpretando mal, buscam apontar seus erros, não cabe dúvida de que seguem a tática pérfida de seu autor e mestre, o qual certamente não a usaria se não compreendesse que não há melhor caminho para induzir ao engano aos fiéis, que introduzir fraudulentamente um erro cobrindo-o com a autoridade das palavras divinas.

 

A Escritura na boca de Satanás

26. Alguém poderia então perguntar: como se explica que o diabo utilize as citações da Sagrada Escritura? Não precisa mais que abrir o Evangelho e ler. Encontrará escrito:

 

    “O demônio transportou-o – ao Senhor – à Cidade Santa, colocou-o no ponto mais alto do templo e disse-lhe: “Se és Filho de Deus, lança-te abaixo, pois está escrito: Ele deu a seus anjos ordens a teu respeito; proteger-te-ão com as mãos, com cuidado, para não machucares o teu pé em alguma pedra (Sl 90,11s)” (Mt 4,5-6)

 

O que não fará a nós, pobres mortais, aquele que teve a ousadia de assaltar, com testemunhos da Escritura, ao mesmo Senhor da majestade?

 

    “Se és Filho de Deus – disse-lhe – lança-te abaixo.”

 

Por quê?

 

    “Porque está escrito…”

 

Devemos prestar muita atenção à doutrina aqui exposta e retê-la bem em nossas mentes, para que, postos em vigilância pela autoridade de um exemplo evangélico tão grande, não duvidemos nem por um instante que é o diabo quem fala pela boca daqueles que citam contra a fé católica passagens dos Apóstolos e dos Profetas. Então era a cabeça quem falava à Cabeça, agora são os membros que falam aos membros; ou seja, os membros do diabo aos membros de Cristo, os renegados aos fiéis, os sacrílegos aos homens piedosos, os hereges aos católicos. Mas o que eles dizem? Se tu és o Filho de Deus, lança-te abaixo. Ou seja, se queres ser realmente filho de Deus e receber a herança do reino celestial, lança-te abaixo de cima da doutrina e da tradição desta Igreja sublime, templo de Deus. E se alguém pergunta a qualquer herege que quer persuadi-lo da verdade disto: Em que provas te fundamentas para afirmar que eu devo abandonar a antiga e universal fé da Igreja Católica? Imediatamente responderá: “Está escrito”, e sem mais amontoará mi ltestemunhos, mil exemplos, mil argumentos com os quais, interpretados de nova e errada maneira, buscará precipitar a alma do desgraçado desde o alto da rocha católica ao abismo da heresia. Mas é com promessas como as que agora vamos mostrar que os hereges costumam enganar, com uma arte que é uma verdadeira maravilha, aqueles que não estão prevenidos. Efetivamente, ousam prometer e ensinar que em sua igreja, ou melhor, em seu conventículo de sua seita, está presente uma graça de Deus extraordinária, especial, absolutamente pessoal; e é de tal classe que sem fadiga, sem esforço, sem ansiedade alguma, inclusive ainda que não peçam, nem busquem, nem almejem, todos os que fazem parte de seu número obtém de Deus esse auxílio, até o ponto de serem levados por mãos angélicas e guardados por sua proteção, sem que seu pé nunca tropece em alguma pedra, ou seja, sem sofrer escândalo.

 

Como vencer as insídias diabólicas dos hereges

27. Depois de tudo que temos dito, seria lógico perguntar: se o diabo e seus discípulos – os falsos apóstolos, profetas, mestres e hereges em geral – costumam utilizar as palavras, as sentenças, as profecias da Escritura, como deverão se comportar os católicos, os filhos da Madre Igreja? Que deverão fazer para distinguir nas Sagradas Escrituras a verdade do erro? Tenham grande preocupação por seguir as normas que, ao início destas notas escrevi, foram transmitidas por doutos e piedosos homens; ou seja, interpretarão o Cânon divino segundo as tradições da Igreja universal e as regras do dogma católico; na mesma Igreja Católica e Apostólica deverão seguir a universalidade, a antiguidade e a unanimidade de consenso. Por conseguinte se acontecesse que uma parte se rebelasse contra a universalidade, que a novidade se levantasse contra a antiguidade, que a dissensão deum ou poucos equivocados se elevasse contra o consenso de todos ou ao menos deum número bem grande de católicos, se deverá preferir a integridade da totalidade à corrupção de uma parte; dentro da mesma universalidade, será preciso preferir a religião antiga à novidade profana; e, na antiguidade, há que antepor à temeridade de pouquíssimos os decretos gerais, se os há, de um concílio universal; no caso de que não os tenha, se deverá seguir o que próximo esteja deles, ou seja, as opiniões concordes de muitos e grandes mestres. Se, com a ajuda do Senhor, observamos com fidelidade e solicitude estas regras, conseguiremos descobrir sem grande dificuldade, e desde sua mesma fonte, os erros nocivos dos hereges.

 

Os Padres e a Tradição Católica

28. Penso que talvez seja oportuno demonstrar, por meio de exemplos, como podem ser descobertas e condenadas as novidades heréticas, investigando e confrontando entre si as opiniões concordes dos antigos mestres. De todos os modos, é evidente que este consenso antigo e unânime dos Santos Padres não devemos invocá-lo apenas em questões minuciosas da Lei Divina; mas que será objeto da mais ativa investigação e adesão só no que se refere à regra da fé. Nem tampouco todas as heresias, de todos os tempos, podem ser combatidas desta maneira; somente as novas e mais recentes, em sua primeira floração e em suas primeiras manifestações, antes de que, pela mesma escassez de tempo, tenham a possibilidade de falsear a regra antiga da fé e de infeccionar com seu veneno os livros dos Padres. Em relação àquelas que já foram difundidas e já fincaram raízes profundas, não podem ser combatidas por este caminho, porque o largo prazo de tempo de que dispuseram foi ocasião mais que favorável para erodir a verdade, e por isso é que as impiedades mais antigas, tanto heréticas como cismáticas, não podemos refutá-la mais que com a autoridade da Escritura, ou evitálas desde que já estão refutadas e condenadas por antigos Concílios universais do Episcopado Católico. Apenas, pois, começa a se estender a podridão de um novo erro e este, para justificar-se, se apodera de alguns versículos da Escritura, que ademais interpreta com falsidade e fraude, é preciso imediatamente abrir mão das sentenças dos Padres interpretando as passagens em questão; com seu auxilio, qualquer novidade profana será no ato desmascarada sem nenhuma ambigüidade e condenadas em vacilação. Em relação aos Padres, deve-se consultar o pensamento de quem santamente, sabiamente e com constância viveu, ensinou e permaneceu firme na fé e na comunhão católica, e morreram fiéis a Cristo ou mereceram a alegria de dar sua vida por Ele. Mas a estes se deve prestar fé seguindo esta regra: o que todos, ou ao menos a maioria, têm afirmado claramente, através de concílio de mestres perfeitamente unânimes, e que têm confirmado ao aceitá-lo, conservá-lo e transmiti-lo, isso é o que deve ser mantido como induvidável, certo e verdadeiro. Ao contrário, tudo que, fora da doutrina comum, e inclusive contra ela, tenha pensado um apenas, ainda que seja um santo e um douto, um bispo, um confessor, um mártir, deve ser relegado entre as opiniões pessoais, não oficiais, privadas, que não tem a autoridade da opinião comum, pública e geral; não nos suceda, com sumo perigo para nossa salvação eterna, que abandonemos a antiga verdade da doutrina católica para seguir o erro novo de um só indivíduo, segundo o sacrílego costume dos hereges e cismáticos. Para que não haja quem se atreva a depreciar este acordo sagrado e universal dos Padres, o Apóstolo escreveu em sua primeira carta aos Coríntios:

 

