Wednesday, 24 April 2019

Good Readings: "Sub Tegmine Fagi" by Castro Alves (in Portuguese)

                                               A Melo Morais

                                              Dieu parle dans Ia calme plus haut que dans Ia tempête.
                                              Mickiewicz

                                              Deus nobis haec otia fecit.
                                              Vergilio


Amigo! O campo é o ninho do poeta...
Deus fala, quando a turba está quieta,
As campinas em flor.
— Noivo — Ele espera que os convivas saiam...
E n'alcova onde lâmpadas desmaiam
Então murmura — amor —


Vem comigo cismar risonho e grave. . .
A poesia — é uma luz ... e a alma — uma ave...
Querem — trevas e ar.
A andorinha, que é a alma — pede o campo,
P'ra voar... p'ra brilhar.
A poesia quer sombra — é o pirilampo.


Meu Deus! Quanta beleza nessas trilhas...
Que perfume nas doces maravilhas,
Onde o vento gemeu!...
Que flores d'ouro pelas veigas belas!
... Foi um anjo co'a mão cheia de estrelas
Que na terra as perdeu.


Aqui o éter puro se adelgaça...
Não sobe esta blasfêmia de fumaça
Das cidades p'ra o céu.
E a Terra é como o inseto friorento
Dentro da flor azul do firmamento,
Cujo cálix pendeu!.


Qual no fluxo e refluxo, o mar em vagas
Leva a concha dourada... e traz das plagas
Corais em turbilhão,
A mente leva a prece a Deus — por pérolas
E traz, volvendo após das praias cérulas,
— Um brilhante — o perdão!


A alma fica melhor no descampado...
O pensamento indômito, arrojado
Galopa no sertão,
Qual nos estepes o corcel fogoso
Relincha e parte turbulento, estoso,
Solta a crina ao tufão.


Vem! Nós iremos na floresta densa,
Onde na arcada gótica e suspensa
Reza o vento feral.
Enorme sombra cai de enorme rama...
É o Pagode fantástico de Brama
Ou velha catedral.


Irei contigo pelos ermos — lento —
Cismando, ao pôr do sol, num pensamento
Do nosso velho Hugo.
— Mestre do mundo! Sol da eternidade!...
Para ter por planta a humanidade,
Deus num cerro o fixou.


Ao longe, na quebrada da colina,
Enlaça a trepadeira purpurina
O negro mangueiral!...
Como no Dante a pálida Francesca,
Mostra o sorriso rubro e a face fresca
Na estrofe sepulcral.


O povo das formosas amarilis
Embala-se nas balsas, como as Wíllis
Que o Norte imaginou.
O antro — fala... o ninho s'estremece...
A dríade entre as folhas aparece...
Pan na flauta soprou! ...


Mundo estranho e bizarro da quimera
A fantasia desvairada gera
Um paganismo aqui.
Melhor eu compreendo então Vergílio...
E vendo os faunos lhe dançar no idílio,
Murmuro crente: - eu vi!


Quando penetro na floresta triste,
Qual pela ogiva gótica o antiste,
Que procura o Senhor,
Como bebem as aves peregrinas
Nas ânforas de orvalho das boninas,
Eu bebo crença e amor!. . .


E à tarde, quando o sol - condor sangrento
No ocidente se aninha sonolento,
Como a abelha na flor...
E a luz da estrela trêmula se irmana
Co'a fogueira noturna da cabana,
Que acendera o pastor,


A lua - traz um raio para os mares...
A abelha - traz o mel... um trenó aos lares
Traz a rola a carpir...
Também deixa o poeta a selva escura
E traz alguma estrofe, que fulgura,
P'ra legar ao porvir!...


Vem! Do mundo leremos o problema
Nas folhas da florestaou do poema,
Nas trevas ou na luz...
Não vês?... Do céu a cúpula azulada,
Como uma traça sobre nós voltada,
Lança poesia a flux!...


                                                     Boa-Vista — 1867


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