Thursday, 22 May 2014

"A Bela Vista" by Castro Alves (in Portuguese)



Sonha, poeta, sonha!
Aqui sentado
No tosco assento da janela antiga,
Apóias sobre a mão a face pálida.
Sorrindo — dos amores à cantiga.
(Álvares de Azevedo)


Era uma tarde triste, mas límpida e suave...
Eu — pálido poeta — seguia triste e grave
A estrada, que conduz ao campo solitário,
Como um filho, que volta ao paternal sacrário,

E ao longe abandonando o múrmur da cidade
— Som vago, que gagueja em meio à imensidade,—
No drama do crepúsculo eu escutava atento
A surdina da tarde ao sol, que morre lento.

A poeira da estrada meu passo levantava,
Porém minh'alma ardente no céu azul marchava
E os astros sacudia no vôo violento
— Poeira, que dormia no chão do firmamento.

A pávida andorinha, que o vendaval fustiga,
Procura os coruchéus da catedral antiga.
Eu — andorinha entregue aos vendavais do inverno,
Ia seguindo triste p'ra o velho lar paterno.

Como a águia, que do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço calvo por cima do fraguedo,
— (Pra ver no céu a nuvem, que espuma o firmamento,
E o mar, — corcel que espuma ao látego do vento... )

Longe o feudal castelo levanta a antiga torre,
Que aos raios do poente brilhante sol escorre!
Ei-lo soberbo e calmo o abutre de granito
Mergulhando o pescoço no seio do infinito,

E lá de cima olhando com seus clarões vermelhos
Os tetos, que a seus pés parecem de joelhos! ...

Não! Minha velha torre! Oh! atalaia antiga,
Tu olhas esperando alguma face amiga,
E perguntas talvez ao vento, que em ti chora:
"Por que não volta mais o meu senhor d'outrora?
Por que não vem sentar-se no banco do terreiro
Ouvir das criancinhas o riso feiticeiro,
E pensando no lar, na ciência, nos pobres
Abrigar nesta sombra seus pensamentos nobres?

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Onde estão as crianças — grupo alegre e risonho
— Que escondiam-se atrás do cipreste tristonho ...

Ou que enforcaram rindo um feio Pulchinello,
Enquanto a doce Mãe, que é toda amor, desvelo
Ralha com um rir divino o grupo folgazão,
Que vem correndo alegre beijar-lhe a branca mão?..."

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É nisto que tu cismas, ó torre abandonada,
Vendo deserto o parque e solitária a estrada.
No entanto eu — estrangeiro, que tu já não conheces —
No limiar de joelhos só tenho pranto e preces.

Oh! deixem-me chorar!...Meu lar... meu doce ninho!
Abre a vetusta grade ao filho teu mesquinho!
Passado — mar imenso!... inunda-me em fragrância!
Eu não quero lauréis, quero as rosas da infância.

Ai! Minha triste fronte, aonde as multidões
Lançaram misturadas glórias e maldições...
Acalenta em teu seio, ó solidão sagrada!
Deixa est'alma chorar em teu ombro encostada!

Meu lar está deserto... Um velho cão de guarda
Veio saltando a custo roçar-me a testa parda,

Lamber-me após os dedos, porém a sós consigo
Rusgando com o direito, que tem um velho amigo...
Como tudo mudou-se! ... O jardim 'stá inculto
As roseiras morreram do vento ao rijo insulto...
A erva inunda a terra; o musgo trepa os muros
A urtiga silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua caída, em cuja mão nevada
A aranha estende ao sol a teia delicada! ...
Mergulho os pés nas plantas selvagens, espalmadas,

As borboletas fogem-me em lúcidas manadas ...
E ouvindo-me as passadas tristonhas, taciturnas,
Os grilos, que cantavam, calaram-se nas furnas ...

Oh! jardim solitário! Relíquia do passado!
Minh'alma, como tu, é um parque arruinado!
Morreram-me no seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os muros dos meus vergéis da infância,
A estátua do talento, que pura em mim s'erguia,
Jaz hoje — e nela a turba enlaça uma ironia!...
Ao menos como tu, lá d'alma num recanto
Da casta poesia ainda escuto o canto,
— Voz do céu, que consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do seio murmura um tremo oculta.

Entremos! ... Quantos ecos na vasta escadaria,
Nos longos corredores respondem-me à porfia! ...

