Saturday, 13 September 2025

"Humani Generis" by Pope Pius XII (translated into Portuguese)

 

CARTA ENCÍCLICA HUMANI GENERIS DO SUMO PONTÍFICE PAPA PIO XII AOS VENERÁVEIS IRMÃOS, PATRIARCAS, PRIMAZES, ARCEBISPOS E BISPOS E OUTROS ORDINÁRIOS DO LUGAR EM PAZ E COMUNHÃO COM A SÉ APOSTÓLICA SOBRE OPINIÕES FALSAS QUE AMEAÇAM A DOUTRINA CATÓLICA

 

INTRODUÇÃO

1. As dissensões e erros do gênero humano em questões religiosas e morais têm sido sempre fonte e causa de intensa dor para todas as pessoas de boa vontade e, principalmente, para os filhos fiéis e sinceros da Igreja; mas, de maneira especial, o continuam sendo hoje em dia, quando vemos combatidos até os próprios princípios da cultura cristã.

2. Não é de admirar que haja constantemente discórdias e erros fora do redil de Cristo. Pois, embora possa realmente a razão humana com suas forças e sua luz natural chegar de forma absoluta ao conhecimento verdadeiro e certo de Deus, único e pessoal, que sustém e governa o mundo com sua providência, bem como ao conhecimento da lei natural, impressa pelo Criador em nossas almas, entretanto, não são poucos os obstáculos que impedem a razão de fazer uso eficaz e frutuoso dessa sua capacidade natural. De fato, as verdades que se referem a Deus e às relações entre os homens e Deus transcendem por completo a ordem dos seres sensíveis e, quando entram na prática da vida e a enformam, exigem o sacrifício e a abnegação própria. Ora, o entendimento humano encontra dificuldades na aquisição de tais verdades, já pela ação dos sentidos e da imaginação, já pelas más inclinações, nascidas do pecado original. Isso faz com que os homens, em semelhantes questões, facilmente se persuadam de ser falso e duvidoso o que não querem que seja verdadeiro.

3. Por isso deve-se defender que a revelação divina é moralmente necessária para que, mesmo no estado atual do gênero humano, todos possam conhecer com facilidade, com firme certeza e sem nenhum erro, as verdades religiosas e morais que não são por si inacessíveis à razão.[1]

 

4. Ademais, por vezes, pode a mente humana encontrar dificuldade mesmo para formar juízo certo sobre a credibilidade da fé católica, não obstante os múltiplos e admiráveis indícios externos ordenados por Deus para se poder provar certamente, por meio deles, a origem divina da religião cristã, exclusivamente com a luz da razão. Isso ocorre porque o homem, levado por preconceitos, ou instigado pelas paixões e pela má vontade, não só pode negar a evidência desses sinais externos, mas também resistir às inspirações sobrenaturais que Deus infunde em nossas almas.

 

I. FALSAS DOUTRINAS ATUALMENTE EM VOGA

5. Se olharmos para fora do redil de Cristo, facilmente descobriremos as principais direções que seguem não poucos dos homens de estudo. Uns admitem sem discrição nem prudência o sistema evolucionista, que até no próprio campo das ciências naturais não foi ainda indiscutivelmente provado, pretendendo que se deve estendê-lo à origem de todas as coisas, e com ousadia sustentam a hipótese monista e panteísta de um mundo submetido a perpétua evolução. Dessa hipótese se valem os comunistas para defender e propagar seu materialismo dialético e arrancar das almas toda noção de Deus.

6. As falsas afirmações de semelhante evolucionismo pelas quais se rechaça tudo o que é absoluto, firme e imutável, vieram abrir o caminho a uma moderna pseudo-filosofia que, em concorrência contra o idealismo, o imanentismo e o pragmatismo, foi denominada existencialismo, porque nega as essências imutáveis das coisas e não se preocupa mais senão com a "existência" de cada uma delas.

7. Existe igualmente um falso historicismo, que se atém só aos acontecimentos da vida humana e, tanto no campo da filosofia como no dos dogmas cristãos, destrói os fundamentos de toda verdade e lei absoluta.

8. Em meio a tanta confusão de opiniões nos é de algum consolo ao ver os que hoje, não raramente, abandonando as doutrinas do racionalismo em que haviam sido educados, desejam voltar aos mananciais da verdade revelada e reconhecer e professar a palavra de Deus conservada na Sagrada Escritura como fundamento da ciência sagrada. Contudo, ao mesmo tempo, lamentamos que não poucos desses, quanto mais firmemente aderem à palavra de Deus, tanto mais rebaixam o valor da razão humana; e quanto mais entusiasticamente enaltecem a autoridade de Deus revelador, tanto mais asperamente desprezam o magistério da Igreja, instituído por nosso Senhor Jesus Cristo para defender e interpretar as verdades reveladas. Esse modo de proceder não só está em contradição aberta com a Sagrada Escritura, como ainda pela experiência se mostra equívoco. Tanto é assim que os próprios "dissidentes" com freqüência se lamentam publicamente da discórdia que entre eles reina em questões dogmáticas, a tal ponto que se vêem obrigados a confessar a necessidade de um magistério vivo.

 

II. INFILTRAÇÃO DESSES ERROS NO PENSAMENTO CATÓLICO

9. Os teólogos e filósofos católicos, que têm o grave encargo de defender e imprimir nas almas dos homens as verdades divinas e humanas, não devem ignorar nem desatender essas opiniões que, mais ou menos, se apartam do reto caminho. Pelo contrário, é necessário que as conheçam bem; pois não se podem curar as enfermidades antes de serem bem conhecidas; ademais, nas mesmas falsas afirmações se oculta por vezes um pouco de verdade; e, por fim, essas opiniões falsas incitam a mente a investigar e ponderar com maior diligência algumas verdades filosóficas ou teológicas.

10. Se nossos filósofos e teólogos somente procurassem tirar esse fruto daquelas doutrinas, estudando-as com cautela, não teria motivo para intervir o magistério da Igreja. Embora saibamos que os doutores católicos em geral evitam contaminar-se com tais erros, consta-nos, entretanto, que não faltam hoje os que, como nos tempos apostólicos, amando a novidade mais do que o devido e também temendo que os tenham por ignorantes dos progressos da ciência, intentam subtrair-se à direção do sagrado Magistério e, por esse motivo, acham-se no perigo de apartar-se insensivelmente da verdade revelada e fazer cair a outros consigo no erra.

11. Existe também outro perigo, que é tanto mais grave quanto se oculta sob a capa de virtude. Muitos, deplorando a discórdia do gênero humano e a confusão reinante nas inteligências dos homens e guiados por imprudente zelo das almas, sentem-se levados por interno impulso e ardente desejo a romper as barreiras que separam entre si as pessoas boas e honradas; e propugnam uma espécie de "irenismo" que, passando por alto as questões que dividem os homens, se propõe não somente a combater em união de forças contra o ateísmo avassalaste, senão também a reconciliar opiniões contrárias, mesmo no campo dogmático. E, como houve antigamente os que se perguntavam se a apologética tradicional da Igreja constituía mais impedimento do que ajuda para ganhar almas a Cristo, assim também não faltam agora os que se atreveram a propor seriamente a dúvida de que talvez seja conveniente não só aperfeiçoar mas também reformar completamente a teologia e o método que atualmente, com aprovação eclesiástica, se emprega no ensino teológico, a fim de que se propague mais eficazmente o reino de Cristo em todo o mundo, entre os homens de todas as civilizações e de todas as opiniões religiosas.