    “Na Igreja, Deus constituiu primeiramente os apóstolos (ele era um deles), em segundo lugar os profetas (como lemos nos Atos dos Apóstolos que era Ágabo), em terceiro lugar os doutores” (1Cor 12,28),

 

Mas o mesmo Apóstolo às vezes os chama profetas, porque explicam ao povo cristão os mistérios da mensagem profética. Quem quer que se atreva a depreciar a estes homens postos por Deus em sua Igreja segundo os lugares e os tempos, e que estão de acordo na interpretação do dogma católico, não estará depreciando a um homem, mas ao próprio Deus. E com o fim de que ninguém esteja em desacordo com sua unidade, a única verdadeira, o mesmo Apóstolo disse:

 

    “Rogo-vos, irmãos, em nome de nosso Senhor Jesus Cristo, que todos estejais em pleno acordo e que não haja entre vós divisões. Vivei em boa harmonia, no mesmo espírito e no mesmo sentimento”. (1Cor 1,10)

 

E se alguém deixa de estar de acordo com sua doutrina, escute o que diz o Apóstolo:

 

    “Porquanto Deus não é Deus de confusão, mas de paz”. (1Cor 14,33)

 

Ou seja, não é Deus de quem rompe a unidade e a concórdia, mas de quem permanece na paz de um só sentimento.

 

    “Como em todas as igrejas dos santos” (1Cor 14,34),

 

Ou seja, dos católicos, e são coisas santas precisamente porque permanecem na comunhão da fé. E com o propósito de que ninguém se arrogue a pretensão de ser ele somente escutado e crido, sem ter em conta aos demais, pergunta:

 

    “Porventura foi dentre vós que saiu a palavra de Deus? Ou veio ela tão-somente para vós?” (1Cor14,36)

 

Ademais, para evitar que suas palavras fossem tomadas à ligeira, acrescenta:

 

    “Se alguém se julga profeta ou agraciado com dons espirituais, reconheça que as coisas que vos escrevo são um mandamento do Senhor”. (1Cor 14,37)

 

Mas de que mandamentos se trata, senão de qualquer um que seja profeta o pessoa espiritual, ou seja, mestre das coisas espirituais, deve ter o maior cuidado em cultivar a imparcialidade e a unidade, a fim de que não chegue a preferir sua opinião pessoal à dos demais ou a separar-se do sentimento comum? “Mas – adverte o Apóstolo – se alguém quiser ignorá-lo, que o ignore!” (1Cor 14,38) ou seja, quem não aprende as coisas que não sabe ou se desfaz das que sabe, será tido por indigno de ser incluído por Deus no número daqueles que estão unidos na fé e iguais na humildade. Se poderia pensar um mal tão grande? Precisamente isto é o que, como sabemos, ocorreu, de acordo com a ameaça do Apóstolo, ao pelagiano Juliano, que se negou a compartilhar a doutrina de seus colegas e teve a presunção de separar-se deles. Mas é chegado o momento de trazer à luz o exemplo a que nos referimos, e mostrar onde e de que maneira, por decreto e autoridade de um concílio, recorreu-se às opiniões dos Padres, com o fim de fixar, seguindo-as, a regra de fé da Igreja.Para maior comodidade, ponho aqui fim a estas notas. O resto tratarei em uma segunda parte.(O segundo Commonitorium desapareceu; não ficou dele mais que a segunda parte, que é uma simples recapitulação e que acrescentamos a seguir.)

 

É legítimo recorrer aos Padres

29. Creio ter chegado o momento de recapitular ao final deste segundo Comonitório tudo o que foi tratado nos dois Comonitórios. No primeiro disse que os católicos tiveram sempre o costume, e continuam tendo, de determinar a verdadeira fé de duas maneiras: com a autoridade da Escritura divina e com a tradição da Igreja Católica. Não porque a Escritura, por si só, não seja suficiente em todos os casos, mas porque muitos, interpretando a seu capricho as palavras divinas, acabam por inventar uma quantidade incrível de doutrinas errôneas. Por este motivo é necessário que a exegese da Escritura divina seja guiada pela única regra do sentir católico, especialmente nas questões que tocam os fundamentos de todo o dogma católico. Também afirmei que na mesma Igreja é necessário ter em conta a universalidade e a antiguidade, com o fim de que não nos suceda que nos separemos da unidade do conjunto e acabar desagregados, no fragmentarismo particularista do cisma, ou nos precipitar, desde a antiga fé, em novidades heréticas. Disse ainda, em relação à antiguidade, que é preciso a todo custo terpresente duas coisas e se agarrar a elas profundamente, se não queremos nos converter em hereges; primeiro: ver se houvera antigamente algum decreto por parte de todos os bispos da Igreja Católica, emanado sob a autoridade de um concílio universal; depois, no caso de que surja uma nova questão, em torno da qual não se encontre nada definido, recorrer às sentenças dos Padres, mas somente a aqueles que, por haverem permanecido, em seu tempo e lugar, dentro da unidade da comunhão e da fé, se converteram em mestres provados. Tudo aquilo que se encontre e que tenha sido por eles mantido com unanimidade de sentir e de consenso pode ser submetido sem temor algum como expressão da verdadeira fé católica. Como poderia parecer que eu afirmava estas coisas por minha conta, porém baseando-me na autoridade da Igreja, fiz referência ao exemplo do Santo Concílio ocorrido há três anos em Éfeso, na Ásia, sob o consulado dos preclaros Basso e Antíoco. No curso das discussões que ali se tiveram para estabelecer a regra da fé, com o fim de evitar que uma novidade ímpia se insinuasse do mesmo modo que se levou a cabo a perfídia de Rimini, pareceu a todos os bispos, reunidos em número de quase duzentos, que o melhor procedimento, o mais católico e o mais conforme a fé, era o de remeter-se às sentenças dos Santos Padres, alguns dos quais foram mártires, outros confessores, de tal modo que de todos eles houvera constância de que foram bispos católicos e que perseveraram como tais. Fortalecidos por seu consenso, foi confirmada por decreto, em devida forma e solene, a antiga fé, e condenada a blasfêmia da nova impiedade. À luz deste procedimento, e com todo direito e merecidamente, o ímpio Nestório foi julgado por estar em desacordo com a antiguidade católica, e o bem aventurado Cirilo em comunhão com a santíssima fé antiga. Para que nada faltasse à fidelidade dos fatos que narrei, proporcionei também os nomes e o número dos padres (ainda que tenha trocado a ordem), de conformidade com cuja sentença unânime foram interpretadas as palavras da Sagrada Escritura, e foi confirmada a regra da fé divina. Penso que não será supérfluo voltar a recordar, para refrescar minha memória.

 

Os Padres citados em Éfeso

30. Eis aqui, pois, os nomes daqueles cujos escritos foram citados naquele Concílio como juízes e testemunhas. São Pedro bispo de Alexandria, doutor insigne e mártir; Santo Atanásio, bispo da mesma cidade, mestre fidelíssimo e confessor exímio; São Teófilo, também bispo de Alexandria, célebre por sua fé, vida e ciência; seu sucessor, o venerável Cirilo, que atualmente ilustra a igreja alexandrina. E para que não se pensasse que aquela era a doutrina de uma só cidade ou província, se recorreu também às celebérrimas luminárias da Capadócia: São Gregório, bispo de Nanziano e confessor; São Basílio, bispo de Cesaréia da Capadócia e confessor; o outro Gregório, bispo de Nissa, por fé, costumes e sabedoria realmente digno de seu irmão Basílio. Ademais, para demonstrar que não apenas a Grécia e o Oriente, mas também o Ocidente, o mundo latino, tinha mantido a mesma fé, foram lidas algumas cartas de São Félix Mártir e de São Júlio, bispos da cidade de Roma. Mas não somente a cabeça do mundo, também as partes secundárias proporcionaram seu testemunho àquela sentença. Dos meridionais foi citado o beatíssimo Cipriano, bispo de Cartago e mártir; das terras do Norte, Santo Ambrósio, bispo de Milão e confessor. Sem dúvida poderia citar um número maior de Padres, mas não foi necessário. Não era, com efeito, conveniente ocupar o tempo numa multidão de textos, desde o momento em que ninguém duvidada de que a opinião daqueles dez era a de todos os demais colegas.