Oh! casa de meus pais! ... A um crânio já vazio,
Que o hóspede largando deixou calado e frio,
Compara-te o estrangeiro — caminhando indiscreto
Nestes salões imensos, que abriga o vasto teto.

Mas eu no teu vazio — vejo uma multidão
Fala-me o teu silêncio — ouço-te a solidão! ...
Povoam-se estas salas...

E eu vejo lentamente
No solo resvalarem falando tenuemente
Dest'alma e deste seio as sombras venerandas
Fantasmas adorados — visões sutis e brandas...
Aqui... além... mais longe... por onde eu movo o passo,
Como aves, que espantadas arrojam-se ao espaço,
Saudades e lembranças s'erguendo — bando alado —
Roçam por mim as asas voando pra o passado.

Wednesday, 21 May 2014

"Noites Rubras" by José Thiesen (in Portuguese)

TRECHO DO DEPOIMENTO DE NORTON OLIVEIRA DO NASCIMENTO, PRESTADO SOB JURAMENTO, EM RELAÇÃO AO ASSASSINATO DE SUA IRMÃ MÔNICA OLIVEIRA DO NASCIMENTO, EM 15 DE MAIO DE 1975 EM PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL.

DEPOIMENTO PRESTADO EM 17 DE MAIO DE 1975 NO PALÁCIO DA POLÍCIA DE PORTO ALEGRE, RIO GRANDE DO SUL.

P.: Seu nome?

R.: Norton Oliveira do Nascimento.

P.: Data de nascimento?

R.: 24 de Outubro de 1956.

P.: Seu endereço?

R.: Moro com meus pais na rua Anita Garibaldi, nº64, apartamento 12.

P.: Como o sr. soube da morte de sua irmã?

R.: Estávamos à mesa para o jantar, por volta das 20 horas e Mônica não vinha,  apesar dos chamados de minha mãe. Então ela, minha mãe resolveu bater na porta do quarto de Mônica, mas não teve resposta. Eu e meu pai estávamos sentados à mesa e ouvimos os gritos de horror de mamãe. Corremos a acudi-la, eu e meu pai e...

P.:Pode descrever como encontrou sua irmã?

R.: Ela estava no solo, as pernas dobradas, viradas pra sua esquerda, assim como a sua cabeça. O... o pescoço estava... aberto... 

P.: Algo lhe chamou a atenção em particular?

R.: Acho que... acho que a primeira coisa que reparei foi espressão de sua face.

P.: O que, exatamente?

R.: Ela tinha a... garganta rasgada, mas sua espressão não era de dor, mas serena, com um quê de surpresa. Coisa louca, não? ela não pareceu sentir dor!

P.: O legista estabeleceu que a ferida foi feita enquanto ela estava viva. Ele também percebeu a expressão serena de sua irmã.

R.: Sabem o que foi que ele usou para a matar?

P.: Ele quem?

R.: Jairo!

P.: Segundo o legista, a laceração que sua irmã sofreu foi feita com... uma garra ou unha.

R.: O quê?

P.: A morte de sua irmã nos tem colocado diante de muitas questões estranhas. Não temos nenhuma razão para pensar que Jairo Alencar seja o assassino. Sua irmã morreu no décimo segundo andar de seu prédio, como sabe, e ninguém viu Jairo entrar ou sair do prédio.

R.: Mas tem que ser ele! Ele já matou aquele amigo dele, não matou?

Tuesday, 20 May 2014

"12 Angry Men" by Reginald Rose (in English)



Juror #8: [justifying his reason for voting "not guilty"] I just think we owe him a few words, that's all.

Juror #10: I don't mind telling you this, mister: we don't owe him a thing. He got a fair trial, didn't he? What do you think that trial cost? He's lucky he got it. Know what I mean? Now, look - we're all grown-ups in here. We heard the facts, didn't we? You're not gonna tell me that we're supposed to believe this kid, knowing what he is. Listen, I've lived among them all my life - you can't believe a word they say, you know that. I mean they're born liars.

Juror #9: Only an ignorant man can believe that.

Juror #10: Now, listen...

Juror #9: [gets up] Do you think you were born with a monopoly on the truth? [turns to Juror #8, indicating #10]  I think certain things should be pointed out to this man.


Juror #3: It's these kids - the way they are nowadays. When I was a kid I used to call my father, "Sir". That's right. "Sir". You ever hear a kid call his father that anymore?

Juror #8: Fathers don't seem to think it's important anymore.

Juror #3: [looking at him] You got any kids?

Juror #8: Three.