12. Se tais propugnadores não pretendessem mais do que acomodar, com alguma renovação, o ensino eclesiástico e seus métodos às condições e necessidades atuais, não haveria quase nada que temer; contudo, alguns deles, arrebatados por imprudente "irenismo", parecem considerar como óbice para restabelecer a unidade fraterna justamente aquilo que se fundamenta nas próprias leis e princípios legados por Cristo e nas instituições por ele fundadas, ou o que constitui a defesa e o sustentáculo da integridade da fé, com a queda do qual se uniriam todas as coisas, sim, mas somente na comum ruína.

13. Os que, ou por repreensível desejo de novidade, ou por algum motivo louvável, propugnam essas novas opiniões, nem sempre as propõem com a mesma intensidade, nem com a mesma clareza, nem com idênticos termos, nem sempre com unanimidade de pareceres; o que hoje ensinam alguns mais encobertamente, com certas cautelas e distinções, outros mais audazes propalarão amanhã abertamente e sem limitações, com escândalo de muitos, em especial do clero jovem, e com detrimento da autoridade eclesiástica. Mais cautelosamente é costume tratar dessas matérias nos livros que são postos à publicidade, já com maior liberdade se fala nos folhetos distribuídos privadamente e nas conferências e reuniões. E não se divulgam somente estas doutrinas entre os membros de um e outro clero, nos seminários e institutos religiosos, mas também entre os seculares, principalmente aqueles que se dedicam ao ensino da juventude.

 

III. CONSEQÜÊNCIAS

1. Desprezo da teologia escolástica

14. Quanto à teologia, o que alguns pretendem é diminuir o mais possível o significado dos dogmas e libertá­los da maneira de exprimi-los já tradicional na Igreja, e dos conceitos filosóficos usados pelos doutores católicos, a fim de voltar, na exposição da doutrina católica, às expressões empregadas pela Sagrada Escritura e pelos santos Padres. Esperam que, desse modo, o dogma, despojado de elementos que chamam extrínsecos à revelação divina, possa comparar-se frutuosamente com as opiniões dogmáticas dos que estão separados da unidade da Igreja, e que, por esse caminho, se chegue pouco a pouco à assimilação do dogma católico e das opiniões dos dissidentes.

15. Reduzindo a doutrina católica a tais condições, crêem que se abre também o caminho para obter, segundo exigem as necessidades atuais, que o dogma seja formulado com as categorias da filosofia moderna, quer se trate do imanentismo, ou do idealismo, ou do existencialismo, ou de qualquer outro sistema. Alguns mais audazes afirmam que isso se pode e se deve fazer também em virtude de que, segundo eles, os mistérios da fé nunca se podem expressar por conceitos plenamente verdadeiros, mas só por conceitos aproximativos e que mudam continuamente, por meio dos quais a verdade se indica, é certo, mas também necessariamente se desfigura. Por isso não pensam ser absurdo, mas antes, pelo contrário, crêem ser de todo necessário que a teologia, conforme os diversos sistemas filosóficos que no decurso do tempo lhe servem de instrumento, vá substituindo os antigos conceitos por outros novos; de sorte que, de maneiras diversas e até certo ponto opostas, porém, segundo eles, equivalentes, faça humanas aquelas verdades divinas. Acrescentam que a história dos dogmas consiste em expor as várias formas que sucessivamente foi tomando a verdade revelada, de acordo com as várias doutrinas e opiniões que através dos séculos foram aparecendo.

16. Pelo que foi dito é evidente que tais esforços não somente levam ao relativismo dogmático, mas já de fato o contém, pois o desprezo da doutrina tradicional e de sua terminologia favorece tal relativismo e o fomenta. Ninguém ignora que os termos empregados, tanto no ensino da teologia como pelo próprio magistério da Igreja, para expressar tais conceitos podem ser aperfeiçoados e enriquecidos. É sabido também que a Igreja não foi sempre constante no uso dos mesmos termos. Ademais, é evidente que a Igreja não se pode ligar a qualquer efêmero sistema filosófico; entretanto, as noções e os termos que os doutores católicos, com geral aprovação, foram compondo durante o espaço de vários séculos para chegar a obter alguma inteligência do dogma não se assentam, sem dúvida, sobre bases tão escorregadias. Fundam-se realmente em princípios e noções deduzidas do verdadeiro conhecimento das coisas criadas; dedução realizada à luz da verdade revelada, que, por meio da Igreja, iluminava, como uma estrela, a mente humana. Por isso, não há que admirar terem sido algumas dessas noções não só empregadas mas também sancionadas por concílios ecumênicos; de sorte que não é lícito apartar-se delas.

17. Abandonar, pois, ou repelir, ou negar valor a tantas e tão importantes noções e expressões que homens de talento e santidade não comuns, com esforço multissecular, sob a vigilância do sagrado magistério e com a luz e guia do Espírito Santo, conceberam, expressaram e aperfeiçoaram para exprimir as verdades da fé cada vez com maior exatidão, e substituí-las por noções hipotéticas e expressões flutuantes e vagas de uma filosofia moderna que, assim como a flor do campo, hoje existe e amanhã cairá, não só é de suma imprudência, mas também converte o dogma numa cana agitada pelo vento. O desprezo dos termos e noções que os teólogos escolásticos costumam empregar leva naturalmente a abalar a teologia especulativa, a qual, por fundar-se em razões teológicas, eles julgam carecer de verdadeira certeza.

 

2. Desprezo do magistério da Igreja

18. Desgraçadamente, esses amigos de novidades facilmente passam do desprezo da teologia escolástica ao pouco caso e até mesmo ao desprezo do próprio magistério da Igreja, que tanto prestígio tem dado com a sua autoridade àquela teologia. Apresentam este magistério como empecilho ao progresso e obstáculo à ciência; e já existem acatólicos que o consideram como freio injusto, que impede alguns teólogos mais cultos de renovar a teologia. Embora este sagrado magistério, em questões de fé e moral, deva ser para todo teólogo a norma próxima e universal da verdade (visto que a ele confiou nosso Senhor Jesus Cristo a guarda, a defesa e a interpretação do depósito da fé, ou seja, das Sagradas Escrituras e da Tradição divina), contudo, por vezes se ignora, como se não existisse, a obrigação que têm todos os fiéis de fugir mesmo daqueles erros que se aproximam mais ou menos da heresia e, portanto, de observar também as constituições e decretos em que a Santa Sé proscreveu e proibiu tais falsas opiniões. [2] Alguns há que de propósito desconhecem tudo quanto os sumos pontífices expuseram nas encíclicas sobre o caráter e a constituição da Igreja, a fim de fazer prevalecer um conceito vago, que eles professam e dizem ter tirado dos antigos Padres, principalmente dos gregos. Os sumos pontífices, dizem eles, não querem dirimir questões disputadas entre os teólogos; e, assim, cumpre voltar às fontes primitivas e explicar com os escritos dos antigos as modernas constituições e decretos do magistério.