 

O Concílio de Éfeso proclamava a antiga fé

31. Ademais, consignei as palavras do bem-aventurado Cirilo, tal como estão contidas nas mesmas Atas eclesiásticas. Elas dizem que, apenas foi lida a carta de Capreolo, o santo bispo de Cartago, que não pedia nem desejava mais que se rejeitasse a novidade e se defendesse a antiguidade, tomou a palavra o bispo Cirilo. Não parece inútil que cite aqui de novo suas palavras. Segundo está escrito ao final das Atas, ele disse:

 

    “A cartado venerando e religiosíssimo bispo de Cartago, Capreolo, que nos foi lida, deve ser incluída nas Atas oficiais. Pois se pensa mente é claríssimo: quer que sejam confirmados os dogmas da antiga fé e reprovadas e condenadas as novidades inutilmente excogitadas e impiamente pregadas. Todos os bispos o aprovaram e maltas vozes: essas palavras são nossas, expressam o pensamento de todos nós, este é o voto de todos”.

 

Quais eram, pois, as opiniões de todos? Quais os desejos comuns? Que se mantivesse tudo o que havia sido transmitido desde a antiguidade e se rejeitasse oque recentemente se havia acrescentado. Foi admirado e proclamado a humildade e a santidade desse Concílio. Os bispos reunidos ali em grande número, a maior parte dos quais eram metropolitas, possuíam uma tal erudição e doutrina, que podiam quase todos discutir sobre questões dogmáticas, e o fato de se encontrarem todos reunidos pôde lhes animar e lhes afirmar na sua capacidade para deduzir por si mesmos. Ao contrário, se preocuparam por todos meios de transmitir à posteridade somente o que receberam dos Padres, com o fim não somente de resolver bem as questões do presente, mas também de oferecer às gerações futuras o exemplo de como se devem venerar os dogmas da antiguidade sagrada e condenar as novidades ímpias. Também foi impugnado a presunção criminosa de Nestório, que seu fanava de ter sido o primeiro e o único a compreender a Sagrada Escritura, tachando de ignorantes a todos aqueles que, antes dele, investidos do ofício do Magistério, explicaram a Palavra Divina, ou seja, a todos os bispos, a todos os confessores, a todos os mártires. Alguns destes tinham explicado a Lei de Deus, outros haviam aceitado as explicações que lhes deram e prestaram fé. Ao contrário, segundo o parecer de Nestório, a Igreja se equivocara sempre, e continuava equivocando-se por ter seguido, segundo ele, a doutores ignorantes e heréticos.

 

Intervenções de Sixto III e de Celestino I contra as inovações ímpias

32. Ainda que todos estes exemplos são mais que suficientes para destroçar e aniquilar as novidades ímpias, sem embargo, para que não possa parecer que falta alguma coisa a tão grande número de provas, acrescentei ao final dois documentos da Sé Apostólica: um do Santo Papa Sixto, que na atualidade ilustra a Igreja de Roma, e outro de seu predecessor de feliz memória, o Papa Celestino. Creio ser necessário reproduzir aqui também estes dois documentos. Na carta que o santo Papa Sixto enviou ao bispo de Antioquia a propósito de Nestório, escreveu: “Posto que o Apóstolo disse que uma é a fé (cfr. Ef4,5), a fé que se impôs abertamente, acreditamos no que devemos falar e pregamos o que devemos manter”. Queremos saber o que é aquilo que devemos crer e pregar? Ouçamos o que ele diz a seguir:

 

    “Nada é lícito à novidade, porque nada é lícito acrescentar à antiguidade. A fé límpida de nossos pais e sua religiosidade não devem ser turvadas por nenhuma mistura de lama”.

 

Sentença verdadeiramente apostólica, que descreve a fé dos pais como limpidez cristalina, e as novidades ímpias como mistura de lama. No Papa Celestino encontramos o mesmo pensamento. Na carta que enviou aos bispos das Gálias, os censurava que, de fato, estavam coniventes com os propagadores de novidades, enquanto que seu silêncio culpável vinha a aviltar a fé antiga e permitia, por conseguinte, que se difundissem as novidades ímpias.

 

    “Com toda razão – diz – devemos nos considerar responsáveis se, com nosso silêncio, favorecemos o erro. Estes homens devem ser repreendidos; não têm a faculdade de pregar livremente!”

 

A alguns poderia lhes explicar a dúvida acerca da identidade das pessoas a quem está proibido pregar como lhes apraz: se serão os pregadores da antiga fé ou os inventores de novidades. Que o próprio Papa fale e resolva as dúvidas dos leitores. Com efeito, acrescenta: “Se isso é verdade…”, quer dizer se é verdade isso de que alguns os têm acusado, ou seja, que vossas cidades e províncias acolhem as novidades, “se isso é verdade, que a novidade cesse de lançar impropérios e acusações contra a antiguidade”. O venerando parecer do bem-aventurado Celestino não foi, pois, que a fé antiga deixasse de opor-se com todas as suas forças à novidade, mas que esta parasse já de molestar e perseguir a antiguidade.

 

Conclusão

33. Qualquer um que se oponha a estas decisões apostólicas e católicas, ofende ante tudo a memória de São Celestino, o qual decretou que a novidade devia cessar de acusar a antiga fé; se burla do juízo de São Sixto, que decretou que não poderia tolerar as novidades, porque não se pode acrescentar nada à antiguidade; por último, deprecia a decisão do bem-aventurado Cirilo, que louvou em alta voz o zelo do venerando Capreolo, desejoso de que os dogmas da antiga fé fossem confirmadas e condenadas as invenções inovadoras. O mesmo Sínodo de Éfeso seria violado, quer dizer, as definições dos Santos Bispos de todo o Oriente, os quais, divinamente inspirados, decretaram que a posteridade não deveria crer ou coisa mais que o que a antiguidade sagrada dos Santos Padres, unanimemente concordes em Cristo, havia mantido. Com altas vozes e aclamações todos a uma, deram testemunho de que a sentença, o desejo, o juízo de todos era que, do mesmo modo que foram condenados os hereges anteriores a Nestório, por depreciar a fé antiga e manter novidades, fosse também condenado Nestório, que igualmente era autor de novidades e adversário da antiguidade. Se alguém é contrário a este consenso unânime, que foi santamente inspirado pela graça celeste, se segue que julga condenada injustamente a impiedade de Nestório. Como última e lógica conseqüência, deprecia como lixo a toda a Igreja de Cristo e a seus Mestres, Apóstolos e Profetas, de maneira especial ao Apóstolo Paulo, que escreveu:

 

    “Oh, Timóteo, guarda o depósito evitando as novidades profanas nas expressões”

 

E também:

 

    “Qualquer um que os anuncie um Evangelho diferente do que haveis recebido, seja anátema”

 

Assim, pois, se as decisões dos Apóstolos e os decretos da Igreja não podem ser transgredidos – em virtude dos quais, segundo o consenso sagrado da universalidade e da antiguidade, todos os hereges têm sido sempre e justamente condenados – em consequência, é dever absoluto de todos os católicos, que desejam demonstrar que são filhos legítimos da Mãe Igreja, aderir-se, agarrar-se à fé dos Santos Padres, e morrer por ela, ao mesmo tempo que detestam, tem horror, combatem, perseguem as novidades ímpias. Isto é tudo o que, mais ou menos, expus nos dois Comonitórios, e que resumi aqui brevemente. Desta forma, minha memória, cujo auxílio escrevi estas notas, poderá consultá-las com freqüência e tirar proveito, sem sentir-se agoniada por uma expressão prolixa.

