Saturday, 4 October 2025

Saturday's Good Reading: “Nebulosas” by Narcisa Amália (in Portuguese).

 

On done le nom de Nébuleuses à des taches

blanchâtres que l’on voit çà et là, dans toutes

les parties du ciel.

DELAUNAY

 

No seio majestoso do infinito,

 — Alvos cisnes do mar da imensidade, —

Flutuam tênues sombras fugitivas

Que a multidão supõe densas caligens,

E a ciência reduz a grupos validos;

Vejo-as surgir à noite, entre os planetas,

Como visões gentis à flux dos sonhos;

E as esferas que curvam-se trementes

Sobre elas desfolhando flores d'ouro,

Roubam-me instantes ao sofrer recôndito!

 

Costumei-me a sondar-lhe os mistérios

Desde que um dia a flâmula da ideia

Livre, ao sopro do gênio, abriu-me o templo

Em que fulgura a inspiração em ondas;

A seguir-lhes no espaço as longas clâmides

Orladas de incendidos meteoros;

E quando da procela o tredo arcanjo

Desdobra n’amplidão as negras asas,

Meu ser pelo teísmo desvairado

Da loucura debruça-se no pélago!

 

Sim! São elas a mais gentil feitura

Que das mãos do Senhor há resvalado!

Sim! De seus seios na dourada urna,

A piedosa lágrima dos anjos,

Ligeira se converte em astro esplêndido!

No momento em que o mártir do calvário

A cabeça pendeu no infame lenho,

A voz do Criador, em santo arrojo,

No macio frouxel de seus fulgores

Ao céu arrebatou-lhe o calmo espírito!

 

Mesmo o sol que nas orlas do oriente

Livre campeia e sobre nós desata

A chuva de mil raios luminosos,

Nos lírios siderais de seu regaço

Repousa a fronte e despe a rubra túnica!

No constante volver dos vagos eixos,

(Os orbes em parábolas se encurvam

Bebendo alento no seu manso brilho!

E o tapiz movediço do universo

Mais belo ondeia com seus prantos fúlgidos!

 

E quantos infelizes não olvidam

|O horóscopo fatal de horrenda sorte,

Se no correr das auras vespertinas

Seus seres vão pousar-lhes sobre à coma,

Que as madeixas enastram do crepúsculo!

Quanta rosa de amor não abre o cálix

Ao bafejo inefável das quimeras

No coração temente da donzela,

Que, da lua ao clarão dourando as cismas,

Lhes segue os rastros na cerúlea abóbada?

 

Um dia no meu peito o desalento

Cravou sangrenta garra; trevas densas

Nublaram-me o horizonte, onde brilhava

A matutina estrela do futuro.

Da descrença senti os frios ósculos;

Mas no horror do abandono alçando os olhos

(Com tímida oração ao céu piedoso,

Eu vi que elas, do chão do firmamento,

Brotavam em lucíferos corimbos

Enlaçando-me o busto em raios mórbidos!

 

Oh! Amei-as então! Sobre a corrente

De seus brandos, notívagos lampejos,

“Audaz librei-me nas azuis esferas;

Inclinei-me, de flamas circundada

Sobre o abismo do mundo torvo e lúgubre!

Ergui-me ainda mais da poesia

Desvendei as lagunas encantadas,

E prelibei delícias indizíveis

Do sentimento nas caudais sagradas

Ao clarão divinal do sol da glória!

 

Quando desci mais tarde, deslumbrada

De tanta luz e inspiração, ao vale

Que pelo espaço abandonei sorrindo,

E senti calcinar-me as débeis plantas

Do deserto as areias ardentíssimas;

(Ao fugir das sendaes que estende a noite

Sobre o leito da terra adormecida,

Fitei chorando a aurora que surgia!

E — ave de amor — a solidão dos ermos

Povoei de gorjetas melancólicos!...

 

Assim nasceram os meus tristes versos,

Que do mundo falaz fogem às pompas!

Não dormem eles sob os áureos tetos

Das térreas potestades, que falecem

De morbidez nos flácidos triclínios!

Cortando as brumas glaciais do inverno

Adejam nas estâncias consteladas!...

Onde elas pairam; e à luz da liberdade

Devassando os mistérios do infinito,

Vão no sólio de Deus rolar exânimes!...

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