19. Esse modo de falar pode parecer eloqüente, mas não carece de falácia. Pois é verdade que os romanos pontífices em geral concedem liberdade aos teólogos nas questões controvertidas entre os mais acreditados doutores; porém, a história ensina que muitas questões que antes eram objeto de livre discussão já não podem ser discutidas.

20. Nem se deve crer que os ensinamentos das encíclicas não exijam, por si, assentimento, sob alegação de que os sumos pontífices não exercem nelas o supremo poder de seu magistério. Entretanto, tais ensinamentos provêm do magistério ordinário, para o qual valem também aquelas palavras: "Quem vos ouve a mim ouve" (Lc 10, 16); e, na maioria das vezes, o que é proposto e inculcado nas encíclicas, já por outras razões pertence ao patrimônio da doutrina católica. E, se os romanos pontífices em suas constituições pronunciam de caso pensado uma sentença em matéria controvertida, é evidente que, segundo a intenção e vontade dos mesmos pontífices, essa questão já não pode ser tida como objeto de livre discussão entre os teólogos.

21. Também é verdade que os teólogos devem sempre voltar às fontes da revelação; pois, a eles cabe indicar de que maneira "se encontra, explícita ou implicitamente" na Sagrada Escritura e na divina Tradição o que ensina o magistério vivo. Ademais, ambas as fontes da doutrina revelada contêm tantos e tão sublimes tesouros de verdade que nunca realmente se esgotarão. Por isso, com o estudo das fontes sagradas rejuvenescem continuamente as sagradas ciências; ao passo que, pelo contrário, a especulação que deixa de investigar o depósito da fé se torna estéril, como vemos pela experiência. Entretanto, isto não autoriza a fazer da teologia, mesmo da chamada positiva, uma ciência meramente histórica. Pois, junto com as sagradas fontes, Deus deu à sua Igreja o magistério vivo para esclarecer também e salientar o que no depósito da fé não se acha senão obscura e como que implicitamente. E o divino Redentor não confiou a interpretação autêntica desse depósito a cada um dos fiéis, nem mesmo aos teólogos, mas exclusivamente ao magistério da Igreja. Se a Igreja exerce esse múnus (como o tem feito com freqüência no decurso dos séculos pelo exercício, quer ordinário, quer extraordinário desse mesmo ofício), é evidentemente falso o método que pretende explicar o claro pelo obscuro; antes, pelo contrário, faz-se mister que todos sigam a ordem inversa. Eis porque nosso predecessor de imortal memória, Pio IX, ao ensinar que é dever nobilíssimo da teologia mostrar como uma doutrina definida pela Igreja está contida nas fontes, não sem grave motivo acrescentou aquelas palavras; "com o mesmo sentido com o qual foi definida pela Igreja".[3]

 

3. Desprezo das Sagradas Escrituras

22. Voltando às novas teorias de que acima tratamos, alguns há que propõem ou insinuam nos ânimos muitas opiniões que diminuem a autoridade divina da Sagrada Escritura. Pois atrevem-se a adulterar o sentido das palavras com que o concílio Vaticano define que Deus é o autor da Sagrada Escritura, e renovam uma teoria já muitas vezes condenada, segundo a qual a inerrância da Sagrada Escritura se estende unicamente aos textos que tratam de Deus mesmo, ou da religião, ou da moral. Ainda mais, sem razão falam de um sentido humano da Bíblia, sob o qual se oculta o sentido divino, que é, segundo eles, o único infalível. Na interpretação da Sagrada Escritura não querem levar em consideração a analogia da fé nem a tradição da Igreja; de modo que a doutrina dos santos Padres e do Sagrado magistério deveria ser aferida por aquela das Sagradas Escrituras explicadas pelos exegetas de modo puramente humano; o que seria preferível a expor a sagrada Escritura conforme a mente da Igreja, que foi constituída por nosso Senhor Jesus Cristo guarda e intérprete de todo o depósito das verdades reveladas.

23. Além disso, o sentido literal da Sagrada Escritura e sua exposição, que tantos e tão exímios exegetas, sob a vigilância da Igreja, elaboraram, deve ceder lugar, segundo essas falsas opiniões, a uma nova exegese a que chamam simbólica ou espiritual; por meio dela, os livros do Antigo Testamento, que seriam atualmente na Igreja uma fonte fechada e oculta, se abririam finalmente para todos. Dessa maneira, afirmam, desaparecerão todas as dificuldades que somente encontram os que se atêm ao sentido literal das Escrituras.

24. Todos vêem quanto se afastam essas opiniões dos princípios e normas de hermenêutica justamente estabelecidos por nossos predecessores de feliz memória, Leão XIII, na encíclica Providentissimus, e Bento XV, na encíclica Spiritus Paraclitus, e também por nós mesmo, na encíclica Divino Afflante Spiritu.

 

4 . Erros subseqüentes

25. E não há que admirar terem essas novidades produzido frutos venenosos em quase todos os capítulos da teologia. Põe-se em dúvida que a razão humana, sem o auxílio da divina revelação e da graça divina, possa demonstrar a existência de Deus pessoal, com argumentos tirados das coisas criadas; nega-se que o mundo tenha tido princípio e afirma-se que a criação do mundo é necessária, pois procede da necessária liberalidade do amor divino; nega-se também a Deus a presciência eterna e infalível das ações livres dos homens; opiniões de todo contrárias às declarações do concílio Vaticano.[4]

26. Alguns também põem em discussão se os anjos são pessoas; e se a matéria difere essencialmente do espírito. Outros desvirtuam o conceito de gratuidade da ordem sobrenatural, sustentando que Deus não pode criar seres inteligentes sem ordená-los e chamá-los à visão beatífica. E não só isso, mas, ainda, passando por cima das definições do concílio de Trento, destrói-se o conceito de pecado original juntamente com o de pecado em geral, como ofensa a Deus, e também o da satisfação que Cristo ofereceu por nós. Nem faltam os que defendem que a doutrina da transubstanciação, baseada como está num conceito filosófico já antiquado de substância, deve ser corrigida; de maneira que a presença real de Cristo na santíssima eucaristia se reduza a um simbolismo, no qual as espécies consagradas não são mais do que sinais externos da presença espiritual de Cristo e de sua união íntima com os féis, membros seus no corpo místico.

27. Alguns não se consideram obrigados a abraçar a doutrina que há poucos anos expusemos numa encíclica e que está fundamentada nas fontes da revelação, segundo a qual o corpo místico de Cristo e a Igreja católica romana são uma mesma coisa.[5] Outros reduzem a uma fórmula vã a necessidade de pertencer à Igreja verdadeira para conseguir a salvação eterna. E outros, malmente, não admitem o caráter racional da credibilidade da fé cristã.

28. Sabemos que esses e outros erros semelhantes serpenteiam entre alguns filhos nossos, desviados pelo zelo imprudente ou pela falsa ciência; e nos vemos obrigado a repetir-lhes, com tristeza, verdades conhecidíssimas e erros manifestos, e a indicar-lhes, não sem ansiedade, os perigos de erro a que se expõem.