Wednesday, 29 May 2024

Good Reading: “The Infinite Vision” by Charles C. Winn (in English)

 

I tell you, gentlemen, this is a pretty pass of affairs. Here all the other branches of science are open to practically an unlimited development, while Astronomy is nearly strapped because of one thing—that we have apparently reached the limit of development of the telescope, as evidenced by these plates here. Something must be done. Can't any of you suggest anything?" and the speaker paused and glared around the table.

It was a meeting of the International Astronomical Society, gathered to discuss the results of the trial of the giant forty foot mercury reflector telescope which had recently been completed in the great Holton Observatory, situated high up among the South American Andes.

Evidently the results had been none too satisfactory, as evidenced by the grave and thoughtful expressions of the company. Holton, the chairman, with his none too good ordinary humor, was fast working up to a literal tirade of rage.

"Possibly zee mercury reflector might be satisfactorily eemproved," mildly suggested Flambeau, the noted Frenchman, in response to Holton's heated demand.

That individual gave a snort of disgust, and his wiry red hair fairly bristled, as he spat out his withering reply.

"What, that d—— thing! Why that thing is perfected as far as it lies within the power of mortal man to do it. But look at this plate—magnified enough, but as far as detail goes——! Looks like a striped pancake to me. "Vibrationless action, H——! You can't entirely eliminate vibration in any machine. And look what microscopic ripples did in this case. Yes, I'd like to see you do anything with that crazy thing. And if you are fools enough to try it, after spending a million dollars, with these results, why I absolutely refuse to have anything to do with it. I quit."

 

At the opposite extremes of the investigations of scientists are the studies of the electron and nucleus and quantum which have crowned such scientists as Milligan and Bohr and Rutherford tail with reputations which will never die. But on the other end of things we are surrounded by the Stellar Universe where miles are too small to be taken into account, and where the light-year, which is an inconceivable number of miles for the ordinary mind, is the unit of distance, and into this great Stellar Universe the observers of the "International Astronomical Society" are striving to penetrate with their gigantic telescope mounted on the great observatory on the summit of the Andes Mountains. What did they see? What secrets were revealed to them? We have no more to say. Read the story.

An uneasy silence followed this outburst. Not a man was present but who realized that, in spite of his eccentricities, Henry F. Holton was the greatest astronomical authority of the day. Consequently, no one had the temerity to oppose his views.

All through this stormy session, a tall dark man of about thirty-five sat patiently listening to the discourse. Glenn Faxworthy was, in all probability, the greatest genius present at the meeting that day. Not only was he proficient in Astronomy, but to an even greater degree in Physics and Chemistry. He had disclosed some remarkable things in his day, this quiet forceful man. Curiously enough, however, he had chosen to keep them to himself, biding the day when their revelation might be doubly effective.

Finally when the tenseness of the silence was becoming acute, he arose and addressed the meeting.

"Gentlemen," he said, "put a million dollars available at my hands and I will build you a telescope which will reveal the molecules of the rocks of the moon."

 

 

THE PREPARATION

A cold moon was rising over the snow-capped summits of the Andes Range. Upon one of the highest peaks stood the gigantic Holton Observatory, situated in the most favorable location of the world for making observations.

On the steps of the huge concrete building two men stood in earnest conversation. One of them was short and red-haired, with bright blue eyes that snapped belligerently behind thick horn-rimmed spectacles. His companion, tall and dark, had about him an indefinable atmosphere of quiet force and dignity.

For ten years these men had been engaged in intensive labor, the one preparing the huge structure for the reception of the delicate apparatus which his companion was laboring to perfect in a great laboratory far off in the States.

Six months ago he had arrived with it. From that time, with the assistance of a small crew of men, they had worked almost night and day installing it. Only that day had they made the final adjustments which rendered it capable of the mighty function it was to perform.

For some moments the two stood, silently regarding the great looming bulk which contained all their hopes. Then the tall dark man, raising his eyes, glanced at a great red star, which shone threateningly, unblinkingly in the zenith. He spoke shortly to his companion, and together the two entered the structure.

Two hours later they emerged, their faces transfigured with the light of great revelation. What they saw that night only ten others have from that day until this.

 

***

 

Twenty-four hours later the same men entered the building again. This time, however, they were accompanied by ten others, the greatest scientists of three continents. Harlton, the English physicist, was there; Coron, the American chemist; Flambeau, the Frenchman, together with the heads of the four greatest observatories in the world, and others.

In the center of the room to which they were conducted, stood the massive mercury reflector, the subject of the torrid discussion of ten years before. But now it was strangely altered. No longer was it set immovably upon giant pivots, pointing unalterably, to a single spot in the heavens. Now it was fitted into a ponderous equatorial mounting as delicately balanced as a precious chronometer. And its shining surface no longer needed rapid rotation to maintain its perfect parabolical form. The liquid metal was now set as rigid as steel. The master hand of the physicist had given it eternal solidity.

The party gazed in silence and wonder for a moment at the collossal creation of the human mind, and then turned and followed their guides up a long flight of stairs to a large room under the center of the huge dome.

It was a marvelous room, filled with an intricate complication of ingenious apparatus. Upon one side was banked series after series of vacuum tubes, mounted upon long panels of shining bakelite. Another wall was completely hidden by a huge switch-board, studded with a seemingly endless array of switches, control knobs, rheostats and levers.

In the center of the floor was mounted a shining silver screen about six feet square. Looking down upon it, the men could see the reflection of a strange piece of apparatus pointing directly down upon it, from the ceiling above.

For some moments the party stood gazing in mute wonderment at their surroundings. Then Faxworthy, as you may have guessed the identity of the tall dark man, spoke to them in his quiet level voice.

 

THE TELESCOPE

"Gentlemen," he said, "here before you lies the results of ten years of intensive labor by Mr. Holton and myself—the product of the million dollars with which you so kindly provided me. Whether you have received an ample return on your investment, only you can judge to-night. However, I do not expect you to be disappointed."

Then walking over to the board, he threw one of the switches. Instantly the low hum of an electric motor was heard from below.

"The power comes from a good-sized hydro-electric plant down on the other side of the mountain," he explained. "It was Holton's idea. And," he added, smiling gently, "Holton was an invaluable factor in the construction of the mounting for the reflector and other requisite auxiliary apparatus. If we are successful tonight, he shares all honors."

Then, turning to the board again, he moved a lever which brought the aperture of the huge dome around to the east. Another switch, and upon the very apex of the dome, mounted upon a small steel tower, a weird piece of apparatus, much resembling a huge X-ray tube sprang into life, unseen to the watchers below. Then, guided by the master hand, it swung upward until it pointed full upon the rising moon.

Faxworthy spoke again. "Gentlemen, I now have the reflector in the room below trained upon the moon. Watch the screen closely."

He threw another switch. A low hum came from above, which speedily grew in pitch to a piercing whine, which soon became inaudible to the listeners below.

He turned a control knob, and two of the vacuum tubes lighted up. Simultaneously a strange beam of luminescence shot downward from the apparatus above.

Gazing down upon the screen the men saw an object that riveted their immediate attention. There, as though floating upon the silvery depths, was a beautifully detailed image of the moon.

Rapturously the group looked upon it. Then Faxworthy, with a dexterous twist of his wrist, snapped two more of the tubes into the circuit. The first image faded away, and was replaced by one, filling the entire screen. Then, as bulb after bulb flashed in, the screen showed only portions of the golden surface, and the image grew more and more detailed. Now only one great mountain was visible to the watchers; now only a portion of that mountain; now only a half dozen rocks upon its surface, and finally the surface of one rock.

Then the scientist, with an admonition to his companions, threw in a switch which brought the last bank of tubes simultaneously into light.

The former vision faded away, and in its place appeared a whirling mass of transparent spheres, visible only by the opalescent light reflected from their surfaces.

