Publicado originalmente em Catolicismo Nº149, em maio de 1963
Jamais se usou tanto como em nossos dias, a palavra “social”. E também jamais tanto se abusou dela.
É este um fenômeno típico das épocas de crise: usar e abusar das palavras que exprimem grandes e augustos conceitos, de maneira a coonestar e até a prestigiar com elas os mitos, as fobias, as aspirações torvas e febricitantes das coletividades convulsionadas pela demagogia.
Deu-se isto, por exemplo, nos séculos XVIII e XIX com o nobre vocábulo “liberdade”. Nosso Senhor é por excelência o Libertador. Foi Ele quem quebrou os grilhões do pecado e da morte, e deu ao homem recursos superabundantes para se libertar da tirania do demônio e das paixões desordenadas. “Veritas liberabit vos” ( Jo. 8, 32 ), disse Ele.
E a Verdade, fonte da genuína liberdade, Ele a definiu claramente: “Eu sou o Caminho, a Verdade e a Vida” ( Jo. 14, 6 ). Isso não obstante, o liberalismo que hipnotizava os espíritos daquela época, trombeteando aos quatro ventos a palavra “liberdade”, deturpou-lhe o sentido. Ela passou a não designar mais a soberana liberdade da Verdade e do Bem, triunfantes sobre o Erro e o Mal, mas o “direito” para o Erro e o Mal de fazer tudo quanto se permite à Verdade e ao Bem, e de agredir, perseguir, vilipendiar, caluniar à vontade os que são verazes e bons.
Daí um verdadeiro caudal de erros e até de crimes, provocado pelo liberalismo: “Liberdade, quantos crimes são cometidos em teu nome”, exclamou a liberal Madame Roland.
Leão XIII, na Encíclica “Libertas”, publicada no ano de 1888, distinguiu com exímia clareza a verdadeira liberdade cristã, da falsa liberdade revolucionária. O ensinamento pontifício serviu para esclarecer e orientar inúmeras pessoas. Não obstante, não logrou evitar que, grosso modo, as multidões ainda tenham em nossos dias um conceito de liberdade que, ou é exclusivamente revolucionário, ou é uma mescla deplorável de elementos revolucionários e de alguns vislumbres do conceito cristão, num sincretismo com o qual só a Revolução tem a ganhar. Tal é a força do erro e do mal, nas épocas de crise.
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Sim, tal é a sua força… E por isto hoje em dia a palavra “social” é tão torcida, sofismada e deturpada quanto era outrora a palavra “liberdade”. Disto é prova dolorosa toda a tempestade suscitada em torno do termo “socialização”, para demonstrar que a Encíclica “Mater et Magistra”, fundamentalmente anti-socialista, seria uma ponte lançada sobre o abismo que separa a doutrina católica da doutrina socialista.
Tanto se fala no Brasil de hoje em “social” e mais especialmente em justiça social! Nobres expressões, canonizadas até pelo seu freqüente emprego nos documentos pontifícios! Queira Deus, entretanto, que em breve não se diga delas, como da liberdade: “quantos crimes são cometidos em seu nome!”.
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Social… sociedade. Haverá algo de mais santa e augustamente social do que velar pela família? Pois a demagogia explora a palavra “social”, tanto mais os vários significados legítimos desta se vão obliterando. Ela vai perdendo muito de seu conteúdo bom, e se vai metamorfoseando lamentavelmente. Característico é o que se passa, nesse particular, no que diz respeito à família face a este novo espírito “social”. A noção de que ela é a base da sociedade vai passando para o segundo plano, e… a família vai ruindo aos pedaços. E isso em meio à indiferença completa dos nossos demagogos “sociais”.
São estas as considerações que nos sugere a leitura freqüente, na imprensa francesa, de anúncios de castelos para vender. Em nossos clichês, por exemplo, reproduzimos anúncios publicados [na internet] por corretores que oferecem lindos castelos para qualquer comprador.
E ainda é menos mal quando edifícios como estes passam das mãos das famílias que fizeram sua história para as de outras que lhes conservam pelo menos um caráter residencial distinto. Pois não é raro que essas ilustres mansões percam inteiramente seu cunho originário, transformando-se em fábricas, ou outra coisa qualquer.
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Sentimos de longe o rugido do espírito igualitário ao ler esta afirmação: que tem de ruim isto? Então as famílias nobres, que tantas vezes decaem por culpa própria, devem estar vacinadas contra as condições hodiernas que obrigam a estar mudando constantemente de lar, não só nos campos como nos grandes centros?
O mal está precisamente nisto: a instabilidade das famílias contemporâneas, em suas moradias, é o reflexo da instabilidade das condições de vida da família como instituição. E toda instituição que vive em condições instáveis caminha para a ruína. Tal instabilidade é mais visível quando se trata de moradias prestigiosas de famílias ilustres. Se ela afetasse só as famílias de grande importância, já constituiria de per si um perigo para todo o corpo social. O fato de que essa instabilidade não ocorre apenas em algumas famílias, mas em todas, não prova que nisto não haja mal: prova precisamente que o mal é imenso!
E de que instituição se trata: da que é a base da sociedade!…
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Haverá algo de mais “social” do que velar pela família?
Tanto se fala de reformas de base. Quem, entre os “arditi”, desse reformismo, fala seriamente de reformar a base, isto é, a família? Que espírito “social” é este, que não tem olhos para ver a crise da família, e a insuficiência de todas as medidas destinadas a salvar uma sociedade em que a base está minada?
Mas, dirá talvez alguém, a reforma urbana não visa exatamente dar uma casa a cada família que não a tem?
A família e a propriedade são instituições conexas. São como os dois olhos na face humana. Golpeada uma, está golpeada a outra. Consolidar a família declarando que o Estado tem o direito de confiscar a propriedade, é o mesmo que furar um dos olhos de um estrábico para remediar o fato de que seus dois olhos não convergem para o mesmo foco.
E depois… família? É a cada família que se pretende dar uma casa? Família só é a que se funda no casamento. A nossa legislação do inquilinato tanto favorece a família autêntica quanto a que se funda no concubinato. Qual o ingênuo que imagina faria a reforma urbana coisa diversa?
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Aqui fica a prova da grave deformação do senso social que apresenta a social-demagogia reinante.
A palavra “social” só lhe atrai a simpatia quando serve para fomentar a luta de classe. É verdade que, quando a base é instável, rui o edifício. Mas que importa isto à demagogia? Ou, antes, não é precisamente isto que ela visa?
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