 

5. Desprezo da filosofia escolástica

29. É coisa sabida o quanto estima a Igreja a humana razão, à qual compete demonstrar com certeza a existência de Deus único e pessoal, comprovar invencivelmente os fundamentos da própria fé cristã por meio de suas notas divinas, expressar de maneira conveniente a lei que o Criador imprimiu nas almas dos homens, e, por fim, alcançar algum conhecimento, por certo frutuosíssimo, dos mistérios.[6] Mas a razão somente poderá exercer tal oficio de modo apto e seguro se tiver sido cultivada convenientemente, isto é, se houver sido nutrida com aquela sã filosofia, que é já como que um patrimônio herdado das precedentes gerações cristãs e que por conseguinte goza de uma autoridade de ordem superior, porquanto o próprio Magistério da Igreja utilizou os seus princípios e os seus fundamentais assertos, manifestados e definidos lentamente por homens de grande talento, para comprovar a mesma revelação divina. Essa filosofia, reconhecida e aceita pela Igreja, defende o verdadeiro e reto valor do conhecimento humano, os inconcussos princípios metafísicos, a saber, os da razão suficiente, causalidade e finalidade, e a posse da verdade certa e imutável.

30. É verdade que em tal filosofia se expõem muitas coisas que, nem direta, nem indiretamente, se referem à fé ou aos costumes, e que, por isso mesmo, a Igreja deixa à livre disputa dos peritos; entretanto, em outras muitas não existe tal liberdade, principalmente no que diz respeito aos princípios e aos fundamentais assertos que há pouco recordamos. Mesmo nessas questões fundamentais pode-se revestir a filosofia com mais aptas e ricas vestes, reforçá-la com mais eficazes expressões, despojá-la de certos modos escolares menos adequados, enriquecê-la com cautela com certos elementos do progressivo pensamento humano; contudo, jamais é licito derrubá-la ou contaminá-la com falsos princípios, ou estimá-la como um grande monumento, mas já fora de moda. Pois a verdade e sua expressão filosófica não podem mudar com o tempo, principalmente quando se trata dos princípios que a mente humana conhece por si mesmos, ou daqueles juízos que se apóiam tanto na sabedoria dos séculos como no consenso e fundamento da revelação divina. Qualquer verdade que a mente humana, procurando com retidão, descobre não pode estar em contradição com outra verdade já alcançada, pois Deus, verdade suprema, criou e rege a humana inteligência, de tal modo que não opõe cada dia novas verdades às já adquiridas, mas, apartados os erros que porventura se tiverem introduzido, edifica a verdade sobre a verdade, de forma tão ordenada e orgânica como vemos estar constituída a própria natureza da qual se extrai a verdade. Por esse motivo o cristão, seja filósofo, seja teólogo, não abraça apressada e levianamente qualquer novidade que no decurso do tempo se proponha, mas deve sopesá-la com suma diligência e submetê-la a justo exame a fim de que não venha perder a verdade já adquirida ou a corrompa, com grave perigo e detrimento da mesma fé.

31. Se tudo quanto expusemos for bem considerado, facilmente se compreenderá porque a Igreja exige que os futuros sacerdotes sejam instruídos nas disciplinas filosóficas,  segundo o método, a doutrina e os princípios do Doutor Angélico,[7] visto que, através da experiência de muitos séculos, conhece perfeitamente que o método e o sistema do Aquinate se distinguem por seu valor singular, tanto para a educação dos jovens quanto para a investigação das mais recônditas verdades, e que sua doutrina está afinada como que em uníssono com a divina revelação e é eficacíssima para assegurar os fundamentos da fé e para recolher de modo útil e seguro os frutos do são progresso.[8]

32. E, pois, altamente deplorável que hoje em dia desprezem alguns a filosofia que a Igreja aceitou e aprovou, e que, imprudentemente, a tachem de antiquada em suas formas e racionalística, como dizem, em seus processos. Pois afirmam que essa nossa filosofa defende erroneamente a possibilidade de uma metafísica absolutamente verdadeira, ao passo que eles sustentam, contrariamente, que as verdades, principalmente as transcendentes, só podem ser expressas por doutrinas divergentes que mutuamente se completam, embora pareçam opor-se entre si. Pelo que, concedem que a filosofia ensinada em nossas escolas, com a lúcida exposição e solução dos problemas, com a exata precisão de conceitos e com as claras distinções, pode ser conveniente preparação ao estudo da teologia, como de fato o foi adaptando-se perfeitamente à mentalidade medieval; crêem, porém, que não é o método que corresponde à cultura e às necessidades modernas. Acrescentam, ainda, que a filosofia perene é só a filosofia das essências imutáveis, enquanto a mente moderna deve considerar a "existência" de cada um dos seres e a vida em sua fluência contínua. E, ao desprezarem esta filosofia, enaltecem outras, antigas ou modernas, orientais ou ocidentais, de forma tal a parecer insinuar que toda filosofia ou doutrina opinável, com o acréscimo de algumas correções ou complementos, se for necessário, harmonizar-se-á com o dogma católico; o que nenhum fiel pode duvidar seja de todo falso, principalmente quando se trata dos errôneos sistemas chamados imanentismo, ou idealismo, ou materialismo, seja histórico, seja dialético, ou também existencialismo, tanto no caso de defender o ateísmo, quanto no de impugnar o valor do raciocínio metafísico.

33. Por fim, acusam a filosofia ensinada em nossas escolas do defeito de atender só à inteligência no processo do conhecimento, sem levar em conta o papel da vontade e dos sentimentos. O que certamente não é verdade; de fato, a filosofia cristã jamais negou a utilidade e a eficácia das boas disposições de toda alma para conhecer e abraçar plenamente os princípios religiosos e morais; ainda mais, sempre ensinou que a falta de tais disposições pode ser a causa de que o entendimento, sufocado pelas paixões e pela má vontade, se obscureça a ponto de não mais ver como convém. E o Doutor Comum crê que o entendimento é capaz de perceber de certo modo os mais altos bens correspondentes à ordem moral, tanto natural como sobrenatural, enquanto experimentar no íntimo certa afetiva "conaturalidade" com esses mesmos bens, seja ela natural, seja fruto da graça; [9] e claro está quanto esse conhecimento, por assim dizer, subconsciente, ajuda as investigações da razão. Porém, uma coisa é reconhecer a força dos sentimentos para auxiliar a razão a alcançar conhecimento mais certo e mais seguro das realidades morais, e outra o que intentam esses inovadores, isto é, atribuir às faculdades volitiva e afetiva certo poder de intuição, e afirmar que o homem, quando, pelo exercício da razão, não pode discernir o que deva abraçar como verdadeiro, recorra à vontade, mediante a qual escolherá livremente entre as opiniões opostas, com inaceitável mistura de conhecimento e de vontade.

34. Nem há que admirar se ponham em perigo, com essas novas opiniões, as duas disciplinas filosóficas que, pela sua própria natureza, estão estreitamente relacionadas com a doutrina católica, a saber, a teodicéia e a ética, cuja função acreditam não seja demonstrar coisa alguma acerca de Deus ou de qualquer outro ser transcendente, mas antes mostrar que os ensinamentos da fé sobre Deus, ser pessoal, e seus preceitos, estão inteiramente de acordo com as necessidades da vida e que por isso mesmo todos devem aceitá-los para evitar a desesperação e obter a salvação eterna; tudo isso está em oposição aberta aos documentos de nossos predecessores Leão XIII e Pio X e não se pode conciliar com os decretos do concílio Vaticano. Não haveria, certamente, tais desvios da verdade que deplorar se também no terreno filosófico todos olhassem com a devida reverência ao magistério da Igreja, ao qual compete, por divina instituição, não só custodiar e interpretar o depósito da verdade revelada, mas também vigiar sobre as disciplinas filosóficas para que os dogmas católicos não sofram dano algum da parte das opiniões não corretas.