 

MOON’S MOLECULES

"Gentlemen," said Faxworthy, his usually quiet voice trembling slightly with emotion, "here you see the quartz molecules of one of the rocks on the surface of our satellite. I can only hope that the sight will repay you for the money, which you so kindly provided."

A subdued murmur of approbation was the only reply he received from the enchanted group of scientists, as they rapturously watched the flitting shapes before them.

For some moments they stood, struck with the wonder of it. Then Faxworthy abruptly pulled open the switches, and the image faded from the screen.

"Perhaps you would like a brief explanation of the apparatus, before we engage in the final test of the evening," he suggested, at the same time glancing at his watch.

There was a general nodding of heads in assent and he began. "As you probably know, I have been engaged in research work in Physics and Chemistry, from the age of twenty. During that time I have made some discoveries on these subjects, certain of which have proven very useful in this present undertaking. Up to this time I have revealed their nature to no one except Holton, who has been completely in my confidence. If you will excuse me, gentlemen, I will soon be back with you." And he disappeared up a ladder, leading to a room higher up in the center of the dome.

In a moment he returned, holding something tightly clasped in his hand. Opening it, he disclosed a small flat tube, filled with a reddish viscid liquid, in the extremities of which were sealed several fine platinum wires.

"This tube, gentlemen," explained the scientist, "is the very heart of the apparatus you see about you. Without it, all would be entirely useless. It contains a quantity of a previously unknown element, which I call Lucium. It took me and my laboratory assistants twenty years to isolate the amount of Lucium you see in the tube.

"The essential fact is that this element has the same properties as selenium, only in a million times more sensitive a degree. In absolute darkness it is an absolute non-conductor of electricity, but let the tiniest ray of light strike it—though that ray came across the universe—the substance immediately becomes proportionately conductive. Within the light-proof room above, the light from the mercury reflector comes to a focus upon this tube. I shall not attempt to explain the process by which the electrical impressions are generated, amplified, translated again into light, and finally projected to the screen below.It is far too intricate, and would require hours to explain satisfactorily. Due to the lack of time, neither shall I relate the circumstances of the discovery of this element further than to tell you that I was curious as to the cause of a bright violet line, which occasionally flashed into the spectrum of a rare ore that I was analyzing."

 

OBSERVING MARS

Then drawing his watch from his pocket, he continued impressively: "In twenty-five minutes, the planet Mars will have reached its closest possible approach to the Earth. Then we shall learn her secret. If you will pardon me a moment, I will return the lucium to its proper place."

He was soon back, and even as he returned, the sound of distant thunder became plainly audible in the clear mountain air.

"One of the summer thunder storms common among these mountains is coming up," he explained simply. "I will adjust the reflector now, lest it give us trouble when it arrives."

"But, Monsieur, it will spoil the observation! Even when it recedes, zee air currents will be atrocious!" cried Flambeau in the first words he had spoken that night.

Faxworthy made no verbal reply, but motioned them out upon a small balcony on the east wall of the structure. He pointed his finger to the moon, which was being slowly obscured. Following his motion, the others gazed in the same direction. What they saw was a ghostly cylinder of faint luminescence issuing from the small tower on the roof, and reaching outward into space as far as the eye could see!

"The dispelling ray," briefly explained their guide. "The ether waves of the fortieth octave which have the property of expelling all matter from their path. The range of this ray in the atmosphere is about six hundred miles, and as long as the telescope aligns in its path, it effectually eliminates all interference from atmospheric or meteorologic conditions."

The wondering silence that followed was broken only by a stifled "Mon Dieu!" from Flambeau. That one man could have produced so many wonders seemed almost incredible to the group of distinguished scientists.

The silence was not broken, even as their guide led them back to the control room. Swiftly he brought the colossal telescope to the zenith, where the great red star still steadily gleamed. Synchronically the unearthly band of light on the dome swung upward until it came to rest in the same direction.

Again the first two vacuum tubes flashed into light; again that strange beam of luminescence shot down from the ceiling, and there came into being upon the screen the image of a great red star, magnified to the diameter of a baseball. Two more of the tubes, and the image doubled in size. Now a complicated network of delicate lines could be discerned upon its dull crimson surface.

Two at a time, the vacuum tubes were switched into the circuit, and ever the image increased in size and detail. Soon it covered the entire screen. Now only sections of the surface were visible, and slowly the sections grew less in extent, as they grew plainer and plainer in detail. Now the view was from the apparent distance of a million miles, now a thousand, now five hundred.

And slowly the delicate lines had grown in breadth, until only two of them, now broad ochre bands two feet wide, intersected in the middle of the screen, in the form of a large circular spot. The center of this spot was thickly strewn with small black dots, which glistened sharply as they reflected the sun's rays.

 

MARS AT 10,000 FEET

Then without warning, Faxworthy snapped on all but two of the remaining tubes in the bank. Instantly the image on the screen faded into obscurity, and in its place appeared a wondrous scene. There, as though from a ten thousand foot bird's-eye view, stretched a great city.

They were looking down upon great buildings a thousand feet in height, above which swarms of enormous airships darted gracefully through the air. And the decks were covered with tiny figures!

The last two bulbs flashed into life, and the view came to the apparent distance of fifty feet. The tiny figures were men. Perfect men of wonderful physique, with finely chiseled faces. They were clad in a raiment resembling that in which Caesar's legion were dressed centuries ago. There were women also, all of glorious form and feature, robed in exquisitely colored gowns, which gleamed in the sunlight with a myriad opalescent tints.

The last two tubes again faded into darkness, and the view receded to the original ten-thousand foot scene.

With an almost imperceptible movement of his hand upon a lever, he brought the landscape flashings across the screen in a glorious panorama.

And while they viewed the surface of the dying planet from pole to pole, the storm that had been rising came up and settled over the top of the mountain. Lightnings flashed, and thunder shook the observatory, but so engrossed were they in the wondrous scene before them, and so protected from interruption by the silent, ghastly ray without, that they were completely oblivious to the disturbance.

Now a vast, red, sandy desert was sweeping across the screen, now a waterway, now another city (always situated at the intersection of two canals), and so from the distance of thirty-three millions of miles, they viewed the surface of the planet from ice clad north to ice clad south. Suddenly the lofty summit of a great mountain capped with an enormous black blotch swept across their vision.

With skillful hand, Faxworthy brought the image back to the center of the screen. The black blotch was a huge building completely covering the top of the mountain, and towering five hundred feet into the air—an almost exact replica of the building in which they stood. And from its top an enormous ray of unearthly luminescence shot sharply out into space! Again the last two bulbs flashed into light, and they looked down into the polished bowl of an enormous concave mirror two hundred feet in diameter.

"You see," said the scientists significantly, "unseen eyes are ever watching us from space, and they have been doing so for countless ages."

Then the storm outside broke into its full fury. Lightning played in rapid streams, and thunder echoed and re-echoed with mighty din.

Suddenly a bolt of blinding light reached down from the sky to the tower upon the dome. The partially fused metal gave to the weight, and the great ray slowly fell in a wide arc to the earth. There was a series of frightful reports, as it tore the mountain asunder with its mighty force.

In the room below the image no longer showed sharp and clear upon the screen, but was entirely obscured by a mass of whirling grayish green. Then as the awful crashes rent the air, Faxworthy gave a terrible cry. "THE RAY!" he shrieked and leaped toward the far end of the switchboard! But it was too late!

With a sudden lurch, the thing on the roof had fallen completely to the perpendicular. There was a second frightful din as it rent asunder all within its path, ripping out the very vitals of the delicate apparatus that gave it life! Then it grew dark.

And above in wild cadence the thunder drums of Nature rolled out a pean of victory, over the shattered fragments of the rash mortals who fain would know her innermost secrets.