Juror #3: I got one. Twenty-two years old. [takes photo from his wallet and shows it to Juror #8]  Aah. When he was nine years old he ran away from a fight. I saw it; I was so embarrassed I almost threw up. I said, "I'm gonna make a man outta you if I have to break you in two tryin'". And I made a man out of him. When he was sixteen, we had a fight. Hit me in the jaw - a big kid. Haven't seen him for two years. Kids... work your heart out...

Sunday, 18 May 2014

Untitled Poem by José Thiesen (in Portuguese)

Quando tu me sorriste
Foi o céu se abrindo
E eu corri por campinas
Verdes, verdes,
Gloriosamente verdes.

Quando tu te chegaste
Eu quiz fugir assustado,
Mas te recebi como se
Fosses uma chuva de
Pétalas de rosas.

Quando tu te foste
Eu morri um pouco.
Corvos negros voaram
Em torno de mim.
Corvos que matei, lentamente.


Saturday, 17 May 2014

"A Manhã Negra" by José Thiesen (in Portuguese)

     Aquela manhã de agosto surgiu negra.

     O vento uivava, correndo louco pelas esquinas e a própria natureza se encolhia, dobrava-se sobre si mesma com frio e medo.

     Ele acendeu o toco de vela, encontrado a custo, pois já a dias não havia eletricidade. Tremia, por causa da febre alta.

     Não tinha forças nem disposição para procurar um castiçal, então apenas pingou um pouco da própria cera sobre o topo do ecrã de seu computador, aplicando a vela sobre os pingos,

      A luz da vela revelou o estampado bonito da cortina que caia por trás do computador, escolhida por Marta, sua esposa, morta ali no quarto, já a algumas semanas. Ninguém havia para promover enterros e ele estava fraco demais para o fazer.

     O cão era uma bola de pelos negra, morta a dias, depois da febre alta

     Estranho como não se importava mais com o cheiro dos cadáveres.

    Tentou jogar o o fósforo longe, mas estava fraco demais para isso e o fósforo caiu ao seus pés. Tremia de febre e pavor, pois sabia que ia morrer.

     Dez meses antes o noticiário anunciava uma gripe forte que virara epidemia e depois pandemia. Doença nova, febre alta e morte; tudo muito lento, para que se sentisse morrer. Crueldade de Deus, diziam.

                    ...e Morte triunfava!

     Já não há mais eletricidade, mas antes disso já não havia quem anunciasse o noticiário na TV ou imprimisse jornais e ele não podia saber se ainda havia cientistas a trabalhar numa cura para a febre.

     Por algum tempo ele ligara a esmo para os números telefônicos do catálogo que tinha em casa, mas em vão. Alguns não atendiam, outros, eternamente ocupados.

     Febre, morte e solidão.

     Talvez ele fosse o último ser humano vivo.

     Mas agora, estava em pé, trêmulo, olhando a chama da vela a tremilicar.

     Por quanto tempo não comia? Sem importância. Os olhos perdidos dentro da chama da vela.

    Uma fraqueza súbita afloxou-lhe os joelhos e ele caiu; bateu com a cabeça na mesa do computador que estremeceu ao choque e fez a vela cair para o chão, para perto das cortinas.

     Apesar de sua fraqueza, ele tentou até sorrir do fato de que, com todo esse movimento a chama se não apagou, mas alcaçou a cortina e começou a lambê-la, escalando-a e atingindo o teto, correndo pelas paredes e detendo-se por um algum tempo na estante com livros para depois prosseguir adiante..

   Lentamente, o pequeno pingo de luz tornou-se um mundo de chamas que o cercava lenta, pacientemente.

    Subitamente compreendeu que não morreria por causa da febre, mas estava fraco demais para reagir e começou a chorar convulsiva, amargamente, consciente da culpa de desistir de viver.

      Deixou-se ficar ali, dobrado sobre si mesmo, a chorar sem outro consolo que aquele oferecido pelos braços de fogo prestes a abraça-lo.

      






     
    
    

Friday, 16 May 2014

"Maracangalha" by Dorival Caymmi (in Portuguese)



Eu vou pra Maracangalha eu vou
Eu vou de liforme branco eu vou
Eu vou de chapéu de palha eu vou
Eu vou convidar Anália eu vou

Se Anália não quiser ir eu vou só
Eu vou só
Eu vou só
Se Anália não quiser ir eu vou só
Eu vou só
Eu vou só
Sem Anália, mas eu vou.


You can hear "Maracangalha" sung by Dorival Caymmi here.