 

6. Erros relativos a certas ciências positivas

35. Resta-nos agora dizer algo acerca de algumas questões que, embora pertençam às disciplinas a que é costume chamar positivas, entretanto, se entrelaçam mais ou menos com as verdades da fé cristã. Não poucos rogam insistentemente que a religião católica tenha em máxima conta a tais ciências; o que é certamente digno de louvor quando se trata de fatos na realidade demonstrados, mas que hão de admitir-se com cautela quando se trata de hipóteses, ainda que de algum modo apoiadas na ciência humana, que tocam a doutrina contida na sagrada Escritura ou na tradição. Se tais conjecturas opináveis se opõem direta ou indiretamente à doutrina que Deus revelou, então esses postulados não se podem admitir de modo algum.

36. Por isso o magistério da Igreja não proíbe que nas investigações e disputas entre homens doutos de ambos os campos se trate da doutrina do evolucionismo, que busca a origem do corpo humano em matéria viva preexistente (pois a fé nos obriga a reter que as almas são diretamente criadas por Deus), segundo o estágio atual das ciências humanas e da sagrada teologia, de modo que as razões de uma e outra opinião, isto é, dos que defendem ou impugnam tal doutrina, sejam ponderadas e julgadas com a devida gravidade, moderação e comedimento, contanto que todos estejam dispostos a obedecer ao ditame da Igreja, a quem Cristo conferiu o encargo de interpretar autenticamente as Sagradas Escrituras e de defender os dogmas da fé.[10] Porém, certas pessoas, ultrapassam com temerária audácia essa liberdade de discussão, agindo como se a própria origem do corpo humano a partir de matéria viva preexistente fosse já certa e absolutamente demonstrada pelos indícios até agora achados e pelos raciocínios neles baseados, e como se nada houvesse nas fontes da revelação que exigisse a máxima moderação e cautela nessa matéria.

37. Mas, tratando-se de outra hipótese, isto é, a do poligenismo, os filhos da Igreja não gozam da mesma liberdade, pois os fiéis cristãos não podem abraçar a teoria de que depois de Adão tenha havido na terra verdadeiros homens não procedentes do mesmo protoparente por geração natural, ou, ainda, que Adão signifique o conjunto dos primeiros pais; já que não se vê claro de que modo tal afirmação pode harmonizar-se com o que as fontes da verdade revelada e os documentos do magistério da Igreja ensinam acerca do pecado original, que procede do pecado verdadeiramente cometido por um só Adão e que, transmitindo-se a todos os homens pela geração, é próprio de cada um deles.[11]

38. Da mesma forma que nas ciências biológicas e antropológicas, há alguns que também nas históricas ultrapassam audazmente os limites e cautelas estabelecidos pela Igreja. De modo particular, é deplorável a maneira extraordinariamente livre de interpretar os livros históricos do Antigo Testamento. Os fautores dessa tendência, para defender a sua causa, invocam indevidamente a carta que há não muito tempo a Comissão Pontifícia para os estudos bíblicos enviou ao arcebispo de Paris.[12] Essa carta adverte claramente que os onze primeiros capítulos do Gênesis, embora não concordem propriamente com o método histórico usado pelos exímios historiadores greco-latinos e modernos, não obstante, pertencem ao gênero histórico em sentido verdadeiro, que os exegetas hão de investigar e precisar; e que os mesmos capítulos, com estilo singelo e figurado, acomodado à mente do povo pouco culto, contêm as verdades principais e fundamentais em que se apóia a nossa própria salvação, bem como uma descrição popular da origem do gênero humano e do povo escolhido. Mas, se os antigos hagiógrafos tomaram alguma coisa das tradições populares (o que se pode certamente conceder), nunca se deve esquecer que eles assim agiram ajudados pelo sopro da divina inspiração, a qual os tornava imunes de todo erro ao escolher e julgar aqueles documentos.

39. Todavia, o que se inseriu na Sagrada Escritura tirado das narrações populares, de modo algum deve comparar-se com as mitologias e outras narrações de tal gênero, as quais procedem mais de uma ilimitada imaginação do que daquele amor à simplicidade e à verdade que tanto resplandece nos livros do Antigo Testamento, a tal ponto que os nossos hagiógrafos devem ser tidos neste particular como claramente superiores aos antigos escritores profanos.

 

IV. DIRETRIZES

40. Sabemos, é verdade, que a maior parte dos doutores católicos, que com sumo proveito trabalham nas universidades, nos seminários e nos colégios religiosos, estão muito longe desses erros que hoje aberta e ocultamente se divulgam, ou por certo afã de novidades, ou por imoderado desejo de apostolado. Porém, sabemos também que tais opiniões novas podem atrair os incautos, e, por isso mesmo, preferimos nos opor aos começos do que oferecer remédio a uma enfermidade inveterada.

41. Pelo que, depois de meditar e considerar largamente diante do Senhor, para não faltar ao nosso sagrado dever, mandamos aos bispos e aos superiores religiosos, onerando gravissimamente suas consciências, que com a máxima diligência procurem que, nem nas classes, nem nas reuniões, nem em escritos de qualquer gênero, se exponham tais opiniões de modo algum, nem aos clérigos, nem aos fiéis cristãos.

42. Saibam quantos ensinam em institutos eclesiásticos que não poderão em consciência exercer o oficio de ensinar, que lhes foi comado, se não receberem religiosamente as normas que temos dado e se não as cumprirem escrupulosamente na formação dos discípulos. E procurem infundir nas mentes e nos corações dos mesmos aquela reverência e obediência que eles próprios em seu assíduo labor devem professar ao magistério da Igreja.

43. Esforcem-se com todo o alento e emulação por fazer avançar as ciências que professam; mas, evitem também ultrapassar os limites por nós estabelecidos para salvaguardar a verdade da fé e da doutrina católica. Às novas questões que a moderna cultura e o progresso do tempo suscitaram, apliquem sua mais diligente investigação, entretanto, com a conveniente prudência e cautela; e, finalmente, não creiam, cedendo a um falso "irenismo", que os dissidentes e os que estão no erro possam ser atraídos com pleno êxito, a não ser que a verdade íntegra que está viva na Igreja seja ensinada por todos sinceramente, sem corrupção nem diminuição alguma.

 

V. CONCLUSÃO

44. Fundados nessa esperança, que vossa pastoral solicitude ainda aumentará, concedemos, de todo o coração, como penhor dos dons celestiais e em sinal de nossa paterna benevolência, a todos vós, veneráveis irmãos, a vosso clero e a vosso povo, a bênção apostólica.

 

Dado em Roma, junto de São Pedro, no dia 12 de agosto de 1950, ano XII de nosso pontificado.

 

PIO PP. XII

 

Notas

[1] Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de Fide Cath., c. 2, "De revelatione".

[2] CIC, cân.1324; cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius, de Fide cath., c. 4, "De fide et ratione", post canones.