 

THE END

Tuesday, 28 May 2024

Tuesday's Serial: “Lavengro” by George Borrow (in English) - XVI

Chapter 31

the walk—london's cheape—street of the lombards—strange bridge—main arch—the roaring gulf—the boat—cly-faking—a comfort—no trap

 

So I set out on my walk to see the wonders of the big city, and, as chance would have it, I directed my course to the east. The day, as I have already said, had become very fine, so that I saw the great city to advantage, and the wonders thereof: and much I admired all I saw; and, amongst other things, the huge cathedral, standing so proudly on the most commanding ground in the big city; and I looked up to the mighty dome, surmounted by a golden cross, and I said within myself, 'That dome must needs be the finest in the world'; and I gazed upon it till my eyes reeled, and my brain became dizzy, and I thought that the dome would fall and crush me; and I shrank within myself, and struck yet deeper into the heart of the big city.

'Oh Cheapside! Cheapside!' said I, as I advanced up that mighty thoroughfare, 'truly thou art a wonderful place for hurry, noise, and riches! Men talk of the bazaars of the East—I have never seen them—but I daresay that, compared with thee, they are poor places, silent places, abounding with empty boxes, O thou pride of London's east!—mighty mart of old renown!—for thou art not a place of yesterday:—long before the Roses red and white battled in fair England, thou didst exist—a place of throng and bustle—a place of gold and silver, perfumes and fine linen. Centuries ago thou couldst extort the praises even of the fiercest foes of England. Fierce bards of Wales, sworn foes of England, sang thy praises centuries ago; and even the fiercest of them all, Red Julius himself, wild Glendower's bard, had a word of praise for London's 'Cheape,' for so the bards of Wales styled thee in their flowing odes. Then, if those who were not English, and hated England, and all connected therewith, had yet much to say in thy praise, when thou wast far inferior to what thou art now, why should true-born Englishmen, or those who call themselves so, turn up their noses at thee, and scoff thee at the present day, as I believe they do? But, let others do as they will, I, at least, who am not only an Englishman, but an East Englishman, will not turn up my nose at thee, but will praise and extol thee, calling thee mart of the world—a place of wonder and astonishment!—and, were it right and fitting to wish that anything should endure for ever, I would say prosperity to Cheapside, throughout all ages—may it be the world's resort for merchandise, world without end.'

And when I had passed through the Cheape I entered another street, which led up a kind of ascent, and which proved to be the street of the Lombards, called so from the name of its first founders; and I walked rapidly up the street of the Lombards, neither looking to the right nor left, for it had no interest for me, though I had a kind of consciousness that mighty things were being transacted behind its walls: but it wanted the throng, bustle, and outward magnificence of the Cheape, and it had never been spoken of by 'ruddy bards'! And, when I had got to the end of the street of the Lombards, I stood still for some time, deliberating within myself whether I should turn to the right or the left, or go straight forward, and at last I turned to the right, down a street of rapid descent, and presently found myself upon a bridge which traversed the river which runs by the big city.

A strange kind of bridge it was; huge and massive, and seemingly of great antiquity. It had an arched back, like that of a hog, a high balustrade, and at either side, at intervals, were stone bowers bulking over the river, but open on the other side, and furnished with a semicircular bench. Though the bridge was wide—very wide—it was all too narrow for the concourse upon it. Thousands of human beings were pouring over the bridge. But what chiefly struck my attention was a double row of carts and wagons, the generality drawn by horses as large as elephants, each row striving hard in a different direction, and not unfrequently brought to a standstill. Oh the cracking of whips, the shouts and oaths of the carters, and the grating of wheels upon the enormous stones that formed the pavement! In fact, there was a wild hurly-burly upon the bridge, which nearly deafened me. But, if upon the bridge there was a confusion, below it there was a confusion ten times confounded. The tide, which was fast ebbing, obstructed by the immense piers of the old bridge, poured beneath the arches with a fall of several feet, forming in the river below as many whirlpools as there were arches. Truly tremendous was the roar of the descending waters, and the bellow of the tremendous gulfs, which swallowed them for a time, and then cast them forth, foaming and frothing from their horrid wombs. Slowly advancing along the bridge, I came to the highest point, and there I stood still, close beside one of the stone bowers, in which, beside a fruit-stall, sat an old woman, with a pan of charcoal at her feet, and a book in her hand, in which she appeared to be reading intently. There I stood, just above the principal arch, looking through the balustrade at the scene that presented itself—and such a scene! Towards the left bank of the river, a forest of masts, thick and close, as far as the eye could reach; spacious wharfs, surmounted with gigantic edifices; and, far away, Cæsar's Castle, with its White Tower. To the right, another forest of masts, and a maze of buildings, from which, here and there, shot up to the sky chimneys taller than Cleopatra's Needle, vomiting forth huge wreaths of that black smoke which forms the canopy—occasionally a gorgeous one—of the more than Babel city. Stretching before me, the troubled breast of the mighty river, and, immediately below, the main whirlpool of the Thames—the Maëlstrom of the bulwarks of the middle arch—a grisly pool, which, with its superabundance of horror, fascinated me. Who knows but I should have leapt into its depths?—I have heard of such things—but for a rather startling occurrence which broke the spell. As I stood upon the bridge, gazing into the jaws of the pool, a small boat shot suddenly through the arch beneath my feet. There were three persons in it; an oarsman in the middle, whilst a man and woman sat at the stern. I shall never forget the thrill of horror which went through me at this sudden apparition. What!—a boat—a small boat—passing beneath that arch into yonder roaring gulf! Yes, yes, down through that awful water-way, with more than the swiftness of an arrow, shot the boat, or skiff, right into the jaws of the pool. A monstrous breaker curls over the prow—there is no hope; the boat is swamped, and all drowned in that strangling vortex. No! the boat, which appeared to have the buoyancy of a feather, skipped over the threatening horror, and, the next moment, was out of danger, the boatman—a true boatman of Cockaigne that—elevating one of his sculls in sign of triumph, the man hallooing, and the woman, a true Englishwoman that—of a certain class—waving her shawl. Whether any one observed them save myself, or whether the feat was a common one, I know not; but nobody appeared to take any notice of them. As for myself, I was so excited that I strove to clamber up the balustrade of the bridge, in order to obtain a better view of the daring adventurers. Before I could accomplish my design, however, I felt myself seized by the body, and, turning my head, perceived the old fruit-woman, who was clinging to me.

'Nay, dear! don't—don't!' said she. 'Don't fling yourself over—perhaps you may have better luck next time!'

'I was not going to fling myself over,' said I, dropping from the balustrade; 'how came you to think of such a thing?'

'Why, seeing you clamber up so fiercely, I thought you might have had ill luck, and that you wished to make away with yourself.'

'Ill luck,' said I, going into the stone bower, and sitting down. 'What do you mean? ill luck in what?'

'Why, no great harm, dear! cly-faking perhaps.'

'Are you coming over me with dialects,' said I, 'speaking unto me in fashions I wot nothing of?'

'Nay, dear! don't look so strange with those eyes of your'n, nor talk so strangely; I don't understand you.'

'Nor I you; what do you mean by cly-faking?'

'Lor, dear! no harm; only taking a handkerchief now and then.'

'Do you take me for a thief?'

'Nay, dear! don't make use of bad language; we never calls them thieves here, but prigs and fakers: to tell you the truth, dear, seeing you spring at that railing put me in mind of my own dear son, who is now at Bot'ny: when he had bad luck, he always used to talk of flinging himself over the bridge; and, sure enough, when the traps were after him, he did fling himself into the river, but that was off the bank; nevertheless, the traps pulled him out, and he is now suffering his sentence; so you see you may speak out, if you have done anything in the harmless line, for I am my son's own mother, I assure you.'

'So you think there's no harm in stealing?'

