Sonha, poeta, sonha!
Aqui sentado
No tosco assento da janela
antiga,
Apóias sobre a mão a face
pálida.
Sorrindo — dos amores à
cantiga.
(Álvares de Azevedo)
Era uma tarde
triste, mas límpida e suave...
Eu — pálido poeta
— seguia triste e grave
A estrada, que
conduz ao campo solitário,
Como um filho,
que volta ao paternal sacrário,
E ao longe
abandonando o múrmur da cidade
— Som vago, que
gagueja em meio à imensidade,—
No drama do
crepúsculo eu escutava atento
A surdina da
tarde ao sol, que morre lento.
A poeira da
estrada meu passo levantava,
Porém minh'alma
ardente no céu azul marchava
E os astros
sacudia no vôo violento
— Poeira, que
dormia no chão do firmamento.
A pávida
andorinha, que o vendaval fustiga,
Procura os
coruchéus da catedral antiga.
Eu — andorinha
entregue aos vendavais do inverno,
Ia seguindo
triste p'ra o velho lar paterno.
Como a águia, que
do ninho talhado no rochedo
Ergue o pescoço
calvo por cima do fraguedo,
— (Pra ver no céu
a nuvem, que espuma o firmamento,
E o mar, — corcel
que espuma ao látego do vento... )
Longe o feudal
castelo levanta a antiga torre,
Que aos raios do
poente brilhante sol escorre!
Ei-lo soberbo e
calmo o abutre de granito
Mergulhando o
pescoço no seio do infinito,
E lá de cima
olhando com seus clarões vermelhos
Os tetos, que a
seus pés parecem de joelhos! ...
Não! Minha velha
torre! Oh! atalaia antiga,
Tu olhas
esperando alguma face amiga,
E perguntas
talvez ao vento, que em ti chora:
"Por que não
volta mais o meu senhor d'outrora?
Por que não vem
sentar-se no banco do terreiro
Ouvir das
criancinhas o riso feiticeiro,
E pensando no
lar, na ciência, nos pobres
Abrigar nesta
sombra seus pensamentos nobres?
......................................................................
Onde estão as
crianças — grupo alegre e risonho
— Que
escondiam-se atrás do cipreste tristonho ...
Ou que enforcaram
rindo um feio Pulchinello,
Enquanto a doce
Mãe, que é toda amor, desvelo
Ralha com um rir
divino o grupo folgazão,
Que vem correndo
alegre beijar-lhe a branca mão?..."
......................................................................
É nisto que tu
cismas, ó torre abandonada,
Vendo deserto o
parque e solitária a estrada.
No entanto eu —
estrangeiro, que tu já não conheces —
No limiar de
joelhos só tenho pranto e preces.
Oh! deixem-me
chorar!...Meu lar... meu doce ninho!
Abre a vetusta
grade ao filho teu mesquinho!
Passado — mar
imenso!... inunda-me em fragrância!
Eu não quero
lauréis, quero as rosas da infância.
Ai! Minha triste
fronte, aonde as multidões
Lançaram
misturadas glórias e maldições...
Acalenta em teu
seio, ó solidão sagrada!
Deixa est'alma
chorar em teu ombro encostada!
Meu lar está
deserto... Um velho cão de guarda
Veio saltando a
custo roçar-me a testa parda,
Lamber-me após os
dedos, porém a sós consigo
Rusgando com o
direito, que tem um velho amigo...
Como tudo
mudou-se! ... O jardim 'stá inculto
As roseiras
morreram do vento ao rijo insulto...
A erva inunda a
terra; o musgo trepa os muros
A urtiga
silvestre enrola em nós impuros
Uma estátua
caída, em cuja mão nevada
A aranha estende
ao sol a teia delicada! ...
Mergulho os pés
nas plantas selvagens, espalmadas,
As borboletas
fogem-me em lúcidas manadas ...
E ouvindo-me as
passadas tristonhas, taciturnas,
Os grilos, que
cantavam, calaram-se nas furnas ...
Oh! jardim
solitário! Relíquia do passado!
Minh'alma, como
tu, é um parque arruinado!
Morreram-me no
seio as rosas em fragrância,
Veste o pesar os
muros dos meus vergéis da infância,
A estátua do
talento, que pura em mim s'erguia,
Jaz hoje — e nela
a turba enlaça uma ironia!...
Ao menos como tu,
lá d'alma num recanto
Da casta poesia
ainda escuto o canto,
— Voz do céu, que
consola, se o mundo nos insulta,
E na gruta do
seio murmura um tremo oculta.
Entremos! ...
Quantos ecos na vasta escadaria,
Nos longos
corredores respondem-me à porfia! ...
Oh! casa de meus
pais! ... A um crânio já vazio,
Que o hóspede
largando deixou calado e frio,
Compara-te o
estrangeiro — caminhando indiscreto
Nestes salões
imensos, que abriga o vasto teto.
Mas eu no teu
vazio — vejo uma multidão
Fala-me o teu
silêncio — ouço-te a solidão! ...
Povoam-se estas
salas...
E eu vejo
lentamente
No solo
resvalarem falando tenuemente
Dest'alma e deste
seio as sombras venerandas
Fantasmas
adorados — visões sutis e brandas...
Aqui... além...
mais longe... por onde eu movo o passo,
Como aves, que
espantadas arrojam-se ao espaço,
Saudades e
lembranças s'erguendo — bando alado —
Roçam por mim as
asas voando pra o passado.