[3] Pio IX, Inter gravissimas, de 28 de outubro de 1870, Pio IX P.M. Acta, vol. V, p. 260.

[4] Cf. Conc.Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. l, "De Deo rerum omnium creatore".

[5] Cf. Carta. Enc. Mystici Corporis Christi, AAS 35(1943), p.193ss.

[6] Cf. Conc. Vat. I, Const. Dei Filius de fide cath., c. 4 "De fide et ratione".

[7] CIC, cân.1366, § 2.

[8] AAS 38 (1946), p. 387.

[9] Cf. S. Tomás, Summa Theol, II-II, q. l, a. 4 ad 3; q. 45, a. 2, in c.

[10] Cf. Aloc. Pont. aos membros da Academia das Ciências, 30 nov 1941; AAS, 33(1941), p. 506.

[11] Cf. Rm 5, 12-19; Conc. Trid., sess. V, cân. l - 4.

[12] Dia 16 de janeiro de 1948, AAS 40(1948), pp. 45-48.

Friday, 12 September 2025

Friday's Sung Word: "Não Precisa Pagar" by Miguel Baúso, Francisco Fernandes, and Buci Moreira (in Portuguese)

Eu, eu não pretendo aceitar, de modo algum
Pois o dinheiro que você me deve, deve
E faz de conta que não deve, não precisa pagar
Lá lá lá lá ra rá
A única coisa que eu quero de você são os carinhos seus
Pra satisfazerem os desejos meus

Se hoje vivo alegremente é porque futuramente vou gozar carinhos seus
E seus carinhos pisam todos os desejos meus
E o que muito é necessário você tem e eu também tenho
E só pra um casal morar
Uma casa pequenina lá no alto da colina onde se avista o mar.

 

You can listen  "Não Precisa Pagar" by Joel and Gaucho with Benedito Lacerda and his Group here.

Thursday, 11 September 2025

Thursday's Serial: “The Centaur” by Algernon Blackwood (in English) - XIV

 

CHAPTER XXXIII

"Why, what is this patient entrance into Nature's deep resources: But the child's most gradual learning to walk upright without bane?

When we drive out, from the cloud of steam, majestical white horses,

Are we greater than the first men who led black ones by the mane?"

--E.B. BROWNING

 

The "Russian" led.

O'Malley styled him thus to the end for want of a larger word, perhaps--a word to phrase the inner and the outer. Although the mountains were devoid of trails, he seemed always certain of his way. An absolute sense of orientation possessed him; or, rather, the whole earth became a single pathway. Her being, in and about their hearts, concealed no secrets; he knew the fresh, cool water-springs as surely as the corners where the wild honey gathered. It seemed as natural that the bees should leave them unmolested, giving them freely of their store, as that the savage dogs in the aouls, or villages, they passed so rarely now, should refrain from attack. Even the peasants shared with them some common, splendid life. Occasionally they passed an Ossetian on horseback, a rifle swung across his saddle, a covering burka draping his shoulders and the animal's haunches in a single form that seemed a very outgrowth of the mountains. But not even a greeting was exchanged. They passed in silence; often very close, as though they did not see these two on foot. And once or twice the horses reared and whinnied, while their riders made the signs of their religion.... Sentries they seemed. But for the password known to both they would have stopped the travelers. In these forsaken fastnesses mere unprotected wandering means death. Yet to the happy Irishman there never came a thought of danger or alarm. All was a portion of himself, and no man can be afraid of his own hands or feet. Their convoy was immense, invisible, a guaranteed security of the vast Earth herself. No little personal injury could pass so huge defense. Others, armed with a lesser security of knives and guns and guides, would assuredly have been turned back, or had they shown resistance, would never have been heard to tell the tale. Dr. Stahl and the fur-merchant, for instance--

But such bothering little thoughts with their hard edges no longer touched reality; they spun away and found no lodgment; they were--untrue; false items of some lesser world unrealized.

For, in proportion as he fixed his thoughts successfully on outward and physical things, the world wherein he now walked grew dim: he missed the path, stumbled, saw trees and flowers indistinctly, failed to hear properly the call of birds and wind, to feel the touch of sun; and, most unwelcome of all,--was aware that his leader left him, dwindling in size, dropping away somehow among shadows far behind or far ahead.

The inversion was strangely complete: what men called solid, real, and permanent he now knew as the veriest shadows of existence, fleeting, unsatisfactory, false.

Their dreary make-believe had all his life oppressed him. He now knew why. Men, driving their forces outwards for external possessions had lost the way so utterly. It truly was amazing. He no longer quite understood how such feverish strife was possible to intelligent beings: the fur-merchant, the tourists, his London friends, the great majority of men and women he had known, pain in their hearts and weariness in their eyes, the sad strained faces, the furious rush to catch a little pleasure they deemed joy. It seemed like some wild senseless game that madness plays. He found it difficult to endow them, one and all, with any sense of life. He saw them groping in thick darkness, snatching with hands of shadow at things of even thinner shadow, all moving in a wild and frantic circle of artificial desires, while just beyond, absurdly close to many, blazed this great living sunshine of Reality and Peace and Beauty. If only they would turn--and look within--!

In fleeting moments these sordid glimpses of that dark and shadow-world still afflicted his outer sight--the nightmare he had left behind. It played like some gloomy memory through a corner of consciousness not yet wholly disentangled from it. Already he burned to share his story with the world...! A few he saw who here and there half turned, touched by a flashing ray--then rushed away into the old blackness as though frightened, not daring to escape. False images thrown outward by the intellect prevented. Stahl he saw ... groping; a soft light of yearning in his eyes ... a hand outstretched to push the shadows from him, yet ever gathering them instead.... Men he saw by the million, youth still in their hearts, yet slaving in darkened trap-like cages not merely to earn a competency but to pile more gold for things not really wanted; faces of greed round gambling-tables; the pandemonium of Exchanges; even fair women, playing Bridge through all a summer afternoon--the strife and lust and passion for possessions degrading every heart, choking the channels of simplicity.... Over the cities of the world he heard the demon Civilization sing its song of terror and desolation. Its music of destruction shook the nations. He saw the millions dance. And mid the bewildering ugly thunder of that sound few could catch the small sweet voice played by the Earth upon the little Pipes of Pan... the fluting call of Nature to the Simple Life--which is the Inner.

For now, as he moved closer to the Earth, deeper ever deeper into the enfolding moods of her vast collective consciousness, he drew nearer to the Reality that satisfies. He approached that center where outward activity is less, yet energy and vitality far greater--because it is at rest. Here he met things halfway, as it were, en route for the outer physical world where they would appear later as "events," but not yet emerged, still alive and breaking with their undischarged and natural potencies. Modern life, he discerned, dealt only with these forces when they had emerged, masquerading at the outer rim of life as complete embodiments, whereas actually they are but partial and symbolical expressions of their eternal prototypes behind. And men today were busy at this periphery only, touch with the center lost, madly consumed with the unimportant details that concealed the inner glory. It was the spirit of the age to mistake the outer shell for the inner reality. He at last understood the reason of his starved loneliness amid the stupid uproar of latter-day life, why he distrusted "Civilization," and stood apart. His yearnings were explained. His heart dwelt ever in the Golden Age of the Earth's first youth, and at last--he was coming home.