'No harm in the world, dear! Do you think my own child would have been transported for it, if there had been any harm in it? and, what's more, would the blessed woman in the book here have written her life as she has done, and given it to the world, if there had been any harm in faking? She, too, was what they call a thief and a cut-purse; ay, and was transported for it, like my dear son; and do you think she would have told the world so, if there had been any harm in the thing? Oh, it is a comfort to me that the blessed woman was transported, and came back—for come back she did, and rich too—for it is an assurance to me that my dear son, who was transported too, will come back like her.'

'What was her name?'

'Her name, blessed Mary Flanders.'

'Will you let me look at the book?'

'Yes, dear, that I will, if you promise me not to run away with it.'

I took the book from her hand; a short thick volume, at least a century old, bound with greasy black leather. I turned the yellow and dog's-eared pages, reading here and there a sentence. Yes, and no mistake! His pen, his style, his spirit might be observed in every line of the uncouth-looking old volume—the air, the style, the spirit of the writer of the book which first taught me to read. I covered my face with my hand, and thought of my childhood . . .

'This is a singular book,' said I at last; 'but it does not appear to have been written to prove that thieving is no harm, but rather to show the terrible consequences of crime: it contains a deep moral.'

'A deep what, dear?'

'A—but no matter, I will give you a crown for this volume.'

'No, dear, I will not sell the volume for a crown.'

'I am poor,' said I; 'but I will give you two silver crowns for your volume.'

'No, dear, I will not sell my volume for two silver crowns; no, nor for the golden one in the king's tower down there; without my book I should mope and pine, and perhaps fling myself into the river; but I am glad you like it, which shows that I was right about you, after all; you are one of our party, and you have a flash about that eye of yours which puts me just in mind of my dear son. No, dear, I won't sell you my book; but, if you like, you may have a peep into it whenever you come this way. I shall be glad to see you; you are one of the right sort, for, if you had been a common one, you would have run away with the thing; but you scorn such behaviour, and, as you are so flash of your money, though you say you are poor, you may give me a tanner to buy a little baccy with; I love baccy, dear, more by token that it comes from the plantations to which the blessed woman was sent.'

'What's a tanner?' said I.

'Lor! don't you know, dear? Why, a tanner is sixpence; and, as you were talking just now about crowns, it will be as well to tell you that those of our trade never calls them crowns, but bulls; but I am talking nonsense, just as if you did not know all that already, as well as myself; you are only shamming—I'm no trap, dear, nor more was the blessed woman in the book. Thank you, dear—thank you for the tanner; if I don't spend it, I'll keep it in remembrance of your sweet face. What, you are going?—well, first let me whisper a word to you. If you have any clies to sell at any time, I'll buy them of you; all safe with me; I never peach, and scorns a trap; so now, dear, God bless you! and give you good luck! Thank you for your pleasant company, and thank you for the tanner.'

 

 

Chapter 32

the tanner—the hotel—drinking claret—london journal—new field—commonplaceness—the three individuals—botheration—both frank and ardent

 

'Tanner!' said I musingly, as I left the bridge; 'Tanner! what can the man who cures raw skins by means of a preparation of oak bark and other materials have to do with the name which these fakers, as they call themselves, bestow on the smallest silver coin in these dominions? Tanner! I can't trace the connection between the man of bark and the silver coin, unless journeymen tanners are in the habit of working for sixpence a day. But I have it,' I continued, flourishing my hat over my head, 'tanner, in this instance, is not an English word.' Is it not surprising that the language of Mr. Petulengro and of Tawno Chikno is continually coming to my assistance whenever I appear to be at a nonplus with respect to the derivation of crabbed words? I have made out crabbed words in Æschylus by means of the speech of Chikno and Petulengro, and even in my Biblical researches I have derived no slight assistance from it. It appears to be a kind of picklock, an open sesame, Tanner—Tawno! the one is but a modification of the other; they were originally identical, and have still much the same signification. Tanner, in the language of the apple-woman, meaneth the smallest of English silver coins; and Tawno, in the language of the Petulengres, though bestowed upon the biggest of the Romans, according to strict interpretation signifieth a little child.

So I left the bridge, retracing my steps for a considerable way, as I thought I had seen enough in the direction in which I had hitherto been wandering; I should say that I scarcely walked less than thirty miles about the big city on the day of my first arrival. Night came on, but still I was walking about, my eyes wide open, and admiring everything that presented itself to them. Everything was new to me, for everything is different in London from what it is elsewhere—the people, their language, the horses, the tout ensemble—even the stones of London are different from others—at least it appeared to me that I had never walked with the same ease and facility on the flagstones of a country town as on those of London; so I continued roving about till night came on, and then the splendour of some of the shops particularly struck me. 'A regular Arabian Nights entertainment!' said I, as I looked into one on Cornhill, gorgeous with precious merchandise, and lighted up with lustres, the rays of which were reflected from a hundred mirrors.

But, notwithstanding the excellence of the London pavement, I began about nine o'clock to feel myself thoroughly tired; painfully and slowly did I drag my feet along. I also felt very much in want of some refreshment, and I remembered that since breakfast I had taken nothing. I was now in the Strand, and, glancing about, I perceived that I was close by an hotel, which bore over the door the somewhat remarkable name of Holy Lands. Without a moment's hesitation I entered a well-lighted passage, and, turning to the left, I found myself in a well-lighted coffee-room, with a well-dressed and frizzled waiter before me. 'Bring me some claret,' said I, for I was rather faint than hungry, and I felt ashamed to give a humbler order to so well-dressed an individual. The waiter looked at me for a moment; then, making a low bow, he bustled off, and I sat myself down in the box nearest to the window. Presently the waiter returned, bearing beneath his left arm a long bottle, and between the fingers of his right hand two large purple glasses; placing the latter on the table, he produced a corkscrew, drew the cork in a twinkling, set the bottle down before me with a bang, and then, standing still, appeared to watch my movements. You think I don't know how to drink a glass of claret, thought I to myself. I'll soon show you how we drink claret where I come from; and, filling one of the glasses to the brim, I flickered it for a moment between my eyes and the lustre, and then held it to my nose; having given that organ full time to test the bouquet of the wine, I applied the glass to my lips, taking a large mouthful of the wine, which I swallowed slowly and by degrees, that the palate might likewise have an opportunity of performing its functions. A second mouthful I disposed of more summarily; then, placing the empty glass upon the table, I fixed my eyes upon the bottle, and said—nothing; whereupon the waiter, who had been observing the whole process with considerable attention, made me a bow yet more low than before, and, turning on his heel, retired with a smart chuck of his head, as much as to say, It is all right: the young man is used to claret.

And when the waiter had retired I took a second glass of the wine, which I found excellent; and, observing a newspaper lying near me, I took it up and began perusing it. It has been observed somewhere that people who are in the habit of reading newspapers every day are not unfrequently struck with the excellence of style and general talent which they display. Now, if that be the case, how must I have been surprised, who was reading a newspaper for the first time, and that one of the best of the London journals! Yes, strange as it may seem, it was nevertheless true that, up to the moment of which I am speaking, I had never read a newspaper of any description. I of course had frequently seen journals, and even handled them; but, as for reading them, what were they to me? I cared not for news. But here I was now with my claret before me, perusing, perhaps, the best of all the London journals; it was not the ——, and I was astonished: an entirely new field of literature appeared to be opened to my view. It was a discovery, but I confess rather an unpleasant one; for I said to myself, If literary talent is so very common in London, that the journals, things which, as their very name denotes, are ephemeral, are written in a style like the article I have been perusing, how can I hope to distinguish myself in this big town, when, for the life of me, I don't think I could write anything half so clever as what I have been reading? And then I laid down the paper, and fell into deep musing; rousing myself from which, I took a glass of wine, and, pouring out another, began musing again. What I have been reading, thought I, is certainly very clever and very talented; but talent and cleverness I think I have heard some one say are very commonplace things, only fitted for everyday occasions. I question whether the man who wrote the book I saw this day on the bridge was a clever man; but, after all, was he not something much better? I don't think he could have written this article, but then he wrote the book which I saw on the bridge. Then, if he could not have written the article on which I now hold my forefinger—and I do not believe he could—why should I feel discouraged at the consciousness that I, too, could not write it? I certainly could no more have written the article, than he could; but then, like him, though I would not compare myself to the man who wrote the book I saw upon the bridge, I think I could—and here I emptied the glass of claret—write something better.

Thereupon I resumed the newspaper; and, as I was before struck with the fluency of style and the general talent which it displayed, I was now equally so with its commonplaceness and want of originality on every subject; and it was evident to me that, whatever advantage these newspaper-writers might have over me in some points, they had never studied the Welsh bards, translated Kæmpe Viser, or been under the pupilage of Mr. Petulengro and Tawno Chikno.

And as I sat conning the newspaper three individuals entered the room, and seated themselves in the box at the farther end of which I was. They were all three very well dressed; two of them elderly gentlemen, the third a young man about my own age, or perhaps a year or two older: they called for coffee; and, after two or three observations, the two eldest commenced a conversation in French, which, however, though they spoke it fluently enough, I perceived at once was not their native language; the young man, however, took no part in their conversation, and when they addressed a portion to him, which indeed was but rarely, merely replied by a monosyllable. I have never been a listener, and I paid but little heed to their discourse, nor indeed to themselves; as I occasionally looked up, however, I could perceive that the features of the young man, who chanced to be seated exactly opposite to me, wore an air of constraint and vexation. This circumstance caused me to observe him more particularly than I otherwise should have done: his features were handsome and prepossessing; he had dark brown hair and a high-arched forehead. After the lapse of half an hour, the two elder individuals, having finished their coffee, called for the waiter, and then rose as if to depart, the young man, however, still remaining seated in the box. The others, having reached the door, turned round, and, finding that the youth did not follow them, one of them called to him with a tone of some authority; whereupon the young man rose, and, pronouncing half audibly the word 'botheration,' rose and followed them. I now observed that he was remarkably tall. All three left the house. In about ten minutes, finding nothing more worth reading in the newspaper, I laid it down, and though the claret was not yet exhausted, I was thinking of betaking myself to my lodgings, and was about to call the waiter, when I heard a step in the passage, and in another moment the tall young man entered the room, advanced to the same box, and, sitting down nearly opposite to me, again pronounced to himself, but more audibly than before, the same word.

'A troublesome world this, sir,' said I, looking at him.

'Yes,' said the young man, looking fixedly at me; 'but I am afraid we bring most of our troubles on our own heads—at least I can say so of myself,' he added, laughing. Then, after a pause, 'I beg pardon,' he said, 'but am I not addressing one of my own country?'

'Of what country are you?' said I.

'Ireland.'

'I am not of your country, sir; but I have an infinite veneration for your country, as Strap said to the French soldier. Will you take a glass of wine?'

'Ah, de tout mon cœur, as the parasite said to Gil Blas,' cried the young man, laughing. 'Here's to our better acquaintance!'

And better acquainted we soon became; and I found that, in making the acquaintance of the young man, I had indeed made a valuable acquisition; he was accomplished, highly connected, and bore the name of Francis Ardry. Frank and ardent he was, and in a very little time had told me much that related to himself, and in return I communicated a general outline of my own history; he listened with profound attention, but laughed heartily when I told him some particulars of my visit in the morning to the publisher, whom he had frequently heard of.

We left the house together.

'We shall soon see each other again,' said he, as we separated at the door of my lodging.

 

Saturday, 25 May 2024

Good Reading: "Florença" by Raul de Leoni (in Portuguese)

Manhã de outono...
Través a gaze fluida da neblina,
Teu panorama, trêmulo, hesitante,
Se vai furtivamente desenhando,
Na alva doçura de uma renda fina...

Do florido balcão de San Miniato,
Como num cosmorama imaginário,
Vejo aos poucos despir-se o teu cenário,
Dentro de um sereníssimo aparato...
Em tons de madrepérola cambiante,
Ao reflexo de um íris fugidio,
Sob o ar transparente e o céu macio,
Abre-se em luz a concha colorida
Do vale do Arno...

Longe onde a névoa azul se dilui sobre as linhas
Amáveis das colinas,
Em caprichosas curvas serpentinas
De oliveiras em flor, de olmeiros e de vinhas,
De pinheiros reais e amendoeiras tranquilas,
Fiésole, bucólica e galante
Mostra, numa expressão fresca de tintas,
O esmalte senhorial das suas vilas
E o cromo pastoril das suas quintas,
Dentro dos bosques do Decameron...
 
Surgem zimbórios em mosaico, perfis duros
De arrogantes palácios gibelinos,
Silhuetas de basílicas votivas,
Torres mortas e suaves perspectivas
E o coleio longínquo dos teus muros,
Recortando a moldura azul dos Apeninos...
Teus sinos cantam num prelúdio lento
A elegia das horas imortais;
É a canção do teu próprio sentimento
Na voz sonâmbula das catedrais...

E é, então, que transponho as tuas portas
E ouvindo as tuas ruínas pensativas
Sinto-me em corpo e espírito em Florença:
A mais humana das cidades vivas,
A mais divina das cidades mortas!...

Florença, ó meu retiro espiritual!
Suave vinheta do meu pensamento!
Sempre te amei com o mesmo afeto humano
Dês que tu eras a comuna guelfa
Idealista, rebelde e sanguinária,
Até o dia
Em que tua alma, flor litúrgica e sombria
Do espírito cristão,
Fugindo do “Jardim das Escrituras”,
Foi, para ver a luz de outras alturas,
Sentar-se no “Banquete de Platão”!

Nobre e amável Florença!
Doce filha de Cristo e de Epicuro!
Flor de Volúpia e de Sabedoria!
Na tua alma de Vênus e Maria
Há uma estranha harmonia ambígua, indescritível:
A castidade melancólica dos lírios
E a graça afrodisíaca das rosas;
A mansuetude ingênua de Fra Angélico!
E a alegria picante de Bocácio!
Amo-te assim, indefinida e vária!
Casta e viciosa – gótica e pagã,
Harmoniosa entre a Acrópole e o Calvário.

Ó Pátria sereníssima
Das formas puras, das ideias claras;
Das igrejas, das fontes, dos jardins;
Dos mosaicos, das rendas, dos brocados;
Dos coloristas límpidos e meigos;
Das almas furta-cor e da graça perversa;
Da discreta estesia dos requintes;
Dos vícios raros, das perversões elegantes;
Dos venenos sutis e dos punhais lascivos;
Deliciosa no crime e na virtude,
Onde a existência foi uma bela atitude
De sensibilidade e de bom gosto
E passou pela História, assim, na ronda viva
Meditativa e brilhante
De uma “Fête Galante”!...

***

Trago-te a minha gratidão latina
Porque foi no teu seio que se fez
Toda a ressurreição da Vida luminosa:
Ó Florença! Florença!
A mais humana das cidades vivas!
A mais divina das cidades mortas!...

Friday, 24 May 2024

Friday's Sung Word: "Porquê Gosto De Você" by Cândido das Neves (in Portuguese)

Meu bem vive triste,
Mas no entanto não me diz
Porquê razão vai me deixar?...
Vive a dizer que é infeliz,
Tudo eu já fiz para lhe consolar.

Peço, quase imploro,
Que ela fique mais em vão,
Diz que na orgia não me quer...
Quem quiser ver a ingratidão
Algeme o coração no amor de uma mulher.

Oh! Eu já vi que
Não posso viver sem você,
Até já deixei a orgia...
Se alegria eu não tenho,
É porque tive a sina de gostar de você.

 

You can listen "Porquê Gosto De Você" sung by Francisco Alves and the Pan Americana Orchestra here.