Like mud settling in dirty water, the casual realities of that outer life all sank away. He grew clear within, one with the primitive splendor, beauty, grace of a fresh world. Over his inner self, flooding slowly the passages and cellars, those subterranean ways that honeycomb the dim-lit foundations of personality, this tide of power rose. Filling chamber after chamber, melting down walls and ceiling, eating away divisions softly and irresistibly, it climbed in silence, merging all moods and disunion of his separate Selves into the single thing that made him comprehensible to himself and able to know the Earth as Mother. He saw himself whole; he knew himself divine. A strange tumult as of some ecstasy of old remembrance invaded him. He dropped back into a more spacious scale of time, long long ago when a month might be a moment, or a thousand years pass round him as a single day....

The qualities of all the Earth lay too, so easily contained, within himself. He understood that old legend by which man the microcosm represents and sums up Earth, the macrocosm in himself, so that Nature becomes the symbol and interpreter of his inner being. The strength and dignity of the trees he drew into himself; the power of the wind was his; with his unwearied feet ran all the sweet and facile swiftness of the rivulets, and in his thoughts the graciousness of flowers, the wavy softness of the grass, the peace of open spaces and the calm of that vast sky. The murmur of the Urwelt was in his blood, and in his heart the exaltation of her golden Mood of Spring.

How, then, could speech be possible, since both shared this common life? The communion with his friend and leader was too profound and perfect for any stammering utterance in the broken, partial symbols known as language. This was done for them: the singing of the birds, the wind-voices, the rippling of water, the very humming of the myriad insects even, and rustling of the grass and leaves, shaped all they felt in some articulate expression that was right, complete, and adequate. The passion of the larks set all the sky to music, and songs far sweeter than the nightingales' made every dusk divine.

He understood now that laborious utterance of his friend upon the steamer, and why his difficulty with words was more than he could overcome.

Like a current in the sea he still preserved identity, yet knew the freedom of a boundless being. And meanwhile the tide was ever rising. With this singular companion he neared that inner realization which should reveal them as they were--Thoughts in the Earth's old Consciousness too primitive, too far away, too vital and terrific to be confined in any outward physical expression of the "civilized" world today.... The earth shone, glittered, sang, holding them close to the rhythm of her gigantic heart. Her glory was their own. In the blazing summer of the inner life they floated, happy, caught away, at peace ... emanations of her living Self.

The valleys far below were filled with mist, cutting them off literally from the world of men, but the beauty of the upper mountains grew more and more bewilderingly enticing. The scale was so immense, while the brilliant clearness of the air brought distance close before the eyes, altered perspective, and robbed "remote" and "near" of any definite meaning. Space fled away. It shifted here and there at pleasure, according as they felt. It was within them, not without. They passed, dispersed and swift about the entire landscape, a very part of it, diffused in terms of light and air and color, scattered in radiance, distributed through flowers, spread through the sky and grass and forests. Space is a form of thought. But they no longer "thought": they felt.... O, that prodigious, clean, and simple Feeling of the Earth! Love that redeems and satisfies! Power that fills and blesses! Electric strength that kills the germ of separateness, making whole! The medicine of the world!

For days and nights it was thus--or was it years and minutes?--while they skirted the slopes and towers of the huge Dykh-Taou, and Elbrous, supreme and lonely in the heavens, beckoned solemnly. The snowy Kochtan-Taou rolled past, yet through, them; Kasbek superbly thundered; hosts of lesser summits sang in the dawn and whispered to the stars. And longing sank away--impossible.

"My boy, my boy, could you only have been with me...!" broke his voice across the splendid dream, bringing me back to the choking, dingy room I had forgotten. It was like a cry--a cry of passionate yearning.

"I'm with you now," I murmured, some similar rising joy half breaking in my breast. "That's something--"

He sighed in answer. "Something, perhaps. But I have got it always; it's all still part of me. Oh, oh! that I could give it to the world and lift the ache of all humanity...!" His voice trembled. I saw the moisture of immense compassion in his eyes. I felt myself swim out into universal being.

"Perhaps," I stammered half beneath my breath, "perhaps some day you may...!"

He shook his head. His face turned very sad.

"How should they listen, much less understand? Their energies drive outwards, and separation is their God. There is no 'money in it'...!"

 

 

CHAPTER XXXIV

"Oh! whose heart is not stirred with tumultuous joy when the intimate Life of Nature enters into his soul with all its plenitude, ... when that mighty sentiment for which language has no other name than Love is diffused in him, like some powerful all-dissolving vapor; when he, shivering with sweet terror, sinks into the dusky, enticing bosom of Nature; when the meager personality loses itself in the overpowering waves of passion, and nothing remains but the focal point of the incommensurable generative Force, an engulfing vortex in the ocean?"

--NOVALIS, Disciples at Saïs. Translated by U.C.B.

 

Early in the afternoon they left the bigger trees behind, and passed into that more open country where the shoulders of the mountains were strewn with rhododendrons. These formed no continuous forest, but stood about in groups some twenty-five feet high, their rounded masses lighted on the surface with fires of mauve and pink and purple. When the wind stirred them, and the rattling of their stiff leaves was heard, it seemed as if the skin of the mountains trembled to shake out colored flames. The air turned radiant through a mist of running tints.

Still climbing, they passed along broad glades of turfy grass between the groups. More rapidly now, O'Malley says, went forward that inner change of being which accompanied the progress of their outer selves. So intimate henceforth was this subtle correspondence that the very landscape took the semblance of their feelings. They moved as "emanations" of the landscape. Each melted in the other, dividing lines all vanished.

Their union with the Earth approached this strange and sweet fulfillment.

And so it was that, though at this height the vestiges of bird and animal life were wholly gone, there grew more and more strongly the sense that, in their further depths and shadows, these ancient bushes screened Activities even more ancient than themselves. Life, only concealed because they had not reached its plane of being, pulsed everywhere about their pathway, immense in power, moving swiftly, very grand and very simple, and sometimes surging close, seeking to draw them in. More than once, as they moved through glade and clearing, the Irishman knew thrills of an intoxicating happiness, as this abundant, driving life brushed past him. It came so close, it glided before his eyes, yet still was viewless. It strode behind him and before, peered down through space upon him, lapped him about with the stir of mighty currents. The deep suction of its invitation caught his soul, urging the change within himself more quickly forward. Huge and delightful, he describes it, awful, yet bringing no alarm.

He was always on the point of seeing. Surely the next turning would reveal; beyond the next dense, tangled group would come--disclosure; behind that clustered mass of purple blossoms, shaking there mysteriously in the wind, some half-veiled countenance of splendor watched and welcomed! Before his face passed swift, deific figures, tall, erect, compelling, charged with this ancient, golden life that could never wholly pass away. And only just beyond the fringe of vision. Vision already strained upon the edge. His consciousness stretched more and more to reach them, while They came crowding near to let him know inclusion.

These projections of the Earth's old consciousness moved thick and soft about them, eternal in their giant beauty. Soon he would know, perhaps, the very forms in which she had projected them--dear portions of her streaming life the earliest races half divined and worshipped, and never quite withdrawn. Worship could still entice them out. A single worshipper sufficed. For worship meant retreat into the heart where still they dwelt. And he had loved and worshipped all his life.

And always with him, now at his side or now a little in advance, his leader moved in power, with vigorous, springing gestures like to dancing, singing that old tuneless song of the wind, happier even than himself.

The splendor of the Urwelt closed about them. They drew nearer to the Gates of that old Garden, the first Time ever knew, whose frontiers were not less than the horizons of the entire world. For this lost Eden of a Golden Age when "first God dawned on chaos" still shone within the soul as in those days of innocence before the "Fall," when men first separated themselves from their great Mother.

A little before sunset they halted. A hundred yards above the rhododendron forest, in a clear wide space of turf that ran for leagues among grey boulders to the lips of the eternal snowfields, they waited. Through a gap of sky, with others but slightly lower than himself, the pyramid of Kasbek, grim and towering, stared down upon them, dreadfully close though really miles away. At their feet yawned the profound valley they had climbed. Halfway into it, unable to reach the depths, the sun's last rays dropped shafts like rivers slanting. Already in soft troops the shadows crept downwards from the eastern-facing summits overhead.

Out of these very shadows Night drew swiftly down about the world, building with her masses of silvery architecture a barrier that rose to heaven. These two lay down beside it. Beyond it spread that shining Garden...only the shadow-barrier between.

With the rising of the moon this barrier softened marvelously, letting the starbeams in. It trembled like a line of wavering music in the wind of night. It settled downwards, shaking a little, toward the ground, while just above them came a curving inwards like a bay of darkness, with overhead two stately towers, their outline fringed with stars.

"The Gateway...!" whispered something through the mountains.

It may have been the leader's voice; it may have been the Irishman's own leaping thought; it may have been merely a murmur from the rhododendron leaves below. It came sifting gently through the shadows. O'Malley knew. He followed his leader higher. Just beneath this semblance of an old-world portal which Time could neither fashion nor destroy, they lay upon the earth--and waited. Beside them shone the world, dressed by the moon in silver. The wind stood still to watch. The peak of Kasbek from his cloudy distance listened too.

For, floating upwards across the spaces came a sound of simple, old-time piping--the fluting music of a little reed. It drew near, stopped for a moment as though the player watched them; then, with a plunging swiftness, passed off through starry distance up among the darker mountains. The lost, forsaken Asian valley covered them. Nowhere were they extraneous to it. They slept. And while they slept, they moved across the frontiers of fulfillment.

The moon-blanched Gate of horn and ivory swung open. The consciousness of the Earth possessed them. They passed within.

Wednesday, 10 September 2025

Wednesday's Good Reading: “O Rapaz e o Passarão” by D. Mauro Wirth (in Portuguese)

 

Um rapaz e seu irmão foram tirar penas de um filhote de passarão para emplumar flechas. Chegaram ao pé da rocha Téu-téu e derrubaram uma árvore, para servir de escada. Emendaram o pau e os dois subiram.

Um queria arrancar penas de filhote de passarão mas o outro se recusou, pois preferia penas grandes e compridas. Ficou com raiva do irmão e deixou-o a depenar o filhote de passarão. Desceu, embaixo derrubou a escada e abandonou o mano lá em cima.

O coitado chorou, mas o irmão não podia levantar a escada, pois a mesma pesava muito. Então o pobre ficou lá no alto da pedra, até que chegou a mãe do filhote.

— Que estás fazendo aqui?

— Vim tirar penas do filhote de passarão.

— Por que maltratas meu filho?

O índio ficou morando com o passarão. Passou lá cerca de um ano, casou com sua filha. Depois, tirou xiririca, mastigou-a e esfregou-a nos braços, o que fez nascerem penas. O passarão começou a ensiná-lo a voar até que ele voou, chegando à beira de uma lagoa.

O passarão, que era sogro do rapaz, pois a mulher dele era sua filha, determinou:

— Leva a tarrafa de cipó que está debaixo do cajueiro bravo e enfia a mão na boca da jiboia.

Foi ao pé do cajueiro bravo e encontrou a jibóia. Esta mostrou a língua e sibilou. O rapaz ficou com medo mas, assim mesmo, enfiou-lhe a mão na boca. Então ela virou tarrafa, ele apanhou-a para pescar.

Depois da pesca, deixou a tarrafa no seu lugar, como o sogro havia aconselhado. Assim que a tarrafa foi largada, virou cobra e o rapaz tomou o caminho da casa.

Lá chegando, o sogro mandou-o buscar água na lagoa dos mururus. Ele obedeceu e de volta comeu peixe cru. Mais tarde, o sogro mandou-o buscar beijus de farinha e beijus de tapioca em sua casa.

Quando o índio voltou à sua aldeia, todos ficaram pasmos.

— Venho aqui buscar beijus de tapioca para fumar; para o passarão, fumo é beiju...

A mãe do rapaz perguntou:

— Onde ficaste tanto tempo, meu filho? Chorei tanto por tua causa!

Ele respondeu:

— Na casa de meu sogro, o passarão.

— Não é teu sogro, pois passarão não é gente.

— Pois eu fiquei lá de verdade. Não quero beiju, quero tabaco para êle pitar.

Quando o rapaz chegou à rocha Téu-téu, o sogro foi perguntando:

— Trouxeste tabaco, beiju de tapioca, para eu pitar bastante?

Ele entregou o que trazia. Então o sogro fumou e tornou a mandá-lo à casa do pai, dizendo:

— Queres levar um anzol para pescar na volta?

A mulher dele assanhou:

— Eu quero ir também, atrás de ti!

— Ora essa! Pois vamos! Partiram e chegaram à casa da mãe dele.

Pôs-se a gritar:

— Acorda logo, mãe!

— Eu já acordei. Tu por aqui? Voltaste?

— Vim passear de novo.

— Então, entra.

— Com quem foi que vieste?

— Vim com minha mulher.

— Onde está tua mulher?

— Vai espiar a fala com ela. A mãe saiu para o terreiro.

— É esta a tua mulher? Só vejo um passarão!

Diante disso, a mulher zangou-se e voou para a casa do pai. Este ao vê-la, perguntou:

— Por quê voltaste tão cedo? Deixaste lá o marido?

Ela respondeu:

— A mãe dele insultou-me. Meu marido está chegando, a pé. O sogro esbravejou:

— Pois há de voltar, também a pé!

Dali a pouco, o índio apareceu na rocha Téu-téu e quis subir, mas não pôde. O passarão gritou-lhe lá de cima:

— Não gosto mais de ti, genro. Tu és feio. Tua mãe zangou-se com minha filha. Chamou-a de passarão... Volta já para tua casa!

Ele obedeceu, chegou à casa da mãe, pendurou a patrona no poste. Dali a pouco o irmão chegou, bêbedo, pois tinha estado em outra casa. Tirou do poste a patrona pintada e atirou-a no meio da sala, remexendo nos guardados. E riu:

— Que anzol é este? Quem pode pescar com um anzol assim?

O irmão respondeu:

— Experimenta na tua boca.

O bêbedo botou o anzol na boca e sentiu uma grande dor. Quis tirar o anzol mas não pôde, pois estava enganchado.

Então o outro, que fora abandonado na rocha Téu-téu, disse:

— Isso é para pagar o que me fizeste!

E o outro chorou por causa do anzol. Então o irmão tirou-lhe o anzol da boca, porque doía muito.

Diante disso, fizeram as pazes e o marido do passarão ficou morando na casa da mãe.